Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
173/14.5GBAND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MAUS TRATOS PSÍQUICOS
Nº do Documento: RP20161109173/14.5GBAND.P1
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 696, FLS.270-287)
Área Temática: .
Sumário: O arguido ao perturbar de forma inadmissível o conjunto de valências existenciais da ofendida: a sua privacidade e opções afectivas, a sua vida familiar (do seu núcleo e com os seus ascendentes) a sua vida profissional e a sua vida social, em face da natureza dos actos isolados, da sua potência ofensiva e reiteração, com efeitos destrutivos na sua vivência global, afectando a sua dignidade e integridade física (ofensa da sua saúde psíquica e mental), preenche o conceito de maus tratos psíquicos, do artº 152º1 CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº173/14.5GBAND.P1

Acórdão, deliberado em conferência, na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B… veio interpor recurso da sentença proferida no processo comum nº173/14.5GBAND da instância local, secção de competência genérica – J1, Anadia, Tribunal da Comarca de Aveiro, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica, nos termos do artigo 152º, nº1, alínea b), e nº2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com a obrigação de entregar, em 3 meses, à APACCDM de … a quantia de € 1.000,00, e nas penas acessórias de proibição de contacto com C… e de uso e porte de arma pelo mesmo período referido.
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I.1. Sentença recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
SENTENÇA
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo, tramitados sob a forma de processo comum e perante tribunal singular, o Ministério acusou B… (…)
imputando-lhe a autoria dos factos constantes da acusação de fls. 149 a 152 e acusando-o da prática de 1 (um) de violência doméstica, p. e p. pelo disposto no art.152.º n.º1 alínea a), ns.º2.
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O tribunal procedeu à comunicação da alteração do enquadramento jurídico nos termos do artigo 358.º, n.º 3 do CPP, no sentido de poder vir a ser aplicadas as penas acessórias previstas nos n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A - FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, finda a produção de prova encontram-se provados os seguintes factos:
1. Tendo iniciado vida em comum com C…, a partir de Dezembro de 2012, no domicílio desta, em …, …, volvidos apenas 3 ou 4 meses, começou a exteriorizar verbalmente ciúmes doentios, altura em que lhe começou a referir que andava metida com os homens todos, de ter com eles relações sexuais dentro das viaturas, de estar sempre a olhar para os outros homens, apelidando-a simultaneamente de puta.
2. O arguido chegou a abandonar a relação, regressando à Suíça, após o que a ofendida lhe telefonou, pedindo-lhe que regressasse, o que este fez, em Abril de 2013.
3. Volvidas algumas semanas, para além de manter o mesmo comportamento referido, foi ainda referindo à C… que a mesma passava a vida a insinuar-se a todos os outros homens e que a mesma chegava a manter relações sexuais com respectivo filho mais novo, D…, expressões essas que passou até a proferir na presença do próprio D…, assim pretendendo humilha-los a ambos.
4. O arguido também costumava, quando a ofendida C… estava ausente no seu trabalho, interrogar o D… acerca de antigos e/ou recentes namorados que a depoente teria tido, ou mantinha, e com quem se encontrava na respectiva ausência.
5. Estas situações ocorriam sempre que o arguido voltava de ausências prolongadas com a justificação de ter necessidade de se deslocar à Suíça.
6. Em Novembro de 2013, decidiu aquela colocar cobro a tal relacionamento, comunicando-o e solicitando ao arguido que saísse da casa dela, o que motivou mais a ira deste, passando a partir de tal altura a perseguir a C…, para onde a mesma fosse, quer para o trabalho, quer às compras, quer para qualquer destino que entendesse por bem tomar, tendo tido necessidade a visada de se socorrer da companhia dos filhos na rua, para se proteger daquele.
7. Não satisfeito, começou igualmente a enviar SMS constantes para a ofendida, para os filhos desta, e bem assim telefonar à mãe daquela.
8. Igualmente, e por várias vezes, telefonou para o local de trabalho da C…, questionando as colegas da mesma sobre as suas relações pessoais, horários de trabalho, e saída.
9. Num desses telefonemas que efectuou, o arguido chegou a insinuar a uma colega da ofendida, que esta era amante do respectivo marido.
10. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2014, o arguido transpor o muro da casa da ofendida e apresentou-se junto da porta de entrada da casa, do lado traseiro, só tendo saído dali por ter sido persuadido a sair pelo filho daquela.
11. Pese embora a ofendida tenha alterado por duas vezes o respectivo número de telefone, sempre o arguido conseguiu descobri-lo e assim continuou a enviar sms, bem tentar efectuar chamadas telefónicas, a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente de saber que a visada se encontrava a trabalhar ou a dormir.
12. Em tais SMS que ia enviando, tanto a apelidava de “amor”, como lhe dizia que “fodia” com vários homens.
13. Via facebook, socorrendo-se de fotos que havia guardado da ex companheira, chegou a escrever numa página, insinuando que a visada e o respectivo irmão mais novo, de quem a ofendida tinha colocado uma foto na sua página de facebook (e, desconhecendo o arguido que se tratava do irmão da ofendida, a quem nunca sequer vira) eram amantes, denegrindo assim a imagem da visada, junto da família, amigos e simples conhecidos.
14. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 8 horas da manhã, já o arguido se encontrava à entrada da porta do local de trabalho da ofendida, tendo tentado abordar a mesma, a qual, em pânico, conseguiu refugiar-se no interior do edifício, tendo o arguido continuado a bater nas janelas e a chamar em voz alta por ela, comportamento a que apenas colocou termo quando se apercebeu da solicitada presença da GNR.
15. No entanto, cerca das 17 horas desse mesmo dia, já se encontrava no mesmo local a aguardar a saída da ex companheira, tendo então sido identificado pela GNR.
16. Volvidos poucos minutos, começou a enviar sucessivas SMS à visada, e aos filhos dela, referindo-lhes: “Que não tinha medo de ninguém e que fazia o queria na vida, pois o medo dele tinha ficado na barriga da mãe”.
17. Em dia que não se logrou concretamente apurar, mas em data posterior a 29.5.2014, voltou a rondar o local de trabalho da C… e, logo que se apercebeu que a mesma tinha de efectuar o transporte de algumas pessoas idosas para uma outra localidade, foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença.
18. Nos dias e semanas subsequentes, por várias vezes se dirigiu durante a noite a casa da visada e rondava-a a pé, assim tendo sido avistado pelo filho daquela, e assim continuando, indiferente ao receio que provocava.
19. O arguido, apesar de saber que a visada tinha sido para si como se de uma esposa se tratasse, e de que os actos que praticava, no recato do domicílio comum, dada a sua natureza, a afectavam na dignidade enquanto pessoa humana, no seu bem-estar físico e no seu equilíbrio psico-emocional, colocando-a em angústia e sofrimento permanente.
20. Quis humilhá-la menosprezá-la na sua dignidade humana, sabia que a atemorizava, ainda assim, continua a persegui-la, o que conseguiu.
21.Agiu sempre de forma livre e voluntária, igualmente ciente que tais condutas lhe estavam vedadas por lei e eram punidas criminalmente.
22. O arguido entregou algum dinheiro à ofendida, designadamente para obras.
23. O arguido não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação.
24. O arguido é casado, vive sozinho numa casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de 180 euros.
25. O arguido esteve emigrado na Suíça durante 31 anos e tem uma reforma daquele país.
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B - FACTOS NÃO PROVADOS
Não se lograram provar quaisquer factos, designadamente, não se logrou provar que:
- as perguntas que o costumava fazer ao filho acerca de antigos e/ou recentes namorados que a depoente teria tido, ou mantinha, e com quem se encontrava na respectiva ausência, ocorriam pelo menos entre duas a três vezes por semana e quase diariamente, quando regressava de ausências mais ou menos prolongadas.
- quando o arguido insinuou a uma colega da ofendida que esta era amante do respectivo marido, fê-lo de modo a criar condições que levassem a desentendimentos susceptíveis de colocar em causa o posto de trabalho.
- nalgumas do SMS o arguido apelidado a ofendida de “puta”.
- foi concretamente no dia 5/6/2014, que o arguido rondou o local de trabalho da C… e, logo que se apercebeu que a mesma tinha de efectuar o transporte de algumas pessoas idosas para uma outra localidade, foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença.
- o arguido telefonou pelo menos uma dezena de vezes para o seu trabalho
- o arguido, ao actuar na forma supra descrita, quis aterrorizar a ofendida e conseguir uma subjugação ao seu egoísmo cruel,
- com o intensificar dos ciúmes o arguido foi acrescentando que se a ofendida pensasse em arranjar outro homem, a mataria.
III - MOTIVAÇÃO
Para fundar a sua convicção, o tribunal teve em consideração toda a prova produzida, que foi apreciada à luz das regras da experiência comum e do normal agir humano, bem como aos elementos documentais juntos aos autos.
O arguido B… negou a quase totalidade dos factos que lhe foram imputados, tendo apenas admitido que enviou à ofendida C… e aos filhos desta diversas mensagens, a pedir-lhe desculpa e que reatasse a relação consigo e a dizer-lhe que a amava, mas negou que a tivesse insultado, designadamente chamado puta ou dito que esta tinha amantes. Admitiu também que colocou na sua página do facebook diversas fotografias da denunciante e que escreveu aí diversas mensagens, dizendo-o que a amava e era a mulher da sua vida. Admitiu igualmente que, por uma ocasião, entrou no logradouro da propriedade da denunciante porque queria reconciliar-se com ela, verbalizando arrependimento por ter entrado aí sem o seu consentimento. Também confirmou que por duas vezes se dirigiu ao local de trabalho da denunciante para tentar falar consigo, numa das quais lhe levou chocolates, e que ligou para o local de trabalho para falar com a denunciante C….
No mais, negou os factos que lhe são imputados, designadamente, negou que alguma vez a tenha apelidado de puta, que a acusasse de ter amantes e de manter relações sexuais com o próprio filho, assim como negou que rondasse a sua casa à noite ou a que seguisse ou lhe fizesse esperas. Esclareceu que foi a própria denunciante que lhe disse que já mantivera relações sexuais em carros, assim como foi na povoação que lhe disseram que a denunciante era a “C… dos homens” e justificou o facto de estar por vezes dentro do carro nas proximidades da casa, porque aí havia um clube do qual é patrocinador e que mantinha contactos com os seus membros.
Todo o relato que o arguido fez da ofendida foi no sentido de passar a imagem desta como alguém interessada em beneficiar das vantagens económicas que o arguido lhe proporcionava, mas que não tinha para com este gestos de gratidão ou de afectividade, ao contrário de si, que tinha para com esta sentimentos de muito afecto.
O arguido começou por dizer que estava na Suíça e que conheceu a denunciante por intermédio de um anúncio que esta colocara na revista E…. Após ter respondido ao anúncio, iniciaram-se várias trocas de mensagens entre ambos, na qual esta lhe disse onde morava e se queixou de problemas que tinha na casa, tendo de imediato o arguido se disponibilizado para resolver a situação quando aí fosse. O arguido viu a ofendida pela primeira vez quando veio a Portugal em Dezembro de 2012, tendo pernoitado nessa noite em casa da denunciante.
Segundo o arguido, a ofendida disse-lhe logo na manhã seguinte que não queria que este fosse à povoação, mas o arguido teve necessidade de ir ao supermercado e, após uma troca de palavras com uma das pessoas, na qual este disse que estava em casa da ofendida, foi identificada por essa pessoa como “a C… dos homens”.
O arguido disse que fez várias despesas para a casa com ofendida, designadamente comprou uma arca, fez obras em casa deste no valor de 9.000 euros e contribuía mensalmente com valores entre os 600/700 ou 300/400 euros por mês. Em contrapartida, a denunciante só se dispunha a sair com o arguido para fazer compras ou à …, recusando-se a andar consigo na rua noutras situações.
Como não gostou do modo como estava a ser tratado, foi-se embora passados quatro meses. Todavia, a ofendida passou a ligar-lhe insistentemente e pediu-lhe que voltasse, o que o arguido acabou por fazer. Assim, em Abril de 2013, o arguido regressou outra vez a casa da ofendida, a seu pedido. Todavia, quando a ofendida saía não queria que o arguido a acompanhasse, dizendo-lhe que não precisava de cão de guarda.
O arguido negou que questionasse o filho da ofendida sobre antigos namorados ou sobre o que se passava na sua ausência, assim como negou que acusasse a ofendida de ter amantes ou de manter relações sexuais com vários homens ou que tenha dito que a ofendida tinha relações sexuais com o filho mais novo, D….
No entanto, referiu em tribunal que o filho mais novo da ofendida dormia com esta na mesma cama, que este chegou a espreita-los no quarto enquanto o arguido e a ofendida mantinham relações sexuais e chegou mesmo a perguntar ao arguido se já tinha tido sexo anal com a ofendida e, quando o arguido o repreendeu, disse que já se tinha roçado mais no rabo desta do que o arguido.
O arguido disse que em Novembro de 2013, terminou a relação com a ofendida, por sua iniciativa, pois a ofendida não queria sair na sua companhia, dizendo-lhe que não precisava de “cão de guarda” – situação admite que lhe gerava desconfiança – , passaram a dormir em camas separadas e o arguido passou a fazer as suas próprias refeições, passando a sentir que estava ali apenas para “pagar”. Foi na sequência desta saída de casa do arguido que a ofendida ligou para filha daquele e veio a saber que o arguido era casado e não viúvo como dizia ser. Face a esta situação o arguido não foi bem recebido pela mulher, pelo que voltou para a localidade onde vivia a ofendida para tentar reatar a relação que tinha com esta.
O arguido disse que chegou a ir, por duas vezes, ao local de trabalho da denunciante, uma delas para entregar chocolates e noutra para falar com esta, mas nem numa, nem noutra conseguiu chegar à fala com a ofendida. Referiu que numa das ocasião em que tentou falar com a ofendida, no local de trabalho, esta não lhe respondeu, negando ter batido às janelas do edifício. Entretanto chegou aí a carrinha do peixe para entregar peixe e, como ninguém atendia, limitou-se a chamar pela ofendida, dizendo-lhe que estava aí o Sr. do peixe.
Acrescentou que o local de trabalho da ofendida dista 50 metros do local de trabalho.
O arguido disse que não estava parado a vigiar a ofendida e que encontrava-se aí algumas vezes, cerca das 8 da manhã, porque estava aí à espera de pessoas do F…, do qual é patrocinador e estava hospedado num hotel, próximo da GNR.
Referiu que numa ocasião a GNR abordou-o, dizendo-lhe que não podia andar a circular ali, ao que o arguido retorquiu que não andava a fazer mal a ninguém. Nega ter enviado qualquer mensagem, após ter falado com a GNR, a dizer “Que não tinha medo de ninguém e que fazia o queria na vida, pois o medo dele tinha ficado na barriga da mãe”.
Nega alguma vez ter perseguido a ofendida quando esta fazia o transporte de utentes, dizendo que esta não fazia transporte, assim como nega que, nos dias e semanas subsequentes, por várias vezes se dirigiu durante a noite a casa da visada e rondava-a a pé, assim tendo sido avistado pelo filho daquela, e assim continuando, indiferente ao receio que provocava.
A ofendida C… confirmou a quase totalidade dos factos descritos na acusação.
Confirmou que conheceu o arguido através de um anúncio numa revista (embora referida que foi ela que respondeu anúncio colocado pelo arguido) e se encontraram pela primeira vez em Dezembro de 2012, quando o arguido que vivia na Suíça, se deslocou a Portugal, a …, onde vivia sozinha com os dois filhos.
Passados alguns meses de estarem juntos, o arguido passou a manifestar ciúmes de toda a gente, de tal modo que parecia que a ofendida podia apenas falar com os pais e os filhos. Sempre que a ofendida olhava para alguém começou a dizer-lhe que era amante, ficava zangado sempre que se aproximava de qualquer homem, dizia-lhe que andava metida com os homens todos, que fodia com os homens todos, que os maridos das amigas eram seus amantes e insultava-a de puta. Chegou a dizer que a ofendida mantinha relações sexuais com o filho. Logo a seguir dizia que a amava, pelo que a ofendida ia suportando a situação. O arguido desloca-se de dois em dois (ou de três em três) meses à Suíça e quando voltava perguntava ao filho mais novo da ofendida se esta tinha namorados e amantes.
Antes de Dezembro de 2013, o relacionamento que a ofendida tinha com o arguido acabou. Disse ainda que o relacionamento não era muito constante e que, por vezes, o arguido agarrava nas suas coisas e ia-se embora. Entretanto, a ofendida descobriu que o arguido era casado e deixou de manter interesse em continuar a relação.
A ofendida referiu que o arguido chegou a ameaça-la, dizendo que matava-a a si e ao homem com quem este andasse.
Referiu que o arguido, depois da separação, passava inúmeras vezes à porta da ofendida, sabia os horários que tinha e parava o seu carro num local por onde esta passava, começou a levar ramos de flores e comida à porta da casa da ofendida, colocava fotos e dedicatória no facebook, sabia quando a ofendida estava sozinha no trabalho e batia às janelas e à porta do local de trabalho. A ofendida disse também que passou a ter receio de ir para o trabalho e que este, quando a via, a seguia-a de carro. Numa das ocasiões esperou-a no trabalho, mas a ofendida conseguiu fugir para dentro do edifício, após o que o arguido começou a bater nas janelas. Nessa altura a ofendida voltou a chamar a GNR. Com receio do arguido, a ofendida chegou a pedir ao filho ao local de trabalho para a acompanhar no percurso para casa.
Quando vinha da Suíça, antes de ir para a zona de Lisboa, passava por … e ficava aí alguns dias e passava pelo seu trabalho para lhe entregar sacadas de chocolates. O arguido sabia os horários da ofendida e abordava-a à saída de casa e à chegada ao trabalho (às 8h30m já aí estava), o que lhe causava medo e motivou que tivesse chamado a GNR. Numa das ocasiões seguiu-a, quando a ofendida saiu com a carrinha do trabalho.
Por outro lado, o arguido enviava muitas mensagens diariamente para o seu telemóvel e telefonava, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo quando estava no trabalho. Nessas mensagens o arguido dizia-lhe que era uma puta, que fodia com os homens todos, que fodia com o filho, que a ofendida se encontrava com homens em todo o lado. Essas mensagens eram enviadas para si (teve que trocar de telemóvel duas vezes e só à terceira deixou de saber o número) e para o telemóvel dos filhos mais novo e para a mãe da ofendida.
A ofendida disse ainda que o arguido pretendia causar-lhe problemas no trabalho, pois dirigia-se aí diversas vezes, ameaçou denuncia-la por estar a desenvolver uma actividade ilegal, falou com uma colega sua de trabalho, dizendo-lhe que a ofendida era amante do marido, para além de outras situações idênticas fora do trabalho.
Em Maio de 2014 apresentou queixa porque as perseguições eram constantes e o arguido parava o carro numa estrada que existia lateralmente ao muro da casa da ofendida, o que lhe causava grande receio.
O arguido também colocava diversas mensagens no facebook, com fotografias suas e a dizer que a amava, o que a constrangia. Numa das ocasiões, numa fotografia que a ofendida publicou onde estava com o seu irmão – a quem o arguido não conhecia - o arguido chegou a dizer que era o seu amante. Mesmo depois de bloqueado pediu várias vezes amizade através do facebook, utilizando outros nomes.
Quando a ofendida apresentou queixa, o arguido enviou uma mensagem dizendo que não tinha medo de ninguém porque o medo tinha ficado na barriga da mãe quando ele nasceu.
Relatou também que numa ocasião o arguido tentou entrar na sua residência, transpondo o muro que existe a separar o logradouro da sua casa da via pública e dirigiu-se às traseiras; ao aperceber-se disso o filho mais velho da ofendida disse-lhe para que se fosse embora, empurrando-o em direcção ao portão.
O arguido chegou a ameaçar que ia fazer queixas à polícia, às Finanças e ao Tribunal. Depois começou a enviar mensagens aos pais.
A ofendida admite que o arguido lhe fez algumas obras em casa e referiu também que a primeira vez que o arguido se foi embora lhe chegou a pedir que regressasse porque vivia sozinha e precisava de ajuda monetária.
A ofendida disse que sentia receio do arguido, pelo facto de a perseguir, e as coisas que ele dizia acerca de si, designadamente relativamente ao seu filho, a humilhava.
A testemunha G…, filho da ofendida, disse que desde 2011 que frequenta a universidade, pelo que só estava em casa da mãe de sexta feira á tarde a domingo à noite.
Esta testemunha referiu que inicialmente o arguido e a mãe se davam bem, mas, a partir de determinada altura, o arguido começou a ter um comportamento obsessivo. O arguido não aceitou bem o fim da relação e começou a enviar inúmeras mensagens à mãe, o que fazia de forma constante e qualquer hora. Entretanto, para evitar receber essas mensagens, a ofendida acabou por alterar por três vezes o seu número de telefone, pelo que o arguido começou a enviar a si e ao seu irmão. Nessas mensagens o arguido ora dizia que gostava muito da ofendida e que estava arrependido do que tinha feito, ora ameaçava a ofendida, dizendo que se não o aceitasse, poderia fazer fazia queixa em tribunal, entre outras coisas. O arguido enviou também mensagens para o telemóvel da avó da testemunha, dizendo que ia fazer queixa à DGV por causa do avô, que tinha feito operação às duas próteses.
O arguido colocava também fotos da ofendida e flores na sua página do facebook, dizia que era a mulher da vida dele e mandava mensagens via facebook, até que a ofendida lhe pediu que o bloqueasse. Numa dessas situações a ofendida colocou uma foto sua com o irmão (que o arguido desconhecia) e o arguido disse que era o amante daquela.
Para além disso o arguido parava o carro nos sítios altos e ficava aí dentro do carro, apesar de não ter residência em …, e quando passavam por ele saía daí. Numa das ocasiões a mãe sentiu medo, porque saiu com a carrinha do trabalho e o arguido perseguiu-a.
Numa outra ocasião o arguido transpor o muro do logradouro e dirigiu-se à marquise, que existe nas traseiras, com um ramo de flores e começou a bater à porta, tendo sido a testemunha que o persuadiu a sair dali, dizendo-lhe por diversas vezes que a ofendida não queria falar consigo.
A testemunha disse ainda que sempre que a ofendida sabia que o arguido estava em …, ficava com medo.
Acrescentou que só estava em casa aos fins de semana e na sua presença o arguido era mais contido, mas ficava mais à vontade quando aí estava apenas a mãe e o irmão.
Todavia, nem presença da testemunha, nem a presença do irmão mais novo dissuadiam o arguido de aí estar.
Esclareceu que, apesar de nas proximidades da residência da ofendida se situar a F1…, para ir para aí, não se vai pela estrada que dá acesso à casa daquela, pois esta associação localiza-se na estrada que dá acesso ao local de trabalho da sua mãe; por outro lado, o arguido costumava parar o carro nos topos da localidade.
Reconheceu que no início do relacionamento o arguido ajudou a ofendida com dinheiro e sempre fez compras de supermercado. A mãe chegou mesmo a pedir para o arguido voltar, quando aquele ainda a ajudava monetariamente.
A testemunha reconheceu que o arguido sempre evidenciou gostar da ofendida.
A testemunha D…, filho da ofendida, confirmou que o relacionamento entre o arguido e a ofendida no início era bom, mas depois deteriorou-se, por causa dos ciúmes que o arguido sentia, incluindo de si: o arguido chegou a dizer, à sua frente e da sua mãe, que a ofendida e a testemunha mantinham relações sexuais e enviava mensagens dirigidas à mãe a dizer que esta tinha relações sexuais com homens em carros.
O arguido também questionava a testemunha com quem é que a ofendida tinha estado e por onde tinha andado.
Depois do fim do relacionamento, arguido passou a enviar diversas mensagens para a ofendida (ora chamando-a de amor, ora de puta), para o telemóvel da testemunha e da sua avó, e começou a rondar a casa da ofendida, mesmo à noite, a seguia-la, de tal forma que esta chegou a pedir-lhe para a ir buscar ao trabalho, com medo deste. O arguido também tentava contactar a ofendida através do facebook, pedindo-lhe amizade, que esta recusada, e colocava fotografias da ofendida.
Acrescentou ainda que o arguido queria reatar a relação, mas queria faze-lo de forma forçada, designadamente enviando mensagens, dizendo-lhe que se não o aceitasse não o largava ou algo do género.
A ofendida teve que mudar o telemóvel duas ou três vezes e, a partir daí a testemunha e a avó passaram a receber mensagens no telemóvel. As mensagens que o arguido enviava eram constantes e tanto de dia, como de noite. À noite o arguido vigiava a mãe, rondando a casa, o que lhe causa temor.
As referências que o arguido fazia de que a ofendida mantinha relações com o próprio filho faziam sentir-se mal.
A testemunha E…, mãe da ofendida, relatou ao tribunal que o arguido se apresentou à ofendida como sendo viúvo e compromete-se a ajuda-la, dizendo que era muito rico e chegou a trazer bens alimentares para casa.
A testemunha confirmou que o arguido chegou a ir-se embora e depois voltou, a pedido da ofendida, mas realça que esta estava convencida que o arguido era viúvo.
A testemunha referiu que a ofendida lhe contava que o arguido até tinha ciúmes do filho mais novo e que chegou a dizer que aquela mantinha relações sexuais com o filho.
Depois a ofendida e o arguido terminaram o relacionamento que tinham, mas este não aceitou o fim do relacionamento e começou a mandar-lhe mensagens, incluindo para o telemóvel da testemunha e que o neto lhe lia, aí se referindo à ofendida como sendo uma puta e que fode com todos, fora e dentro dos carros. Essas mensagens eram muitas ao longo do dia. A ofendida sentia-se revoltada com tais mensagens. A testemunha referiu que algumas dessas mensagens foram transcritas para mostrar à GNR
Para além disso, a filha sentia medo do arguido, pois este rondava a casa da ofendida, incluindo à noite, e uma vez chegou a transpor o muro da residência da ofendida e foi bater à porta das traseiras da casa.
Ora, apesar do arguido negar a quase totalidade dos factos de que vem acusado, a verdade é que, no ponto de vista do tribunal, demonstrou-se o contrário.
Independentemente das razões que estiveram subjacentes ao início do relacionamento entre o arguido e a ofendida (a qual admitiu expressamente que estava sozinha e precisava da arguido), a verdade é que, também ficou demonstrado, pelo depoimento da ofendida, dos filhos e da mãe desta, que o arguido, a partir de determinado momento, passou a ter grandes ciúmes da ofendida, atribuindo-lhe amantes, chamando-lhe puta e insinuando mesmo que esta mantinha relações sexuais com o filho mais novo, que estava acostumado a dormir na mesma cama desta.
Mas, decorreu também da prova produzida, que o arguido, sentindo-se enjeitado pela ofendida, saiu de casa desta, levando consigo as suas coisas, tendo sido contactado pela ofendida que lhe pediu para que voltasse, o que este fez. Todavia, a situação ter-se-á mantido, de tal forma que, após uma outra saída do arguido, a ofendida contactou telefonicamente a filha do arguido, momento em que ficou a saber que este era casado e não estava instalado num hotel em Lisboa, como lhe havia dito.
Rejeitado pela mulher, o arguido voltou a … para reconquistar a ofendida, mas foi rejeitado. A partir daí o arguido tudo fez para levar a que a ofendida reatasse a relação: começou a enviar inúmeras mensagens para o telemóvel desta (que se viu na necessidade de mudar o número de telemóvel por duas vezes), dos filhos e da mãe da ofendida (com mensagens que lhe eram destinadas), a qualquer hora do dia ou da noite e independente do facto de a ofendida estar no seu local de trabalho, começou a postar fotos e mensagens no facebook e a pedir-lhe constantemente amizade (acabando por se bloqueado pela ofendida) e rodeava a casa e o serviço da ofendida, incluindo, fazendo-lhe esperas, e, numa situação chegou mesmo a transpor o muro da casa da ofendida para lhe ir bater à porta de casa, à noite, a ir ter com a ofendida ao local de trabalho, a persegui-la num percurso que esta fez enquanto trabalhava, a falar com as colegas de trabalho, acusando a ofendida de ser amante do marido de uma colega, a telefonar para o local e trabalho e a ir bater às janelas do edifício onde trabalhava.
Tanto a ofendia como os seus filhos e mãe relataram a revolta que as afirmações do arguido lhe causavam (especialmente o facto de o arguido dizer que a ofendida mantinha relações sexuais com o próprio filho), perturbação (de tal modo que se viu na necessidade de mudar por duas vezes o número do telemóvel) e medo (a presença constante do arguido nas redondezas da casa ou do trabalho, o seguimento que este chegou a fazer enquanto a ofendida se deslocava numa carrinha do trabalho, o bater às portas e transpor o muro), de tal modo que a ofendida se viu na necessidade de pedir ao seu filhos que a acompanhasse do trabalho a casa, com receio do arguido.
A ofendida C…, as testemunhas G… e D… (filhos da ofendida) e a testemunha E… (mãe da ofendida) confirmaram essa situação, de uma forma credível e, quanto a nós, desinteressada e espontânea. Na verdade, nem a própria ofendida escondeu que estando sozinha e com dois filhos, precisava de ajuda, nem negou que, logo na primeira noite em que se conheceram pessoalmente, o arguido pernoitou na sua casa.
Ora, esta espontaneidade do depoimento da ofendida, corroborada pelos depoimentos credíveis das demais testemunhas, leva-nos a dar como provada a quase totalidade dos factos que lhe são imputados.
Por outro lado, os relatos foram espontâneos, escorreitos e credíveis.
O arguido referiu que nunca insultou a ofendida chamando-lhe de puta, que não foi ele que dizia que a ofendida tinha relações sexuais com homens nos carros, porque isso lhe foi relatado pela própria. Mas evidência a desconfiança que tinha do seu comportamento, estranhando que não quisesse ser acompanhada pelo arguido nas saídas (excepto para as compras e para a …) e disse que esta na comunidade era conhecida como a “C… dos homens” e chamou a atenção para o facto de ser estranho que o filho mais novo da ofendida dormisse com ela, tendo ainda referido que este lhe tinha dito que já se tinha roçado mais no rabo da ofendida do que o arguido.
Apesar de não admitir os factos que lhe são imputados na acusação quanto aos ciúmes e às reacções que lhe são atribuídos, é patente a desconfiança que se apoderou do arguido a partir de determinado momento, de tal modo que este, inclusivamente deixou a casa da ofendida, por se sentir desprezado.
Embora não seja este sentimento expresso pelo arguido que seja determinante para se dar como provado tais factos, isso só vai reforçar a convicção do tribunal quanto à espontaneidade e verdade dos depoimentos da ofendida e demais testemunhas.
Por outro lado, embora o arguido tenha tentado justificar o facto de passar algum tempo na localidade porque era o patrocinador de uma F1… e mantinha contactos com aqueles, foi dito por um dos filhos da ofendida que não era sequer pela estrada onde se encontrava localizada a casa da ofendida que se acedia à referida associação, pelo que não poderia ser essa a razão.
Assim, embora as testemunhas I… (que conhece o arguido por este ter vivido em … e de ser o patrocinador a equipa de futebol de que a testemunha faz parte e de a testemunha faz parte) e J… (por ter sido patrocinador do clube) tenham atestado esta ligação do arguido ao clube, a verdade é que isso não justificava a presença do arguido constantemente junto da residência da ofendida e na localidade, em zonas elevadas, para poder observar os movimentos da ofendida, nem as presenças, mesmo à noite junto da casa desta ou as deslocações ao trabalho desta. Mais: o arguido admitiu que, depois de ter sido rejeitado em casa, tentou conquistar a ofendida C….
Para além disso, o tribunal teve em consideração o teor de fls. 7 a 20 (print da página do facebook do arguido), transcrições de fls. 21 a 26 (que o próprio arguido e demais testemunhas reconheceram como corresponder às que aquele enviou para vários telemóveis destinadas a serem recebidas pela ofendida), fls. 27 a 38 (escritos que o arguido dirigiu à ofendida e por ele reconhecidos como tal) e ainda o teor de fls. 69 a 75.
Não se provaram os demais factos, por exemplo, a frequência com que o arguido questionava filho da ofendida acerca de antigos e/ou recentes namorados, embora o fizesse quando voltava das viagens.
Não se provou também, face à suficiente prova no sentido, que quando o arguido insinuou a uma colega da ofendida que esta era amante do respectivo marido, tivesse por objectivo colocar em causa o posto de trabalho da ofendida.
Não se provou, apesar de várias testemunhas o terem dito, que o arguido nalgumas SMS apelidado a ofendida de “puta”, pois nenhuma das mensagens transcrita nos documentos juntos faz expressa alusão a tal expressão, muito embora o conteúdo de algumas mensagens seja idêntico à utilização de tal expressão.
Não se provou o concreto dia 5/6/2014, que o arguido rondou o local de trabalho da C… e foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença, não tendo nenhuma das testemunhas precisado tal data.
Embora se tenha apurado que o arguido telefonou várias vezes para o local de trabalho da ofendida, não se apurou que o tenha feito mais de uma dezena de vezes.
Não se provou igualmente que o arguido tenha dito que a ofendida pensasse em arranjar outro homem, a mataria. É certo que a ofendida o disse e que a forma como o seu depoimento foi prestado pareceu credível. Todavia, neste concreto particular, aprece-nos que se imporia, para dissipar todas as dúvidas, que alguma outra testemunha corroborasse isso (à semelhança do que aconteceu com os outros factos imputados ao arguido).
Não se provou que ao praticar os factos (designadamente as perseguições) o arguido tivesse como objectivo directo aterrorizar a ofendida e conseguir uma subjugação ao seu egoísmo cruel, mas a verdade é que, face a toda a prova feita, o arguido sabia que o seu comportamento causava temor e, ainda assim, quis agir dessa forma (dolo necessário, nesta parte).
O tribunal teve ainda em consideração, para efeitos de determinação temporal, o aditamento de fls. 54.
O tribunal teve em consideração no que respeita à ausência de antecedentes criminais o certificado de registo criminal junto a 8.4.2016.
No que respeita à situação pessoal e familiar do arguido, o tribunal teve em consideração as próprias declarações do arguido, exceptos os seus rendimentos, que está em frontal oposição com o facto de o arguido ter trabalhado durante mais de três décadas na Suíça, onde os rendimentos são muitíssimo superiores aos praticados em Portugal e mencionados pelo arguido como sendo o valor da sua reforma.
IV – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Vem o arguido acusado da prática de um crime violência doméstica, previsto e punido art. 152º, n.º1, al. a) e 2 do Código Penal, a que é também aplicável as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e de proibição de uso de porte de arma (n.º 4 e 5 do art. 152.º do C.Penal) na pessoa da sua companheira K…
De acordo com o disposto no art. 152.º, n.º 1 do Código Penal, quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade ou ofensas sexuais: a) cônjuge ou ex-cônjuge e b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
Por sua vez, o n.º 2 do art. 152.º do Código Penal, prevê, a título de circunstância qualificativa do tipo, as situações em que o agente pratique “o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”, situações em que o agente é punível com pena de prisão de dois a cinco anos.
O n.º 4 do art. 152.º do C.Penal, dispõe que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”
Por sua vez, o n.º 5 dispõe que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”.
O ilícito em apreço encontra-se sistematicamente inserido no título dos crimes contra as pessoas e no capítulo dos crimes contra a integridade física, visando, essencialmente, assegurar a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana e, bem assim, penalizar a violência doméstica – enquanto manifestação de posições e condutas de domínio, força e agressão no seio da família, seja qual for a forma que esta assuma: casamento, união de facto, vida em comum, poder paternal – situação que suscita grandes preocupações, tanto a nível nacional como comunitário (1).
Como refere Taipa de Carvalho – em anotação ao artigo relativo aos maus tratos, que englobava também situações as situações de violência domestica – “a função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão “subtis” quão perniciosas – para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar – formas de violência no âmbito da família (…).
A necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos descritos e da com a consequente responsabilização penal dos seus agentes, resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos.” – veja-se neste sentido , ainda aut, cit, em Comentário Conimbricense, Tomo II, fls. 329-330.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, os bens jurídicos protegidos com esta incriminação são a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e até a honra – Cfr. Comentário do Código Penal, pág. 404.
Mas, o bem jurídico protegido com esta incriminação é essencialmente a saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física e psíquica, que pode ser afectado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam o normal e saudável desenvolvimento da pessoa humana e ponham em causa a sua dignidade, visando-se a protecção da comunidade familiar e conjugal, em ultima instância, a própria dignidade humana.
Em ordem à protecção do referido do referido bem jurídico, pratica o crime em causa, quem, no que ao caso importa: infligir maus tratos físicos ou psíquicos, isto é, ofensas corporais simples, humilhações, provocações, molestações, injúrias, etc; na pessoa do cônjuge ou ex-cônjuge; de modo reiterado ou não, sendo que a reiteração supõe uma conduta ou acção plúrima e repetida; na presença de menor ou em domicílio comum (cfr. art. 152º/1, al a) e 2, do CP).
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, é o crime em apreço caracterizado como doloso, exigindo-se, portanto, o conhecimento, por parte do agente, da relação de subordinação do sujeito passivo e da censurabilidade penal das suas condutas e a intenção de, ainda assim, praticar os factos.
O dolo é directo quando, nos termos previstos no artigo 14º nº1 do CP, o agente representa e quer causar maus tratos físicos ou psíquicos a cônjuge, sabendo que está na presença de menor e no domicílio comum.
A responsabilidade criminal do agente está ainda dependente da não existência de qualquer situação que exclua a ilicitude da conduta, ou seja, da não verificação de uma causa de justificação da ilicitude, nos termos previstos nos artigos 31º a 34º, 38º e 39º do Código Penal. É igualmente indispensável que o agente tenha actuado com culpa, isto é, que fosse imputável em razão da idade (cfr. art. 19º do CP) e soubesse, no momento em que praticou o facto, que a sua conduta é punida por lei e tenha agido por sua livre e exclusiva determinação.
Ao actuar desta forma, o agente do crime revela uma personalidade desconforme com as normas jurídicas e, por isso, censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Tendo em consideração a factualidade provada, não poderá deixar de concluir-se que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de que vem acusado, pelo que não pode o mesmo deixar de ser condenado por tal crime (redacção objecto de rectificação por despacho de fls. 423) (…).
Ressalta da factualidade provada que o arguido nunca usou de violência física para com a ofendida, nunca a agrediu.
Mas a afirmação reiterada que a sua companheira e ex-companheira matinha relações sexuais com vários homens e, muito em especial, com o filho mais novo, atenta, como é óbvio contra a sua dignidade enquanto pessoa humana.
Por outro lado, o que ressalta de toda a prova feita é que o arguido, a partir de determinado momento, após o termo do relacionamento, não se conformou com ele e tentou tudo para o reatar. E se é certo que até é compreensível e, por isso socialmente aceite, que alguém possa tentar reconquistar outra, através de envio de mensagens e algumas tentativas de aproximação, a verdade é que também existe um limite que após transposto se torna não só censurável como verdadeiramente atentatório da outra pessoa e da sua dignidade enquanto pessoa.
Afigura-se-nos até que os factos posteriores ao rompimento da relação amorosa entre o arguido e a ofendida são os que verdadeiramente violam de forma mais gravosa a dignidade da ofendida.
A conduta do arguido reveste-se das notas características do chamado stalking.
Como se refere ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.3.2015, proc.91/14.7PCMTS.P1, cujo relator foi Pedro Vaz Pato: o chamado stalking é “uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento. Este tipo de comportamento, que pode assumir maior ou menor intensidade, pode enquadrar-se no crime de violência doméstica (ver Cláudia Coelho e Rui Abrunhosa Gonçalves, «Stalking: uma nova dimensão da violência conjugal», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 17, nº 2, Abril-Junho de 2007; e acórdãos desta Relação de 8 de Outubro de 2014, processo nº 956/10.5JPRT.P1, relatado por Moreira Ramos; e da Relação de Évora de 18 de Março de 2010, processo nº 741/06.9TAABF.E1, relatado por Fernando Ribeiro Cardoso; e de 8 de Janeiro de 2013, proc. nº 113/10.0TAVVC.E1, relatado por João Gomes de Sousa, todos in www.dgsi.pt). Estamos perante uma conduta reiterada, e não ocasional ou isolada. (…) A conduta do arguido provocou perigo para a saúde psíquica e emocional da assistente e, também pelo que representa de vontade de subjugação, atingiu a sua dignidade de pessoa” – acórdão consultável na íntegra em www.dgsi.pt .
Também neste sentido veja-se neste mesmo sentido acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.10.2014, proc. 956/10.5PJPRT.P1, cujo relator foi Moreira Ramos (no âmbito do crime de violência doméstica, cabem as condutas e comportamentos que causam, inclusive através do envio de sms, maus tratos psíquicos configurados como stalking), também consultável na íntegra em www.dgsi.pt.
Ou seja, mesmo antes de o legislador ter tipificado recentemente no Código Penal o crime de perseguição, já a jurisprudência entendia que comportamentos que revestiam as características de stalking podiam integrar a prática de um crime de violência doméstica, porque correspondem a maus tratos psíquicos, capazes de ofender a tranquilidade e própria dignidade do/a visado/a. Sobre a posição assumida pela jurisprudência mesmo antes da tipificação deste crime de falsificação, em “O stalking nos acórdãos da Relação de Portugal: a compreensão do fenómeno antes da tipificação”.
Como se disse no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.3.2015, proc.91/14.7PCMTS.P1, cujo relator foi Pedro Vaz Pato, referindo-se à situação que integra um comportamento de stalking: “Há que identificar um traço distintivo entre o crime de violência doméstica previsto no nº 1 do artigo 152º do Código Penal e os crimes de ofensas à integridade física, injúrias, ameaças ou outros, praticados contra pessoa ligada por algum dos tipos de relacionamento descritos nesse preceito (…).
Esse traço distintivo dependerá da perspectiva adoptada a respeito do bem jurídico protegido através da incriminação em apreço.
De acordo com Plácido Conde Fernandes, esse bem jurídico é «a saúde enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral». Para que uma conduta integre o crime em questão, exige-se «uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana» (in «Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal», Revista do CEJ, nº 8 (especial), 1º semestre de 2008, p. 304 a 308).
Para André Lamas Leite, «o fundamento último das acções abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo» (in «A violência relacional íntima», Julgar, nº 12 (especial), Novembro de 2010, p. 49).
À luz de uma ou outra destas perspectivas, podemos afirmar que a factualidade provada na douta sentença em apreço configura a prática de “maus tratos físicos e psíquicos” e, portanto, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, do Código Penal.
É de salientar que, como refere Nuno Brandão (in «A tutela penal especial da violência doméstica», Julgar, nº 12 (especial), Novembro de 2010, p. 17 e 18), estamos perante um crime de perigo abstracto, que traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido. Não é, pois, necessário, para que se verifique o crime em questão, que se tenham produzido efectivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima; basta que se pratiquem actos em abstracto susceptíveis de provocar tais danos”
Assim, ficou provado que o arguido, com a sua conduta, preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, b) e n.º 2 do Código Penal, na pessoa da sua companheira, mas sobretudo, da sua ex-companheira, pelo que não pode deixar de ser condenado por tal crime.
V – DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
O arguido, com a sua conduta, praticou um crime de violência doméstica qualificado, nos termos do art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal e punível ainda com as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos.
Feito pela forma supra descrito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a medida da sanção a aplicar.
Ao crime praticado pelo arguido é apenas punível com pena de prisão, sendo aplicável pena de prisão entre dois a cinco anos.
Atendendo ao disposto no art.ºs 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que no caso se façam sentir.
Há que determinar a medida concreta das penas em função dos critérios previstos no artigo 71º do CP, em conjugação com o princípio da culpa, limite fundamental da medida da pena, nos termos plasmados no artigo 40º, n.º 2 do mesmo diploma, e com as finalidades das penas.
Atentos os critérios e factores de determinação da medida concreta da pena, constantes dos art.ºs 40.º e 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, entende-se que, considerando:
- às exigências de prevenção geral, que, no caso, não são muito acentuadas, uma vez que, apesar de este tipo de crime ser verificação muito frequente e ter, em regra, consequências muito nefastas para as suas vitimas, há que atender ao contexto concreto em que os factos ocorreram e à concreta conduta do arguido e efeitos;
- as exigências de prevenção especial, pouco elevadas, uma vez que o arguido não tem qualquer condenação no certificado de registo criminal;
- a ilicitude e culpa, pouco elevado, uma vez que não a situação não se prolongado por muito tempo – como por vezes sucede nestas situações - o arguido cometeu o crime essencialmente através injúrias e, muito especialmente, stalking, situações que tiveram um impacto na ofendida, que sentiu-se ofendida e atemorizada, mas não teve qualquer outra consequência além destas;
- o arguido não é pessoa socialmente e/ou profissionalmente inserido
apresenta-se como ajustada a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
Atenta a pena concretamente determinada e as exigências de prevenção que se fazem sentir e toda a conduta adoptada pelo arguido não é possível, face à própria pena concreta aplicada, a sua substituição por pena de multa ou outra pena não privativa (sem prejuízo da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada), trabalho a favor da comunidade.
Vejamos se é possível a suspensão (…).
Tendo em consideração que o não tem qualquer condenação averbada no certificado de registo criminal, concluiu-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, razão pela qual se suspende a execução da pena de prisão por 2 (dois) anos e 3 (três) meses.
Todavia, entende-se que as exigências de prevenção serão mais adequadamente salvaguardadas se se impuser ao arguido a obrigação de cumprir uma prestação de caracter económica, consentânea com as suas condições económicas (o tribunal atendeu ao número de anos que o arguido trabalhou no estrangeiro, aos salários praticados no país onde trabalhou e aquilo que são as regras da experiência comum, o que peque permite concluir o de que o arguido tem uma capacidade económica muito além do mínimo de subsistência, permitindo-lhe suportar uma prestação económica que, muito embora não muito elevada, tenha algum impacto económico na sua vida, dissuadindo-o de prática de factos futuros idênticos)- art. 50.º, n.º 1, 2, 3e 5 e art. 52.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
VI – DAS PENAS ACESSÓRIAS
Dispõe o art. 152.º, n.º 4 do Código Penal, que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”.
Por sua vez, o n.º 5 estipula que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”
Considerando a ilicitude da conduta – a conduta criminosa foi essencialmente da perseguição da vítima, sua ex-companheira, geradora de temor - a culpa do arguido – o arguido evidenciou alguma obsessão em reatar um relacionamento não desejado por parte da ofendida - as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção (obstando a que o arguido caia na tentação de reatar os contactos após o transito em julgado da conduta), decide-se fixar a penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses e a pena acessória e a pena de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses (art. 152.º, n.º 4 e 5 do C.Penal) (…)
*
I.2. Recurso do arguido (síntese das suas conclusões).
IV— O presente recurso tem como objecto toda a matéria de direito da Sentença proferida nos presentes autos contra o arguido, ora Recorrente, B….
V - O arguido, ora Recorrente, é primário. Não tem averbado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação.
VI - Para a realização objectiva do crime de violência doméstica, é necessário fundamentalmente que as ofensas ou agressões traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente.
VII - Com o devido respeito, não foram ofensas ou agressões deste tipo que resultaram dos factos provados e vertidos na douta Sentença.
VIII - Ficou provado, através do depoimento das testemunhas, arroladas pela ofendida, que todas elas referiram ao Tribunal "a quo" que quando o arguido, ora Recorrente abandonou o lar conjugal, foi a ofendida que pediu para o mesmo regressar, que
IX - nas palavras do filho da ofendida, G…, "o arguido sempre evidenciou gostar da ofendida
X - Reconhecendo a própria ofendida ao Tribunal "a quo" que telefonou ao arguido, quando este saiu de casa, pedindo-lhe que regressasse.
XI - É, portanto, manifesto que o comportamento do arguido, ora Recorrente, mesmo tendo em conta que a ofendida vivia com os filhos, não teve suficiente gravidade para se poder afirmar que a mesma foi atingida na sua honra e dignidade ou que o seu bem estar emocional foi intoleravelmente lesado *
XII - O que se passou, após a separação do arguido, ora Recorrente e da ofendida, não passou de um arrufo de namorados, de uma tentativa, sem consequências, do mesmo para reatar com a ofendida.
XIII - Uma leitura mais atenta à douta sentença permite concluir que as palavras, entre outras, proferidas pelo arguido, ora Recorrente, à ofendida, tais como:
a) "andava metida com os homens todos
b) "de ter com eles relações sexuais dentro das viaturas
c) “de estar sempre a olhar para outros homens Ou,
d) os inúmeros telefonemas e SMS que fez para a ofendida;
e) e as vezes que se deslocou ao local de trabalho, ou à residência da mesma,
não permitem integrar o conceito de maus tratos psicológicos capazes de preencherem o tipo de crime que é o de violência doméstica.
XIV- Tanto mais que não pressupõem crueldade, malvadez, insensibilidade ou até mesmo vingança.
XV- A própria Sentença recorrida a fls.5, não dá como provado que "o arguido, ao actuar na forma supra descrita, quis aterrorizar a ofendida e conseguir uma subjugação ao seu egoísmo cruel".
XVI - Pelo que não deveria o mesmo ter sido condenado pelo crime de violência doméstica.
XVII - As descritas condutas do arguido, ora Recorrente, e plasmadas na douta Sentença recorrida, integram e não ultrapassam a sua caracterização como crime de injúrias p. e p. pelo artigo 181° do CP ou perturbação da vida privada p. e p. pelo artigo 190° do CP.
XVIII - Aliás, a própria Sentença recorrida a fls.26, acolhe, uma vez mais, este mesmo entendimento quando na determinação da medida da pena admite "a ilicitude e culpa, pouco elevado, uma vez que não a situação não se prolongado por muito tempo - como por vezes sucede nestas situações - o arguido cometeu o crime essencialmente através injúrias e, muito especialmente, stalking, situações que tiveram um impacto na ofendida, que sentiu-se ofendida e atemorizada, mas nao teve qualquer outra consequência além destas* (sublinhado nosso).
Da Suspensão da Pena de Prisão
XIX - O Tribunal "a quo" decidiu suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, ora Recorrente, mediante a obrigação de o mesmo entregar, no prazo de 3 meses, à "Associação de Pais e Amigos do Deficiente Mental" a quantia de 1.000,00 € (mil euros).
XX - Fundamentou o Tribunal "a quo" a escolha do montante da prestação de carácter económico fixada, no facto do arguido, ora Recorrente, ter trabalhado no estrangeiro, o que nas palavras da Mma. Juiz "a quo", sem mais, 11 permite concluir o de que o arguido tem uma capacidade económica muito além do mínimo de subsistência
XXI - Com o devido respeito, não assiste razão à Mma. Juiz "a quo" por quanto não atendeu à verdadeira situação económica do arguido, ora Recorrente e plasmada nos autos, tendo, antes, baseado a decisão num mero e hipotético juízo de valor.
XXII - Tanto mais, que o arguido, ora Recorrente, vive, actualmente, de uma parca reforma de 400,00 € mensais - é inclusivamente beneficiário de apoio judiciário - e, não tem quaisquer outros rendimentos.
Vícios da Sentença Recorrida
XXIII - o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127° do CPP, não liberta o julgador das provas que se produzem nos autos, sendo com base nelas que terá que decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio, ou de a componente emocional, na hora de deliberar, superar o que era de esperar do ponto de vista da razão.
XXIV - Ora, no caso sub Júdice nenhuma prova foi produzida que permitisse ao Tribunal "a quo" concluir que a conduta do arguido, ora Recorrente, foi reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, juízo que seria indispensável para a qualificação daquele ilícito criminal, como crime de violência doméstica«
XXV - Na verdade, o Tribunal "a quo" retirou conclusões que, em nosso entender e salvo o devido respeito por opinião contrária, são manifestamente abusivas em face da prova produzida.
XXVI - Pelo que, a prova produzida nos presentes autos, impunha ao Tribunal "a quo" uma decisão oposta à que resulta da Sentença recorrida, uma vez que o arguido, ora Recorrente nunca agiu com dolo ou perspectivou essa hipótese.
Da violação dos Princípios da Presunção da Inocência e «in dúbio pro reo»
XXVII - Dos factos elencados e dados como provados, não detectamos um único que demonstre o preenchimento dos elementos do crime em que o arguido, ora Recorrente, foi condenado.
XXVIII - Aliás, toda a fundamentação da Sentença recorrida é antes consequência de uma construção, aparentemente, lógico-dedutiva completamente desfasada dos factos.
XXIX - Ademais é até a própria Mma. Juiz "a quo' que afirma a fls. 19 da douta sentença que "Tendo em consideração a factualidade provado, não poderá deixar de concluir-se que não estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de que vem acusado".(sublinhado nosso)
XXX - Pelo exposto, foi assim, de acordo com a doutrina, duplamente atingido o princípio «in dúbio pro reo», uma vez que, "O universo fáctico - de acordo com o «pro-reo» - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige certeza", Cristina Líbano Monteiro, "Perigosidade de Inimputáveis..." p. 54.
XXXI - Termos em que se conclui que nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo que o Tribunal * "a quo" fez uma errada subsunção dos factos ao crime de violência doméstica previsto no artigo 152° do Código Penal.
XXXII - A sentença, ora objecto de recurso, encontra-se ferida de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos da alínea b) do n.°2 do artigo 410º do CPP.
XXXIII - Nos presentes autos deveria ter ficado cabalmente provado que o arguido, ora Recorrente, não praticou o crime de que vem acusado - das suas palavras ou atitudes não se vislumbra qualquer crueldade, insensibilidade ou vingança capazes de preencher o tipo legai de crime - pelo que só a sua absolvição deveria ter sido a única atitude legítima a adoptar.
NESTES TERMOS
Deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser o arguido, ora Recorrente, absolvido do crime em que foi condenado, tudo com as legais consequências.
*
I.2. Resposta do MºPº (conclusões reproduzidas).
1) O penúltimo parágrafo de fls. 19 da sentença recorrida (fls. 389 dos autos) é, em si mesmo, contraditório;
2) Contudo, o texto do mesmo pode ser rectificado nos termos previstos no artigo 380º nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal – o que se requer – sendo que a contradição assinalada não integra a nulidade prevista no artigo 410º nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal;
3) Os factos pelos quais o arguido foi condenado são subsumíveis ao crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1, alínea b), nº 2, nº 4 e nº 5 do Código Penal;
4) Face à factualidade apurada quanto à situação económica do arguido não se nos afigura desrazoável a sujeição da suspensão da execução da pena à condição fixada.
I.3. Parecer do Ministério Público na Relação (em síntese)
Aderiu à resposta do MºPº da primeira instância
*
II. Objecto do recurso e sua apreciação.
O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo, obviamente da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
O recorrente coloca as seguintes questões, pela ordem sequencial das suas conclusões:
1º a matéria de facto provada não preenche o tipo legal de crime pelo qual foi condenado e que a mesma integra e não ultrapassa o crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º do CP ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190º do CP;
2º a suspensão da execução da pena foi condicionada à obrigação de entrega de uma quantia pecuniária sem atender à verdadeira situação económica do recorrente, tendo o julgador, pelo facto de o recorrente ter trabalhado no estrangeiro, concluído que tem capacidade económica para além do mínimo de subsistência;
3º como vícios da sentença invoca a violação do princípio da livre apreciação da prova por inexistência de prova alguma que permitisse ao tribunal concluir que a conduta do recorrente foi reveladora de especial censurabilidade ou perversidade.
4º a violação do princípio da presunção da inocência e in dubio pro reo uma vez que dos factos provados não se detectam um único que demonstre o preenchimento dos elementos do crime, tendo o julgador, a fls.19 da sentença, afirmado que “Tendo em consideração a factualidade provada, não poderá deixar de concluir-se que não estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de que vem acusado”, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos do artigo 410º, nº2, alínea b), do CPP.
Conheceremos os referidos fundamentos (alguns deles repetidos) de recurso na sua ordem lógica.
A. Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício resultante do texto da decisão recorrida previsto no artigo 410º, nº2, alínea b), do Código de Processo Penal.
É certo que originariamente foi escrito pelo julgador o advérbio “não” na parte da sentença indicada no recurso. Tal aposição constituiu um lapso de escrita absolutamente manifesto, pelo julgador rectificado antes da remessa do processo para apreciação do recurso (cfr. despacho de fls.423) não se compreendendo, pela sua natureza ostensiva, como pode ter sido tal lapso explorado pelo recorrente.
A questão foi, por tal motivo, ultrapassada pela referida rectificação.
B. Violação do princípio da livre apreciação da prova.
O referido princípio, relativo à prova (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal), permite ao julgador apreciar os meios de prova na base da sua livre valoração e da sua convicção pessoal, por contraste ao sistema de prova legal, onde apreciação da prova tem lugar na base de regras legais predeterminadas.
A violação de tal princípio tem, necessariamente, de ser invocada em sede de erro do julgamento da matéria de facto.
É exactamente o julgamento da matéria de facto que está sujeito ao princípio da livre apreciação estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, princípio válido para o julgamento em primeira instância como para a verificação de eventuais erros de julgamento na Relação, de acordo com exame crítico da prova que não deixa de estar vinculado a critérios objectivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum
Só haverá erro de julgamento da matéria de facto, susceptível de ser modificado em sede de recurso, naquelas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível por não ser sustentada em dados objectivos ou por existirem outras hipóteses dadas pelas provas tão ou mais plausíveis do que aquela adoptada pelo tribunal recorrido.
O recorrente nada alega e indica quanto ao erro de operação do julgamento da matéria de facto, motivo pelo qual improcede a sua pretensão nesta parte.
C. Violação do princípio da presunção da inocência e do princípio in dubio pro reo
O primeiro princípio integra o núcleo dos princípios inerentes à estrutura do processo sendo simultaneamente um princípio fundamental do processo penal, consagrado no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa. Não constitui uma presunção em sentido técnico-jurídico, mas tão só um símbolo do processo equitativo ou justo.
Nos recursos da matéria de direito não basta alegar que foi violado um princípio ou norma jurídica. A divergência sobre o sentido da norma implica a indicação do sentido interpretado pelo tribunal e do sentido em que a mesma deveria ter sido interpretada.
O segundo principio (emanação da presunção de inocência nos princípios relativos à prova), tal como o princípio da livre apreciação da prova, tem o seu campo operacional em sede de julgamento da matéria de facto, constituindo um princípio lógico de prova ( cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal, Vol.I, Universidade Católica Portuguesa, 2013, pág.93) que actua no âmbito da questão-de-facto (cfr. J. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol.I, pág.215).
Também neste âmbito não nos elucida o recorrente onde falhou o julgador na aplicação de tal princípio, motivo pelo qual improcede o recurso.
D. Do errado enquadramento jurídico-penal dos factos provados.
Neste capítulo que reside a verdadeira discordância do recorrente em relação à sentença condenatória.
Entende o recorrente que, em relação ao elemento objectivo do crime de violência doméstica, as ofensas ou agressões psíquicas apuradas não caem na previsão legal dos maus tratos psíquicos do artigo 152º, nº1, do Código Penal por não traduzirem crueldade, insensibilidade ou vingança desnecessária por parte do recorrente.
Não questiona a sua condição de companheiro e ex-companheiro da ofendida e a imputação do comportamento apurado (culpa) a título de dolo, segmento da sentença que não será objecto de apreciação.
Nos termos do artigo 152º, nº1, alínea b), do Código Penal, comete o crime de violência doméstica quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdades e ofensas sexuais a pessoa de outro sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
O recorrente apenas questiona se o seu comportamento apurado é susceptível de integrar o conceito de maus tratos psíquicos, comportamento esse que se descreve na sentença da seguinte forma:
1. Tendo iniciado vida em comum com C…, a partir de Dezembro de 2012, volvidos apenas 3 ou 4 meses, começou a exteriorizar verbalmente ciúmes doentios, altura em que lhe começou a referir que andava metida com os homens todos, de ter com eles relações sexuais dentro das viaturas, de estar sempre a olhar para os outros homens, apelidando-a simultaneamente de puta.
2. O arguido chegou a abandonar a relação, regressando à Suíça, após o que a ofendida lhe telefonou, pedindo-lhe que regressasse, o que este fez, em Abril de 2013.
3. Volvidas algumas semanas, para além de manter o mesmo comportamento referido, foi ainda referindo à C… que a mesma passava a vida a insinuar-se a todos os outros homens e que a mesma chegava a manter relações sexuais com respectivo filho mais novo, D…, expressões essas que passou até a proferir na presença do próprio D…, assim pretendendo humilha-los a ambos.
4. O arguido também costumava, quando a ofendida C… estava ausente no seu trabalho, interrogar o D… acerca de antigos e/ou recentes namorados que a depoente teria tido, ou mantinha, e com quem se encontrava na respectiva ausência.
5. Estas situações ocorriam sempre que o arguido voltava de ausências prolongadas com a justificação de ter necessidade de se deslocar à Suíça.
6. Em Novembro de 2013, decidiu aquela colocar cobro a tal relacionamento, comunicando-o e solicitando ao arguido que saísse da casa dela, o que motivou mais a ira deste, passando a partir de tal altura a perseguir a C…, para onde a mesma fosse, quer para o trabalho, quer às compras, quer para qualquer destino que entendesse por bem tomar, tendo tido necessidade a visada de se socorrer da companhia dos filhos na rua, para se proteger daquele.
7. Não satisfeito, começou igualmente a enviar SMS constantes para a ofendida, para os filhos desta, e bem assim telefonar à mãe daquela.
8. Igualmente, e por várias vezes, telefonou para o local de trabalho da C…, questionando as colegas da mesma sobre as suas relações pessoais, horários de trabalho, e saída.
9. Num desses telefonemas que efectuou, o arguido chegou a insinuar a uma colega da ofendida, que esta era amante do respectivo marido.
10. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2014, o arguido transpor o muro da casa da ofendida e apresentou-se junto da porta de entrada da casa, do lado traseiro, só tendo saído dali por ter sido persuadido a sair pelo filho daquela.
11. Pese embora a ofendida tenha alterado por duas vezes o respectivo número de telefone, sempre o arguido conseguiu descobri-lo e assim continuou a enviar sms, bem tentar efectuar chamadas telefónicas, a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente de saber que a visada se encontrava a trabalhar ou a dormir.
12. Em tais SMS que ia enviando, tanto a apelidava de “amor”, como lhe dizia que “fodia” com vários homens.
13. Via facebook, socorrendo-se de fotos que havia guardado da ex companheira, chegou a escrever numa página, insinuando que a visada e o respectivo irmão mais novo, de quem a ofendida tinha colocado uma foto na sua página de facebook (e, desconhecendo o arguido que se tratava do irmão da ofendida, a quem nunca sequer vira) eram amantes, denegrindo assim a imagem da visada, junto da família, amigos e simples conhecidos.
14. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 8 horas da manhã, já o arguido se encontrava à entrada da porta do local de trabalho da ofendida, tendo tentado abordar a mesma, a qual, em pânico, conseguiu refugiar-se no interior do edifício, tendo o arguido continuado a bater nas janelas e a chamar em voz alta por ela, comportamento a que apenas colocou termo quando se apercebeu da solicitada presença da GNR.
15. No entanto, cerca das 17 horas desse mesmo dia, já se encontrava no mesmo local a aguardar a saída da ex companheira, tendo então sido identificado pela GNR.
16. Volvidos poucos minutos, começou a enviar sucessivas SMS à visada, e aos filhos dela, referindo-lhes: “Que não tinha medo de ninguém e que fazia o queria na vida, pois o medo dele tinha ficado na barriga da mãe”.
17. Em dia que não se logrou concretamente apurar, mas em data posterior a 29.5.2014, voltou a rondar o local de trabalho da C… e, logo que se apercebeu que a mesma tinha de efectuar o transporte de algumas pessoas idosas para uma outra localidade, foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença.
18. Nos dias e semanas subsequentes, por várias vezes se dirigiu durante a noite a casa da visada e rondava-a a pé, assim tendo sido avistado pelo filho daquela, e assim continuando, indiferente ao receio que provocava.
19. O arguido, apesar de saber que a visada tinha sido para si como se de uma esposa se tratasse, e de que os actos que praticava, no recato do domicílio comum, dada a sua natureza, a afectavam na dignidade enquanto pessoa humana, no seu bem-estar físico e no seu equilíbrio psico-emocional, colocando-a em angústia e sofrimento permanente.
20. Quis humilhá-la menosprezá-la na sua dignidade humana, sabia que a atemorizava, ainda assim, continua a persegui-la, o que conseguiu.
Não sofrerá contestação que se demonstraram actos isolados (parciais) mas perspectivados em conjunto que traduzem um comportamento global que provoca, em concreto e em qualquer comum destinatário (com a particularidade da relação afectiva em causa, passada ou presente, e que distingue a concreta protecção jurídico penal) receio existencial (que não físico) da vítima.
Particularizando, o recorrente praticou os seguintes actos com referenciais (destinos subjectivos e objectivos comportamentais) distintos:
1º verbalizou à ofendida, quando com a mesma coabitava, que era uma puta, no sentido de se meter com todos os homens e com eles ter relações sexuais dentro das viaturas (no âmbito privado da relação entre os dois);
2º verbalizou à ofendida, quando com a mesma coabitava, que mantinha relações sexuais com outros homens e chegava a tê-las com o seu filho mais novo, declarações que prestou à frente deste (no âmbito alargado da relação, exposto a um terceiro, filho da ofendida);
3º perguntou ao mesmo filho da ofendida (D…) se a sua mãe teve ou tinha namorados, na ausência da ofendida (no âmbito de uma relação com um terceiro, o filho da ofendida);
4º perseguiu a ofendida para as suas compras, trabalho ou qualquer destino (no âmbito da vida social e profissional da ofendida);
5º enviou sms para a ofendida, filhos desta e mãe (no âmbito da família alargada da ofendida);
6º perguntou às colegas de trabalho as relações pessoais da ofendida e chegou a insinuar a uma delas que a ofendida era amante do seu marido (no âmbito da vivência laboral e das relações de trabalho da ofendida);
7º transpôs o muro da casa da ofendida e apresentou-se à porta, tendo saído do local por persuasão do filho da ofendida (no âmbito do local da residência da ofendida);
8º obteve os números (2) novos da ofendida e persistiu a enviar chamadas e sms a qualquer hora, dia e noite (no âmbito da privacidade pessoal da ofendida);
9º publicou no facebook uma página em que insinuou que a ofendida e sua irmão mais novo eram amantes (no âmbito da vida social da ofendida em geral);
10º procurou a ofendida no seu local de trabalho, que apenas abandonou por esta ter chamado a GNR, perseguiu-a enquanto trabalhava e rondou a residência da ofendida (no âmbito da vida profissional, social e familiar da ofendida).
O recorrente, com a sua conduta, conseguiu perturbar de forma inadmissível, o conjunto de valências existenciais da ofendida: a sua privacidade e opções afectivas, a sua vida familiar (do seu núcleo e com os seus ascendentes), a sua vida profissional e a sua vida social.
Sem necessidade de recurso a um conceito que ainda não foi integrada como anglicismo na língua portuguesa (o designado stalking) – e sem prejuízo da valia técnico-jurídica da análise de tal conceito, mormente nos acórdãos citados na decisão recorrida - não temos qualquer dúvida que a natureza dos actos isoladamente praticados, a potência ofensiva que adquirem no seu conjunto e com a sua reiteração e, sobretudo, os efeitos destrutivos que os mesmos provocaram na vivência global da ofendida (no seu mundo real, que comporta a gestão da liquidação da sua relação pessoal com o recorrente, o respeito pela suas opções, pelo seu espaço, pelo seu tempo, as suas relações familiares com ascendentes e descendentes, de afectividade e respeito, as suas relações profissionais e a sua integração social, onde o reflexo da imagem constitui uma referência), afectaram a dignidade e integridade física da mesma (compreendida na sua dimensão de ofensa da saúde psíquica e mental). A actuação do recorrente preenche na sua plenitude o conceito de maus tratos psíquicos consagrado no artigo 152º, nº1, do Código Penal.
O enquadramento jurídico-penal efectuado dos factos revela-se irrepreensível, motivo qual, também nesta parte, improcede o recurso.
E. Da obrigação de entrega de contribuição monetária como condição (dever subordinado) da suspensão da execução da pena (artigo 51º, nº1, alínea c), do Código Penal).
Insurge-se o recorrente em relação, tão só, à condição de suspensão da execução da pena uma vez que entende que, ao contrário do decidido, nada permite concluir que o recorrente tem uma capacidade económica muito além do mínimo de subsistência.
Os factos dados como provados (e apenas desses nos podemos valer, sendo de todo irrelevantes aqueles indicados na motivação de recurso em relação ao seu rendimento, que não constituiu objecto de discussão temática e às declarações prestadas no âmbito do apoio judiciário), quanto a tal matéria, são os seguintes:
24. O arguido é casado, vive sozinho numa casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de 180 euros.
25. O arguido esteve emigrado na Suíça durante 31 anos e tem uma reforma daquele país.
O mínimo de subsistência existencial ficcionado em Portugal através da fixação do retribuição mínima mensal garantida é de € 530,00 (artigo 2º do Decreto-Lei nº254-A/2015, de 31 de Dezembro).
Para além daqueles factos, também se apurou que o recorrente se deslocava frequentemente à Suíça durante o lapso temporal em que os factos ocorreram (facto provado 5.)
De acordo com os referidos factos (que permitem a presunção natural efectuada pelo julgador, de forma razoável e plausível, das suas capacidades económicas) entendemos adequado, de acordo com o montante contributivo e prazo para o cumprimento da sua entrega, a condição imposta, perspectivada no sentido de potenciar a interiorização da ilicitude da conduta pelo recorrente
Improcede o recurso, neste segmento.
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III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UCS.
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De acordo com os elementos constantes do processo, o recorrente é titular do direito de propriedade de bens imóveis e de bens móveis sujeitos a registo (fls.264 e 265).
Não tendo no seu pedido de protecção jurídica indicado tais bens, comunique-se ao ISS (por referência ao ofício de fls.347)
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Porto, 09 de Novembro de 2016
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro