Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
832/16.8TXPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP20200108832/16.8TXPRT-D.P1
Data do Acordão: 01/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui infração repetida e grosseira dos deveres que impendem sobre o condenado em pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação, a ausência dessa habitação, não autorizada e não justificada, em sucessivas ocasiões.
II - Justifica-se, por isso e nesse caso, a revogação desse regime de execução da pena de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal n.º 832/16.8TXPRT-D.P1
Juízo de Execução das Penas do Porto – J3
Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
Por decisão proferida no Juízo de Execução das Penas do Porto – J3, foi decidido revogar o regime de permanência na habitação, fixado a B… por virtude do grave não cumprimento, grosseiro, reiterado e culposo, dos deveres impostos, o que foi determinado à luz dos arts 43º, nº 2, 44º, nº 2, al. a), do Código Penal (redação introduzida pela Lei nº 94/2017, de 28 de agosto), 6º, als. a), d), e), f), g) e h), 14º, als. b) e c), da Lei nº 33/2010, de 02 de setembro, e, em consequência, no âmbito do preceituado no art.º 44º, nº 3 do Código Penal (redação introduzida pela Lei nº 94/2017, de 28 de agosto), foi determinado a execução da pena de prisão efetiva, imposta no âmbito do Processo Sumário nº 1137/18.5GAMAI (Juiz 2, do Juízo Local Criminal da Maia – Tribunal Judicial da Comarca do Porto) e ainda não cumprida, em estabelecimento prisional.

Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
1. O presente recurso tem como objeto a decisão proferida no dia 24 de setembro de 2019 por meio da qual foi revogado o regime de permanência na habitação, com subsequente determinação de execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
2. O Tribunal a quo, entendeu estarem preenchidos todos os requisitos dos artigos 43º/2; 44º/2, al. a) do Código Penal, artigos 6º, als. a); d); e); f); g) e h); 14º, als. b) e c) da Lei 33/2010 de 02 setembro e artigos 194º, 198º, 200º, nº 1, alínea d) e 204º, alínea c) do Código de Processo Penal, por forma a revogar o regime de permanência na habitação por virtude do grave não cumprimento, grosseiro, reiterado e culposo, dos deveres impostos.
3. Determinando a execução da pena de prisão efetiva e ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
4. O recorrente entende, salvo melhor opinião, que foram mal interpretadas as normas que levaram à revogação do regime de permanência na habitação.
5. No dia 24 de abril de 2019, estava o condenado autorizado a deslocar-se aos CTT da Maia para aí levantar o RSI. O condenado deveria ter demorado 1.30 horas, saindo da morada jurisdicional às 14.00 horas e regressado às 15.30 horas, mas só regressou às 16.52 horas.
6. No mesmo dia, pelas 17.09 horas, o condenado teve conhecimento do falecimento do sogro e, sem pensar, ausentou-se da morada jurisdicional por 16 minutos, regressando às 17.25 horas.
7. Foi elaborado relatório no dia 16 de março de 2019 pela Eq. VE DGRSP - episódio 1 – ref. 1910703430.
8. Por despacho de 15 de julho de 2019, foi notificado ao condenado, que a competente Eq. VE DGRSP havia remetido ao Tribunal relatório de incidentes, tendo sido advertido a não mais encetar tais comportamentos bem como à manutenção escrupulosa dos deveres inerentes à sua condição.
9. A Eq. VE DGRSP elaborou novo relatório em 13 de agosto de 2019 (episódio 2 - ref. 1920953430) e informou o Tribunal que o condenado, sem qualquer contacto ou prévia autorização.
10. O condenado cumpre pena em regime de RDH desde 31 de janeiro de 2019.
11. O primeiro episódio a que se reportam os autos diz respeito a uma situação datada de 24 de abril de 2019, três meses após a execução correta e irrepreensível da medida a que foi condenado.
12. As autorizações concedidas para ausência da residência pelo período de 01h30 causaram no condenado um entusiasmo compreensível.
13. Em desrespeito aos limites traçados no despacho de autorização e de forma imprudente e irresponsável, o condenado aproveitou esta oportunidade para se encontrar com o filho num café.
14. O condenado acreditava que desta ação não resultaria qualquer consequência negativa para si, por clara inconsciência da forte intensidade de controlo a que estava sujeito e por não compreender que qualquer desvio no cumprimento das indicações estipuladas seria grave.
15. O condenado, quando confrontado com as interrogações a respeito da sua ausência, justifica prontamente o seu comportamento, sem nunca mentir, demonstrando a sua ingenuidade em relação à execução da pena.
16. No mesmo dia, aquando da notícia da morte do sogro, o condenado abandona a residência por 16 minutos.
17. O condenado, nessa saída para “espairecer”, conforme relatou, por estar perturbado com a notícia do falecimento do sogro sem ter consciência de que a curta distância de afastamento constituiria uma falta aos seus deveres.
18. Ora, após esta situação, o condenado foi advertido do incumprimento da pena que decorreu da sua conduta e foi avisado das consequências que resultariam de um novo incumprimento. O condenado mostrou-se surpreendido pela advertência e assustado pela possibilidade de vir a cumprir pena em estabelecimento prisional, pelo que se conformou com a ideia da permanência ininterrupta na habitação.
19. O condenado, ora recorrente, mostrou-se arrependido pela sua conduta imprudente, que poderia ter sido evitada através de uma explicação mais detalhada dos concretos limites da medida, adaptada às características pessoais do condenado e ao seu grau de escolaridade e entendimento.
20. O condenado não completou o ensino básico.
21. O condenado não teve intenção de violar os dever a que estava obrigado.
22. Em sede de audição, o condenado assumiu que se ausentou até à entrada do acampamento para apaziguar conflito entre jovens pelo facto de ser “líder dos jovens”.
23. O recorrente admitiu que as restantes vezes não saiu da morada jurisdicional autorizada.
24. Referiu que as restantes vezes não saiu da morada jurisdicional autorizada, mas que o sistema de vigilância eletrónica reportava ausências do espaço monitorizado.
25. O condenado constatou que não havia sinal num dos quartos e deu conhecimento à Eq. VE DGRSP e deixou de frequentar esse quarto.
26. Impunha-se que, após o condenado ter dado conhecimento à Eq. VE DGRSP de que não tinha saído da morada jurisdicional e que o sistema de vigilância eletrónica poderia estar danificado, que a referida Eq. VE enviasse um técnico que certificasse ou não esse facto, o que não sucedeu.
27. No relatório de incidente de 13 de agosto de 2019 (episódio 2 – ref. 1920953430), não há qualquer referência a uma possível avaria do sistema de vigilância eletrónica.
28. O recorrente, não pode concordar com a posição sustentada pelo Tribunal recorrido.
29. É verdade o condenado admitiu que se ausentou até à entrada do acampamento para apaziguar conflito entre jovens pelo facto de ser “líder dos jovens”.
30. Mas também é verdade que o condenado admitiu que as restantes vezes não saiu da morada jurisdicional autorizada.
31. Não tendo a Eq. VE DGRSP verificado se o sistema de vigilância eletrónica estava ou não danificado e se o mesmo permitia o contacto com o condenado, não poderia o Tribunal a quo tirado as conclusões acima descritas, mas apenas e tão só a conclusão de que não existem provas de que o recorrente tenha efetivamente se ausentado da morada jurisdicional, nas datas e horas supra referidas.
32. As regras da experiência comum não podem servir para, na ausência de prova dos factos, o julgador, partir do pressuposto de que estes ocorreram, que foi o condenado que os praticou e cogitar hipóteses acerca de como estes terão sido praticados.
33. Não tendo o Tribunal a quo ponderado a hipótese de ter havido uma falha nos aparelhos, pois estes, como bem se sabe, não são infalíveis assim como poder haver falha por parte da Eq. de Vigilância Eletrónica.
34. Na opinião do recorrente, a monitorização feita pelo sistema de vigilância eletrónica encontrava-se com anomalias pois, conforme se pode verificar, no registo de incidentes a frequência dos reportes são incoerentes, como por exemplo o registo do dia 08 de agosto em que o condenado supostamente se ausenta das 18.31h às 18.38h e seguidamente se ausenta das 18.38h às 18.53h.
35. Quando não há prova da ocorrência dos factos impõe-se ao julgador a aplicação do princípio in dubio pro reo e não a construção de guiões da vida real.
36. Conforme já referido, é verdade que o recorrente, no dia 24 de abril de 2019, regressou à morada jurisdicional pelas 16.52 horas quando deveria ter regressado às 15.30 horas, como também é verdade que, no mesmo dia pelas 17.09 horas, o recorrente se ausentou da morada jurisdicional por 16 minutos. Mas também é verdade que não o fez com intenção de violar os deveres impostos.
37. Por despacho de 15 de julho de 2019, notificado ao condenado, foi o mesmo informado para não mais encetar tais comportamentos bem como à manutenção escrupulosa dos deveres inerentes à sua condição.
38. Após essa advertência o condenado admitiu que se ausentou até à entrada do acampamento para apaziguar conflito entre jovens pelo facto de ser “líder dos jovens”.
39. Sucede que, ao contrário do que resulta da decisão de que ora se recorre, o regime de permanência na habitação só deve ser revogado se se revelar que as finalidades que estiveram na base da sua aplicação já não poderem ser alcançadas.
40. E, salvo o devido respeito, as infrações praticadas pelo condenado não foram de tal modo graves e reiteradas para que o RPH fosse, como foi, imediatamente revogado e determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
41. A decisão aqui recorrida, não considerou ou valorou o facto de o recorrente ter afirmado que os meios de motorização não se encontravam em pleno funcionamento na totalidade do espaço habitacional.
42. Tal facto deveria ter sido devidamente analisado, ordenando o Tribunal a quo, ao abrigo do artigo 222º-D e 185º, nº 5 da Lei nº 115/2009, de 12 de outubro, a verificação do equipamento de vigilância eletrónica instalado na morada jurisdicional.
43. Mostrava-se necessário que o Tribunal a quo tivesse reunido todos elementos indispensáveis para tomar a decisão da revogação do regime de permanência na habitação.
44. Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias suscetíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adotar.
45. Até porque, o cumprimento da pena remanescente em estabelecimento prisional é um retrocesso na reabilitação do recluso para a sua vida na sociedade.
46. O cumprimento da pena deve ter um cariz reabilitante e conforme se sabe o nosso sistema prisional não tem esse cariz.
47. Confinar o recorrente a uma cela não satisfaz nenhuma das finalidades de prevenção positiva, quer geral como especial.
48. O Tribunal a quo fez assim errada interpretação dos artigos 44º, nº 2 do Código Penal, artigo 185º, nº 5 da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro e artigos 6º alíneas a), d), e), f), g), h), i), 14º alíneas b) e c) ambos da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro, sendo assim as mesmas violadas.
49. Pelos factos supra expostos deve o Tribunal ad quem revogar a decisão de execução da pena de prisão efetiva, ainda não cumprida, Termina dizendo dever ser dado provimento ao recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito não suspensivo (ou meramente devolutivo).

O MºPº em 1ª instância apresentou resposta, concluindo dever o recurso ser não provido, mantendo-se a decisão recorrida e o recorrente cumprir a pena que lhe falta em estabelecimento prisional, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
1.- o recorrente foi condenado na pena de 14 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 43º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal;
2.- foi determinada a morada onde tal regime devia ser cumprido, sendo que, aquando da instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica lhe foram entregues documentos onde constam os seus direitos e deveres, bem como as consequências da sua violação;
3.- em maio de 2019, foi reportado pela DGRSP um atraso de cerca de 1h20m no regresso de uma saída autorizada e uma ausência de 16 minutos, ambas ocorridas no dia 24.04.2019;
4.- em face dessa comunicação foi efetuada notificação por este tribunal, prévia à instauração de incidente de incumprimento, contendo nova advertência para a necessidade de cumprimento escrupuloso das obrigações inerentes ao cumprimento da pena em RPH e das consequências de nova comunicação de ausências injustificadas (cfr. fls. 25 27 do Apenso B);
5.- não obstante tal notificação efetuada em 19.07.2019, logo em agosto de 2019 é efetuada nova comunicação de ausências injustificadas (num total de catorze) referentes ao período de 22 de Julho a 12 de agosto de 2019.
6.- neste quadro, e nos termos do disposto no art.º 222-D, da Lei 94/17, de 23/08 foi instaurado apenso de incidente de incumprimento do regime de cumprimento da pena em permanência na habitação e designado dia para a sua audição, vindo o mesmo “justificar” os atrasos com uma ida ao café e necessidade de espairecer após notícia da morte do sogro e alegando que as ausências terão ocorrido para “apaziguar conflitos“, estando “consciente que não tinha autorização para tal” – cfr. declarações de fls. 33-;
7.- estas condutas do recorrente traduzem, sem qualquer margem para dúvidas grosseiras e reiteradas infrações do mais elementar dever decorrente deste regime de cumprimento da pena, precisamente o de permanecer na habitação;
8.- assim, bem andou a decisão recorrida ao revogar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação e a determinar o seu cumprimento intramuros, pois outra não podia ser a solução legalmente prevista para o quadro exposto e para a conduta totalmente violadora das regras deste modo de execução da pena por parte do recorrente;
9.- o recurso não merece provimento devendo ser mantida a decisão recorrida e o recorrente cumprir o que falta da pena em estabelecimento prisional, tal como se encontra.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido de ser o recurso julgado não provido, confirmando-se o despacho impugnado, referindo, quanto ao mérito o seguinte:
As questões a dirimir mostram-se devidamente equacionadas e debatidas na resposta apresentada pela magistrada do Ministério Público junto da instância recorrida, que subscrevemos, no sentido de que a decisão proferida foi tomada de acordo com os normativos processuais aplicáveis e com escrupulosa observância do disposto nos artigos 43º, nº 2, e 44º, nºs 2, al. a) e 3, do C. Penal, impondo-se a sua confirmação.
Na verdade, estão verificados – de modo que temos por manifesto, face aos relatórios elaborados pela DGRSP (cfr. fls. 27 a 29) e às explicações aduzidas pelo arguido em sede de audição (cfr. fls. 33/35) – quer os pressupostos formais da decidida revogação (o arguido ausentou-se da residência, repetida e injustificadamente, violando as obrigações decorrentes do regime de permanência na habitação, que voluntariamente assumira) quer o seu pressuposto material, traduzido na culpa, tornando-se patente que as finalidades que haviam estado na base da opção por aquele modo de execução da pena não puderam, por essa via, ser alcançadas e que foi posto em causa o juízo de prognose favorável que justificara essa decisão.
Não poderia, pois, ser tomada outra medida que não a de revogação do regime de permanência na habitação e a execução da pena ainda não cumprida, em estabelecimento prisional.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de forma uniforme, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Aquilo que importa apreciar e decidir é saber se existe ou não fundamento para revogar o regime de permanência na habitação fixado ao recorrente.
*
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como provados:
1. O condenado encontra-se a cumprir, pela prática do(s) indicado(s) crime(s), a pena de 14M (catorze meses) de prisão efetiva, em regime de execução de permanência na habitação (RPH), à ordem do NUIPC P. E. Sumário 1137/18.5GAMAI (Juiz 2 do Juízo Local Criminal da Maia – Tribunal Judicial da Comarca do Porto)
• 1 crime de condução sem habilitação legal – art.º 3.º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/93, de 3 de janeiro (factos praticados em 25 de outubro de 2018 – nas circunstâncias e do modo descritos nos factos provados na decisão condenatória, aqui dados por integrados);
- a decisão condenatória é de 12 de novembro de 2018;
- transitou em julgado a 12 de dezembro de 2018;
- o condenado, por via de instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica, iniciou cumprimento da pena em RPH em 31 de janeiro de 2019;
- opera desconto de 1D (um dia) – (art.º 80º do CP) face a detenção;
- o termo está computado para 30 de março de 2020.
2. O RPH mostra-se autorizado para execução na morada jurisdicional[2]: Travessa …, Casa …, …, …. - … Maia.
3. A decisão de 12 de novembro de 2018 não firmou autorizações de ausência da morada jurisdicional.
4. Aquando da instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica, em 31 de janeiro de 2019, a competente Eq. VE DGRSP, entre o mais, entregou ao condenado documento onde constam os seus direitos e deveres, informação sobre os períodos de vigilância eletrónica, bem como um guia dos procedimentos a observar durante a respetiva execução, informou o mesmo das possíveis consequências face a violação das obrigações reportadas, de tudo o mesmo tendo ficado ciente, assumindo compromisso de cumprimento e a responsabilidade por danificação de DIP (dispositivo de identificação pessoal).
5. Aquando da instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica, em 31 de janeiro de 2019, a competente Eq. VE DGRSP, entre o mais, testou os equipamentos e aferiu que a monotorização se efetuava na totalidade do espaço habitacional.
6. Por despacho de 01 de março de 2019 (ref. 3480044), notificado ao condenado, foram genericamente autorizadas várias naturezas de ausências da residência, assim como foi o condenado expressamente informado e advertido das situações que à face de lei podem determinar a revogação do RPH, determinando execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
(episódio 1 – relatório de 16 de maio de 2019 – ref. 1910703430 – fls. 27)
7. Após prévia comunicação de solicitação à competente Eq. VE DGRSP, com subsequente avaliação, porque verificados os pressupostos e enquadrável no quadro de autorizações genéricas, pelas 14h00 de 24 de abril de 2019, a fim de se deslocar aos CTT da Maia onde levantaria o cheque mensal de reporte a RSI, o condenado ausentou-se da morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH.
8. Estava definido pela competente Eq. VE DGRSP, com conhecimento e anuência do condenado, que tal saída era de 1h30, onde se incluía o tempo de deslocação – percurso a pé – de ida e volta.
9. O condenado apenas regresso à morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH pelas 16h52 de 24 de abril de 2019.
10. Face ao não regresso pelas expectáveis 15h30, a competente Eq. VE DGRSP efetuou várias tentativas de contacto telefónico para o telemóvel do condenado, não tendo obtido sucesso porquanto o condenado rejeitava as chamadas.
11. Só foi possível o contacto com o condenado após o regresso do mesmo à morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH o qual “justificou” a ausência para além do tempo acordado com o “ter ido tomar um café com o filho”.
12. Perante o descrito episódio a Eq. VE DGRSP advertiu o condenado quanto à necessidade de manter um comportamento adequado à sua situação processual, alertando-o quanto às consequências que poderão advir deste comportamento.
13. Em sede de audição o condenado assume tal comportamento “justificando” a ausência para além do tempo acordado com o “ter ido efetivamente ao café para tomar uma água”.
14. Entre as 17h09 e as 17h25 (por 16minutos) de 24 de abril de 2019, o condenado, sem qualquer contacto ou prévia autorização abandonou a morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH, não comunicando/justificando, por qualquer modo, a razão da sua pessoal, dominável e querida conduta.
15. Realizadas pela competente Eq. VE DGRSP várias tentativas de contacto telefónico para com o equipamento instalado na morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH, não foi obtido sucesso, só sendo possível o contacto com a filha do condenado e no telemóvel deste, a qual confirmou a ausência da morada jurisdicional, e apresentou como “justificação” perante tal comportamento o facto de o condenado ter sabido da morte do sogro.
16. Só foi possível o contacto com o condenado após o regresso do mesmo à habitação, o qual “justificou” a ausência da morada jurisdicional com “a notícia do falecimento do sogro e a necessidade em «espairecer»”.
17. Perante o descrito episódio a Eq. VE DGRSP advertiu o condenado quanto à necessidade de manter um comportamento adequado à sua situação processual, alertando-o quanto às consequências que poderão advir deste comportamento.
18. Em sede de audição o condenado assume a reportada ausência “justificando-a” com o ter ficado “desorientado” “quando soube do falecimento do sogro” pelo que “foi espairecer”.
19. Por despacho de 15 de julho de 2019 (ref. 3642681), notificado ao condenado, foi o mesmo informado que a competente Eq. VE DGRSP havia remetido ao Tribunal relatório de incidentes, tendo sido exultado a não mais encetar tais comportamentos bem como à manutenção escrupulosa dos deveres inerentes à sua condição, bem como advertido solenemente que de perante nova comunicação da competente Equipa VE da DGRSP se determinaria imediata abertura de incidente de revogação da execução da prisão em RPH.
(episódio 2 – relatório de 13 de agosto de 2019 – ref. 1920953430 – fls. 29)
20. Entre:
- as 16h50 e as 17h05 (por 15 minutos) de 22 de julho de 2019;
- as 18h32 e as 18h43 (por 11 minutos) de 02 de agosto de 2019;
- as 12h46 e as 13h00 (por 14 minutos), as 13h02 e as 13h09 (por 07 minutos), as 14h36 e as 14h47 (por 11 minutos), as 16h37 e as 16h42 (por 05 minutos), as 16h57 e as 17h04 (por 07 minutos), as 18h31 e as 18h38 (por 07 minutos) e as 13h38 e as 13h53 (por 15 minutos) de 08 de agosto de 2019;
- as 11h58 e as 12h08 (por 10minutos) de 09 de agosto de 2019;
- as 02h39 e as 03h04 (por 25 minutos) de 10 de agosto de 2019;
- as 18h56 e as 19h19 (por 23 minutos) e as 19h23 e as 19h33 (por 10 minutos) de 11 de agosto de 2019;
- as 09h21 e as 09h35 (por 14 minutos) de 12 de agosto de 2019;
o condenado, sem qualquer contacto ou prévia autorização abandonou a morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH, não comunicando/justificando, por qualquer modo, a razão da sua pessoal, dominável e querida conduta.
21. Realizadas, em cada uma das reportadas situações, pela competente Eq. VE DGRSP várias tentativas de contacto telefónico para com o equipamento instalado na morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH, na maioria das mesma não foi obtido sucesso, só sendo possível o contacto com o condenado após o regresso do mesmo à habitação o qual “justificou” a ausência da morada jurisdicional com a necessidade “deslocação à entrada do acampamento no sentido de tentar apaziguar um conflito existente entre os jovem”, ou negando qualquer ausência morada jurisdicional autorizada para a execução do RPH, alegando “a permanência o quarto a dormir e a jogar computador”.
22. Perante cada um dos descritos episódios a Eq. VE DGRSP advertiu o condenado quanto à necessidade de manter um comportamento adequado à sua situação processual, alertando-o quanto às consequências que poderão advir deste comportamento.
23. Em sede de audição o condenado assume parcialmente tais ausências “justificando-as” com o facto de ser “o líder dos jovens” pelo que “foi algumas vezes apaziguar conflitos”, alegando quanto aos demais que “num quarto não há sinal, que disso foi avisado, mas que ainda assim voltou ao quarto; para ir estudar no computador, para tirar a carta, mas que agora não tem ido para o quarto”.
24. Por despacho de 13 de setembro de 2019 (ref. 3692664) agendada audição (para 23setembro2019), com notificação para a morada jurisdicional, o condenado, regularmente notificado compareceu e prestou declarações.
25. Do referido despacho de 13 de setembro de 2019 (ref. 3692664), notificado ao condenado, consta expressa advertência de que “Para a designada diligência de audição, o condenado deve fazer-se acompanhar de todos os elementos documentais que entenda sejam importantes para a apreciação da imputada conduta de infração”.
26. O condenado, ainda que por via da sua IDO, não se fez acompanhar de qualquer documento comprovativo, não requereu a sua junção, nem até ao momento algum fez chegar aos autos.
27. Em sede de audição o condenado verbalizou que tem consciência de que está obrigado a permanecer no local onde se executa a RPH e que não pode sair do mesmo sem autorização ou para além das limitações espaciais e temporais impostas.
28. O condenado possui a situação pessoal constante dos pontos 6 a 9 da matéria de facto provada na sentença condenatória: “não trabalha, tem 4 filhos e vive com a companheira, um filho de 13 anos de idade, um filho de 19 anos de idade e uma nora; vive em casa camarária arrendada, pela qual paga uma renda mensal no valor de €70,00, suportando despesas de água e eletricidade no montante global de €125,00; por rendimentos mensais o agregado familiar que integra beneficia de €495,00 a título de rendimento de reinserção social e a companheira aufere € 350,00 mensais, tendo por despesas fixas, para além das correntes do dia a dia, o pagamento do crédito pela compra do veículo automóvel em que circulava no dia, hora e local referido no ponto 1º, no valor mensal de € 100,00; não completou o ensino básico”.
29. O condenado possui o passado criminal constante do ponto 5 da matéria de facto provada na sentença condenatória:
a) 07/12/2000, de um crime de furto simples, numa pena de multa, já declarada extinta;
b) 15/01/2001, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1, alínea f), ambos do Código Penal, numa pena de multa, já declarada extinta;
c) 25/03/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de janeiro, numa pena de multa, já declarada extinta;
d) 07/01/2005, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, numa pena de 6 meses de prisão, substituída pela prestação de 180 horas de trabalho a favor da comunidade;
e) 08//09/2006, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, numa pena de multa já declarada extinta;
f) 23/07/2004, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, do Código Penal, numa pena de multa, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta;
g) 10/12/2004, de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 204º, 22º e 23º, do Código Penal, numa pena de multa, já declarada extinta;
h) 05/05/2009, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, do Código Penal, numa pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, já declarada extinta;
i) 07/2006, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204º, 22º e 23º, todos do Código Penal, numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, já declarada extinta;
j) 18/07/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de multa, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta;
k) 30/10/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de multa, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta;
l) 05/07/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de 5 meses de prisão substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta;
m) 08/01/2013, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período de tempo, já declarada extinta;
n) 26/02/2010, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, do Código Penal, numa pena de 9 meses de prisão, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta;
o) 10/04/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de 6 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres, por sentença proferida em 06/05/2016, transitada em julgado em 06/06/2016, declarada extinta em 06/04/2017.

E na decisão recorrida escreveu-se o seguinte quanto à motivação dos factos com relevo para proferir decisão que foram consignados:
(…) Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base nos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas constantes do quanto é o somatório factual inerente aos relatórios juntos aos autos, tudo em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam dos mesmos.
Valorou-se, em particular:
A) certidão da(s) decisão(ões) condenatória(s);
B) certidão da(s) liquidação(ões) de pena(s);
C) certidão do(s) relatório(s) da DGRSP;
D) declarações do(a) condenado(a);
E) demais documentação do PUR (sendo caso dos apensos que o constituem).
O Tribunal recorreu à conjugação do teor dos subsequentes documentos juntos aos autos, em momento algum contrariados no seu valor e conteúdo pelo condenado, sequer através das suas afirmações.
Destas – em vero exercício da imediação e do garante que esta confere através da proximidade comunicante entre o tribunal e o condenado, de tal modo que, em conjugação com a oralidade - obteve-se uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão: o condenado efetivamente autorizado a ausentar-se da morada jurisdicional onde a pena de prisão efetiva em RPH se vinha executando, fê-lo para fim e por tempo diferenciado do inicialmente determinado, assim como em várias e sucessivas situações, em especial após já solenemente advertido, ausentou-se da morada jurisdicional onde a pena de prisão efetiva em RPH se vinha executando, fê-lo ciente dos seus deveres enquanto cidadão sujeito à execução de pena de prisão efetiva em RPH, fê-lo de vontade própria e consciente. E, neste particular, com referência à imediação concedida pela direta audição do condenado, resulta que o mesmo se apresentou numa clara atitude de indiferença para com a gravidade e a responsabilidade subjacente das suas atuações, as quais ainda assim reconheceu serem existentes, ainda que com o reverso ultra verbalizado de arrependimento que, contudo, em lado algum se vislumbrou ser vero, mais quando se está perante um reiterado quadro em que mesmo perante as advertências da Eq. VE DGRSP e do próprio Tribunal nada o condenado mudou no seu agir.
E, se dúvidas tivesse quanto às advertências da Eq. VE fosse possível ao condenado ter, nenhumas ao mesmo podiam caber após a audição onde de tudo foi novamente esclarecido quanto à sua situação.
A crueza da situação e das palavras só pode ser esta, sendo que tal se deve ao agir inerte do condenado para com os autos ao nível de justificação e explicação de condutas, mormente e em especial contraponto face a um agir tão dinâmico e de violação quão de contraponto em relação às obrigações decorrentes do RPH, que conhecia e em relação às quais está ciente de consequências porque disso notificado está como documentado junto aos autos, e assumiu em sede de audição, o que se valora e comprova.
Uma particular referência cumpre, ainda fazer. É a mesma de reporte à prova de que nas situações relatadas sempre o condenado efetivamente se ausentou da morada jurisdicional. E assim o Tribunal está convicto porque não só é do conhecimento funcional do que aquando da instalação dos meios de motorização a Eq. VE DGRSP verifica o seu funcionamento, testando os equipamentos e aferindo que a monotorização se efetua na totalidade do espaço habitacional, o que é o caso dos autos, sendo que quando tal monotorização não opera na totalidade do espaço habitacional são aferidos os limites da mesma e o condenado de tal informado com vista a evitar situações dúbias. Mas mais, sendo ou não sendo caso de monotorização total, certo é que em cada uma das situações a Eq VE DGRSP tentou o contacto do condenado e quando conseguido – as mais das vezes só após o regresso à monotorização – o condenado nunca justificou o porquê de precisamente nesse tempo de imputada ausência de monotorização não ter respondido aos contactos. De facto, se a monotorização estivesse deficiente não se percebe o porquê de na mesma não se manter contactado, pois deficiência nos aparelhos de contacto não alegou nem detetados foram. Já facilmente se percebe – pelas mais elementares regras de experiência comum – o porquê de precisamente nas ausências não se ser contactado. Mas mais, se de facto hipoteticamente uma situação de falha de sinal ocorresse num determinado espaço da morada jurisdicional onde o RPH se executa, tendo sido detetada tal falha e a mesma comunicada ao condenado, a partir desse momento o condenado saberia que tal área era área que não poderia frequentar por estar fora do alcance da VE e, como tal, ser área onde o RPH não se poderia executar. Mas mesmo assim para lá teria ido, pois alega que várias situações assim ocorreram. E se na hipotética primeira situação justificação teria, para as subsequentes não a teria, sequer a apresentou, sendo que a justificação de estudo no mínimo é insignificante, pois estudos de tão parcos minutos poucos efeitos na sabedoria terão criado.

Para justificar a decisão tomada, fundamentou-a o tribunal a quo da seguinte forma:
A atual filosofia subjacente às alterações recentemente introduzidas na legislação penal, de que é exemplo a L94/2017-28agosto vai diretamente no sentido de que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (art.º 42.º/1CP), sendo que o regime agora previsto no art.º 43º/1 CP passou a constituir não uma pena de substituição, ainda que em sentido impróprio, mas na essência uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão efetiva [3] [4] dado que como postulado de política criminal subjacente se mostra necessário “o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir” [5]. Concluindo, a nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão intramuros devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado [6].
Descendo ao caso concreto.
Ao condenado foi determinada uma pena de prisão efetiva, a qual nos termos do art.º 43º CP (redação introduzida pela L 94/2017, de 28 de agosto) é executada em regime de permanência na habitação (RPH), com fiscalização por meios técnicos à distância, o quanto significa que o(a) condenado(a) tem de permanecer na habitação onde estão instalados tais meios de vigilância eletrónica, pelo tempo de duração da pena, sem prejuízo de ausências autorizadas.
Iniciada a execução da pena (através da instalação dos meios técnicos de vigilância eletrónica, o que aconteceu, in casu, em 31 de janeiro de 2019 – art.º 8º da L 33/2010, de 02 de setembro), no que de momento se cuida, ao condenado foram dados a conhecer os seus direitos e deveres (arts. 5º e 6º da L 33/2010, de 02 de setembro), sendo que dos mesmos ficando ciente. Mesmo assim, em reforço e como modo de cabal esclarecimento, foi proferido despacho liminar onde a questão de reporte foi tratada, despacho este notificado ao condenado.
Dentre estes, no que de momento se cuida, destaca-se o direito de “receber dos serviços de reinserção social um documento onde constem os seus direitos e deveres, informação sobre os períodos de vigilância eletrónica, bem como um guia dos procedimentos a observar durante a respetiva execução” (art.º 5º, al. b), da L 33/2010, de 02 de setembro) e os deveres de “permanecer nos locais onde é exercida vigilância eletrónica durante os períodos de tempo fixados”, de “receber os serviços de reinserção social e cumprir as suas orientações, bem como responder aos contactos, nomeadamente por via telefónica, que por estes forem feitos durante os períodos de vigilância eletrónica“, de “contactar os serviços de reinserção social, com pelo menos três dias úteis de antecedência, sempre que pretenda obter autorização judicial para se ausentar excecionalmente durante o período de vigilância eletrónica, fornecendo para o efeito as informações necessárias”, de “solicitar aos serviços de reinserção social autorização para se ausentar do local de vigilância eletrónica quando estejam em causa motivos imprevistos e urgentes”, de “apresentar justificação das ausências que ocorram durante os períodos de vigilância eletrónica” e de “abster-se de qualquer ato que possa afetar o normal funcionamento dos equipamentos de vigilância eletrónica” (art.º 6º, als. a); d); e); f); g) e h), da L 33/2010, de 02 de setembro).
Por seu turno, dispõe o art.º 14.º da L 33/2010, de 02 de setembro que “a decisão que fixa a vigilância eletrónica é revogada quando: (…) b) O (…) condenado danificar o equipamento de monotorização, com intenção de impedir ou dificultar a vigilância, ou, por qualquer forma, iludir os serviços de vigilância ou se eximir a esta”. E, c) “O (…) condenado violar gravemente os deveres a que está sujeito”, do mesmo modo que dispõe o art.º 44º, nº 2 do CP (redação introduzida pela L 94/2017, de 28 de agosto) que “O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente (…) os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão (…)
Também estas normas participam do vetor que atravessa todo o direito sancionatório penal português: a aplicação de uma pena de prisão intramuros deve ser aplicada como ultima ratio, de tal modo que a revogação do modo de execução concreto de RPH surja apenas como única forma de lograr as finalidades da punição[7]. Assim, são finalidades exclusivamente preventivas que devem informar a ponderação do Tribunal na apreciação do incumprimento de um qualquer dever de reporte ao RPH perante a sua consequência, nomeadamente na opção pela revogação, de tal modo que “o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão (leia-se execução da pena de prisão efetiva em RPH) ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado” [8]; a escolha da concreta medida que o tribunal adote em relação a um qualquer facto revelador do incumprimento dos deveres do RPH (e também a sua revogação) deve ser “função exclusiva das probabilidades, porventura ainda subsistentes, de manter o delinquente afastado da criminalidade no futuro e, deste modo, do significado que o incumprimento assuma para o juízo de prognose que foi feito no momento da aplicação da suspensão da execução da prisão (leia-se execução da pena de prisão efetiva em RPH)” [9].
Em face da redação do art.º 44º, nº 2 do CP, entendemos serem quatro as razões/ocorrências/possibilidades que podem levar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão [10].
1- a infração grosseira das regras de conduta, do disposto no plano de reinserção social ou dos deveres impostos pela execução do RPH, atuação esta que “não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”, devendo considerar-se que “a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições”;
2- a infração repetida das regras de conduta, do disposto no plano de reinserção social ou dos deveres impostos pela execução do RPH, que ocorre naquelas situações em que há “uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo”, “que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”;
3- o cometimento de novos crimes durante a execução do RPH, desde que tenha havido condenação (naturalmente transitada em julgado) em pena de prisão efetiva intramuros (a condenação em pena de multa ou em qualquer pena substitutiva da prisão ou em pena de prisão efetiva a cumprir em RPH supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente);
e
4- a sujeição a m.c. de prisão preventiva (naturalmente transitada em julgado) [11].
Fixados legalmente que estão os deveres em sede de RPH, incumpridos os mesmos há que aferir se tal comportamento é suscetível de configurar uma efetiva e válida causa de revogação, o mesmo é dizer, há que averiguar do valor e gravidade de tal incumprimento. Dúvidas inexistem de que o incumprimento puro e simples de deveres nem sempre é culposo, sendo igualmente certo que, ainda que porventura o seja, o mesmo nem sempre determina a revogação do RPH. Com efeito, “só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto, o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, em caso positivo, qual a que melhor se molda à situação” [12]. Donde, se mostra legítimo afirmar consubstanciar a aludida revogação uma medida de ultima ratio, a aplicar unicamente quando a manutenção do RPH se revele ineficaz. Ou seja, da leitura do citado preceito legal resulta que não basta, tão somente, que o condenado em cumprimento de pena de prisão efetiva em RPH falte ao cumprimento dos deveres que lhe foram impostos para que o RPH seja, imediatamente, revogada e se determine “a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional”. Tal incumprimento deve demonstrar absolutamente que não foram alcançadas as finalidades que motivaram a aplicação de tal instituto [13].
Retomando o caso concreto.
Está assente que o condenado está ciente de quais os seus direitos e deveres de inerência à execução da pena de prisão efetiva em RPH, por de tal ter sido notificado, o quanto compreendeu.
Está assente que na situação em que o condenado, com a devida e acordada autorização, se ausentou do local onde está obrigado a permanecer e onde se executa (como morada jurisdicional) o RPH o mesmo não regressou tempestivamente (atraso de 01h20), bem como utilizou tal autorização para fim diferente do determinado (era para se deslocar aos CTT da Maia onde levantaria o cheque mensal de reporte a RSI e o condenado, para além do mais, foi para o café), sendo que não se vislumbra, sequer foi alegada, uma qualquer necessidade excecional justificadora da ausência para além do tempo ou para o fim confessado, ou uma situação em que operem motivos imprevistos e urgentes, acrescendo que para nenhuma o mesmo apresenta justificação bastante.
Estamos, consequentemente, perante a utilização do período de ausências para fim e por tempo diferente do autorizado, situação esta não justificada, o quanto vale para os termos do incumprimento dos deveres de reporte ao art.º 6º, als. a); e); f) e g) da L 33/2010, de 02 de setembro.
No mais, está assente que em nenhuma das situações (e foram várias na sede dos dois episódios) em que o condenado se ausentou do local onde está obrigado a permanecer e onde se executa (como morada jurisdicional) o RPH o mesmo contactou previamente a Eq. VE, sendo que nenhuma das ditas situações consubstancia uma necessidade excecional justificadora de ausência, ou uma situação em que operem motivos imprevistos e urgentes, acrescendo que para nenhuma o mesmo apresenta justificação bastante (dir-se-á que relativamente à situação de 24 de abril de 2019 sequer o condenado apresenta documento comprovativo, ainda que para tal notificado estivesse).
Estamos, consequentemente, perante ausências não autorizadas e não justificadas, o quanto vale para os termos do incumprimento dos deveres de reporte ao art.º 6º, als. a); e); f) e g) da L 33/2010, de 02 de setembro.
Está assente, também, que aquando dessas ausências o condenado de forma plural não respondeu às tentativas de contacto efetuadas telefonicamente pela Eq. VE, sendo que quando o fez atuou em modo de urdidura (de facto a efetiva monotorização e a não resposta a tentativas de contacto nesse tempo, sem alegação de impedimento ou de avaria do meio de contacto nesse tempo, contraria a versão de alegação de refutação).
Estamos, consequentemente, perante ausências não autorizadas e não justificadas, em que o(a) condenado(a) se frustrou a contactos por parte da Eq. VE, o quanto vale para os termos do incumprimento do dever de reporte ao art.º 6º, al. d) da L 33/2010, de 02 de setembro.
Concluindo, o condenado, por sucessivas vezes, ao longo de dias diferenciado, situados entre 24 de abril de 2019 e 12 de agosto de 2019, sem qualquer contacto ou prévia autorização, ausentou-se da morada jurisdicional, eximindo-se à VE, não comunicando/justificando, por qualquer modo, a razão da sua pessoal, dominável, e querida conduta, mesmo quando contactado para tal pela Eq. VE, ao que se frustrou.
Com tal reiterada conduta, que desejou e realizou, de forma que é grosseira, infringiu de forma grave o condenado os deveres decorrentes do concreto regime de execução da pena de prisão, gerando direta intenção de prejuízo do normal funcionamento da VE, que impediu, pela via de violação da obrigação de permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas, numa das quais sequer o seu fim e temporalidade respeitou.
Concluindo, este plural atuar do condenado, sem qualquer justificação por parte do mesmo e depois de expressamente advertido, bem revela a sua total indiferença para com as ditas obrigações, cuja observância se tinham, como têm, como nucleares à sua reintegração social pela via de aplicação da pena de prisão efetiva em causa e pela via de execução determinada. Ou seja, com a sua querida conduta - rectius, com as suas queridas condutas - o condenado viola grosseira e repetidamente os deveres que lhe foram impostos na sentença, assim revelando que as finalidades que estiveram na base da execução da aplicada pena de prisão efetiva em RPH não estão a ser alcançadas e, além disso, não é mais possível fazer um juízo de prognose favorável em relação ao condenado para o futuro em termos de manutenção de RPH. Com efeito, o comportamento processual adotado pelo mesmo é revelador do mais acentuado desrespeito para com os seus deveres (obrigações), sendo certo que estes lhe foram judicialmente impostos, explicados e dos mesmos tem consciência. Disso são exemplos o reiterado atuar do condenado com relação à sua problemática relacional, que vem sendo incrementada e pela subsequente atuação de incumprimento de dever de permanência onde o RPH se executa [morada jurisdicional].
Em lugar paralelo, mas especial próximo no comportamento encetado, não se pode deixar de aqui referir o quanto é entendido a este nível no Ac. RP de 01 de agosto de 2019 [14], onde se pode ler que “houve infrações dos deveres de contenção na habitação e de não danificação dos equipamentos. Infração essa que ocorreu por três vezes e foi grosseira, na medida em que não teve qualquer justificação que a torne minimamente aceitável ou compreensível”.
Por último, não se descura o passado criminal do condenado, onde se evidencia uma personalidade que nem pelas sucessivas penas vem moldando ao socialmente determinado.
Tratando-se de incumprimento considerado grosseiro, reiterado e culposo, cumpre, então, aferir das respetivas consequências, sendo que em função dos factos que se deixam relatados e das considerações expendidas, inexistindo, face ao encarar irresponsável que o condenado evidencia, qualquer garantia de que a ressocialização exigida (pelo menos desejável) se alcance pela via de manutenção de RPH, não resta ao Tribunal outra solução que não seja a da revogação do regime de permanência na habitação, com subsequente determinação de execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
*
Considerou o tribunal a quo, para revogar o regime de permanência na habitação, ter o recorrente/condenado incorrido em incumprimento considerado grosseiro, reiterado e culposo dos deveres decorrentes do concreto regime de execução da pena de prisão, gerando direta intenção de prejuízo do normal funcionamento da VE.
O recorrente/condenado assume saídas da habitação não autorizadas em 24.04.2019, argumentando que o fez de forma imprudente e irresponsável, que acreditava que desta ação não resultaria qualquer consequência negativa para si, por clara inconsciência da forte intensidade de controlo a que estava sujeito e por não compreender que qualquer desvio no cumprimento das indicações estipuladas seria grave, acrescentando que quando confrontado com as interrogações a respeito da sua ausência, justifica prontamente o seu comportamento, sem nunca mentir, demonstrando a sua ingenuidade em relação à execução da pena, mas quanto às demais saídas alega que depois de advertido apenas saiu sem autorização por uma vez, explicando o registo das demais com avaria do sistema de vigilância eletrónica, que reportou à respetiva Equipa e nada fez para resolver a situação.
Na primeira parte da argumentação, acabada de referir, do recorrente acaba por ir ao encontro da referido no Relatório de Incidentes da DGRSP de 16.05.2019, de que as ocorrências aqui descritas exibem a dificuldade de B… em interiorizar os deveres que sobre si recaem e consequentemente conformar o seu quotidiano de acordo com os constrangimentos decorrentes da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pois a sua argumentação denota não ter o recorrente/arguido interiorizado que estava a cumprir uma pena de prisão caso em regime de permanência na habitação conforme art.º 43º do Código Penal (não se pode esquecer que subjacente está a limitação da liberdade de locomoção em termos similares à detenção em meio prisional, não sendo compatível com o regime de permanência na habitação ser o condenado a determinar as saídas e ausências do espaço monitorizado, só o justificando quando confrontado com as mesmas).
Mas vejamos se o regime de permanência na habitação deveria subsistir como defende o recorrente/condenado.
O art.º 44º do Código Penal prevê (taxativamente) os fundamentos para a revogação do regime de permanência na habitação (RPH), prevendo o nº 2, al. a), que o tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão (por esse meio).
Ou seja, a infração desses deveres não desencadeia automática e necessariamente a revogação do RPH, estando pressuposta uma infração grosseira ou repetida dos deveres.
É que, a privação da liberdade é considerada a ultima ratio da política criminal, enquanto decorrência do princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, devendo ser assegurado que o regime de execução da pena de prisão seja o menos restritivo possível do direito à liberdade[15].
Não concretizando o legislador quando estamos perante uma “infração grosseira dos deveres”, caberá ao tribunal a sua fixação, e para o fazer afigura-se-nos ser de seguir o critério orientador referido no acórdão do TRC de 17.10.2012[16] a propósito do art.º 56º do Código Penal, pois os fundamentos de revogação da suspensão da execução da pena são semelhantes, e então também na situação em análise se diz que só o incumprimento inconciliável com a teleologia do RPH deve conduzir à sua revogação.
Sendo assim, a “infração grosseira dos deveres” há de constituir uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada, sendo por isso incompreensível, mas que não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infração que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.
No caso sub judice, tendo presentes os factos assentes (acima transcritos) dúvidas não há que o recorrente/condenado violou os deveres que lhe impõe o art.º 6º da Lei nº 33/2010, de 02 de setembro nas suas alíneas a), e), f) e g) – enunciados na decisão recorrida, acima transcrita, e nessa medida agora nos dispensamos de transcrever –, deveres que lhe foram transmitidos e como tal deles tinha conhecimento, pois que por várias vezes:
- deixou de permanecer nos locais onde é exercida vigilância eletrónica durante os períodos de tempo fixados;
- não contactou os serviços de reinserção, com pelo menos 3 dias úteis de antecedência, de modo a obter autorização judicial para se ausentar excecionalmente durante o período de vigilância eletrónica, fornecendo para o efeito as informações necessárias;
- não solicitou aos serviços de reinserção social autorização para se ausentar do local de vigilância eletrónica, caso estivesse em situação de motivos imprevistos e urgentes;
- não apresentou justificação das ausências que ocorram durante os períodos de vigilância eletrónica.
É cristalino que existe violação desses deveres de forma repetida [resulta da factualidade assente e do Relatório da DGRSP de 13.08.2019], e podemos dizer sem dúvidas que a mesma é também grosseira, pois é claro que estamos perante uma atuação indesculpável nos termos acima expostos, porquanto não se pode tolerar o comportamento do condenado na medida em que apresenta sucessivas saídas da habitação (ou pelo menos do espaço monitorizado) e, além de não os justificar de pronto como era seu dever, não respondeu a tentativas de contactos da Equipa da DGRSP, só justificando as saídas após ser contactado e com justificações que não são de todo satisfatórias [como está dito no Relatório da DGRSP de 13.08.2019, ao condenado cabia conformar o seu quotidiano à permanência no espaço habitacional (monitorizado), ou seja, ao regime de cumprimento da pena de prisão, e o mesmo não o fez, ao que acresce que nas alegações de recurso continua a desvalorizar o essa necessidade de conformação do quotidiano ao espaço monitorizado].
Que fique claro que o alegado pelo recorrente/condenado em recurso, além de extemporâneo (porque o devia ter alegado junto dos serviços de reinserção social nos termos e tempo previstos pelo legislador - cfr. o art.º 6º da Lei nº 33/2010 já citado), não justifica de modo satisfatório o desrespeito repetido dos deveres, nada alegando o recorrente que justifique em termos razoáveis, por um lado o não permanecer na zona monitorizada, e por outro lado o não comunicar de pronto à equipa de reinserção social os motivos do desrespeito (note-se que quando ouvido em 23.09.2019, a perguntas do seu ilustre defensor sobre o facto de “não haver sinal” no quarto, disse saber disso mas ainda assim foi lá).
Da motivação de recurso resulta que pretende o recorrente/arguido imputar incumprimento à Equipa da DGRSP por não estar monitorizado todo o espaço da casa em que estava a habitar.
Só que, o incumprimento, mesmo admitindo que as suas ausências do espaço monitorizado são dentro de casa, imputa-se ao recorrente/arguido, pois se numa divisão da habitação não há monitorização, o condenado não pode ali aceder, tendo o ónus de transferir algum equipamento de que tenha necessidade imperiosa (que no caso não transparece de todo ser) de utilizar, como seja um computador, de o transferir, repete-se, para divisão monitorizada, não se podendo aceitar que, ciente de que ali não poder aceder (disso foi avisado, como reconhece quando ouvido[17]), aceda e depois, mas tão só quando confrontado (não por sua iniciativa), venha alegar que tinha necessidade de ali aceder com motivo que não se pode considerar aceitável à luz daquilo que se espera do comum dos cidadãos, como seja o “ir estudar no computador, para tirar a carta” (cfr. “auto de audição de condenado” de 23.09.2019), quando nem resulta que esteja inscrito para tal.
Pelas razões expostas, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, concluímos que não merece censura o raciocínio seguido na decisão de 1ª instância (que acima se transcreveu).
Concluímos, então, pela improcedência do recurso, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s (art.º 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, art.º 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa a este).
Notifique.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 08 de janeiro de 2020
António Luís Carvalhão
Liliana de Páris Dias
_________________
[1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes, e realces/sublinhados (que no geral não se mantêm, porque interessa o texto em si), consignando-se que se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[2] Nota de rodapé (1) da decisão recorrida:
O conceito de morada jurisdicional é aquele que, em lugar paralelo, mas perfeitamente aplicável ao caso dos autos, vem definido na decisão, em sede de CNC, do STJ de 22outubro2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alfredo Gonçalves Pereira no Processo 07P3639, onde se pode ler, em sumário, que “A residência do arguido em liberdade condicional é aquela que for fixada pelo Tribunal”, podendo ler-se no corpo da decisão – o que será importante no caso dos autos face às condutas do condenado que “Por força deste preceito o Tribunal de Execução de Penas competente relativamente aos indivíduos em regime de liberdade condicional é o que tiver sede na área da residência do libertado. Mas, qual é essa residência? No caso dos autos, quando foi concedida a liberdade condicional ao arguido impôs-se como obrigação dele a de fixar residência em Aveiro. Mais tarde, foi judicialmente autorizada a mudança da residência para Mértola. Posteriormente, sem qualquer autorização, o arguido terá regressado para junto da sua família, em Aveiro, facto que levou o T.E.P. de Évora a considerar que esta mudança de residência implicou a alteração do T.E.P. competente que passou a ser o de Coimbra. Porém, o arguido terá saído de Aveiro para o estrangeiro antes de Novembro de 2006, donde regressou em Abril seguinte para, após breve passagem por Aveiro e pelo Porto, retornado ao estrangeiro. Será então que cada vez que o arguido muda de morada, muda também o T.E.P. competente? A aceitação desta tese tem dois obstáculos insuperáveis. Em primeiro lugar, com ela caberia ao próprio arguido escolher o T.E.P. competente para apreciar a sua conduta o que se tem por absurdo. Por outro lado, ao aceitar-se as mudanças de residência feitas pelo arguido contra o estipulado judicialmente, estaria a dar-se relevo a condutas ilegais. Ao libertado foi fixada, na sentença de liberdade condicional, a sua residência com proibição de ausência por mais de cinco dias sem autorização prévia. Ao violar esta obrigação, ausentando-se, sem autorização, o arguido não mudou a sua residência, que continua a ser a que foi judicialmente fixada. Aliás, se lhe fosse concedida autorização para se ausentar para ver familiares ou por outro motivo, também não havia alteração de residência que, durante todo o período de liberdade condicional, é a que foi judicialmente fixada. De concluir é, portanto, que a residência oficial do AA continua a ser em Mértola, pelo que o T.E.P. de Évora é o competente para apreciar a sua conduta durante o período de liberdade condicional e decidir em conformidade.”
[3] Nota de rodapé (2) da decisão recorrida:
Neste sentido, o Ac. T.R. Coimbra de 24 de janeiro de 2018, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora Helena Bolieiro no NUIPC 50/17.8GBTCS.C1, onde se pode ler que “conforme se assinala na exposição de motivos da proposta que esteve na origem da referida Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto (Cf. Proposta de Lei n.º 90/XIII, cujo texto se encontra disponível na Internet em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=41417), pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar o existente regime de permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vincando-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alargando-se, por outro, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma. Não obstante, como também ali se refere, o procedimento anteriormente vigente em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não foi substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação, sendo que, uma vez verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo”.
[4] Nota de rodapé (3) da decisão recorrida:
Neste sentido, a Sr.ª Prof. Doutora Maria João Antunes in “O Novo Regime Sancionatório do Crime de Incêndio Florestal”, e-book CEJ, Coleção Formação Contínua – O Crime de Incêndio Florestal, Jurisdição Penal, Abril 2018, p. 9 a 21, em concreto a p. 16 onde se pode ler que “A partir de novembro de 2017, com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, o regime de permanência na habitação deixou de ser uma pena de substituição – para quem entenda que tinha uma tal natureza jurídica – para ser apenas uma forma de execução da pena de prisão efetiva não superior a dois anos ou da pena de prisão não superior a dois anos em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da pena de multa de substituição. É o que decorre dos artigos 43.º e 44.º do Código Penal ao regularem o regime de permanência na habitação como incidente da execução da pena de prisão.”
[5] Nota de rodapé (4) da decisão recorrida:
Importa, apurar se se mostra preenchido o pressuposto de ordem material consubstanciado na adequação e suficiência do referido regime às finalidades da punição, sendo, portanto, a sua escolha determinada exclusivamente por razões de prevenção – geral (prevenção geral positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada) e especial (na função positiva de socialização, seja, em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança).
[6] Nota de rodapé (5) da decisão recorrida:
Ou seja, e desde logo que o caco concreto não seja caso paradigmático em que o efeito “sharp-short-shock” da pena de prisão e, portanto da privação da liberdade, do cumprimento da pena de prisão efetiva intramuros poderá contribuir para que o condenado se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes e se afaste – de futuro – da prática de novos crimes. Sobre a questão, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 360, pronuncia-se sobre o efeito de sharp-short-shock diz-nos que “uma pena de prisão curta (ou mesmo curtíssima) duração v.g. de alguns dias, seria necessária e útil em alguns casos, como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e, mesmo, de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida”.
[7] Nota de rodapé (6) da decisão recorrida:
Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - Op. Cit., p. 356, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno por ser lugar paralelo.
[8] Nota de rodapé (7) da decisão recorrida:
Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 202, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno por ser lugar paralelo.
[9] Nota de rodapé (8) da decisão recorrida:
Idem nota 7.
[10] Nota de rodapé (9) da decisão recorrida:
Idem nota 8.
[11] Nota de rodapé (10) da decisão recorrida:
No lugar paralelo do art.º 56.ºCP a jurisprudência mais recente (cfr. Ac. TRCoimbra de 30 de janeiro de 2019, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Vasques Osório no NUIPC 127/17.0GAMGR-A.C1) vem entendendo que “O condenado infringe grosseiramente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, culposamente, os não observa. Mas a culpa aqui requerida – contrariamente à pressuposta no art.º 55º do C. Penal – exige um grau qualificado. Não é requerido, no entanto, um incumprimento doloso, bastando para a revogação que da conduta provada resulte um modo de agir do condenado especialmente reprovável e portanto, uma conduta onde a falta de cuidado, a imprevidência assume uma intensidade particularmente elevada. Trata-se, no fundo, de um conceito próximo da culpa grave portanto, aquela que só é suscetível de ser atuada por uma pessoa particularmente descuidada ou negligente. Por outro lado, o condenado infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, não os observa, deste modo revelando uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da sentença e/ou do plano de reinserção social. Em qualquer dos fundamentos, estamos perante situações limite, onde o condenado, através da intensidade do grau de culpa posto na sua conduta, inutilizou o capital de confiança na reinserção em liberdade que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão significou.” No mesmo sentido (cfr. Ac. TRLisboa de 16 de janeiro de 2019, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Nuno Coelho no NUIPC 2080/12.7PBFUN.L1-3) se vem entendendo que “«As causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias suscetíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adotar», assim o sumariou o acórdão de 23/09/2009, do Tribunal da Relação do Porto, em www.dgsi.pt. A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores tem tido o entendimento que as causas de revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser de aplicação automática e que as finalidades que levaram à suspensão da mesma, ainda se poderão manter, mesmo que durante essa suspensão o arguido não tenha cumprido os deveres que lhe foram impostos ou tenha cometido novo crime durante o período de suspensão, devendo o tribunal ponderar caso a caso, e formular um novo juízo de prognose. A prognose favorável do condenado deve verificar-se em todos os casos, na esperança de que sentirá a condenação como uma advertência e não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão, não se exige desde logo a perspetiva de uma vida futura ordenada e conforme o direito, já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir. (…) Não se encontra definido na lei, de forma concretizada, o que deve entender-se por infringir grosseiramente os deveres, deixando aquela ao critério do aplicador a fixação dos seus contornos – cfr. art.º 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. Mas, é evidente que em tal consideração não poderão olvidar-se os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos, uma inobservância absolutamente incomum. A violação grosseira de que se fala, há de ser uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada”.
[12] Nota de rodapé (11) da decisão recorrida:
Cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14.ª Edição, 2001, Almedina, 203, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno por ser lugar paralelo.
[13] Nota de rodapé (12) da decisão recorrida:
Cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal, Iº Vol., p. 481, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno por ser lugar paralelo.
[14] Nota de rodapé (13) da decisão recorrida:
Relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Manuel Ramos Soares no PUR 7/19.4TXPRT-B.P1.
[15] Vd. Maria João Antunes, “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, pág. 87.
[16] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 91/07.3IDCBR.C1.
[17] Cfr. “auto de audição de condenado” de 23.09.2019.