Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3767/20.6T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: LETRA PRESCRITA
TÍTULO EXECUTIVO
AVALISTAS DO ACEITANTE
ALEGAÇÃO DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DA RELAÇÃO SUBJACENTE
Nº do Documento: RP202112023767/20.6T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A letra que se encontre prescrita perde a natureza cambiária, para passar a constituir mero documento particular, quirógrafo da dívida causal ou relação substantiva que está na base da sua emissão, constituindo meio próprio para o reconhecimento dessa dívida pré-existente.
II - De acordo com o disposto no art.º 703º, nº. 1, al. c) do CPC, a letra prescrita pode, enquanto quirógrafo, constituir título executivo contra os avalistas do aceitante, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, não constando da própria letra, sejam alegados no requerimento executivo.
III - O aval é uma garantia cambiária que não garante a relação subjacente e por isso tal relação subjacente não pode concluir-se da simples prestação do aval.
IV - Extinta a obrigação cartular resultante do aval, por efeito da prescrição, terá o portador do título de alegar factos demonstrativos de que os avalistas se constituíram como sujeitos passivos em relação jurídica (relação subjacente) da qual resulte o direito à prestação (por exemplo que se quiseram assumir como fiadores), sob pena de não o fazendo, não poder o título valer enquanto quirógrafo como título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3767/20.6T8MAI-A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução da Maia´
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B…a, executado entre outros na Execução Ordinária (Ag. Execução) em que é exequente C…, veio por apenso ao mesmo processo deduzir oposição à execução, alegando em síntese e por excepção o seguinte:
A prescrição da letra dada à execução e a falta de título.
Por impugnação, matéria de facto que na sua tese consubstancia um vício de forma que afecta a letra, tornando-a nula, a inexistência do Aceite e do Aval e a prescrição dos juros com mais de cinco anos.
Pede ainda a suspensão da execução por não existir título executivo.
Por fim requer a condenação do embargado como litigante de má-fé.
Contestou o embargado/exequente alegando entre o mais que o prazo de prescrição cambiária não é aplicável no caso dos autos, porquanto o título executivo mantém a sua eficácia enquanto documento particular assinado pelo devedor.
Mais alegou que à data de emissão do título encontrava-se em vigor o artigo 46.º, nº 1 do Código de Processo Civil na redacção anterior à vigente, por força do qual os documentos particulares assinados pelo devedor constituíam título executivo.
Por fim pede a condenação do embargante/executado como litigante de má-fé.
Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferido despacho onde depois de se sanear o processo, se identificaram os factos tidos por provados e se concluiu julgando procedente a excepção peremptória da prescrição invocada pelo embargante e, em consequência, se declarou extinta a execução instaurada contra o executado B….
Mais se considerou não existirem sinais de litigância de má-fé.
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O exequente/embargado veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo apelante/exequente nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
CONCLUSÕES:
1. A sentença objecto da presente apelação não se acha conforme uma boa decisão de Direito, como adiante se demonstrará.
2. O Mmo. Juiz a quo entendeu que a obrigação cambiária era a única fonte de responsabilidade do Embargante perante o Exequente, pelo que, uma vez que a obrigação cambiária se encontra prescrita, extinguiu-se também o direito do exequente que poderia fazer valer em relação ao Executado/Embargante, tendo declarado extinta a execução por decurso do prazo de prescrição previsto no art.º 70.º da LULL.
3. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, não podíamos estar mais em desacordo.
4. Por uma banda, conforme resulta do requerimento executivo, os presentes autos foram instaurados com base num documento particular, já que a letra de câmbio prescrita, enquanto título cambiário, conserva a sua eficácia enquanto documento particular assinado pelo devedor, pelo que tal documento importa a confissão ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, correspondente ao valor nele inscrito.
5. Como refere Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, pág.74), a prescrição da obrigação cambiária não implica a prescrição da obrigação fundamental subjacente à emissão da letra prescrita, pelo que esta deixa de ser título constitutivo da relação cambiária para passar a valer como título certificativo da relação obrigacional subjacente.
6.Nesse sentido, a letra prescrita é válida como título executivo contra o aceitante e avalistas, porquanto, relativamente a estes, contém a promessa duma prestação ou o reconhecimento de uma dívida perante o credor, ficando o mesmo dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
ACRESCE QUE,
7. À data do vencimento da letra de câmbio estava em vigor o art.º 46.º, n.º1, alínea c), do CPC (DL n.º 329-A/95, de 12-12-1995), que na sua redacção estipulava que “à execução podiam servir de base as letras, livranças, cheques, extractos de facturas, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis”.
8. Neste ensejo, a presente letra dada à execução valerá sempre como documento particular, munido de exequibilidade, por força do princípio da protecção da confiança, consagrado no art.º 2.º da CRP, e ainda da conjugação do disposto no art.º 703.º do CPC, com o disposto no art.º 6.º, n.º3 do NCPC.
9. Importa ainda referir que, conforme a doutrina e a jurisprudência dominantes, a autonomia do título executivo relativamente à obrigação exequenda e a consideração do regime de reconhecimento de dívida, leva a admitir que as letras prescritas, enquanto quirógrafos da obrigação causal, possam valer como título executivo, desde que, conforme o estipulado pelo art.º 703.º, n.º3, al. c) do CPC, o Exequente alegue os factos constitutivos da relação subjacente à sua emissão, o que o mesmo cumpriu.
10. Do ora expendido, resulta que o título oferecido à execução se mantem munido de exequibilidade, valendo como um documento particular de reconhecimento de dívida.
POR OUTRO LADO, E SEM PRESCINDIR,
11. A letra de câmbio/documento particular encontra-se assinada pelos Executados/Avalistas (com letra legível), onde se inclui o ora Recorrido, conforme se comprova pela leitura do título dado à execução, constando do mesmo que estes lá declararam (com letra legível) “dou o meu aval ao subscritor”, tendo-se efectivamente reconhecido devedor da quantia exequente, mediante a aposição da sua assinatura após a referida declaração, efectuada pelo seu punho.
12. Face a uma declaração de cumprimento ou a uma declaração de reconhecimento da dívida, e como melhor resulta da letra do n.º1 do art.º 458.º do CC, daí resulta a presunção da existência de uma relação negocial ou extra-negocial, à qual se aplica a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, como dita o art.º 344.º do CC.
13. Ademais, resulta evidente que o ora Recorrente, no requerimento executivo, indicou a causa da obrigação exequenda, tendo ainda referido que a letra foi preenchida, aceite e subscrita pela sociedade Executada, como título de pagamento de uma dívida, que a mesma reconheceu ser devedora ao Exequente, tendo ainda alegado que o aqui Recorrido, enquanto sócio e gerente da sociedade Executada, deu o seu aval, por forma a garantir a liquidação da aludida letra, mais tendo alegado que o mesmo, efectivamente, pretendeu obrigar-se solidariamente no pagamento da obrigação em causa.
14. Ora, apesar de se ter operado a extinção da obrigação cartular, o Exequente alegou factos concretos demonstrativos de que o Embargante se assumiu como fiador pelo cumprimento da obrigação avalizada, motivo pelo qual a letra prescrita mostra-se suficiente para figurar como título executivo, nos termos do art.º 703.º, n.º1, alínea c), do CPC.
15. No entanto, tais factos foram impugnados pelos executados/embargantes na sua oposição à execução, devendo, por isso, ser objecto de discussão e prova, o que implica o prosseguimento dos presentes autos para o efeito.
16. Por fim, o Mmo. Juiz a quo ao decidir no sentido que aqui se impugna, violou o estatuído aos arts. 458.º do C. Civil e arts. 6.º, n.º 3 e 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC e ainda o art.º2.º da CRP.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito, sempre com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, na procedência do recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos para serem objecto de discussão e prova.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A exequibilidade do título executivo dado à execução;
2ª) O prosseguimento dos autos para apreciação dos factos constitutivos da relação subjacente alegados pelo exequente ora embargado no requerimento executivo inicial e aqui impugnados pelos executados ora embargantes constitutivos da relação subjacente.
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Com relevância para apreciação das questões suscitadas importa considerar os seguintes factos que na decisão recorrida foram dados como provados e que resultam dos elementos constantes do processo de execução disponível no Citius:
1) O exequente é portador de uma letra em que o próprio figura como sacador, que identifica, como sacado, D…, Ld.ª; do local destinado ao aceitante consta um carimbo que identifica a gerência da empresa sacada, sobre o qual consta um rubrica; a letra tem data de emissão de 2006.02.10 e data de vencimento de 2010.02.10 e tem o valor de 40.000,00 EUR; do verso da letra, sob a expressão “Dou o meu aval ao subscritor” consta a assinatura do executado/embargada e uma outra assinatura (cfr. documento junto aos autos principais com a referência 27518377, cujo teor se tem por reproduzido).
2) O exequente alega no requerimento executivo, no que ao executado embargante respeita, que «3. Para garantia do pagamento da letra, os co- Executados E… e B…, enquanto sócios e gerentes da sociedade executada, apuseram cada um no verso da declaração “Dou o meu aval ao subscritor”, e colocaram as respectivas assinaturas. 4. Os factos supra elencados resultam provados da letra de câmbio (…) 5. Nem na data de vencimento em 10 de Fev. 2010 nem posteriormente o crédito do Exequente, titulado pela letra de câmbio foi pago pela aceitante devedora Sociedade D…, Lda., nem pelos avalistas da mesma, os seus sócios gerentes. 6. Os Executados E… e B… ao darem o aval à Devedora solidariamente responsáveis e principais pagadores da quantia titulada no título executivo subjacente à presente execução, atenta a autonomia do aval em relação à obrigação subjacente.» (cfr. requerimento executivo)
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Vejamos, pois:
Não se questiona nos autos que a obrigação cartular que a letra dada à execução comportava está há muito prescrita, atentas as datas de vencimento da letra (10/02/2010) e de interposição da acção executiva (10/11/2020) e tendo em consideração o que decorre do disposto no art.º 70º da LULL.
Tal significa que a letra dada à execução perdeu a sua natureza cambiária.
Como se entende a prescrição da obrigação cambiária não implica a prescrição da obrigação fundamental subjacente à emissão da letra prescrita, pelo que esta deixa de ser título constitutivo da relação cambiária passando a valer como título certificativo da relação obrigacional subjacente.
Ou seja, a letra prescrita perde a natureza de título de crédito cambiário, passando a constituir mero documento particular, quirógrafo da dívida causal ou relação substantiva que está na base da sua emissão, constituindo meio próprio para o reconhecimento dessa dívida pré-existente.
É entendimento da jurisprudência do STJ, aliás no seguimento da posição da doutrina, que reconhecida essa dívida, o credor fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, nos termos do art.º458º, nº1 do Código Civil, que estabelece a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental subjacente à emissão do título.
Assim, se o declarante alegar e provar que esta relação não existe, “a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida” (neste sentido cf. os acórdãos do STJ de 27/05/2014, proc. nº. 268/12.0TBMGD-A e de 12/09/2019, proc. nº. 125/16.0T8VLF-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 440 e Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 565).
Como se afirma no acórdão do STJ de 27/09/2001, proc. nº. 01B2089, em www.dgsi.pt, na acção executiva, a causa de pedir é “o facto jurídico fonte da obrigação accionada, não sendo o título (executivo) ou documento mais do que especial condição (probatória, necessária e suficiente) da possibilidade de recurso imediato a esta espécie de acção, enquanto base da presunção da existência do correspondente direito”.
Ou seja e como ali também se afirma, “a causa de pedir não é, assim, o documento que corporiza o título executivo, mas antes a relação substantiva que está na base da sua emissão”.
Deste modo e segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, é pois a autonomia do título executivo relativamente à obrigação exequenda e a consideração do regime de reconhecimento de dívida (art.º 458º, nº. 1 do Código Civil) que leva a admitir que as letras prescritas, enquanto meros quirógrafos da obrigação causal ou subjacente, possam valer como título executivo, desde que, tal como impõe o art.º 703º, nº. 1, al. c) do NCPC, o exequente alegue no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente à sua emissão (Neste sentido cf. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., pág. 77; Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 1998, Lex, pág. 69 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., pág. 46).
Assim sendo, estando prescrita a obrigação cartular constante de um título de crédito, poderá agora (e podia já, nos termos do art.º 46º, nº. 1, al. c) do CPC de 1961, na redacção do DL 329-A/95 de 12/12) o mesmo título continuar a valer como título executivo, enquanto escrito particular consubstanciando a obrigação subjacente, invocada no requerimento executivo, segundo entendimento agora expressamente consagrado no art.º 703º, nº. 1, al. c) do CPC de 2013 (cf. José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 75 e 76 e Rui Pinto, A Acção Executiva, 2018, pág. 197 e seguintes).
Aplicando tais regras ao caso concreto, a questão que se coloca pois a de saber se, perante o que foi alegado no requerimento executivo, pode o título cambiário prescrito valer como título executivo, enquanto mero quirógrafo da obrigação, relativamente ao avalista, aqui apelante, cabendo, desde logo, apurar se a relação subjacente foi pelo exequente/recorrente invocada no requerimento executivo.
Já todos sabemos que no caso dos autos está provado que o exequente é portador de uma letra em que o próprio figura como sacador e na qual consta como sacada a firma D…, Ld.ª;
Mais se prova que no local destinado ao aceitante consta um carimbo que identifica a gerência da empresa sacada, sobre o qual consta um rubrica.
Está ainda provado que a letra tem data de emissão de 2006.02.10 e data de vencimento de 2010.02.10 e tem o valor de € 40.000,00.
Por fim, está provado que do verso da letra, sob a expressão “Dou o meu aval ao subscritor” consta a assinatura do executado/embargada e uma outra assinatura.
Ora na decisão recorrida foi entendido o seguinte:
O documento apresentado, analisado na única perspectiva possível (documento particular assinado pelo devedor reconhecendo uma obrigação pecuniária perante o credor), não permite retirar mais do que o reconhecimento de uma obrigação assumida pela aceitante “D…, Ldª”, perante o sacador da letra, de pagar uma determinada quantia na data de vencimento. Não se situando no contexto das relações imediatas, não se retira do texto do documento o reconhecimento de obrigação assumida pelo avalista perante o sacador da letra.
A obrigação do avalista é, nesta perspectiva, puramente cambiária, facto que apenas poderia sofrer alguma alteração caso houvesse, no texto do requerimento executivo, alguma alegação factual concreta que permitisse estender ao avalista a relação subjacente ao título, caso em que a responsabilidade destes passaria a ser uma questão de prova.
A realidade, porém, é distinta.
Não só o título, por si, não permite extrair o reconhecimento de uma obrigação pecuniária por parte de outrem que não o aceitante (único que no seu texto se vincula a pagar uma determinada quantia na data de vencimento da obrigação), como o exequente nenhum facto alegou a partir do qual se pudesse extrair uma relação subjacente que pudesse fundar a obrigação de pagamento imputada ao executado embargante.
Da leitura do requerimento executivo facilmente se extrai que o exequente se limita a invocar que a obrigação do executado embargante resulta do aval e da obrigação solidária emergente deste. O exequente refere, desde logo, que a letra se encontra prescrita, mas, a partir dessa conclusão, mais não faz do que alegar o texto da lei para concluir que o documento mantém a sua força executiva.
Tal não é, contudo, suficiente para transformar um título prescrito num quirógrafo da obrigação, nem para fundar o reconhecimento de uma obrigação pecuniária por parte de quem, no texto da letra, mais não faz do que constituir um aval, obrigação que tem natureza cambiária e não traduz o reconhecimento de qualquer concreta obrigação pecuniária em relação ao sacador.
Em conclusão, o embargante, que, tanto quanto resulta alegado no requerimento executivo, não interveio em qualquer contrato com o exequente, limitou-se a avalizar a obrigação cambiária. Era esta obrigação cambiária a única que constituiria a sua fonte de responsabilidade perante o sacador. Dada a indiscutível prescrição da obrigação cambiária, extinguiu-se o direito que o exequente poderia fazer valer em relação ao executado avalista, não podendo reconhecer-se qualquer direito de crédito, à luz do documento, que não seja do aceitante perante o sacador.
Pelo exposto, por não figurar o executado/embargante como devedor do exequente no título cambiário prescrito que foi apresentado à execução e não alegar o exequente, no requerimento executivo, qualquer factualidade que permita definir a existência de uma relação material subjacente à letra que autorize o tribunal a considerar o exequente como credor do executado/avalista (designadamente que este se quis obrigar como fiador), não poderá o referido documento ser considerado como título executivo em relação ao embargante, impondo-se, conforme peticionado, declarar extinta a execução, por decurso do prazo de prescrição previsto no art.º 70º da LULL.
Podemos desde já dizer que tal entendimento merece a nossa concordância.
Assim, extinta que se mostra a obrigação cartular resultante do aval (por efeito da prescrição), terá o portador do título de alegar factos demonstrativos de que os avalistas se constituíram como sujeitos passivos em relação jurídica (relação subjacente) da qual resulte o direito à prestação (designadamente e como alega o embargante dos autos que se quiseram assumir como fiadores – sendo certo que tal relação subjacente não pode concluir-se da simples prestação do aval – se o não fizer, não poderá o título valer, enquanto quirógrafo, como título executivo.
Aqui reside a discordância do apelante com a decisão recorrida – assim nesta e como já vimos foi entendido que o apelante não invocou, para lá da prestação do aval, qualquer relação subjacente na qual fizesse assentar o seu direito à prestação; por seu turno o apelante sustenta que a matéria invocada no requerimento executivo (ter sido a letra preenchida, aceite e subscrita pela sociedade Executada, como título de pagamento de uma dívida, que a mesma reconheceu ser devedora ao Exequente, mais ainda que o aqui Embargante, quanto sócio e gerente da sociedade Executada, deu o seu aval, por forma a garantir a liquidação da aludida letra, querendo obrigar-se solidariamente no pagamento da obrigação em causa) constitui a alegação dos factos constitutivos de relação subjacente relativamente à Executada.
Ora todos sabemos que o aval é uma garantia cambiária que não garante a relação subjacente (cf. Pinto Furtado, Títulos de Crédito, pág. 155) e por isso tal relação subjacente não pode concluir-se da simples prestação do aval.
A verdade é que o executado ora apelante veio alegar que os executados subscreveram o aval, tendo efectivamente pretendido obrigar-se ao pagamento da quantia em questão (que o apelante podia exigir à aceitante do título em razão de transacção comercial), tendo-lhe pessoalmente assegurado esse pagamento.
De acordo com tal alegação, estaríamos pois perante uma responsabilização acessória e subsidiaria pelo cumprimento da obrigação (caso em que a figura jurídica a ter em conta será a da fiança – art.º 627º do Código Civil).
Já, sabemos que o alegado pelo Exequente no requerimento executivo inicial foi apenas o seguinte:
- Que para garantia do pagamento da letra, os co-Executados E… e B…, enquanto sócios e gerentes da sociedade executada, apuseram cada um no verso da declaração “Dou o meu aval ao subscritor”, e colocaram as respectivas assinaturas;
- Que os factos antes melhor referidos resultam provados da letra de câmbio (…);
- Que nem na data de vencimento em 10 de Fev. 2010 nem posteriormente o crédito do Exequente, titulado pela letra de câmbio foi pago pela aceitante devedora Sociedade D…, Lda., nem pelos avalistas da mesma, os seus sócios gerentes;
- Que os Executados E… e B… ao darem o aval à Devedora ficaram solidariamente responsáveis e principais pagadores da quantia titulada no título executivo subjacente à presente execução, atenta a autonomia do aval em relação à obrigação subjacente.”
E mais não alegou.
A ser assim tem pois razão o Tribunal “a quo”, quando afirma que no requerimento executivo não foi alegada factualidade que permita concluir pela existência de uma relação material subjacente à letra em apreço nos autos e que permita concluir que o exequente é credor do executado/avalista.
Deste modo e não podendo tal omissão de alegação ser suprida através do alegado pelo exequente/embargado na contestação que apresentou nos presentes embargos, só resta afirmar que bem andou o Tribunal “a quo” quando julgou procedente a excepção peremptória da prescrição arguida pelo executado/ embargante B… e, consequentemente declarou extinta a execução que contra si foi instaurada.
E a sendo assim, nenhum fundamento existe para o pretendido prosseguimento dos autos nos termos propostos na conclusão 15ª das alegações de recurso do apelante C….
Sem mais, improcede pois o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante/embargado (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto 2 de Dezembro de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos