Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9323/14.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CUSTAS DE PARTE
RECLAMAÇÃO À NOTA JUSTIFICATIVA
Nº do Documento: RP202001099323/14.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte sido apresentada na vigência da redação conferida ao R.C.P. pela Lei n.º 27/19, de 28/03, aplica-se ao respetivo incidente a que dá origem o disposto no artigo 26.º-A, do R.C.P. (introduzido por aquela Lei).
II - Não depositando a reclamante o valor referido nesse artigo 26.º-A, do R.C.P., não tem o tribunal de convidar a reclamante a efetuar esse pagamento nem tem de apreciar oficiosamente a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 9323/14.0T8PRT-A.P1
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1). Relatório.
B…, S. A., com sede na Avenida …, n.º …., Porto, apresentou em 30/05/2019 nota discriminativa e justificativa de custas de parte alegadamente devidas por C…, com domicílio profissional na Avenida …, n.º …., Vila Nova de Gaia, no valor total de 2.468 EUR.
O devedor apresentou reclamação a tal nota.
Por despacho de 08/07/2019, o juízo central cível do Porto, juiz 1, proferiu despacho onde decide não apreciar essa mesma reclamação.
É deste despacho que o devedor recorre alegando em síntese que:
. o tribunal recorrido entendeu que a reclamação da conta de custas apresentada pelo Autor não deverá ser apreciada por não se mostrarem reunidas as condições (depósito da quantia reclamada) de que depende a sua apreciação ao abrigo do atual artigo 26.º- A, do R. C. P. introduzido pela Lei n.º 27/19, de 28/03;
. a referida Lei n.º 27/2019 prevê no artigo 11.º que entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data;
. conjugando tal preceito com o disposto no artigo 12.º, do C. C., entende-se que a lei só se aplica aos factos que depois da sua entrada em vigor se operarem e que a possibilidade da sua retroatividade, mesmo que normativamente permitida, está sujeita aos limites que o n.º 2 do artigo 12.º do C. Civil lhe impõe para a sua real concretização, havendo que respeitar os direitos adquiridos;
. assim, será de aplicar a indicada Lei a processos que se iniciem após a entrada em vigor da referida lei, ou seja, a 27/04/2019;
. a pendência da reclamação da conta de custas deverá se reger pelo R. C. P. vigente à data da entrada da respectiva ação, ou seja, pela Lei n.º 72/2014, de 02/09 que não previa o depósito do valor das custas de parte;
. o artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, alterada pela Portaria n.º 284/2013, de 30/08, menciona que a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota mas o T. C. declarou que «inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 149-A/2009, de 17 de Abril na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, de acordo com a qual a reclamação da nota justificativa fica dependente do depósito prévio da totalidade do valor da nota” (Ac. n.º 189/2016, 03/05) o que já foi declarado com força obrigatória geral;
. assim, a recorrente não procedeu ao depósito da totalidade das custas de parte, em conformidade com a legislação vigente à data de interposição da presente ação;
. ainda que assim se não entenda, a Portaria prevê ainda a possibilidade de reforma oficiosa da nota justificativa (artigo 31.º, n.º 2, do R. C. P. ex vi do n.º 4 do artigo 33.º, da messa Portaria) o que redunda na possibilidade de a legalidade da nota reclamada poder ser sindicada pelo tribunal;
. sem prescindir, sempre deveria o recorrente ter sido para proceder ao depósito das custas de parte, acautelando-se o seu direito do Recorrente uma vez que assim requereu aquando da sua reclamação da conta;
. quanto ao teor da reclamação, a recorrida não interpelou a recorrente para pagar até 06/05/2019 (atendendo ao disposto na nova redação do artigo 25.º, do R. C. P. introduzido pela citada Lei n.º 27/19 que estipula um prazo mais alargado de 10 dias, ao invés dos 5 dias), apenas se tendo limitado a enviar a notificação prevista no artigo 221.º, n.º 1, do C. P. C. em 30/05/2019;
. assim, está caducado o direito da recorrida em haver tal reembolso do recorrente;
. acresce que o Acórdão proferido pela Relação do Porto foi notificado às partes em 23/04/2019 considerando-se as partes notificadas em 26/04/2019;
. tendo a recorrida apresentado a nota Discriminativa e justificativa das custas de parte em 30/05/2019, a mesma é extemporânea, mesmo já usando do preceito alterado do artigo 25.º do RCP que só a beneficia;
. dos alegados créditos peticionados, não são devidos, por não serem elegíveis, à luz do disposto nos artigos 16.º, 20.º e 23.º) do R. C. P. por se encontrarem indocumentados:
. chamadas telefónicas e fotocópias, impressões e correio.
. a nota sempre ter que se revogue a decisão recorrida e que se dê sem efeito a conta de custas elaborada, uma vez que o direito da recorrida se considera caducado e, caso assim não se entenda, deverá ser reduzida para 2.448 EUR.
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Contra alegou a recorrida mencionando em resumo que:
. a obrigatoriedade do depósito aquando da apresentação da reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte foi introduzida pelo artigo 33.º n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04 que previra o depósito de metade do valor da nota, alterado para a totalidade desse valor com a Portaria n.º 82/2012, de 29/03;
. esse artigo 33.º n.º 2, foi considerado inconstitucional por haver inconstitucionalidade orgânica;
. atualmente, por lei, foi reafirmada a obrigatoriedade daquele depósito;
. do sumário desta Lei consta que o que motivou a sua emanação foi a necessidade de introduzir alterações no processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial» e aproveitou-se para, no artigo 6.º, se aditar aquele artigo 26.º-A ao R. C. P. e assim sanar a indicada inconstitucionalidade orgânica;
. no caso não se está perante uma execução fiscal;
. apresentada a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apesar de tal ocorrer com a notificação da contraparte e do tribunal, o seu pagamento, em condições normais, ocorrerá de forma extra processual e sem intervenção da instância judicial;
. não é assim aplicável a parte do artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 que dispõe «aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data» mas sim quando refere que «a presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.», ou seja, 27/04/2019;
. quando o recorrente apresenta a reclamação, em junho de 2019, já a nova Lei se encontrava em vigor;
. a nota foi apresentada em 30/05/2019 quando a referida Lei n.º 27/2019 estava em vigor;
. é certo ainda que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que pôs fim ao litígio transitou em julgado já após a entrada em vigor da Lei n.º 27/2019, tendo no dia do trânsito em julgado, nascido o direito da recorrida em apresentar a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, mas não o direito do recorrente em reclamar dela;
. o artigo 25.º, n.º 1, do R. C. P. em vigor dispõe que «até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.»;
. aquele prazo de 10 dias não é um prazo de caducidade do direito de exigir judicialmente o pagamento das custas, sendo apenas um prazo de disciplina processual do incidente de liquidação e pagamento das custas processuais.
Termina pedindo a manutenção da decisão recorrida.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
1). No dia 11/04/2019 foi proferido Acórdão pelo tribunal da relação do Porto que confirmou a decisão proferida pelo juízo central cível do tribunal judicial do Porto, juiz 1 proferida em 20/04/2018 que julgou totalmente improcedente a ação a que os presentes autos correm por apenso.
2). Tal Acórdão foi eletronicamente notificado às partes em 23/04/2019.
3). Por requerimento de 30/05/2019, a aqui recorrida apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte alegadamente devidas pela recorrente, no valor total de 2.468 EUR assim descriminados:
. quantias pagas a título de taxa de justiça – 1.224 EUR;
. quantias pagas a título de despesas - 20 EUR a título de encargos chamadas telefónicas (8 EUR) e fotocópias, impressões e correio: (12 EUR):
. quantias pagas a título de honorários dos mandatários – 1.224 EUR -.
Mais declara que essa nota foi remetida mandatária do recorrente por mail de 30/05/2019.
4). Por requerimento de 11/06/2019, veio a recorrente apresentar reclamação da referida nota justificativa alegando, entre outras situações, que a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17/04 padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b), do n.º 1 do artigo 165.º, da C. R. P., em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da mesma C. R. P.;
. assim, por estar ferida de inconstitucionalidade orgânica a norma que demanda o depósito integral do valor da nota como condição para se reclamar da mesma, deverá a reclamação da nota de custas de parte ser admitida sem depósito integral do seu montante.
5). O tribunal recorrido profere em 08/07/2019 o seguinte despacho:
«Nos termos do actual art. 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, “a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”. O Autor reclamante não procedeu ao depósito do valor da nota discriminativa de custas de parte apresentada pela parte vencedora.
Assim, entende-se que a reclamação não deverá ser apreciada, por não se mostrarem reunidas as condições de que depende a sua apreciação.»
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Estes factos têm por base a consulta do processo quer electronicamente quer em papel atento o teor da certidão constante dos autos.
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As questões a resolver são:
. lei aplicável ao incidente de apresentação de custas de parte;
. aferição da necessidade de prévio pagamento do valor das custas de parte para se poder apresentar reclamação da nota;
. eventual apreciação da reclamação, a requerimento ou oficiosamente, apresentada pelo recorrente.
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2.2). De direito.
O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, (R. C. P.) tem atualmente a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28/03.
Tal redação entrou em vigor em 27/04/2019 – artigo 11.º, da mesma Lei e 2.º, nºs. 2 e 4, da Lei n.º 74/98, de 11/11 -.
O artigo 26.º-A, do R. C. P., aditado por aquela Lei n.º 27/2019 impõe que o reclamante tenha de depositar a totalidade do valor da nota discriminativa das custas de parte (n.º 2).
A referida nota foi apresentada em 30/05/2019, ou seja, em plena vigência do citado artigo 26.º-A, do R. C. P..
Deste modo, quando o incidente nasce já está em vigor a norma que impõe a sua tramitação – prazo e condição para o seu exercício -.
Para nós, é com a apresentação da nota discriminativa que o incidente relativo a custas de parte se inicia pois corresponde ao momento em que a parte formula a sua pretensão; depois a contraparte pode opor-se, mediante a reclamação.
Mesmo que o pedido só passe a ter vigência judicial depois da reclamação (se não for formulada reclamação o pedido ocorre inter-partes sem intervenção judicial), quando essa reclamação é formulada, o incidente que o tribunal vai ter de decidir é composto de pedido e reclamação e não somente por esta última.
A referida Lei 27/2019 não tem uma norma transitória sobre a aplicação do artigo 26.º-A, do R. C. P. em relação a todos ou determinados processos.
Por regra, uma lei processual como aquela que está em causa – exigência de pagamento de um valor para que um incidente processual possa ser apreciado -, é de aplicação imediata, assim tendo aplicação às ações pendentes, buscando-se no artigo 12.º, do C. C. o amparo para tal conclusão.
Assim o referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio de Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, página 49 que também aí mencionam que «a ideia, proclamada neste artigo (art.º 12.º do CC), de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes.».
Ou ainda, como se menciona no Ac. do S. T. J. de 03/07/2014, www.dgsi.pt, «a lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata; ou seja, aplica-se às acções pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos actos futuros, ainda que praticados em acções pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroactiva.».
Mesmos nas leis substantivas, quando «apenas regulam o modo de realização judicial de um direito», é geralmente defendida a sua aplicação imediata (Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, página 23).
Temos assim que, em princípio, aquele artigo 26.º-A, do R. C. P. se aplicaria aos processos pendentes aquando da sua entrada em vigor; importa aferir se existe alguma ideia do legislador nesse ou noutro sentido e depois concluir pela melhor regra de aplicação no tempo deste artigo.
O Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 que aprovou o R. C. P. continha normas sobre aplicação no tempo.
Na redação original – Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 – dispunha-se no artigo 27.º, n.º 2, que «mesmo que o processo esteja pendente, as alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se imediatamente aos procedimentos, incidentes, recursos e apensos que tenham início após 1 de Setembro de 2008.», sendo esta a data da sua entrada em vigor (artigo 26.º, do mesmo diploma).
Havia outras situações previstas mas que não alteram esta ideia de aplicação da nova lei a incidentes que se iniciem após a sua entrada em vigor.
Na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 havia uma regra que pensamos que pode auxiliar ainda mais impressivamente.
O n.º 1, do artigo 8.º dispôs que «1 – O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.».
Continua presente a intenção do legislador que aprovou o R. C. P. – aplicação, o mais amplamente possível, do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram -.
Ressalta também do artigo 8.º, agora n.º 12, que «são aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respetiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei.».
Certamente se procurou evitar a aplicação de diversos regimes de custas processuais tendo por base as datas de entrada dos processos procurando-se antes a unificação o mais abrangente possível a nível processual quanto ao regime de custas.
Em outros números do artigo 8.º o legislador foi adaptando esta regra de molde a não prejudicar direitos já adquiridos pelas partes (por exemplo, pagamentos já efetuados ou isenção que vigorava anteriormente à data de entrada da nova lei – nºs. 2 e 4, por exemplo -).
Mas quando surge a necessidade de se pagar ex novo uma quantia, esta já é calculada de acordo com as novas regras vigentes – n.º 3 -.
As sucessivas alterações ao R. C. P. não alteram esta ideia, determinando a aplicação da lei nova aos incidentes que surjam após a sua entrada em vigor de que são mero exemplo:
. Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28/08 – artigo 27.º, n.º 2 - mesmo que o processo esteja pendente, as alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se imediatamente aos procedimentos, incidentes, recursos e apensos que tenham início após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
. Lei 64-A/2008, de 31/12, artigo 27.º, n.º 2, a) - as alterações às leis de processo e ao Regulamento das Custas Processuais, aplicam-se ainda aos incidentes e apensos iniciados, a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, depois de findos os processos principais;
. Decreto-Lei n.º 72/2014, de 02/09 – igual redação à da anteriormente referida Lei n.º 64-A/2008 -;
. Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29/10 - artigo 4.º, a) - As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Regulamento das Custas Processuais entram em vigor no prazo estipulado, com as seguintes exceções: relativamente aos processos pendentes, as alterações apenas se aplicam aos atos praticados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei.
Sendo, por regra, a lei processual de aplicação imediata aos processos pendentes, expressamente o legislador cuidou de prevenir que se a nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da lei, se aplicam as regras que resultam da aplicação do Código das Custas Judiciais (Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26/11).
Ou seja, tendo o incidente surgido antes da entrada em vigor do novo regime, com outras regras então vigentes, para evitar uma mistura de regimes que poderiam conduzir a que uma parte tivesse atuado ao abrigo de um regime e a outra parte, em momento temporal muito próximo, já tivesse de observar diferentes regras, decidiu-se que nesse caso (apresentação da nota discriminativa das custas antes 27/04/2019) se aplicam as regras vigentes antes da entrada em vigor do R. C. P..
Não vemos motivo para, no caso em análise, em que se altera o regime de dedução e admissão de contestação à nota discriminativa de custas de parte, se entenda de outro modo, ou seja, aquele artigo 26.º-A é imediatamente aplicável aos processos pendentes e, nesta aplicação imediata, como está em causa um incidente, é aplicável aos incidentes de reclamação da nota discriminativa de custas de parte que surjam após a sua entrada em vigor, assim se concretizando o que acima se referiu: aplicação da lei processual aos atos futuros ainda que praticados em ações pendentes.
A referência no artigo 11.º da aplicação da lei em causa às execuções futuras (entradas depois da sua vigência) não altera esta nossa argumentação pois aí previu-se especialmente um tipo de processos que não é o que está em causa nos autos e em que, para se afastar aquela aplicação imediata, se entendeu que só vigorava para o futuro.
Pensamos assim que o artigo 26.º-A, do R. C. P. se aplica a todos os incidentes de pedido de custas de parte e sua reclamação que se iniciem após a entrada em vigor do mesmo, em processos instaurados antes ou depois dessa data de entrada em vigor.
Referimos ainda que aquele artigo 26.º-A impõe, na nossa visão, efetivamente uma alteração legislativa pois a norma que antes impunha o pagamento pelo reclamante da quantia que a parte peticiona a título de custas de parte (artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04), foi julgada organicamente inconstitucional com força obrigatória geral - Ac. T. C. de 06/06/2017 -; e uma vez que a redação original da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04 também excedeu a competência da Assembleia da República ao assim legislar, não se pode aplicar esta versão original sob pena de então de se estar também a aplicar um normativo com prolação desconforme à Constituição Portuguesa o que o artigo 204.º, da C. R. P. impede («nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.»).
Desse modo, não pode haver a repristinação prevista no artigo 282.º, n.º 1, da C. R. P., ocorrendo outrossim a inexistência de norma válida que determinasse o pagamento de qualquer valor em caso de reclamação de conta de custas de parte.
Com este novo artigo 26.º-A, do R. C. P., ainda que se procurando retornar ao que antes se entendia, por força daquela impossibilidade de repristinação, há uma efetiva alteração da lei pois não havia norma válida que impusesse esse pagamento (e, estando em causa uma Lei, não se coloca qualquer questão de inconstitucionalidade orgânica).
Concretizando, quando a aqui recorrida apresenta a nota de custas de parte e a envia à contraparte (30/05/2019) e, naturalmente, quando é apresentada a resposta pela recorrente (11/06/2019), já estava em vigor o citado artigo 26.º-A, do R. C. P., tendo assim a aqui recorrente/reclamante de pagar a quantia de 2.468 EUR, o que não fez.
Não o tendo feito, não pode a reclamação ser apreciada.
A recorrente suscita a questão de o tribunal dever tê-la convidado a depositar esse valor.
Não pensamos desse modo pois, por um lado, esse convite não está legalmente previsto e, por outro, não está em causa um aperfeiçoamento de alguma peça processual ou a falta de junção de algum documento que seja necessário para se poder tomar uma decisão sobre uma exceção dilatória ou do mérito da ação (artigo 590.º, nºs. 2 a 4, do C. P. C.) mas antes o incumprimento de um ónus processual prévio à apreciação do que se alega e que a lei não prevê que possa ser ulteriormente ultrapassado.
Ao contrário do que sucede em outras situações de falta de cumprimento de ónus – por exemplo, falta de pagamento da 2.ª prestação de taxa de justiça – artigo 14.º, nºs. 3 e 4, do R. C. P. -, a lei não prevê que este depósito do valor da nota discriminativa, sendo omitido, ainda possa vir a ser objeto de nova oportunidade de pagamento (como também sucede, a nosso ver, na falta de pagamento da taxa de justiça deste específico incidente de reclamação, com recurso ao artigo 570.º, n.º 3, do C. P. C. (notificação da secretaria para pagamento com acréscimo).
Assim, não havia motivo para o tribunal convidar o recorrente a pagar o valor em causa.
Também, com o devido respeito por opinião diversa nomeadamente a vertida no Ac. da R. G. de 16/04/2015, www.dgsi.pt indicado pelo recorrente, pensamos que não é de apreciar oficiosamente a nota em causa.
Na realidade, comungamos aqui as dúvidas tidas por Salvador da Costa em «As custas processuais», 6.ª edição, página 323 quanto à aplicação subsidiária do artigo 31.º, do R. C. P. onde se prevê a apreciação oficiosa da conta dos autos.
O procedimento em análise só tem plena vigência judicial quando é deduzida reclamação à nota em que as custas são apresentadas.
Antes dessa reclamação, a junção da nota aos autos visa que a apresentante possa requerer que as suas custas de parte sejam pagas pelo remanescente a devolver à parte vencida ou então que os mandatários judiciais ou técnicos venham requerer o pagamento dos honorários, despesas ou adiantamentos nos termos dos artigos 29.º, nºs. 2 e 3 da citada Portaria n.º 419-A/2009.
Só se houver reclamação e que possa ser atendida, é que essa nota passa a valer como pretensão da parte que tem de ser analisada pelo tribunal.
Num caso em que a reclamação não pode sequer ser analisada por falta de cumprimento de uma condição, os valores que foram indicados pela parte mantêm-se assim numa esfera extrajudicial, visando um pagamento extra-processo, não competindo ao tribunal substituir-se à parte nesse tipo de ato.
Se o legislador retirou da contagem dos autos estas custas – artigo 30.º, n.º 1, do R. C. P. -, e se previu que tem de haver reclamação para a apreciação da sua correção, não entrando essa nota na esfera de apreciação do tribunal, não tem este oficiosamente de o avaliar por que não foi essa, para nós, a intenção do legislador.
De outro modo, bastaria ao reclamante não pagar este depósito e depois exigir ao tribunal que oficiosamente apreciasse a validade da nota das custas de parte, deixando de ter validade prática a exigência do depósito, algo que não pensamos que seja o pretendido (além de que, mesmo que não houvesse reclamação, entendendo-se que o tribunal tem de avaliar oficiosamente a correção da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, quando fosse junta a nota em todos os casos teria o tribunal de a analisar, o que, mais uma vez, não se afigura ter sido o pretendido num incidente que só existe por impulso da parte e em que estão em causa valores retirados da contagem judicial dos autos).
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Por último, não sendo admitida a reclamação, não se pode analisar qualquer dos seus fundamentos, sejam eles respeitantes aos valores que são peticionados sejam reportados à tempestividade da apresentação da nota ou interpelação da contraparte para pagamento desses valores.
Não compete ao tribunal analisar só parte da reclamação, arrumando num lado o que se reporta a valores e noutro o que se reporta a outras questões e analisar somente estas.
Não se deve permitir que a reclamação tenha qualquer alcance sem o depósito do valor que se vem referindo; trata-se de uma pretensão global da reclamante que, querendo que seja apreciada, tem de cumprir aquele ónus de depósito; cumprido, o tribunal então tem de apreciar todas as questões que sejam suscitadas e sejam necessárias para uma correta decisão.
Deste modo, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida em não apreciar a reclamação do aqui recorrente quanto à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela recorrida por falta de depósito do valor de custas apresentado.
Improcede assim o presente recurso.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
Registe e notifique.

Porto, 9 de Janeiro de 2020
João Venade
Paulo Duarte
Amaral Ferreira