Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11775/16.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELECTRÓNICA
CONTRATO DE DEPÓSITO
Nº do Documento: RP2018061311775/16.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 138, FLS 6-26)
Área Temática: .
Sumário: I - Para fundamentar a responsabilidade do banco-depositário não tem aplicação o princípio contido no artigo 796º, nº1, do CP, uma vez que o depositário não perdeu a possibilidade de pagar ao depositante e uma vez que não existe coisa que possa perecer.
II - O RJSPME (Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica,) aprovado pelo Decreto – lei nº 317/2009, de 30-10, que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva dos Serviços de Pagamento (Directiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11, ou, abreviadamente “ DSP”) nos casos em que o banco executa uma operação de pagamento, traduzida na transferência de fundos por conta e em nome do seu cliente, em benefício de um terceiro, em resposta a uma ordem de pagamento que na aparência foi emitida pelo titular da conta, vindo depois o cliente a invocar que a operação não foi legitimamente autorizada, estabelece uma norma especial, concretamente, o nº1 do art. 70º, relativamente àquela constante do artigo 799º, nº1, do CCivil, nos termos da qual, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
III - Estando no domínio da responsabilidade obrigacional o legislador estabeleceu uma regra de ónus da prova objectivo, estabelecendo uma presunção de ilicitude a favor do utilizador, a acrescer à presunção de culpa que onera o prestador de serviços de pagamento nos termos gerais- art. 799º, nº1, CC, identificando os factos que deve ser provados pelo prestador de serviços para a afastar: a correcta autenticação, registo e contabilização da ordem, bem como a inexistência de avaria técnica ou qualquer deficiência.
IV - E o nº2 do artigo 70º do RJSPME estabelece uma norma complementar desse regime especial: ainda que o prestador de serviços consiga provar os factos contrários às hipóteses previstas no nº1 e, além disso, prove que foi utilizado o instrumento de pagamento registado pelo utilizador, essa demonstração não é suficiente para dissipar a situação de incerteza quanto à factualidade subjacente à operação não autorizada.
V - Nesses casos, em que existe uma situação de incerteza e em que a demonstração da utilização do instrumento de pagamento não é suficiente para provar que a operação foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações, o sistema da imputação prescindirá de um juízo de ilicitude e a imputação de perdas far-se-á a título objectivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 19

Processo nº 11775/16.5T8PRT.P1

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
Autora: B...
Ré: C..., SA
A autora intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do réu:
-no reembolso do “montante da operação de pagamento não autorizada, no valor de 25.459,10 euros (28.432,68 dólares)”,
-na reposição da “conta de pagamento da autora n.º ........... na situação que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada, acrescida dos juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o autor haja negado ter autorizado a operação de pagamento executada, ou seja dia 1 de Abril de 2016, até à data do reembolso efetivo, calculados à taxa legal anual de 4%, acrescida de 10 pontos percentuais (nos termos do n.º 2 do artigo 71º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30/10), que, na presente data, ascendem à quantia de 528,36 euros”, e
-no pagamento de uma indemnização “a título de danos não patrimoniais, em valor nunca inferior a €1.500,00”.
Fundamentou a sua pretensão na responsabilidade civil contratual da ré.
Regular e pessoalmente citada a ré contestou a pretensão da autora pugnando pela sua total improcedência.
Findos os articulados, foi dispensada a realização da audiência prévia, indicado o objeto do processo, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova arrolados pelas partes.
Oportunamente procedeu-se à realização do julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
-condenou a ré a pagar à autora a quantia de 25.459,10 euros [(vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e dez cêntimos) o correspondente ao montante de 28.432,68 dólares], acrescida dos juros de mora, contabilizados desde 3/4/2016 à taxa legal, que atualmente se situa em 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), acrescida de 10% e
-condenou a ré a pagar à autora a quantia de 1.000,00 euros (mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
-no mais, absolvendo a ré do pedido formulado pela autora.
Inconformada, a Ré, C..., SA, interpõs recurso de apelação formulando as seguintes Conclusões:
1ª) O presente recurso tem por objecto fazer reapreciar a decisão recorrida na sua totalidade, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil de que depende a fulminada condenação; Antes de mais,
2ª) O julgamento dos pontos 21, 22, 29, 36, 50 e 51 da matéria de facto, no sentido da sua prova, não espelham a realidade que resultou da instrução da causa;
3ª) No que respeita ao ponto 21, o mesmo deve ser reajustado e completado com os seguintes dizeres que a seguir se sublinham: 21. Após ter recebido o email referido em 20., a gerente de conta, D..., contactou telefonicamente a autora onde a questionou se a transferência era para realizar e pretendeu identificar a mesma, sem, contudo, tal lhe ter sido possível uma vez que a Autora a interrompeu, respondendo que a transferência não era para ser efectuada naquele momento, o que determinou, naquela ocasião, que a gerente de conta não duvidasse que estavam a falar da mesma transferência. – foi isto que decorreu do depoimento da testemunha D... (min. 16:16 a 18:28, min. 18:34 a 19:33, min. 21:28 a 21:48, min. 21:50 a 23:11, min. 53:55 a 55:23 (segunda parte) e min. 01:09:27 a 01:10:09 (segunda parte));
4ª) Também a redacção do ponto 22 peca por defeito, devendo ser completado com o seguinte trecho que se sublinha: 22. A autora, referindo-se, embora sem o verbalizar, à ordem de transferência referida em 15. e que tinha agendado para o dia 28/3, afirmou que não era para executar já porque tinha ainda de confirmar o valor. – a fundamentar esta alteração temos o depoimento da testemunha D... (min. 16.16 a 18:28, min. 18:34 a 19:33, min. 21:28 a 21:48, min.25:22 a 27:07 e min. 53:55 a 55:23 (segunda parte));
5ª) A redacção do ponto 29 da matéria de facto deve ser rectificado na pontuação, uma vez que após a afirmação Dr.ª B... ainda não fiz a transferência existem dois pontos e não um ponto final: é isto mesmo que decorre do documento que corporiza o email a que se refere este ponto (doc. 10 junto com contestação) e também foi isto mesmo que decorreu do depoimento da testemunha D... (min. 23:36 a 24:43 e min. 58:21 a 59:01 (segunda parte)), pois a pontuação teve um propósito;
6ª) Deve ser eliminado do ponto 36 a referência ao termos “validação”, uma vez que, como decorreu do depoimento das testemunhas D... (min. 28:18 a 28:40, min. min. 37.26 a 37:58, min. 42:57 a 43:45, min. min. 20:24 a 24:16 (segunda parte) e min. 40:30 a 41:08 (segunda parte)) e E... (min. 07:11 a 07:57 e 22:54 a 23:00), no âmbito de uma relação contratual com os contornos da dos autos, não era obrigação do banco validar as ordens transmitidas por um dos meios contratualmente previstos, como no caso era o email, apenas confirmando as mesmas por uma questão de zelo do próprio banco;
7ª) Sugere-se, assim, a seguinte redacção para o ponto 36, com a alteração constante do trecho que se sublinha: Com o culminar desta troca de mensagens, no referido dia 18/3/2016 foi efectuada da conta titulada pela autora com o n.º ........... (conta em dólares) uma transferência, no valor de 28.432,68 dólares, para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, não tendo sido pedida à autora a sua assinatura de um qualquer outro documento;
8ª) Em relação ao ponto 50, a referência constante do mesmo aos emails plasmados nos pontos 29, 31, 32 e 33 deve ser eliminada e certamente se deveu a um lapso involuntário de escrita do Tribunal a quo, uma vez que os mesmos, como da sua própria redacção decorre, foram remetidos pelo endereço electrónico da gerente D...;
9ª) Quanto aos pontos 51 e 52 não foi produzida prova em relação à factualidade que dos mesmos consta, nomeadamente no depoimento da testemunha F... (min. 22:57 a 23:23) que fundamentou o julgamento dos mesmos por parte do Tribunal a quo, devendo ser considerados não provados;
10ª) Devem considerar-se provados os factos 4 e 5 que foram considerados não provados pelo Tribunal a quo, decorrendo a prova do mesmo do depoimento da testemunha D... nos seguintes trechos que se agrupam, respectivamente (min. 16:16 a 18:28 e 27:09 a 27:30) e (min. 16:16 a 18:28,min. 18:34 a 19:33, 21:28 a 21:48, Min. 21:50 a 23:11 e min. 25:22 a 27:07);
11ª) Pela importância que releva na analise dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente da culpa, deve ser incluído o seguinte facto instrumental: A linguagem e a apresentação gráfica constante dos emails identificados nos pontos 20, 28 e 30 dos factos provados era em tudo semelhante à dos emails identificados nos pontos 15, 17, 19, 25, 37 e todos os demais indícios conhecidos pela gerente D... não levantaram qualquer suspeita em relação à autenticidade da ordem de transferência identificado no ponto 20. – a fundamentá-lo temos os depoimentos das testemunhas D... (min. 54:59 a 56:35 e min. 46.21 a 50:49);
12ª) Agora numa perspectiva de analisar a culpa do lesado, requer-se a inclusão do seguinte facto instrumental, fundado no depoimento da testemunha D... (min. 59:11 a 01:04:28, min. 01:14:11 a 01:15:11 (segunda parte) e min. 01:21:13 a 01:29:05 (segunda parte)), E... (min. 01:16:02 a 01:18:54) e F... (min. 49:54 a 49:59): Na reunião a que se alude no ponto 43 dos factos provados, a Autora ficou ciente de que, quanto mais rápido entregasse no banco a participação criminal por esta solicitada, maior era a probabilidade de recuperar a quantia de 28.432,68 dólares junto do banco estrangeiro;
13ª) A impugnação da subsunção feita pelo Tribunal a quo dos factos ao direito não está dependente da procedência da impugnação da matéria de facto, não obstante esta procedência venha adensar a conclusão pela inexistência da obrigação de indemnizar a cargo do Banco;
14ª) Antes de mais, o elenco dos factos provados é omisso no sentido de não ter sido a Autora a transmitir a ordem cuja execução constitui objecto da lide, não suprindo essa omissão o facto de ter resultado provado a origem do IP através do qual o email que corporiza a ordem foi remetido; Sem prescindir,
15ª) Na relação contratual existente entre o Banco e a Autora esta declarou pretender transmitir ordens de transferência por correio electrónico, que Identificou, e assumiu a responsabilidade decorrente das consequências que resultassem de qualquer vicissitude conexa com este procedimento, entre elas, a não autenticidade das mesmas, o que determina a improcedência do pedido;
16ª) À luz deste acordo a única obrigação a que o Banco se constituiu perante a Autora foi a de executar uma ordem transmitida nestes termos, sendo inócua a circunstância de o Banco, por zelo e diligência acrescido, ter como prática confirmar com os seus clientes, por uma via distinta daquela em que foi transmitida a ordem, a veracidade da mesma;
17ª) Mesmo para quem entenda que a declaração de transmissão de ordens assinada pela Autora não tem aplicabilidade numa situação como a dos autos, em que a ordem alegadamente foi transmitida por um falsário, ainda assim o regime geral do depósito bancário, do qual a cláusula 11º das condições gerais é expressão, permite concluir pela inexistência de qualquer dever de indemnizar a cargo do Banco;
18ª) Seguindo os ensinamentos da nossa jurisprudência e doutrina pátria, ninguém duvida que o Banco Recorrente logrou demonstrar que agiu, no caso, concreto, com a diligência que lhe era exigível, afastando, assim, a presunção legal de culpa: a ordem em causa nos autos foi transmitida pela via correntemente usada para o efeito pela Autora, sendo do conhecimento da Private Banker que a transmissão de uma ordem se aproximava, sendo certo que esta teve o cuidado, uma vez que inexistia obrigação nessa sentido, de confirmar com a Autora a autenticidade da ordem – o que fez, tendo a Autora assumido conhecer a mesma, travando a intenção da Private Banker de identificar os dados que a compunham.
19ª) Não obstante, também o Banco fez prova da culpa do cliente e tanto basta para se eximir ao dever de indemnizar, por força do disposto no art.570 nº2 do CC (sendo a presunção postergada pela prova da culpa do lesado): foi a Autora que solicitou o extracto da sua conta em dólares, o que determinou a que o falsário conhecesse os valores existentes e transmitisse uma ordem concreta e credível; foi a Autora que interrompeu a Private Banker quando esta se preparava para concretizar os dados da transferência em causa nesta lide, confirmando assim a existência da ordem de transferência; foi a Autora que demonstrou uma atitude passiva e despreocupada na entrega no Banco da participação criminal que permitiria reverter a ordem.

20ª) Subsidiariamente, e embora não se concorde com qualquer juízo de censura na actuação do Banco, sempre a responsabilidade deveria ser repartida entre Autora e Banco Réu na medida do concurso das suas culpas na produção do resultado;
21ª) Inexistem quaisquer danos, patrimoniais e não patrimoniais passíveis de ser ressarcidos, sendo certo que no que respeita aos segundos nada, absolutamente nada, se provou a respeito dos mesmos, afigurando-se, em todo o caso, o valor arbitrado pela sentença recorrido absolutamente excessivo;
22ª) Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 405º, 496º e 799º do Código Civil e ainda os arts. 70º e 71º do DL 317/2009.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que determine a absolvição do Banco do pedido.
Foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Porque o objeto do recurso de apelação está delimitado pela decisão recorrida e pelas conclusões das alegações do recurso (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), o objecto do recurso coloca as seguintes questões:
1-Do recurso sobre a decisão da questão de facto.
2- Do mérito da decisão recorrida, a abranger as seguintes questões:
- falta de autorização da autora-recorrida para a execução , no dia 24-03-2016, da transferência da quantia de € 28.432,68 da sua conta bancária com o nº ........... para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia;
- comportamento da ré durante a operação de transferência da quantia em questão e nas operações que antecederam aquela.;
-danos morais sofridos pela autora-recorrida.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
3.1-.Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:
1.A ré é uma instituição de crédito, sendo a autora sua cliente.
2.No dia 12/8/2015, a autora procedeu à abertura de uma conta de depósitos à ordem junto da ré, na sucursal do Porto, (“conta em euros”), à qual foi atribuído o n.º ............
3.Mais tarde, em 16/9/2015, a autora procedeu, junto à da ré, à abertura de uma nova conta de depósitos, também na sucursal do Porto, mas desta feita em dólares, à qual foi atribuído o n.º ............
4.Esta última conta era utilizada, pelo menos, para transferir fundos para a conta em euros, identificada em 2.
5.No ato de abertura de ambas as contas acordaram autora e ré que: “1. Podem ser dadas ordens de transferência (…) e empregues quaisquer outros meios de pagamento emitidos e admitidos pelo Banco, desde que observadas as condições de movimentação estabelecidas e se for o caso, as condições previstas no capítulo B seguinte. 2. A adesão a sistemas que proporcionem a movimentação de contas via internet ou com recurso a outras tecnologia é condicionada à subscrição das condições gerais dos meios de comunicação à distância previstas no Capítulo D seguinte” – cláusula 11.ª das condições gerais, capítulo A.
6.Mais acordaram que: “1. As instruções relativas à conta devem ser enviadas ao Private Banker ou a quem for designado para o substituir. Devem ser emitidas por escrito, em língua portuguesa, castelhana ou inglesa, com indicação expressa do número de conta a que respeitam. 2. Através do acordo específico que se venha a efetivar para o efeito, pode o banco aceitar receber instruções por telefone, telefax ou e-mail. Essas instruções deverão expressamente respeitar as condições de movimentação da conta, podendo o banco posteriormente exigir a confirmação através de documento escrito original e fidedigno.” – cláusula 14.ª das condições gerais, capítulo A.
7.E, ainda, que: “1. Sem prejuízo de outros regulados em contrato próprio, o banco presta os serviços de pagamento associados à conta de depósitos à ordem a seguir indicados, os quais encerram as seguintes características principais. (…) c) transferências bancárias – operações de pagamento efetuadas por iniciativa de um ordenante, realizadas através de um prestador de serviços de pagamento e destinadas a colocar fundos à disposição de um beneficiário, por débito e crédito de contas de depósito à ordem.” – cláusula 2.ª das condições gerais, capítulo B.
8.Estabeleceram também que: “1. Uma operação de pagamento ou um conjunto de operações de pagamento só se consideram autorizados se o cliente consentir previamente na sua execução, sem prejuízo de o cliente e o banco poderem acordar para determinados produtos ou serviços que o consentimento seja prestado em momento posterior. 2. O consentimento referido no número anterior deve ser dado de forma expressa em documento entregue em qualquer balcão do banco. Salvo se outra forma for acordada entre as parte no que respeita a determinados produtos ou serviços ou a determinadas operações.” – cláusula 5.ª das condições gerais, capítulo B.
9.E que: “1. Após ter tomado conhecimento de uma operação de pagamento não autorizada ou incorretamente executada suscetível de originar uma reclamação, o cliente deve comunicar esse facto ao banco sem atraso injustificado e dentro de um prazo nunca superior a 13 meses a contar da data do débito. Findo esse prazo consideram-se reconhecidos como exatos os valores registados. 2. Caso o cliente negue ter autorizado uma operação de pagamento executada ou alegue que a operação não foi corretamente efetuada, incumbe ao banco fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.” – cláusula 11.ª das condições gerais, capítulo B.
10.Mais acordaram que “O banco é responsável perante o cliente pela não execução ou execução incorreta de uma ordem de pagamento emitida por este ultimo, nos termos gerais de direito, sem prejuízo do disposto no n.º 2 da cláusula 11.ª e da cláusula seguinte.” – cláusula 13.ª das condições gerais, capítulo B.
11.No dia 12/8/2015 a autora subscreveu um escrito elaborado pela ré e intitulado “Declaração de Transmissão de Ordens”, no qual declarou que “Relativamente a todas as contas de depósito à ordem e de depósito de títulos de que é titular no C... e que podem ser movimentadas por quem tenha poderes para o efeito, vem por este meio declarar pretender usar da possibilidade de transmitir telefonicamente e e-mail ao Private Banker indicado pelo banco ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias, assumindo toda a responsabilidade e todas as consequências que resultem da eventual má receção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tias factos não decorram de dolo ou culpa grave, aceitando de igual modo que o banco possa, em qualquer momento, exigir prévia ou subsequentemente à respetiva execução, a entrega de uma ordem ou instrução escrita ou revogar com um pré-aviso de 30 dias o presente acordo de receção de ordens e instruções telefónicas.
Compromete-se também em relação a produtos a que venha futuramente a aderir a formalizar no prazo máximo de 90 dias o respetivo contrato servindo sempre como prova daquela adesão qualquer documento emitido pelo Banco.”.
12.Nesse ato a autora indicou como número de telefone: ......... e como endereço de e-mail: B1...@....com.br.
13.A forma corrente da autora comunicar com o banco era através de correspondência eletrónica trocada com a sua gerente de conta, D..., dando instruções de execução de ordens e solicitando informações sobre as suas contas, como, por exemplo, pedindo extratos bancários.
14.O endereço eletrónico usado pela autora era sempre o referido em 12.
15.No dia 7/3/2016, às 11h05m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Bom dia D...!
Tudo bem!?
Preciso transferir 2,5mil euros da minha conta dólares para a minha conta euros hoje e mais uns 9 mil por volta do dia 28/3. Qual está a cotação dólar/euro hoje?
Você poderia me ajudar com isso? Preciso também do extrato da minha conta dólar depois dessa transferência…
Bjs e obrigada. B...”
16.Nesse mesmo dia, às 16h31m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Boa tarde, já procedemos à transferência de 2.500€ da conta USD.
Tenho alguns papéis para assinar (ordens) quando a Dr.ª B... puder passar por cá.
Não é urgente. Cumprimentos D...”
17.No dia 7/3/2016, às 19h10m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Muito obrigada, D...!
Passo amanhã para assinar esses papéis, ok!?
Me manda também por favor o extrato da conta USD? Beijos,
B...”
18.No dia 8/3/2016, às 9H22m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Bom dia, junto extrato que tem a conta EUR e USD. Cumprimentos.
D...
19.No dia 8/3/2016, às 18h17m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Muito obrigada, D...!
Não consegui passar aí hoje mas passo até o final dessa semana, ok!? Bjs”
20.No dia 17/3/2016, às 13h31m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Boa tarde, D...!
Tudo bem!?
Preciso transferir de 25.000€ para a conta abaixo Nome beneficiário: G... Nome do Banco: H...
... Conta: ............
Endereço: ..,.../...,..., ..., ..., Pais: Kuala Lumpur. Malásia
Código Postal: .....: nota fiscal ......
Você poderia me ajudar com isso? Me envie a confirmação da transferência
Bjs e obrigada, B...”
21.Após ter recebido o email referido em 20., a gerente de conta, D..., contactou telefonicamente a autora onde a questionou se a transferência era para realizar, sem contudo ter identificado de que ordem de transferência se tratava.
22.A autora, referindo-se à ordem de transferência referida em 15. e que tinha agendado para o dia 28/3, afirmou que não era para executar já porque tinha ainda de confirmar o valor.
23.Nesse momento a gerente de conta não efetuou a transferência, ficando a aguardar novas instruções.
24.No mesmo dia 17/3/2016, às 14h52m e já depois da conversa telefónica referida em 21 e 22., a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Estou esperando a confirmação da transferência”.
25.Ainda no dia 17/3/2016, mas às 17h47m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Olá D... Boa tarde!
Você poderia providenciar para amanhã a transferência de 10 mil euros da minha usd p/ eur?
Se possível, gostaria também de antecipar o pagamento do meu cartão…Vou viajar na próxima terça e queria ter o limite liberado. Bjs e muito obrigada, B...
26.No dia 18/3/2016, às 11h29m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Bom dia, Dr.ª B...
Já está feita a transferência de 10.000€. Durante o dia líquido o cartão. Cumprimentos
D...”
27.No dia 18/3/2016, às 11h39m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Você já fez a transferência 25mil euros?”.
28. No mesmo dia, mas às 12h51m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Você já fez a transferência 25mil euros?
Me manda também por favor o extrato da conta USD? Beijos,
B...”.
29.Nesse dia, às 12h59m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Dr.ª B... ainda não fiz a transferência. Estava à espera que confirmasse. Irei fazer agora.
Depois mando extrato atualizado. D...”
30.Ainda nesse dia, às 13h11m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Eu quero que você faça a transferência agora e voltar para mim com a confirmação Mando o extrato atualizado
Bjs e muito obrigada, B...”.
31.Nesse dia, às 14h50m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Boa tarde, Dr.ª B...,
A transferência já foi feita e junto comprovativo. Cumprimentos,D...”
32.Ainda nesse dia, mas às 16h47m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Dr.ª B...,
O extrato não está atualizado dos movimentos de hoje. Envio 2ª feira. Saldo conta EUR 10.000€ (falta debitar o cartão)
Saldo USD 21.756
Bom fim de semana. D...”
33.No dia 21/3/2016, às 10h47m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Bom dia, Dr.ª B... Junto os extratos Cumprimentos D...”
34.No dia 21/3/2016, às 11h13m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Bom dia, D...!
Você pode verificar por que a ordem de pagamento para a Malásia ainda não foi recebido
Obrigada, B....
35.Ainda nesse dia, às 10h25m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Muito obrigada, D...
Acabei de receber um e-mail que o dinheiro foi recebido. Bjs,”.
36.Com o culminar desta troca de mensagens, no referido dia 18/3/2016 foi efetuada da conta titulada pela autora com o n.º ........... (conta em dólares) uma transferência, no valor de 28.432,68 dólares, para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, não tendo sido pedida à autora a sua assinatura para validar essa operação.
37.No dia 22/3/2016, às 15h10m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Olá, D... Boa tarde!
Vamos viajar hoje e só voltamos domingo…
Vou passar aí daqui a uns 30 minutos para assinar aqueles papéis que estão faltando ok!?
Bjs e obrigada. B...”.
38.Nesse, às 17h04m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Olá. Fico a aguardar. Beijinho”
39. No dia 23/3/2016, às 13h33m, a gerente de conta recebeu no seu e-mail – D1...@C1....pt – proveniente do endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Olá, D...!
Boa tarde!
Eu tenho uma viagem segura
Você poderia providenciar a transferência de 20mil para a conta abaixo, a conclusão da última transferência
Nome beneficiário: G... Nome do Banco: H...
... Conta: ............
Endereço: .., .../., ..., ..., ..., Pais: Kuala Lumpur. Malásia
Código Postal: .....: nota fiscal ......
me envie a confirmação da transferência Bjs e obrigada,
B...”
40.A autora foi informada do referido em 36., no dia 24/3/2016, pela sua gerente de conta, D..., depois de lhe ter enviado um SMS a solicitar a confirmação do pedido de transferência referido em 39.
41.Ao ser confrontada com o referido em 36., a autora negou tivesse ordenado ou autorizado a realização dessa transferência.
42.No dia 1/4/2016 a autora remeteu uma carta, registada com aviso de receção, à ré e por esta recebida em 3/4/2016, dando-lhe conta do sucedido e solicitando o reembolso imediato do montante da operação de pagamento não autorizada.
43.No dia 4/4/2016 a autora, o marido, a gerente de conta D... e o responsável pela sucursal, E..., reuniram no sentido de conseguirem resolver o sucedido e recuperar a quantia transferida. Aí foi solicitado à autora que participasse criminalmente o ocorrido, o que esta fez em 12/4/2016, remetendo-lhe cópia da participação apresentada.
44.Por email datado de 7/4/2016 a gerente de conta informa a autora de que a ré está em contato com o banco destinatário da transferência na tentativa de recuperar a quantia, solicitando o envio, com urgência, da participação criminal.
45.Por email datado de 8/4/2016 foi feita nova insistência para a apresentação da participação criminal.
46.Por email datado de 11/4/2016 respondeu a autora informando que os seus advogados estavam a tratar do caso.
47.No dia 8/6/2016 a gerente de conta enviou em email à autora a agendar uma reunião, à qual esta compareceu com o marido e onde lhe foi proposto que o banco, por uma questão de cortesia para com o cliente, lhe entregaria a quantia de 12.500,00 euros, o que a autora recusou.
48.A ré não reembolsou a autora da quantia de 28.432,68 dólares.
49.Nem foi possível recuperar junto do banco estrangeiro a quantia referida.
50.O IP de onde provieram os emails referidos em 20, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 39 está registado em nome de I..., com residência na Rua ..., n.º .., ....-... em ....
51.Toda a situação descrita provocou na ré angustia, ansiedade e apreensão, tendo- se desdobrado em inúmeras diligências no sentido de tentar recuperar a quantia em questão, o que lhe causou transtornos.
52.A ré sente angústia perante a possibilidade de poder a não vir recuperar a quantia referida.
b)Factos não provados.
Foram considerados não provados todos os factos que contrariam ou excedem os acima expostos, bem como aqueles sobre os quais a prova produzida não foi bastante, nomeadamente:
1.Que quando tomou conhecimento da transferência realizada pela sua gerente de conta, a autora tenha manifestado a sua estranheza pelo facto de não ter recebido qualquer pedido de confirmação telefónica (chamada gravada) como, de resto, sempre ocorria nos pedidos de transferência que solicitava a partir daquela conta.
2.Que a ré tenha solicitado à autora que participasse criminalmente o sucedido para justificar a reposição do valor subtraído à conta bancária.
3.Que a autora se encontre profundamente angustiada com a possibilidade de não mais recuperar a quantia em causa.
4.Que a gerente de conta na conversa telefónica que manteve com a autora após receber o email datado 17/3 a ordenar a transferência para Kuala Lumpur, tenha perguntado se a transferência que havia solicitado naquele dia era para ser feita na conta USD ou na conta EUROS, posto que a autora só possuía fundos suficientes na conta USD e a transferência era solicitada em euros.
5.Que a autora ao referir que a transferência não era para já, tenha assumido automaticamente conhecer as caraterísticas da transferência a que a Private Banker D... se estava a reportar, tanto mais que nem quis saber mais detalhes da operação e que tenha referido que enviaria um mail a confirmar.
6.Que a reunião referida no ponto 43 dos factos provados tenha ocorrido no dia 28/3/2016.
7.Que a ré tenha remetido para o banco estrangeiro, por intermédio do banco correspondente, a participação criminal apresentada.
8.Que o atraso da autora na realização e envio da participação policial tenha sido essencial para obstar à recuperação dos fundos junto do banco estrangeiro.
9.Que a ré tenha solicitado e insistido com a entrega da participação criminal para que fosse acionado um seguro de responsabilidade civil do banco para ressarcir a autora dos prejuízos sofridos.
3.2- Questão Prévia.
Na Conclusão 14ª a Recorrente alega que o elenco dos factos provados é omisso no sentido de não ter sido a Autora a transmitir a ordem cuja execução constitui objecto da lide, não suprindo essa omissão o facto de ter resultado provado a origem do IP através do qual o email que corporiza a ordem foi remetido.
Assim, no essencial, a recorrente pretende significar com a referida alegação que a decisão sobre a questão de facto é deficiente, o que, a ser verdade, determinaria a verificação de erro na decisão sobre a questão de facto e que teria acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas
Apreciando e decidindo.
Considerando que o recurso sobre a questão de facto é instrumental, no sentido de a sua apreciação e decisão estar depender da sua utilidade para a decisão da causa, impõe-se, antes de tudo o mais, apreciar se efectivamente no caso dos autos o tribunal recorrido omitiu no elenco dos factos provados facto essencial para a decisão da causa.
Assim sendo, porque releva urge assinalar que na petição inicial a autora alegou ser titular de duas contas bancárias à ordem junto da Ré e que no dia 24-03-2016 foi feita, sem autorização da autora, uma transferência bancária por débito do saldo de uma das contas no valor de € 28.432,68 dólares a favor de uma conta sediada na Malásia.
Conclui pela responsabilidade da Ré.
Na contestação, a Ré alega ignorar se a ordem de transferência foi transmitida pela autora e alega no artigo 56º da contestação que independentemente de ter sido ordenada pela autora ou por um terceiro que usurpou o endereço electrónico da autora, aquela operação sempre haveria de ser considerada como autorizada, porquanto, alega a autora acordou com a ré transmitir ordens por via do seu endereço de email B1...@....com.br. Tudo a significar que a validade da ordem está apenas dependente do cumprimento da forma acordada entre o ordenante e o banco., sendo que a Autora “assumiu toda a responsabilidade e todas as consequências que pudessem resultar da eventual má recepção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tais factos não decorram de dolo ou culpa grave do Banco.”
Concluindo que no caso não existiu nem dolo nem culpa grave do Banco e que, antes pelo contrário: a provar-se a usurpação do correio electrónico da autora, o banco foi tão enganado como ela própria, não podendo ter sido mais diligente, uma vez que os factos indiciavam a autenticidade da instrução dada.- ver arts 67º e ss da contestação.
Feita esta síntese das posições das partes, é manifesto que o presente litígio convoca o regime aplicável às operações de pagamento, o qual, é um regime especifico previsto no RJSPME, inicialmente aprovado pelo Decreto – lei nº 317/2009, de 30-10 que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva dos Serviços de Pagamento (Directiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11, ou, abreviadamente “DSP”. Posteriormente, esse regime foi actualizado com a transposição da Directiva nº 2009/110/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-09, e a versão mais actualizada do RJSPME consta do Anexo ao DL nº 242/2012, de 7-11.
E como é sabido, a Directiva (EU) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25-11 -2015 (“DSPII”) revoga a DSP anterior, com efeitos a partir de 13-01-2018. Todavia, o quadro jurídico da DSP que está em vigor apenas sofre alterações pontuais.
Efectivamente, os serviços de pagamento são elencados no artigo 4º do RJSPME e consistem nos processos típicos através dos quais são praticados os actos de depositar, transferir ou levantar fundos. Esses serviços de pagamento são tratados pelo RJSPME como actividades em abstracto, que depois são concretizadas em operações de pagamento.
Relevante, é também o conceito de instrumento de pagamento, definido pela al. z) do artigo 2º do RJSPME como “ qualquer dispositivo personalizado ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento e a que o utilizador de serviços de pagamento recorra para emitir uma ordem de pagamento.
A esta luz, no caso dos autos, as regras acordadas entre a autora e a ré para emitir ordens de pagamento configuram “instrumento de pagamento”.
E o RJSPME (Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica) em casos como o dos autos em que o banco executa uma operação de pagamento, traduzida na transferência de fundos por conta e em nome do seu cliente, em benefício de um terceiro, em resposta a uma ordem de pagamento que na aparência foi emitida pelo titular da conta, vindo depois o cliente a invocar que a operação não foi legitimamente autorizada, estabelece uma norma especial relativamente àquela constante do artigo 799º, nº1, do CCivil, nos termos da qual, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Se fosse aplicável esta última norma caberia ao utilizador demonstrar os factos em que se concretizou o cumprimento defeituoso ou o incumprimento por parte do prestador de serviços de pagamentos.
Todavia, o artigo 70º, nº1 do RJSPME estabelece que incumbe ao prestador de serviços de pagamento “fornecer a prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por qualquer avaria técnica ou qualquer deficiência!
A DSPII mantém esta regra e clarifica que o prestador está onerado com a prova da integridade perante avarias técnicas ou deficiências do serviço prestado: artigo 72º, nº1 da DSP.
Estamos no domínio da responsabilidade obrigacional e o legislador estabeleceu uma regra de ónus da prova objectivo, estabelecendo uma presunção de ilicitude a favor do utilizador, a acrescer à presunção de culpa que onera o prestador de serviços de pagamento nos termos gerais- art. 799º, nº1, CC, identificando os factos que deve ser provados pelo prestador de serviços para a afastar : a correcta autenticação, registo e contabilização da ordem, bem como a inexistência de avaria técnica ou qualquer deficiência.
E porque releva, urge assinalar que o nº2 do artigo 70º do RJSPME estabelece uma norma complementar desse regime especial: ainda que o prestador de serviços consiga provar os factos contrários às hipóteses previstas no nº1, terá, de provar, para dissipar situações de incerteza quanto à factualidade subjacente à operação não autorizada, que foi utilizado o instrumento de pagamento registado pelo utilizador, sem prejuízo de resultar da lei que em certos casos o sistema da imputação prescindirá de um juízo de ilicitude e que a imputação de perdas se faz a título objectivo, como adiante será referido por nós em sede de enquadramento jurídico da factualidade que resultar provada.
Resulta assim das considerações expostas que no caso dos autos, a Ré, na qualidade de prestadora de serviços de pagamento é que está onerada com uma presunção de ilicitude que abrange os factos atrás identificados e mesmo na hipótese de afastar essa presunção se resultar ainda uma situação de incerteza relativamente à factualidade subjacente à operação de pagamento não autorizada, continua a ré- recorrente onerada com o ónus de prova de ter sido a Autora a transmitir a ordem cuja execução constitui objecto da lide, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações.
Assim, no caso, perante a alegação da autora-recorrida que negou ter transmitido a ordem de transferência enviada do seu endereço electrónico cabia à Ré-recorrente provar que tinha sido a autora que tinha ordenado a ordem de transferência em causa, sendo certo que, onerar a autora-recorrida com a prova de não ter sido ela quem enviou o e-mail da transferência em questão equivaleria a onerar a autora – pessoa singular com uma prova diabólica de um facto negativo, favorecendo em termos de prova a parte que contratualmente à partida mais vantagens retira do uso do sistema electrónico no envio das instruções dos clientes.
Pelos fundamentos expostos, concluímos que a decisão sobre a questão-de-facto contém os factos essenciais para decidir o presente litígio.
3.3- Do Recurso sobre a decisão de Facto.
Mostram-se cumpridos os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando ao conhecimento deste segmento do recurso.
A recorrente impugna os itens 21, 22, 29, 36, 50 e 51 dos factos provados, alegando que não espelham a realidade que resultou da instrução da causa;

1- No que respeita ao ponto 21, alega que o mesmo deve ser reajustado e completado com os seguintes dizeres: 2 21. Após ter recebido o email referido em 20., a gerente de conta, D..., contactou telefonicamente a autora onde a questionou se a transferência era para realizar e pretendeu identificar a mesma, sem, contudo, tal lhe ter sido possível uma vez que a Autora a interrompeu, respondendo que a transferência não era para ser efectuada naquele momento, o que determinou, naquela ocasião, que a gerente de conta não duvidasse que estavam a falar da mesma transferência”.
Invoca para tanto o depoimento da testemunha D... (min. 16:16 a 18:28, min. 18:34 a 19:33, min. 21:28 a 21:48, min. 21:50 a 23:11, min. 53:55 a 55:23 (segunda parte) e min. 01:09:27 a 01:10:09 (segunda parte));
2- Alega também que a redacção do ponto 22 peca por defeito, devendo ser completado com o seguinte trecho que se sublinha:” 22. A autora, referindo-se, embora sem o verbalizar, à ordem de transferência referida em 15. e que tinha agendado para o dia 28/3, afirmou que não era para executar já porque tinha ainda de confirmar o valor. – invoca o depoimento da testemunha D... (min. 16.16 a 18:28, min. 18:34 a 19:33, min. 21:28 a 21:48, min.25:22 a 27:07 e min. 53:55 a 55:23 (segunda parte))”;
3- Alega que a redacção do ponto 29 da matéria de facto deve ser rectificado na pontuação, uma vez que após a afirmação Dr.ª B... ainda não fiz a transferência existem dois pontos e não um ponto final: é isto mesmo que decorre do documento que corporiza o email a que se refere este ponto (doc. 10 junto com contestação) e também foi isto mesmo que decorreu do depoimento da testemunha D... (min. 23:36 a 24:43 e min. 58:21 a 59:01 (segunda parte)), pois a pontuação teve um propósito;
4- Alega que deve ser eliminado do ponto 36 a referência ao termos “validação”, uma vez que, como decorreu do depoimento das testemunhas D... (min. 28:18 a 28:40, min. min. 37.26 a 37:58, min. 42:57 a 43:45, min. min. 20:24 a 24:16 (segunda parte) e min. 40:30 a 41:08 (segunda parte)) e E... (min. 07:11 a 07:57 e 22:54 a 23:00), no âmbito de uma relação contratual com os contornos da dos autos, não era obrigação do banco validar as ordens transmitidas por um dos meios contratualmente previstos, como no caso era o email, apenas confirmando as mesmas por uma questão de zelo do próprio banco. Sugere, assim, a seguinte redacção para o ponto 36, com a alteração constante do trecho que se sublinha: Com o culminar desta troca de mensagens, no referido dia 18/3/2016 foi efectuada da conta titulada pela autora com o n.º ........... (conta em dólares) uma transferência, no valor de 28.432,68 dólares, para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, não tendo sido pedida à autora a sua assinatura de um qualquer outro documento.
5- Em relação ao ponto 50, alega que a referência constante do mesmo aos e-mails plasmados nos pontos 29, 31, 32 e 33 deve ser eliminada e certamente se deveu a um lapso involuntário de escrita do Tribunal a quo, uma vez que os mesmos, como da sua própria redacção decorre, foram remetidos pelo endereço electrónico da gerente D...;
6- Quanto aos pontos 51 e 52 alega que não foi produzida prova em relação à factualidade que dos mesmos consta, nomeadamente no depoimento da testemunha F... (min. 22:57 a 23:23) que fundamentou o julgamento dos mesmos por parte do Tribunal a quo, devendo ser considerados não provados;
7- Alega que devem considerar-se provados os factos 4 e 5 que foram considerados não provados pelo Tribunal a quo, decorrendo a prova do mesmo do depoimento da testemunha D... nos seguintes trechos que se agrupam, respectivamente (min. 16:16 a 18:28 e 27:09 a 27:30) e (min. 16:16 a 18:28,min. 18:34 a 19:33, 21:28 a 21:48, Min. 21:50 a 23:11 e min. 25:22 a 27:07);
8- Invocando que relevam na analise dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente da culpa, pretende o aditamento do seguinte facto instrumental: A linguagem e a apresentação gráfica constante dos emails identificados nos pontos 20, 28 e 30 dos factos provados era em tudo semelhante à dos emails identificados nos pontos 15, 17, 19, 25, 37 e todos os demais indícios conhecidos pela gerente D... não levantaram qualquer suspeita em relação à autenticidade da ordem de transferência identificado no ponto 20. – a fundamentá-lo temos os depoimentos das testemunhas D... (min. 54:59 a 56:35 e min. 46.21 a 50:49);
9- Invocando que importa analisar a culpa do lesado, requer a inclusão do seguinte facto instrumental, fundado no depoimento da testemunha D... (min. 59:11 a 01:04:28, min. 01:14:11 a 01:15:11 (segunda parte) e min. 01:21:13 a 01:29:05 (segunda parte)), E... (min. 01:16:02 a 01:18:54) e F... (min. 49:54 a 49:59): Na reunião a que se alude no ponto 43 dos factos provados, a Autora ficou ciente de que, quanto mais rápido entregasse no banco a participação criminal por esta solicitada, maior era a probabilidade de recuperar a quantia de 28.432,68 dólares junto do banco estrangeiro.
Apreciando e decidindo:
Este Tribunal da Relação procedeu à audição do registo fonético dos depoimentos das testemunhas convocadas pela recorrente, abrangendo as passagens indicadas:
Todavia, no que concerne ao item 21 dos factos provados, afigura-se-nos que a requerida alteração não assume relevo para a decisão da causa, porquanto, nele está vertido o facto essencial que consistiu no facto da funcionária da recorrente ter questionado a autora sobre se a transferência era para realizar, sem contudo ter identificado de que ordem de transferência se tratava, sendo certo que a recorrente não alegou que a sua funcionária foi coagida a cumprir a ordem de transferência em causa e que não releva a alegada convicção criada na funcionária da recorrente em resultado da resposta da autora.
Assim, nesta parte, porque a requerida alteração não releva para a decisão da causa improcede este segmento do recurso.
Quanto ao ponto 22º dos factos provados, não vislumbramos a razão da requerida alteração, porquanto, não se descortina como é que numa conversa telefónica se possa referir o que quer que seja sem verbalizar.
Assim, nesta parte também improcede o recurso sobre a questão de facto.
Quanto ao ponto 29º dos factos provados, assiste razão à recorrente no que se refere à rectificação da pontuação e assim, determinamos que após a afirmação “ Dr.ª B... ainda não fiz a transferência” existem dois pontos e não um ponto final.

Quanto ao ponto 36º dos factos provados, ouvidos por nós os depoimentos das testemunhas D... e E..., afigura-se-nos que a requerida eliminação da palavra “ validar”, irá reflectir de forma mais adequada o procedimento interno que era seguido na prática pela recorrente com vista a apurar a autenticidade da ordem transmitida.
Assim, nesta parte, porque a requerida alteração releva para a decisão da causa procede este segmento do recurso e determinamos que o ponto 36º dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
36-: Com o culminar desta troca de mensagens, no referido dia 18/3/2016 foi efectuada da conta titulada pela autora com o n.º ........... (conta em dólares) uma transferência, no valor de 28.432,68 dólares, para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, não tendo sido pedida à autora a sua assinatura de um qualquer outro documento.

Quanto ao ponto 50, a referência constante do mesmo aos emails plasmados nos pontos 29, 31, 32 e 33, certamente ficou a dever-se a lapso de escrita, porquanto, os mesmos, como da sua própria redacção decorre, foram remetidos pelo endereço electrónico da gerente D....
Assim, nesta parte, procede o recurso e determinamos a eliminação do ponto 50 da referência constante do mesmo aos emails plasmados nos pontos 29, 31, 32 e 33.

Quanto aos pontos 51 e 52, como referimos a recorrente alega que não foi produzida prova em relação à factualidade que dos mesmos consta, nomeadamente no depoimento da testemunha F... (min. 22:57 a 23:23) que fundamentou o julgamento dos mesmos por parte do Tribunal a quo, devendo ser considerados não provados.
Nesta parte, importa salientar que a recorrente limita-se a fazer uma valoração do depoimento prestado pelo marido da autora-recorrido, diferente daquela que foi feita pelo Tribunal a quo.
E acresce que a recorrente não atentou que o tribunal recorrido valorizou esse depoimento à luz das regras da experiência comum.
Todavia, ouvido por nós o depoimento do marido da autora, incluindo as passagens indicadas, e valorando esse depoimento em conjugação com as regras da experiência comum aplicadas ao caso dos autos, criamos convicção que no essencial não é distinta daquela que foi vertida nos itens 51º e 52º dos factos provados, pelo que, também nesta parte improcede o recurso sobre a matéria de facto.

Pretende ainda o recorrente que este Tribunal julgue provados os factos nºs 4 e 5 que foram julgados não provados pelo tribunal recorrido.
Convoca para tanto o depoimento da testemunha D....
Apreciando e decidindo.
No que concerne ao ponto 4, este consubstancia um facto instrumental, traduzido numa pergunta que terá sido feita pela testemunha D... à Autora durante uma conversa telefónica mantida entre ambas após a gerente de conta ter recebido o email datado de 17-03 a ordenar a transferência para Kuala Lumpur.
Ora, independentemente de esse facto ter sido referido por essa testemunha, o certo é que trata-se de facto instrumental que não releva, considerando ainda o conteúdo do item 21 dos factos provados.
Quanto ao ponto 5 julgado não provado, ouvidos os meios de prova convocados, este Tribunal não logrou convencer-se que “5. Que a autora ao referir que a transferência não era para já, tenha assumido automaticamente conhecer as características da transferência a que a Private Banker D... se estava a reportar, tanto mais que nem quis saber mais detalhes da operação e que tenha referido que enviaria um mail a confirmar.”
Em consequência do exposto, também nesta parte improcede o recurso sobre a matéria de facto.
No que concerne ao requerido aditamento dos seguintes factos instrumentais:
- A linguagem e a apresentação gráfica constante dos emails identificados nos pontos 20, 28 e 30 dos factos provados era em tudo semelhante à dos emails identificados nos pontos 15, 17, 19, 25, 37 e todos os demais indícios conhecidos pela gerente D... não levantaram qualquer suspeita em relação à autenticidade da ordem de transferência identificado no ponto 20;
-Na reunião a que se alude no ponto 43 dos factos provados, a Autora ficou ciente de que, quanto mais rápido entregasse no banco a participação criminal por esta solicitada, maior era a probabilidade de recuperar a quantia de 28.432,68 dólares junto do banco estrangeiro;
- diremos o seguinte:
Nesta parte, antes de mais, urge salientar que na decisão da matéria de facto apenas devem constar os factos essenciais para a decisão da causa, o que, desde logo determina a improcedência destes segmentos do recurso.
E no caso, relativamente ao primeiro dos factos instrumentais urge referir que o mesmo contém matéria conclusiva que nessa medida não pode constar da decisão sobre a questão de facto.
Relativamente ao 2º facto instrumental indicado o mesmo não reveste qualquer utilidade para o sentido da decisão a proferir.
Em face das considerações o recurso sobre a decisão da questão de facto procede parcialmente, e assim, por forma a serem percepcionadas mais facilmente as alterações seguem as alterações introduzidas nos pontos de facto, mantendo a parte restante da decisão de facto:
Alterações:
29.Nesse dia, às 12h59m, a gerente de conta enviou do seu e-mail – D1...@C1....pt – para o endereço B1...@....com.br, uma mensagem eletrónica com o seguinte teor:
“Dr.ª B... ainda não fiz a transferência..estava à espera que confirmasse. Irei fazer agora.
Depois mando extrato atualizado. C...”
36. Com o culminar desta troca de mensagens, no referido dia 18/3/2016 foi efectuada da conta titulada pela autora com o n.º ........... (conta em dólares) uma transferência, no valor de 28.432,68 dólares, para uma conta bancária sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, não tendo sido pedida à autora a sua assinatura de um qualquer outro documento.
50.O IP de onde provieram os emails referidos em 20, 24, 27, 28, 34, 35 e 39 está registado em nome de I..., com residência na Rua ..., n.º .., ....-... em ....
3.4 – Do Mérito da Decisão Recorrida.
3.4.1-Alterada que foi a decisão de facto, urge agora apreciar e decidir sobre o enquadramento jurídico que merece a factualidade apurada e se se impõe o acolhimento ou a alteração da decisão recorrida.
Da factualidade apurada, concluímos, acolhendo nesta parte a sentença recorrida, a qual, não mereceu qualquer reparo nesta parte por parte da recorrente, que a autora e a ré celebraram dois contratos de abertura de conta e dois contratos de depósito, já que em ambas as contas bancárias abertas com a diferença de cerca de 1 mês entre elas foram depositados fundos pela autora ou por terceiros.
Mais.
Também acolhemos a sentença recorrida quando afirma. “E na concreta situação em apreço não existem dúvidas que, abrangendo ou não a “declaração de transmissão de ordens” referida no ponto 11 dos factos provados o contrato de abertura de conta e depósito celebrado em setembro/2015 (conta em dólares), certo é que a autora dava ordens de movimentação dessa conta à sua gerente de conta, maioritariamente, utilizando o email – correio eletrónico com o endereço B1...@....com.br – sem que a autora ou a ré, alguma vez, tenham invocado não ser esse um meio legítimo para transmitir ordens à ré.”
Todavia, importa afirmar que, independentemente da validade da cláusula contratual geral inserta nessa “declaração de transmissão de ordens”, o ali previsto nunca se aplicaria à situação concreta em discussão, na medida em que não estamos perante uma ordem má rececionada ou mal interpretada, mas ante uma ordem inexistente, já que a Ré-recorrente não provou, como lhe competia, que foi a autora-recorrida quem deu a ordem de transferência da quantia de 25.000,00 euros para um banco situado em Kuala Lumpur, na Malásia.
Posto isto, avancemos.
3.4.2-Considerando o teor das Conclusões do Recurso resulta que o Recorrente alega que na relação contratual existente entre o Banco e a Autora esta declarou pretender transmitir ordens de transferência por correio electrónico, que identificou, e assumiu a responsabilidade decorrente das consequências que resultassem de qualquer vicissitude conexa com este procedimento, entre elas, a não autenticidade das mesmas, o que determina, alega a recorrente, a improcedência do pedido;
Alega ainda a recorrente que à luz deste acordo a única obrigação a que o Banco se constituiu perante a Autora foi a de executar uma ordem transmitida nestes termos, sendo inócua a circunstância de o Banco, por zelo e diligência acrescido, ter como prática confirmar com os seus clientes, por uma via distinta daquela em que foi transmitida a ordem, a veracidade da mesma;
Alega ainda que a cláusula 11º das condições gerais é expressão, permite concluir pela inexistência de qualquer dever de indemnizar a cargo do Banco;
Mais alega que o Banco Recorrente logrou demonstrar que agiu, no caso, concreto, com a diligência que lhe era exigível, afastando, assim, a presunção legal de culpa: a ordem em causa nos autos foi transmitida pela via correntemente usada para o efeito pela Autora, sendo do conhecimento da Private Banker que a transmissão de uma ordem se aproximava, sendo certo que esta teve o cuidado, uma vez que inexistia obrigação nessa sentido, de confirmar com a Autora a autenticidade da ordem – o que fez, tendo a Autora assumido conhecer a mesma, travando a intenção da Private Banker de identificar os dados que a compunham.
Não obstante, alega que também o Banco fez prova da culpa do cliente e tanto basta para se eximir ao dever de indemnizar, por força do disposto no art.570 nº2 do CC (sendo a presunção postergada pela prova da culpa do lesado): foi a Autora que solicitou o extracto da sua conta em dólares, o que determinou a que o falsário conhecesse os valores existentes e transmitisse uma ordem concreta e credível; foi a Autora que interrompeu a Private Banker quando esta se preparava para concretizar os dados da transferência em causa nesta lide, confirmando assim a existência da ordem de transferência; foi a Autora que demonstrou uma atitude passiva e despreocupada na entrega no Banco da participação criminal que permitiria reverter a ordem.
Subsidiariamente, e embora não concorde com qualquer juízo de censura na actuação do Banco, alega que sempre a responsabilidade deveria ser repartida entre Autora e Banco Réu na medida do concurso das suas culpas na produção do resultado;
Por último, alega inexistem quaisquer danos, patrimoniais e não patrimoniais passíveis de ser ressarcidos, sendo certo que no que respeita aos segundos nada, absolutamente nada, se provou a respeito dos mesmos, afigurando-se, em todo o caso, o valor arbitrado pela sentença recorrido absolutamente excessivo;
Quid Iuris?
A- Antes de mais, damos nota que a sentença recorrida fundamenta o sentido da decisão convocando o incumprimento do contrato do depósito [1], as regras dos artigos 73º e 74º do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31.12. (com as suas sucessivas alterações), e ainda as normas do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30/10.
Adiantamos também que acolhemos o sentido decisório da sentença recorrida.
Todavia, já não acompanhamos a construção do raciocínio quando arranca da consideração da natureza do contrato de depósito bancário, forma de depósito irregular, entendido como um contrato sui generis, com elementos do mútuo e do depósito, para concluir com base no disposto nos artigos 1205º, 1206º e 1144º do CC, que a transferência do domínio do dinheiro depositado tem, entre outros efeitos, o da transferência do risco para o adquirente (art. 796º nº1, CC).
É que, como resulta das considerações feitas por Francisco Mendes Correia[2] a aplicação do artigo 796º, nº1, do C.Civil não se revela adequada para justificar a responsabilidade do depositário, uma vez que aquela norma aplica-se à transferência do risco de perecimento de coisas, o que, não sucede nas transferências de fundos, que operam por ajustamentos de saldos de contas bancárias.
Quer dizer: para fundamentar a responsabilidade do banco-depositário não tem aplicação o princípio contido no artigo 796º, nº1, do CP, uma vez que o depositário não perdeu a possibilidade de pagar ao depositante e uma vez que não existe coisa que possa perecer.
Assim, e porque releva, urge salientar de novo que o presente litígio convoca o regime aplicável às operações de pagamento, o qual, é um regime especifico previsto no RJSPME, inicialmente aprovado pelo Decreto – lei nº 317/2009, de 30-10 que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva dos Serviços de Pagamento (Directiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11, ou, abreviadamente “DSP”. Posteriormente, esse regime foi actualizado com a transposição da Directiva nº 2009/110/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-09, e a versão mais actualizada do RJSPME consta do Anexo ao DL nº 242/2012, de 7-11.
E como é sabido, a Directiva (EU) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25-11 -2015 (“DSPII”) revoga a DSP anterior, com efeitos a partir de 13-01-2018. Todavia, o quadro jurídico da DSP que está em vigor apenas sofre alterações pontuais.
Efectivamente, os serviços de pagamento são elencados no artigo 4º do RJSPME e consistem nos processos típicos através dos quais são praticados os actos de depositar, transferir ou levantar fundos. Esses serviços de pagamento são tratados pelo RJSPME como actividades em abstracto, que depois são concretizadas em operações de pagamento.
Relevante, é também o conceito de instrumento de pagamento, definido pela al. z) do artigo 2º do RJSPME como “ qualquer dispositivo personalizado ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento e a que o utilizador de serviços de pagamento recorra para emitir uma ordem de pagamento.
A esta luz, no caso dos autos, as regras acordadas entre a autora e a ré para emitir ordens de pagamento configuram “instrumento de pagamento”.
A alínea g) do artigo 2.º do RJSPME define operação de pagamento como “o ato, praticado pelo ordenante ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário”.
Esta definição, conforme refere Patrícia Guerra[3], “caracteriza-se, por um lado, pela sua amplitude e, por outro lado, pelo facto de aludir a um conjunto de ações – depositar, transferir ou levantar fundos – que pode englobar a generalidade das operações bancárias, ainda que, à luz do RJSPME, os bancos sejam apenas uma das entidades autorizadas a realizar operações de pagamento”.
Por sua vez, a parte final da definição de operação de pagamento (“independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário”) esclarece que eventuais obrigações existentes entre as partes não interferem na validade de uma operação de pagamento. Por conseguinte, o facto de o utilizador de serviços de pagamento não receber um determinado bem, no âmbito de um contrato de compra e venda, não interfere com a execução da operação de pagamento (por exemplo, uma transferência), não lhe conferindo o direito ao reembolso do dinheiro por parte do prestador de serviços de pagamento, na medida em que a operação de pagamento foi devidamente autorizada. Neste caso, o utilizador de serviços de pagamento deve agir contra o comerciante, já que o que se verifica é um incumprimento contratual por parte daquele.
Em síntese, e tendo em conta a natureza tipológica da noção de operação de pagamento espelhada no RJSPME, podemos apontar como exemplos de operações de pagamento as transferências a crédito, os pagamentos realizados com cartões e as transações ao abrigo do sistema de débitos diretos”.
E o RJSPME (Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica) em casos como o dos autos, em que o banco executa uma operação de pagamento, traduzida na transferência de fundos por conta e em nome do seu cliente, em benefício de um terceiro, em resposta a uma ordem de pagamento que na aparência foi emitida pelo titular da conta, vindo depois o cliente a invocar que a operação não foi legitimamente autorizada, estabelece uma norma especial, concretamente, o nº1 do art. 70º, relativamente àquela constante do artigo 799º, nº1, do CCivil, nos termos da qual, “ incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Se fosse aplicável esta última norma caberia ao utilizador demonstrar os factos em que se concretizou o cumprimento defeituoso ou o incumprimento por parte do prestador de serviços de pagamentos.
O citado artigo 70º, nº1 do RJSPME estabelece que incumbe ao prestador de serviços de pagamento “fornecer a prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por qualquer avaria técnica ou qualquer deficiência”.
De resto, a DSPII mantém esta regra e clarifica que o prestador está onerado com a prova da integridade perante avarias técnicas ou deficiências do serviço prestado: artigo 72º, nº1 da DSP.
Como salienta Francisco Mendes Correia[4], estamos no domínio da responsabilidade obrigacional e o legislador estabeleceu uma regra de ónus da prova objectivo, estabelecendo uma presunção de ilicitude a favor do utilizador, a acrescer à presunção de culpa que onera o prestador de serviços de pagamento nos termos gerais- art. 799º, nº1, CC, identificando os factos que deve ser provados pelo prestador de serviços para a afastar : a correcta autenticação, registo e contabilização da ordem, bem como a inexistência de avaria técnica ou qualquer deficiência.
E porque releva, urge assinalar que o nº2 do artigo 70º do RJSPME estabelece uma norma complementar desse regime especial: ainda que o prestador de serviços consiga provar os factos contrários às hipóteses previstas no nº1 e, além disso, prove que foi utilizado o instrumento de pagamento registado pelo utilizador, essa demonstração não é suficiente para dissipar a situação de incerteza quanto à factualidade subjacente à operação não autorizada.
Nesses casos, em que existe uma situação de incerteza e em que a demonstração da utilização do instrumento de pagamento não é suficiente para provar que a operação foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações, fica claro que o sistema da imputação prescindirá de um juízo de ilicitude e que a imputação de perdas se faz a título objectivo.
E nestes casos estamos perante um conjunto de normas que pode ser reconduzido ao modelo da responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objectiva, traduzindo uma opção de política legislativa, que faz recair os riscos do funcionamento de um sistema técnica e operacionalmente complexo nos participantes melhor preparados para lidarem com o risco, com o intuito de gerar e tutelar a confiança no funcionamento do sistema de pagamento.
Assim, o art. 70 é claro e dispõe que:
“1-Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
2-Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do art. 67.”
Quanto à responsabilidade decorrente de operações de pagamento não autorizadas, a mesma, nos termos do disposto nos arts 71º e 72º do diploma citado, é de imputar ao prestador do serviço, se vier a comprovar-se que a mesma não foi autorizada e não se verificar o incumprimento de nenhuma das obrigações que são impostas ao utilizador, em caso de perda, roubo, apropriação abusiva de instrumento de pagamento ou quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados, respectivamente.
A lei faz assim recair sobre o banco o ónus de prova de que as operações de pagamento não foram afectadas por avarias técnicas ou por quaisquer outras deficiências, não bastando o registo da operação para, por si só, provar que a operação foi autorizada pelo ordenante que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67. E compreende-se, pois seria muito complicado para o utilizador ter que fazer prova sobre o funcionamento de um sistema informático complexo da entidade bancária.
Consequentemente, o art. 71 estabelece a obrigação do prestador de serviços de pagamento do ordenante reembolsar imediatamente o montante da operação de pagamento não autorizada.
Resulta assim das considerações expostas que no caso dos autos, a Ré- recorrente, na qualidade de prestadora de serviços de pagamento é que está onerada com uma presunção de ilicitude que abrange os factos atrás identificados e, mesmo na hipótese de afastar essa presunção, se resultar ainda uma situação de incerteza relativamente à factualidade subjacente à operação de pagamento não autorizada, continua a ré- recorrente onerada com o ónus de prova de ter sido a Autora a transmitir a ordem cuja execução constitui objecto da lide, que esta última agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações.
E no caso dos autos não tendo a ré- recorrente demonstrado que se tratou de operações não autorizadas resultantes de perda, de roubo ou da apropriação abusiva de instrumentos de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados imputável ao ordenante, não se coloca sequer em causa a situação prevista no art.72, que procede à repartição dos prejuízos pelas partes em caso de negligência.
Mais.
A ré não logrou provar que foi a autora que transmitiu ordem de transferência em causa. Isto é, a Ré-recorrente não logrou provar que foi a autora que deu a ordem de transferência da quantia de 25.000,00 euros para um banco situado em Kuala Lumpur, na Malásia, apesar de ter ficado provado que o IP de onde provieram os emails referidos em 20, 24, 27, 28, 34, 35 e 39 está registado em nome de I..., com residência na Rua ..., n.º .., ....-... em ..., sendo certo que cabia à ora ré-recorrente alegar e demonstrar esse facto.
Ou seja, não conseguiu a ré demonstrar que houve da parte da autora qualquer incumprimento das regras de segurança que esta se obrigou a observar para utilizar o serviço de transmissão por via telefone e-mail ao Private Banker indicado pelo banco de ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias.
Assim, não podendo ser formulado qualquer juízo de censura sobre a autora, (porque os factos provados sobre a conduta da autora não chegam para consubstanciar, sequer, a culpa leve que a norma do artigo 72º do RJOPM pressupõe) será o banco réu que deverá suportar os prejuízos resultantes da operação de pagamento em questão, não imputável à autora, incumbindo ao banco suportar o risco do seu sistema electrónico de recepção de ordens / instruções não ser seguro e permitir a verificação de situações como a dos autos, a qual, provavelmente se deve à intromissão de terceiros.
De resto, cabe referir que a Recorrente poderia, se quisesse, ter requerido a realização de prova pericial a um ISP (Internet Service Provider[5]) por forma a rastrear o pedido de origem, o que não fez.
Conforme refere a sentença recorrida. “Da factualidade provada não é possível concluir que a autora tenha praticado qualquer ato que potenciasse ou facilitasse a emissão desta ordem de transferência fraudulenta, sendo totalmente estranha à execução de tal transferência, à qual não deu autorização ou consentimento, prévio ou posterior. A ré nada provou nesse sentido, sendo que era à Ré a quem incumbia tal prova – art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.”

B)Consequentemente, não tendo a Ré-recorrente logrado afastar a presunção de ilicitude que sobre a mesma incide, nos termos do nº1 do artigo 70º do RJSPME, impõe-se agora apreciar se a imputação à recorrente-ré dos danos sofridos pela autora –recorrida se faz a título subjectivo ou a título objectivo, sendo que, os danos abrangidos por cada tipo de responsabilidade varia, o que significa, que na hipótese de se afirmar a responsabilidade objectiva da ré-recorrente esta não deve responder pelos danos consequenciais ( deslocações, danos reputacionais e danos decorrentes da ausência de meios financeiros para assegurar a sua regular actividade ), mas tão só pelos danos resultantes do risco de perda de moeda bancária, em caso de operações não autorizadas, atendendo à generalização dos serviços bancários electrónicos e à complexidade dos sistemas de pagamento, sendo que de acordo com as regras clássicas da imputação objectiva, os danos imputáveis são aqueles que resultam dos “ riscos próprios” dos meios utilizados ou das fontes geradoras de risco (ex. art. 502º do CC: “danos que resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”; “artigo 503º, nº1, do CCivil: “riscos próprios do veículo”.( neste sentido, Francisco Mendes Correia na obra citada.
- Do cumprimento pela ré-recorrente dos seus deveres e da integridade dos sistemas técnicos empregues.
Nesta parte, urge atentar na factualidade vertida nos itens 15º a 42º dos factos provados.
Dessa factualidade resulta que a gerente de conta foi confrontada com uma sucessão de emails a insistir para que realizasse a transferência solicitada no email de 17/3; que após ter conversado com a autora não foi identificada a ordem de transferência que motivava o seu telefonema; os emails de insistência para que fosse realizada a referida transferência não confirmavam o valor a transferir, conforme a autora havia dito que faria, mas exigiam a execução da transferência já ordenada.
Assim, perante esses factos, qualquer homem médio, colocado na situação da gerente de conta, funcionária da recorrente estranharia esta sucessão de ordens contraditórias e, por isso, esse homem médio, colocado nessa posição deveria, como qualquer profissional razoável, mediano, ter contactado novamente a autora e pedir esclarecimentos sobre as ordens recebidas em sentido oposto num curto espaço de tempo, conforme resulta da análise dos factos vertidos nos itens 20º, 21º a 24º,25º, 26º, 27º a 28º, 29º, 30º, 31º a 38º dos Factos Provados.
Por outro lado, a gerente de conta no primeiro contacto que faz com a autora para confirmar a ordem de transferência da quantia de 28.432,68 dólares, o correspondente a 25.459,10 euros, tinha a obrigação de identificar a transferência a que se referia, não se podendo admitir que, perante montantes tão significativos, presuma que o seu destinatário tenha identificado o assunto a que se refere.
Consequentemente, afigura-se-nos que a funcionária da recorrente não agiu de acordo com os deveres acessórios de diligência e cuidado, previstos nos arts. 73º e 74º do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31.12. (com as suas sucessivas alterações).
“Com efeito, à luz dos deveres (acessórios) de diligência e cuidado, previstos nos arts. 73º e 74º do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31.12. (com as suas sucessivas alterações), «as instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência» ou, ainda, que «os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.»” – acórdão da Relação do Porto de 3/4/2017 citado na sentença recorrida.
Esses deveres devem ser assegurados pelas instituições de crédito em todas as atividades que exerçam.
Não tendo a gerente de conta da Recorrente atuado com a cautela e prudência que lhe eram exigidas, concluímos, acolhendo a sentença recorrida, que a ré-recorrente, atuou, com culpa, à luz do critério de um bom profissional, diligente, prudente e cuidadoso – art.º 487.º, n.º 2 do Código Civil.
C) - Dos Danos.
Em conclusão, a ré-recorrente deverá responder pela conduta, negligente, da sua funcionária, ressarcindo os danos causados, tudo nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12 e dos art.ºs 798.º e 799.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Assim, deve a ré ser condenada a pagar à autora a quantia de 25.459,10 euros, o correspondente ao montante 28.432,68 dólares, acrescida dos juros de mora, contabilizados desde a data da sua interpelação para proceder à entrega da quantia reclamada – 3/4/2016– à taxa legal, que atualmente se situa em 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), acrescida de 10%, nos termos do art.º 71.º, n.º 2[6] do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30/10.

- Dos Danos Não Patrimonais.
Nesta parte, na medida em que o recurso sobre a questão de facto foi julgado improcedente relativamente aos itens impugnados, o objecto do recurso versa sobre a alegada excessividade da compensação fixada a título de danos não patrimoniais sofridos pela recorrida.
Apreciando e decidindo:
O Código Civil admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-a àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” [art.º 496.º/1 CC].
Em anotação ao artigo 496.º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, observam que “[A] gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”, deixando igualmente nota, em linha com o entendimento da jurisprudência do STJ que sinalizam, que “[O]s simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos morais” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 499].
Para aquilatar da gravidade dos danos sofridos pela recorrida-autora, importa analisar a factualidade dada como provada.
Ora, no caso dos autos ficou provado que: “51.Toda a situação descrita provocou na ré angustia, ansiedade e apreensão, tendo- se desdobrado em inúmeras diligências no sentido de tentar recuperar a quantia em questão, o que lhe causou transtornos; 52.A ré sente angústia perante a possibilidade de poder a não vir recuperar a quantia referida”.
Acresce que no caso releva a conduta assumida pela funcionária da Ré, não resultando ainda dos autos que a recorrida padece de dificuldades económicas.
Ora, é nosso entendimento, que a situação verificada e o mal estar gerado, traduzido na factualidade apurada relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela autora, se situa para além dos normais incómodos, transtornos e preocupações que são frequentemente sofridos pelos contraentes em caso de incumprimento contratual, o que é revelado pela necessidade que a recorrida teve de instaurar a presente acção para ser ressarcida do valor que foi transferido da sua conta sem o seu consentimento.
Revestem por isso uma gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, entendendo-se equitativo e de acordo com os valores fixados em casos similares por outros Tribunais Superiores[7], arbitrar a este título uma indemnização no valor de €500,00 (calculados por referência à presente data).
Procede, pois, em parte, o recurso interposto.
Sumário.
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IV- DECISÃO:
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente, por provado, o presente recurso, e, assim, alteram a decisão recorrida e condenam a Recorrente -ré a pagar à autora-recorrida a quantia de 500,00 euros (quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, mantendo a restante parte da sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente e da recorrida na proporção dos decaimentos respectivos.
Notifique.

Porto, 13-06-2018
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Teles de Menezes
_______________
[1] Nesta parte a sentença refere:
“É (…) posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, que o contrato de depósito bancário de valores em dinheiro ou de disponibilidades monetárias – e independentemente das divergências quanto à sua qualificação e a que já antes fizemos referência – implica sempre a transferência da propriedade da coisa mutuada para o mutuário/depositário - Banco -, que a poderá utilizar e consumir, sem prejuízo da obrigação de restituição de igual montante nos termos convencionados – cfr. art. 1144º ex vi do art. 1206º do Cód. Civil.
Com efeito, e como resulta já do elenco dos elementos essenciais do contrato de depósito bancário, ao banco (depositário) assiste o direito de utilizar os fundos depositados, uma vez que, com o depósito, se torna proprietário dos mesmos (art. 1144º do Cód. Civil), ao passo que ao cliente (depositante) assiste o direito de exigir a restituição do valor depositado (na mesma espécie monetária) e os respectivos juros remuneratórios, em conformidade com o convencionado.
Sendo assim, isto é, resultando do contrato de depósito bancário a transferência da propriedade das quantias depositadas para o depositário (banco), ao mesmo são directamente aplicáveis as normas reguladoras do risco nos contratos de alienação com eficácia real, designadamente as normas dos arts. 408º e 796º do citado Cód. Civil.
Ora, neste conspecto, preceitua o citado art. 796º, n.º 1 que «[N]os contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente. “ [sublinhado nosso].
O que vale por dizer que, importando, como se viu, o contrato de depósito bancário a transferência do direito (real) de propriedade das quantias depositadas pelo cliente para o banco – que, enquanto seu proprietário, as poderá utilizar como lhe aprouver – o risco de dissipação dos valores depositados corre por conta do adquirente/depositário (banco), salvo se este demonstrar que aquela dissipação ou perecimento se ficou a dever a causa imputável ao próprio depositante/mutuante.
Tem sido esta a posição largamente dominante na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais superiores e tem sido ela que tem, de forma consistente e reiterada, permitido afirmar a responsabilidade contratual dos bancos pela integralidade dos valores depositados em casos de falsificação de cheques, em casos de falsificação de ordens de transferência, em casos de inexistência de ordens de transferência ou, ainda, de execução errónea por parte do banco do ordenante da transferência.[26]” – acórdão da Relação do Porto de 3/4/2017, consultável em www. dgsi.pt.
Ora, provado está que a autora não emitiu a ordem de transferência em causa nos autos e que culminou com a retirada da conta bancária por si titulada para a conta de um terceiro da quantia de 28.432,68 dólares, o correspondente a 25.459,10 euros.
Da factualidade provada não é possível concluir que a autora tenha praticado qualquer ato que potenciasse ou facilitasse a emissão desta ordem de transferência fraudulenta, sendo totalmente estranha à execução de tal transferência, à qual não deu autorização ou consentimento, prévio ou posterior. A ré nada provou nesse sentido, sendo que era a quem incumbia tal prova – art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.”
[2] In Operações Não Autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, Estudos de Direito Bancário I, Almedina Obra citada, pág 378.
[3] In, A realização de operações de pagamento não autorizadas e a tutela do utilizador de serviços de pagamento em face do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, Revista Eletrónica de Direito, Junho de 2016, nº2
[4] In Operações Não Autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, Estudos de Direito Bancário I, págs353 e ss., Almedina.
[5] Como são a MEO, VODANE, a título de exemplo.
[6] Dispõe o Artigo 71.º
Responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por operações de pagamento não autorizadas
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
2 - Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo respectivo prestador de serviços de pagamento nos termos do número anterior, são devidos juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento haja negado ter autorizado a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efectivo, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.
[7] Entre outros, Ac TRLisboa, de 3-03-2015, Proc nº1727/13.2TJLSB.L1-1.