Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4885/15.8T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO PEREMPTÓRIO
Nº do Documento: RP20160707
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º243, FLS.262-268)
Área Temática: .
Sumário: É peremptório e insusceptível de prorrogação o prazo de quinze dias fixado 98º-I/4/a do CPT para apresentação do procedimento disciplinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 4885/15.8T8MTS-A.P1
Autora: B…
: C…, Lda

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Joaquim Jerónimo Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do correspondente formulário legal, no qual conclui peticionado a declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento de que foi objecto no dia 21/9/2015.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes que ocorreu no dia 29/10/2015, a ré foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar.
No dia 13/11/2015, a ré apresentou articulado motivador do despedimento, mas não juntou o procedimento disciplinar, protestando juntá-lo no prazo máximo de 10 dias.
Em 23/11/2015, a ré requereu que lhe fosse “…prorrogado por mais 5 dias o prazo para juntar aos autos o processo disciplinar em causa, atenta a ausência momentânea e no estrangeiro do gerente da sociedade, o que tem dificultado a conversação, reunião e entrega dos documentos necessários à instrução dos presentes autos.”.
Em 30/11/2015, a ré apresentou através da plataforma Citius o suporte digital do procedimento disciplinar, remetendo o respectivo suporte físico por registo postal de 30/11/2015, o qual foi junto aos autos no dia 2/12/2015.
No dia 7/12/2015, foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos de ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que B… intentou contra C…, Lda, foi realizada audiência de partes no dia 29/10/2015, na qual as partes se fizeram representar por advogado.
Não tendo sido possível a conciliação a ré foi notificada para no prazo de 15 (dias) apresentar o articulado de motivação do despedimento, bem como o processo disciplinar, nos termos do disposto pelo art. 98º- I, nº 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Tal prazo terminava no dia 13/11/2015, sendo ainda admissível a junção do articulado e do processo disciplinar até ao dia 18/11/2015 mediante o pagamento da multa a que alude o art.139º, nº 5 do Código de Processo Civil.
A ré apresentou o articulado de motivação do despedimento em 13/11/2015 e a final disse protestar juntar o “processo administrativo em 10 dias”.
Até 18/11/2015 o processo disciplinar não foi apresentado e em 23/11/2015 a ré veio requerer a prorrogação do prazo para juntar o processo disciplinar por mais 5 dias.
Em 30/11/2015 a ré juntou aos autos o processo disciplinar, apresentando o respectivo original em 02/12/2015.
Ora, nos termos do disposto pelo referido art. 98º-J, nº 3 do C.P.T., se o empregador não apresentar o articulado de motivação do despedimento ou não juntar os documentos comprovativos das formalidades exigidas, no prazo de 15 dias, o juiz deve declarar de imediato a ilicitude do despedimento do trabalhador, com as consequências previstas na referida norma.
E é o que não poderá deixar de acontecer no caso dos autos, já que apesar de ter apresentado o articulado em prazo, o mesmo não aconteceu com os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades legais.
De facto, nos termos da disposição legal citada não basta juntar aos autos o articulado. É o que resulta do elemento literal se atentarmos a que na norma em causa a consequência da declaração de ilicitude do despedimento está prevista para a falta de junção do articulado ou para a falta de junção dos documentos.
É certo que a empregadora acabou por juntar aos autos o processo disciplinar, mas fê-lo quando já havia, há muito, decorrido o prazo para o efeito.
De salientar que o prazo de 15 dias para a junção do articulado e dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades legais é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (art. 139º, nº 3 do C.P.C.), que só poderá ser praticado para lá do prazo nas situações expressamente previstas pelos nº 4 e 5 do art. 139º do C.P.C., ou seja, nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa, ou pela invocação de justo impedimento que venha a ser reconhecido como relevante. Mas nenhuma das duas situações ocorreu no caso dos autos, limitando-se a empregadora no final do articulado, a protestar juntar “o processo administrativo” sem qualquer justificação para o efeito.
Nestes termos, por manifestamente intempestivo, determina-se o desentranhamento do processo disciplinar junto aos autos em 30/11/2015 e em 02/12/2015.
Notifique.”.
Em 21/1/2016, o tribunal recorrido proferiu a decisão seguidamente transcrita:
“B…, residente na Rua …, nº .., r/c Direito, …, Vila do Conde, intentou a presente acção especial de impugnação judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento contra C…, Lda, com sede na Rua …, nº …., …, Vila do Conde, invocando ter sido despedida em 21/09/2015.
Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, foi a entidade empregadora notificada nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 98º- I, nº 4 do C.P.T., com a advertência do disposto pelo art. 98º-J do mesmo Código.
Decorrido o prazo para a presentação do articulado de motivação do despedimento e de junção do procedimento disciplinar, a entidade empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, mas não apresentou no mesmo prazo o processo disciplinar, juntando-o aos autos intempestivamente, como decidido por despacho de 07/12/2015, pelo que nos termos do disposto pelo art. 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, importa proferir decisão condenatória.
Para o efeito, foi a trabalhadora convidado a optar entre a reintegração e a indemnização de antiguidade e a alegar qual a sua data de admissão e o valor da sua retribuição mensal à data do despedimento, o que o autor cumpriu, optando pela indemnização.
A entidade empregadora, não contestando a data da admissão, impugnou, contudo, o valor da retribuição da trabalhadora, pelo que, apenas a final poderá a indemnização devida ser quantificada, mesmo relativamente à antiguidade decorrida até ao momento.
*
Assim, por falta de apresentação tempestiva do procedimento disciplinar, considerando, nos termos da supra citada disposição legal e dos arts. 390º e 391º, nº 2 e 3 do Código do Trabalho, decide-se:
I - declarar a ilicitude do despedimento da trabalhadora B…;
II - condenar a entidade empregadora C…, Lda, a pagar ao trabalhador:
a) a indemnização de antiguidade, em substituição da reintegração, correspondente, no mínimo a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração, contando-se todo o tempo decorrido desde a admissão da autora até ao trânsito em jugado da presente decisão, que não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades; b) as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo da dedução do valor do subsídio de desemprego que tenha recebido ou esteja a receber, a entregar pela empregadora à Social.
*
Custas pela empregadora.
*
Não se determina a notificação da autora para os efeitos do disposto pelo art. 98º-J, nº 3, al. c) do Código de Processo do Trabalho, uma vez que a autora, já apresentou o articulado ali previsto.
*
Valor da causa: a fixar a final (art. 98-P, nº 2 do Código de Processo do Trabalho)
*
Registe e notifique.”.
Não se conformando com o decidido em 7/12/2015 e em 21/1/2016, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
1. Vem o presente recurso interposto pela ré, C…, Lda., versando sobre matéria de facto e de direito, no sentido de obter a revogação a) do despacho proferido em 07/12/2015, com a referência citius 360751673, pela Instância Central de Matosinhos, na parte em que determinou o desentranhamento do processo disciplinar junto aos autos em 30/11/2015 e em 02/12/2015; b)da sentença proferida em 21/01/2016, com a referência citius 362686950 pela Instância Central de Matosinhos, na parte em que determinou declarou a ilicitude do despedimento da trabalhadora B….
2. Preliminarmente esclarece-se que em 22/12/2015 a ré recorreu do despacho referido em a), sendo que por sentença proferida em 21/01/2016 com a referência citius 362686950 julgou o tribunal a quo o referido recurso extemporâneo por prematuro, não o admitindo, porquanto entender que tal decisão apenas poderá ser impugnada no recurso interposto da decisão final.
3. Para se conhecer cabalmente da impugnação ora deduzida à sentença de 21/01/2016 ter-se-á também de conhecer da impugnação ao despacho de 07/12/2015, pelo que nessa medida, não tendo o recurso de 22/12/2015 sido admitido, no presente atenta a interligação de ambos se impugna em sede recursal não só aquele despacho de 07/12/2015, como a sentença de 21/01/2016.
4. Assim tais decisões radicarem em erro interpretativo e violação das regras de direito aplicáveis in casu, concretamente dos arts. 141.º e 144.º, n.º 7, al. b), ambos do CPC, do art. 98.º - J do CPT, e do art. 20.º da CRP
5. No dia 29 de outubro de 2015 realizou-se a audiência de partes, tendo a ré sido notificada nos termos e para os efeitos do art. 98.º I, n.º 4 do CPT.
6. Por requerimento enviado aos autos em 13/11/2015, com a referência citius 21094582, a ré apresentou a motivação do despedimento por si promovido, arrolou testemunhas e protestou juntar em mão o procedimento disciplinar no prazo de 10 dias, ao que a autora, notificada não se opôs.
7. Até porque por força do decidido na audiência de partes realizada em 29/10/2015 a ré havia sido notificada que teria de juntar o processo disciplinar original, o que invalidava a sua junção pelo citius porquanto por esse meio ser apenas possível a junção de cópia e já não do original.
8. Entretanto, por requerimento junto aos autos em 23/11/2015 com a referência citius 21179998 a ré requereu a prorrogação por mais 5 dias para juntar aos autos o processo disciplinar em causa, atenta a ausência momentânea e no estrangeiro do gerente da sociedade, razão que dificultava a conversação, reunião e entrega dos documentos necessários à instrução dos presentes autos, prorrogação à qual a autora não se opôs apesar de notificada da mesma.
9. Aliás, a ausência do gerente da sociedade no estrangeiro era já do conhecimento das partes e do tribunal, por tal informação haver sido previamente levada ao conhecimento do tribunal a quo por requerimento enviado aos autos em 03/11/2015 com a referência 20994068.
10. Na sequência do pedido de prorrogação feito em 23/11/2015, por requerimento enviado aos autos via citius em 30/11/2015, cujo original foi expedido por correio também nessa data foi junto aos autos o procedimento disciplinar aqui em causa. Cfr. Documento que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (A apresentação deste documento em sede de recurso deve ser considerada tempestiva porquanto só agora se ter tornado necessária a sua junção para prova de que o procedimento enviado por correio o foi em 30/11/2015, pelo que deverá ser essa a data a considerar e não a de 02/12/2015).
11. Com efeito, em 30/11/2015 foi expedido o original do procedimento disciplinar aqui em causa, o qual foi rececionado pelo tribunal em 02/12/2015, no entanto para efeitos de cumprimento de prazo a data que releva é a que consta do registo, melhor o da efetivação do respetivo registo postal, que in casu é 30/11/2015 e não a data em que deu entrada no tribunal, ie, 02/12/2015. Cfr. art. 144.º, n.º 7, al. b) do CPC.
12. Em conformidade, no despacho de 07/12/2015 onde consta que o procedimento disciplinar foi junto em 02/12/2015 deverá passar a constar que a referida junção foi feita por correio em 30/11/2015 porquanto essa ter sido a data da efetivação do registo postal e ser essa a data que releva para efeitos de prática do ato.
13. Nos termos do despacho e da sentença de que se recorre entendeu o tribunal a quo que a junção do processo disciplinar aqui em causa é intempestiva.
14. Com o que não se concorda, pois a motivação do despedimento foi apresentada tempestivamente via citius (único meio admissível para o mandatário praticar atos processuais salvo situações anómalas ou em caso de necessidade de documento original), aquando da mesma protestou juntar o original do referido processo no prazo de 10 dias – não se bastando a sua junção pelo citius, já que foi requerida a junção do respetivo original.
15. Posteriormente e antevendo que não conseguiria juntar o original no prazo dos 10 dias em que protestou fazê-lo dada a ausência do gerente no estrangeiro – facto do conhecimento do tribunal – justificadamente requereu uma prorrogação por mais 5 dias para o efeito.
16. Prazo este que cumpriu cabalmente tendo enviado por correio o original do processo disciplinar no dia 30 de novembro de 2015, sendo que à cautela enviou cópia do mesmo pelo citius.
17. Ora, em momento algum o tribunal a quo obstaculizou, indeferindo, a junção do processo disciplinar no prazo protestado e na prorrogação requerida.
18. Aliás, tendo sido levado ao conhecimento do tribunal a quo tais requerimentos (o de protesto em 13/11/2015 e o de prorrogação em 23/11/2015) o tribunal a quo não indeferiu o pretendido,
19. Antes tendo com o seu comportamento omissivo criado a convicção na ré de permissão, ie de deferimento do requerido, relativamente ao qual a ré conformou o seu comportamento processual.
20. Pelo que no prazo requerido, relativamente ao qual a autora não se opôs –apesar de ter sido notificada quer dos requerimentos de 13/11/2015 quer do requerimento 23/11/2015, nas referidas datas – e relativamente ao qual não foi proferido qualquer despacho de indeferimento, a ré juntou o processo disciplinar em causa.
21. Assim, ter-se que concluir pela admissibilidade e tempestividade da junção do processo disciplinar efetuada, e consequentemente notificada a autora para oferecer a respetiva contestação nos termos do art.º 98.º L do CPT, seguindo o processo o processo os demais termos legais.
22. Aliás entender-se de forma diferente, ie, pela intempestividade da referida junção consubstancia até uma inconstitucionalidade das garantias de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva – a qual se argui desde já - na medida em que o tribunal a quo com o seu comportamento omissivo influenciou e condicionou o comportamento da recorrente, pois não tendo sido indeferida as pretensões de protesto e de prorrogação acreditou e conformou o seu comportamento processual ao requerido não indeferido e relativamente ao qual não houve sequer oposição pela parte contrária.
23. Por outro lado sendo do conhecimento do tribunal, por ter sido junto aos autos, o processo disciplinar aqui em causa que legitima o despedimento da autora, seja através da junção operada em 30/11/2015, seja através dos documentos juntos aos autos em 22/12/2015 os quais respeitam a atos/diligências processuais praticados naquele processo disciplinar, ignorar tal prova documental proferindo uma decisão sem que previamente se debruce sobre o processo disciplinar junto e/ou excertos do mesmo, sem que previamente sejam discutidos e valorados em conformidade os factos subjacentes a tal decisão disciplinar
24. Consubstancia a prolação de uma decisão estritamente formal, dogmática, em contravenção com o princípio constitucional do acesso aos tribunais e da tutela efetiva dos direitos das respetivas partes, bem como em contravenção da descoberta da verdade material.
25. Na verdade os efeitos da não junção do processo disciplinar e os efeitos de uma junção tardia – a qual não se concede mas apenas se concebe por dever de patrocínio – mas ainda antes da prolação de uma qualquer decisão judicial que se pronuncie quanto à mesma não poderão de modo algum ser os mesmos.
26. Pois no segundo caso, o tribunal dispõe já dos elementos necessários a que os autos sigam a sua normal tramitação que conduzirão ao julgamento com vista a que a final seja proferida uma decisão justa, que teve em consideração toda a prova carreada para os autos e tutelou efetivamente os direitos de ambas as partes.
27. Assim, a interpretação do art. 98.º j, n.º 3 do CPT no sentido de que a não junção do processo disciplinar aquando da dedução da respetiva motivação, mas entretanto junto ainda antes da prolação do despacho para que a ré conteste ou do despacho que constatando a falta da junção do processo disciplinar, importa sem mais a declaração da ilicitude do despedimento, é inconstitucional, violando o principio de acesso aos tribunais e de uma tutela efetiva dos respetivos direitos, constitucionalmente consagrado no art. 20.º da CRP.
28. Assim, tendo a ré procedido à junção do respetivo processo disciplinar aos autos, ainda antes da prolação do despacho proferido em 07/12/2015 deveria tal junção ter sido admitida, julgando-se tempestiva e consequentemente a autora notificada para oferecer a respetiva contestação nos termos do art.º 98.º L do CPT, seguindo o processo demais e normais termos legais.”.
A autora não apresentou contra-alegações.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento (fls. 178 a 184).
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
*
II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a seguinte: saber se a recorrente deixou extinguir peremptoriamente a faculdade legal que lhe assistiu para juntar aos autos o procedimento disciplinar que moveu à autora e se, por isso, deve sujeitar-se às consequências cominatórias estatuídas no art. 98º-J/3 do CPT.
*
III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados e com relevo para esta decisão são os que resultam do relatório que antecede.
*
B) De direito

Questão única: saber se a recorrente deixou extinguir peremptoriamente a faculdade legal que lhe assistiu para juntar aos autos o procedimento disciplinar que moveu à autora e se, por isso, deve sujeitar-se às consequências cominatórias estatuídas no art. 98º-J/3 do CPT.

No âmbito de uma audiência de partes levada a efeito num processo com a forma especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, se se frustrar a tentativa de conciliação que naquela tem lugar, o empregador é imediatamente notificado para, designadamente, no prazo de 15 dias, apresentar o articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas – art. 98º-I/4/a do CPT.
Nos termos do art. 98º-J/3 do CPT, “Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.”.
Em face dos normativos acabados de enunciar, importa esclarecer, liminarmente, que a entidade empregadora deve ser notificada nos termos e para os efeitos do art. 98º-I/4/a do CPT em termos de ser expressamente advertida da cominação consagrada no art. 98º-J/3 do CPT, tendo em conta que essa notificação equivale substancialmente a uma citação da empregadora para exercer os seus direitos processuais e substantivos no âmbito da defesa que lhe assiste perante a imputação que lhe é dirigida de ter promovido um despedimento ilícito e/ou irregular, e que “No acto de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.” (art. 227º/2 do NCPC, ex vi do art. 1º/2/a do CPT) – neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/9/2013, proferido no processo 450/12.0TTGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt, e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/12/2012, proferido no processo 154/12.3TTFUN.L1-4, do qual não se conhece publicação.
Por outro lado, por não se tratar de nulidade cominada nos arts. 186º a 194º do NCPC, à face do estatuído no art. 195º/1 do NCPC e tal como sustentado nas decisões acabadas de invocar, a omissão daquela advertência é fonte de nulidade secundária que deve ser arguida pelo interessado na respectiva declaração (art. 196º do NCPC), no caso a empregadora, ora recorrente.
Não se vislumbra que a empregadora tenha arguido a mencionada nulidade, imediatamente no momento em que a notificação irregular foi efectuada, ou seja, no termo da audiência de partes em que a recorrente se encontrava representada pela sua Exma. Mandatária (art. 199º/1/1ª parte do NCPC), pelo que a mesma deve ter-se por definitivamente sanada.
Procurando agora determinar a natureza do prazo de 15 dias cominado no art. 98º-I/4/a do CPT, importa referir que a doutrina e a jurisprudência que se crêem pacíficas discorrem no sentido da peremptoriedade de tal prazo, a significar que o simples decurso do mesmo extingue a possibilidade do empregador satisfazer as exigências decorrentes do estatuído nessa norma, com a consequente sujeição da empregadora às cominações do art. 98º-J/3 do CPT, sem qualquer possibilidade legal de prorrogação judicial desse prazo[1].
Volvendo ao caso em apreço, a recorrente foi notificada no dia 29/10/2015, na pessoal da sua Exma. Mandatária, para juntar o procedimento disciplinar, no aludido prazo de quinze dias, que se esgotava, assim, no dia 13/11/2015, sem qualquer espécie de sanção, ou no terceiro dia útil subsequente (18/11/2015) mediante o pagamento da multa a que alude o art. 139º/5/c do NCPC.
Tendo apresentado o articulado motivador do despedimento no dia 13/11/2015 sem apresentação do procedimento disciplinar, logo a recorrente protestou juntar o procedimento disciplinar num prazo de 10 dias, assim fixando para si, unilateralmente e sem qualquer anuência do tribunal recorrido a essa sua decisão, um prazo com um termo final (23/11/2015) posterior ao termo final do prazo legal a que estava imperativa e peremptoriamente vinculada.
Por outro lado, a recorrente não juntou o procedimento disciplinar até ao dia 18/11/2015, último em que por força de lei imperativa podia cumprir tal exigência.
No dia 23/11/2015, já depois de esgotado imperativa e peremptoriamente o prazo de que dispunha, a recorrente veio requerer mais 5 dias para juntar o procedimento disciplinar, requerimento esse que não logrou – nem podia lograr, como supra referido - qualquer acolhimento da parte do tribunal recorrido.
Finalmente, o procedimento disciplinar apenas veio a ser junto electronicamente no dia 30/11/2015, data em que a recorrente o apresentou por essa via através da plataforma Citius, tendo remetido o suporte físico por via postal nesse mesmo dia, o qual viria a ser junto aos autos no dia 2/12/2015.
Tudo a significar que a recorrente deixou ultrapassar, por simples decisão sua a que o tribunal recorrido jamais deu qualquer espécie de acolhimento, expresso ou tácito, o prazo imperativo e peremptório de que dispunha para juntar o procedimento disciplinar, sujeitando-se, por isso, às cominações decorrentes do art. 98º-J/3 do CPT, tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura.
Improcede, assim, o recurso de apelação na parte em que o mesmo tinha por objecto o despacho de 7/12/2015, que ordenou o desentranhamento do procedimento disciplinar, por intempestividade da junção, assim como deve improceder o recurso da decisão de 21/1/2016, que sujeitou a recorrente às cominações decorrentes do art. 98º-J/3 do CPT.
De resto, a eventual procedência desta última parte do recurso dependia necessariamente da prévia procedência da primeira parte do mesmo, sendo que a improcedência desta determina consequencialmente a improcedência daquela.
Resta dizer que não vislumbramos, ao contrário do sustentado pela recorrente, que a interpretação feita pelo tribunal recorrido dos arts. 98º- I, nº 4 e 98º-J/3 do CPT viole a garantia constitucional de acesso aos tribunais e a uma tutela efectiva dos seus direitos consagrada no art. 20.º da CRP.
Com efeito, como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 243/2013: “O direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à protecção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão (o pedido de tutela jurisdicional para um direito ou interesse legalmente protegido), pelo que implica uma série de interacções entre quem pede (autor), quem é afectado pelo pedido (réu) e quem decide (juiz), a que corresponde o processo. E a disciplina deste último – o processo em sentido normativo – encontra-se submetida à exigência do processo equitativo: o procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num “processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exigência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma “impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo (Ac. n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). […]”.
Por outro lado, o mesmo Tribunal deixou escrito a este mesmo respeito, no seu acórdão n.º 778/2014, o seguinte: “O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).
Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efectivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).
Importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.» (v., também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 235/2011, 350/2012, 839/2013, 204/2015 ou 569/2015).”.
Ora, no caso concreto em apreço, não se vislumbra que a interpretação dos arts. 98º- I, nº 4 e 98º-J/3 do CPT sustentada pelo tribunal recorrido e que logra o nosso acolhimento viole no que concerne à ré a garantia constitucional de acesso aos tribunais e a uma tutela efectiva dos seus direitos consagrada no art. 20.º da CRP em qualquer das dimensões acabadas de apontar, posto que a ré dispôs de um prazo de 15 dias que, a nosso ver, é mais do que razoável, contanto que se actue de forma minimamente diligente e eficaz, para ser satisfeita a exigência legal de ser junto a este processo um procedimento disciplinar composto de singelas trinta páginas, do qual foi instrutora a aqui ilustre mandatária da recorrente, que estava concluído desde Setembro de 2015 e que se encontrava na sua inteira e única disponibilidade física, não se vislumbrando razão suficiente para acolher a pretensão da ré de prorrogar unilateralmente e à margem do regime imperativo que rege sobre a matéria aquele prazo de quinze dias.
Acresce que: i) é sólido e uniforme – e já o era à data da audiência de partes em que a ré foi notificada para juntar o procedimento disciplinar - o entendimento doutrinal e jurisprudencial, de que supra demos conta, relativo à natureza peremptória e à insusceptibilidade de prorrogação judicial do prazo fixado no art. art. 98º-I/4/a do CPT; ii) a recorrente tinha ou podia ter perfeito conhecimento desse entendimento, dada a publicação dos escritos e de várias das decisões supra referenciadas, para mais estando a recorrente assessorada nestes autos por profissional forense que podia razoavelmente equacionar a aplicação de semelhante entendimento à situação dos autos, impondo-se-lhe, assim, um especial dever de diligência no sentido de ser satisfeita a exigência de apresentação do procedimento disciplinar no prazo legal de 15 dias que lhe foi concedido; iii) foi a ré quem unilateralmente fixou para si, à revelia daquele entendimento, um prazo superior ao que imperativa e peremptoriamente devia respeitar, o qual, de resto, também não cumpriu por razões apenas a si atinentes; iv) jamais a autora ou o tribunal recorrido manifestaram qualquer espécie de concordância com a actuação ilicitamente prorrogativa protagonizada pela ré, pelo que nesta não poderia ter-se gerado qualquer expectativa razoavelmente fundada de que tal actuação lograria subsequente acolhimento.
*
IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se as decisões recorridas.
Custas pela recorrente.

Porto, 7/7/2016
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
______________
[1] Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2011, p. 287, Susana Silveira, A nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento», Julgar, N.º 15, 2011, p. 93, nota 34, Eusébio Almeida, A reforma do Código de Processo de Trabalho e, em especial, a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, 2010, nota 36, Albino Mendes Baptista, A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Trabalho, 2010, p. 91, Viriato Reis e Diogo Ravara, A acção especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código de processo civil, e-book do CEJ referente à acção do tipo da que ora está em apreço, pp. 31 e 32, consultável em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Acao_%20Impugnacao_Regularidade_Licitude_Despedimento.pdf?id=9&username=guest, acórdão do STJ de 10/7/2013, proferido no processo 885/10.2TTBCL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 12/11/2012, proferido no processo 1758/11.7TTPRT.P1, e de 17/12/2014, proferido no processo 78/14.0TTPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 28/11/2011, de 12/3/2013, e de 16/9/2013, proferidos nos processo 989/10.1TTMTS-A.P1, 885/10.2TTBCL.P1 e 450712.0TTGDM.P1, dos quais se desconhece publicação.
__________
Sumário:
É peremptório e insusceptível de prorrogação o prazo de quinze dias fixado 98º-I/4/a do CPT para apresentação do procedimento disciplinar.

Jorge Loureiro