Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
750/15.7T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA E DE SAÚDE
DEVER DO EMPREGADOR
MAU FUNCIONAMENTO DA MÁQUINA
MOTIVO DE FORÇA MAIOR
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20170911750/15.7T8MTS.P1
Data do Acordão: 09/11/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 260, FLS 258-275)
Área Temática: .
Sumário: I - Se a máquina não dispunha dos sistemas de segurança necessários para evitar a ocorrência de acidentes como o ocorrido, cabia ao empregador proceder às alterações necessárias ou, se tal não fosse possível – como veio alegar, mas sem que também tal resulte dos factos provados alteração – à substituição da máquina.
II - Esses deveres decorrem das normas do DL 50/2005 e são claramente reafirmados e impostos pelo art.º 281.º do CT 2009, e pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, nomeadamente no artigo 15.º acima transcrito. A lei é clara ao impor ao empregador o dever de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho”, devendo o “zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhado”, de modo a “Evitar os riscos”, a “Planificar a prevenção(..)”, a identificar os “riscos previsíveis em todas as atividades da empresa,(..) assim como na seleção de equipamentos” e a “ Combate(r) os riscos na origem (..)”. Impondo-lhe, ainda, o dever de “Adaptação ao estado de evolução da técnica (..)” e a “ Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso”.
III - Nenhuma norma legal excepciona a aplicação desses deveres atendendo à antiguidade de equipamentos. Não é admissível que a Ré sujeitasse o trabalhador autor – ou qualquer outro trabalhador – a operar uma máquina que [17] “Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe” e que [18]” Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante”, levando a que o acidente tivesse ocorrido, [29] “(..)porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina”.
IV - Sabendo-se que a máquina dá “golpes” quer quando se liga o motor quer após a paragem, a entidade empregadora deveria tê-la retirado da linha de produção para resolver esse problema – eliminado os “golpes” - ou para proteger o trabalhador que com ela operasse desses golpes, com sistema de protecção que impedisse o acesso à zona perigosa enquanto a máquina não concluísse integralmente o ciclo de rotação da engrenagem; e, se nenhuma dessas soluções fosse viável, então para a substituir por uma nova máquina. Não podia era manter a máquina a operar, transferindo o risco para o trabalhador, confiando na sua perícia, constante capacidade de atenção, pese embora tratar-se de uma tarefa repetitiva - porventura, crendo na sorte de que nada aconteceria-, não obstante o deficiente funcionamento do mecanismo (linguete), a falta de protecção contra esse risco e o potencial risco de acidente que essa realidade manifestamente impunha a quem com ela operasse.
V - Face à noção dada pelo do n.º2, do artigo 15.º da Lei 98/2009, só se considera “motivo de força maior” uma ocorrência factual que seja devida “a forças inevitáveis da natureza”, isto é, uma calamidade natural, por exemplo, uma inundação provocada por uma tempestade, a queda de um raio durante uma trovoada, etc.. O mau funcionamento do linguete não é manifestamente um “motivo de força maior” enquadrável naquela noção.
VI - O ónus de alegação e prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o acidente ocorrido, recaía sobre a ré e recorrente, nos termos das regras gerais sobre a prova, por serem factos impeditivos do direito à reparação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 750/15.7T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos- Inst. Central - 3ª Sec. Trabalho, B..., com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra C..., Companhia de Seguros, S.A., e D..., S.A, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 3, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe as prestações seguintes:
a) A pensão agravada actualizável no montante de € 3037,65, devida desde 9/02/2015, sendo a responsabilidade da Ré seguradora, nos termos do art.º 79º, n.º 3 da lei n.º 89/09, de 4/09 a pensão normal no montante de € 1.859,55;
b) A indemnização agravada pelos períodos de ITA e ITP de 75% no montante de € 7527,88, sendo a responsabilidade da Ré seguradora, nos termos do art.º 79º, n.º 3 da lei n.º 89/09, de 4/09 a quantia de € 713,90 (diferença entre o montante devido ao A. de € 5858,77 e a quantia de € 5144,87 que já recebeu).
c) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações em atraso, nos termos do art.º 135º do C.P.T.
Pede, ainda, a condenação da seguradora a pagar-lhe, nos termos do art.º 79º, n.º 3 e 5 da Lei n.º 89/09, DE 4/09:
a) O montante de € 33,30 de despesas com deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a tentativa de conciliação.
Para sustentar os pedidos alega o autor, no essencial, que no dia 26-02-2014, quando se encontrava no exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de Operador de tratamento de materiais Grau 10, ao serviço da Ré D..., SA, dentro do seu horário de trabalho e nas instalações daquela, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «Balancé», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando-lhe o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.
Em consequência sofreu traumatismo da mão direita, com amputação do 2º, 3º e 4º dedo.
À data do acidente o A. auferia uma retribuição anual de € 8 100,40 (retribuição base 506,00 x 14 meses + alimentação em espécie com o valor de €4,20 x 22 dias x 11 meses).
A 2ª Ré Entidade Empregadora tinha a sua responsabilidade transferida para a 1.ª Ré através da apólice n.º ......., pelo salário anual de € 7.084,00.
Como consequência directa e imediata do sinistro, o A. apresenta as sequelas descritas no auto de exame médico, em face das quais foi-lhe atribuída ao A. uma IPP de 37,50%, com factor de bonificação de 1,5, com a qual o A. concorda.
O Autor esteve com uma I.T.A. de 27/02/2014 a 8/01/72015 (316 dias) e com ITP de 75% de 9/01/2015 a 8/02/201515 (31 dias), dia em que foi considerado clinicamente curado.
Despendeu em deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal a quantia de € 33,30.
Na tentativa de conciliação que encerrou a fase conciliatória, as partes acordaram quanto à existência do acidente, o salário auferido pelo sinistrado e a existência e validade do contrato de seguro.
Quanto ao mais, a seguradora não aceitou qualquer responsabilidade decorrente do acidente por entender que o mesmo se deveu à inobservância das regras de segurança por parte da entidade empregadora. E, a empregadora não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, alegando dever-se o mesmo a conduta culposa do autor, nem o resultado a IPP e os períodos e graus de IT’s atribuídos pelo INML.
No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «Balancé» não possuía protecção colectiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento /esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis, não dispondo de qualquer protecção a limitar o acesso à zona operativa.
O referido equipamento de trabalho apresentava um funcionamento inadequado do dispositivo de comando bimanual, porquanto o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo (duplo golpe por ruptura do linguete).
A referida máquina também não cumpre a totalidade dos requisitos mínimos de segurança estabelecidos pelo DL n.º 50/2005 de 25/02, nomeadamente permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça, inexistindo instruções de segurança para prevenção dos riscos a que o trabalhador está exposto durante o trabalho, bem como inexistem regras de procedimento de trabalho seguro.
O acidente ficou a dever-se ao não cumprimento das regras de segurança por parte da 2.ª Ré, o que determina a responsabilidade pela indemnização abranja a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador (cfr. art. 18.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-2).
A ré seguradora contestou alegando, no essencial, que o acidente em apreço nos autos foi consequência da inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade patronal, que não colocou as dispor do Autor a formação e equipamento adequado ao trabalho a efectuar, uma vez que a máquina em que este laborava não reunia as condições e requisitos mínimos de segurança, pelas razões alegadas pelo autor.
Tal falta de segurança encontrava-se em desobediência aos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º do DL n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro, que estipula os Requisitos mínimos gerais aplicáveis a equipamentos de trabalho. A prensa respeitava o estabelecido no n.º 4 do artigo 56.º da Portaria 53/71, de 3 de fevereiro.
Conclui pugnando pela improcedência da acção no que a si respeita.
Contestou igualmente a ré empregadora, contrapondo que a máquina respeita as exigências de segurança e que o acidente ocorreu por pura e simples incúria do A. que não cuidou de aguardar que a máquina fizesse a operação até ao seu final, apesar de para tanto ter sido alertado pelos seus colegas e superiores hierárquicos. O A. colocou a mão sob a parte superior da máquina – que é a que faz um movimento “de prensa” e “de cima para baixo” - sem aguardar que a máquina parasse o seu movimento completo.
Só a imprudência do A. é que causou o acidente. Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio A., que fazia a mesma operação, tal e qual, consecutivamente, há mais de um ano.
Não tem, assim, o Autor, direito a qualquer indemnização ou pensão.
Concluiu pedindo a sua absolvição dos pedidos.
Por despacho de fls. 161 foi deferido o pedido do autor, tendo-lhe sido fixação pensão provisória de €194,40, tendo por referência uma IPP de 37,5% que lhe havia sido atribuída pelo INML.
Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se procedeu à selecção da matéria de facto.
Foi ordenado o desdobramento do processo com a abertura do apenso de fixação de incapacidade.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância dos formalismos legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«Nestes termos, e face ao exposto, condeno as rés no pagamento ao autor B..., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
a) a ré C... - Companhia de Seguros, S.A., e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal, na pensão anual no montante de €4.073,30 devida desde 9/2/2015, que ascende ao montante de €4.089,59 a partir de 1/1/2016 e ao montante de €4.110,04 a partir de 1/1/2017.
b) a ré D..., S.A.:
- €2.986,67 a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
- na pensão anual, devida em 9/2/2015, no montante de €2.508,28, a qual ascende ao montante de €2518,31 a partir de 1/1/2016 e ao montante de €2530,90 a partir de 1/1/2017.
Fixo em €82.070,94 o valor da presente acção (art. 120º do Código de Processo de Trabalho).
Custas a cargo de ambas as rés, na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com a sentença a Ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
I. Afigura-se ao Recorrente que a douta decisão recorrida não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas e princípios jurídicos competentes;
II. A douta decisão recorrida solucionou a hipótese dos autos por forma que, com a devida vénia, não pode deixar de considerar-se atentatória dos elementares princípios de justiça e legalidade.
III. A decisão recorrida deu como facto assente que “No dia 26/2/2014, pelas 8H30, quando o A. se encontrava no exercício das suas funções, dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da 2ª Ré, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «Balancé», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho”.
IV. A decisão recorrida deu igualmente como factos assentes que “No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «Balancé» não possuía protecção colectiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis” e que “Para operar a referida máquina o operador tem que utilizar, simultaneamente, as duas mãos para “dar ordens” à máquina, o que faz através das “botoneiras” (que estão colocadas em ambos os lados da máquina), e faz com que tenha, obrigatoriamente, que estar afastado da máquina, maxime, da zona de potencial esmagamento”.
V. Por fim, determina também como factos assentes que “O autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer um outro imediatamente a seguir”, que “Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio autor, que fazia a mesma operação, tal e qual, consecutivamente, há mais de um ano.” e que “O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina.”
VI. O acidente de trabalho em análise ocorreu pela utilização de um “Balancé” cujo modelo é identificado por “CPE 150”.
VII. Este tipo de máquina de prensa data dos anos 1970 e anteriores e não é originalmente munida de medidas de proteção que atualmente são obrigatórias e comumente aceites como indispensáveis.
VIII. No entanto, tal não significa que a máquina não possa ser utilizada, desde que cumpridas as normas de utilização da própria máquina.
IX. As medidas de segurança, de proteção, de acessos a partes da máquina ou identificação de mecanismos são mutáveis e alteradas ao longo dos anos, pelo que, no que respeita aos mecanismos se segurança, não se poderá regrar uma máquina pelas exigências de 2017 quando a mesma foi desenhada e construída há mais de 40 (quarenta) anos.
X. Não ficou demonstrado que a máquina não estivesse em condições de operar, sendo, por isso, proibida a sua utilização.
XI. Por outro lado, importa realçar que não ficou demonstrado, ou sequer foi alegado, que seria, de todo, possível implementar as atuais medidas de segurança numa máquina tão antiga.
XII. Não consta informação nos presentes autos de que seja sequer possível promover pela alteração da máquina, transformando-a de forma a que o acesso à zona de corte, ao volante, à cambota, à biela ou à corrediça seja limitado, que impeça o contato mecânico ou a aplicação de mecanismo de bloqueio na zona de desligado.
XIII. Não ficou, igualmente, demonstrado, nem sequer foi alegado, que a Ré ora Recorrente tivesse ignorado a aplicação de certas e determinadas medidas de segurança (por apurar e enumerar) que, alegadamente, pudessem estar ao seu alcance.
XIV. Na verdade, tanto o Autor como a co-Ré seguradora alegam que a Recorrente violou as regras de segurança quanto à máquina em apreço, sem identificar e enumerar quais as medidas de segurança que deveriam, de facto e no caso concreto, ter sido respeitadas e aplicadas.
XV. Autor e co-Ré limitaram-se a referir características e mecanismos de segurança que máquinas atuais possuem e que, pelas razões já explicitadas, não fazem parte da construção original da máquina em apreço.
XVI. A verdade é que ficou demonstrado que era pelo Autor sabido que a máquina em apreço poderia realizar um segundo golpe antes de parar definitivamente.
XVII. A paragem da máquina é realizada, conforme ficou demonstrado, pelo manuseamento humano de comandos apelidados de “botoneiras” que fazem com que o seu operador tenha “obrigatoriamente que estar afastado da máquina, máxime, da zona de potencial esmagamento” para as operar.
XVIII. A forma de manuseamento da máquina, respetivas características e “manhas” eram, portanto, do pleno e empírico conhecimento do Autor.
XIX. Quanto à alegada violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora, nos autos apenas ficou demonstrado que as medidas de segurança enumeradas nos pontos 12 a 20 dos factos assentes não estariam a ser cumpridas na data do acidente.
XX. Porém, que não ficou demonstrado que o funcionamento da máquina causasse qualquer situação concreta de perigo para quem a operasse.
XXI. Nada nos presentes autos indica que a máquina não funcionava corretamente, que funcionava de forma deficiente ou que o seu funcionamento pudesse atentar contra a segurança ou a vida dos trabalhadores que nela operassem.
XXII. Pelo contrário, ficou plenamente demonstrado que, no caso do acidente em apreço nos presentes autos, a máquina executou por completo o seu regular movimento.
XXIII. De facto, determina a douta sentença recorrida que “se demonstrou que a máquina executou por completo o seu regular movimento, antes do autor colocar sua mão, e que o acidente se deveu apenas porque o linguete não cumpriu sua função de travar a prensa e impedir um movimento descontrolado desta.” – sublinhado e negrito nosso.
XXIV. E que “o acidente ocorreu precisamente porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1.º ciclo de rotação, conforme era suposto ter ocorrido” – sublinhado e negrito nosso.
XXV. Ambas as constatações proferidas pelo Tribunal da 1.ª Instância clarificam que o acidente propriamente dito se deveu a um mau funcionamento de uma peça – linguete.
XXVI. Por outro lado, não se identifica na sentença recorrida o necessário nexo de causalidade entre a ausência de medidas de segurança e o acidente ocorrido.
XXVII. O Autor sempre teria de meter a mão na máquina para proceder à retirada da peça, pois tal não é realizado automaticamente pela máquina.
XXVIII. A sentença proferida expressamente refere que “a máquina executou por completo o seu regular movimento”, o que significa que, antes do Autor colocar a sua mão na zona de corte, nenhuma medida de segurança acessória e recentemente aplicada na máquina (caso tal fosse possível) poderia ter tido ou causado qualquer impacto ou efeito no corte realizado pela máquina.
XXIX. A sentença expressamente refere que, após colocar a sua mão, o acidente “se deveu apenas porque o linguete não cumpriu a sua função de travar a prensa e impedir um movimento descontrolado desta”, o que volta a frisar a única e real causa do acidente ocorrido, isto é, um mau funcionamento de uma peça específica – o linguete.
XXX. Na mesma ordem de ideias anteriormente exposta, da própria sentença decorre que nenhuma medida de segurança que pudesse ter sido aplicada, teria o mínimo impacto ou efeito no sentido de evitar o mau funcionamento da peça em questão, o linguete.
XXXI. O Autor sempre teria de colocar a sua mão na zona de extração da peça produzida, após o movimento completo da máquina, o que fez e que igualmente faria no caso de a máquina ter medidas consideradas de segurança tais como sinais de instruções de segurança ou protectores de acesso à zona de perigo.
XXXII. Mesmo tratando-se de uma zona de perigo e mesmo que a mesma estivesse protegida por protectores, o trabalhador sempre teria de aceder àquela parte da máquina com a própria mão por forma a retirar a peça produzida.
XXXIII. Tendo a máquina realizado um segundo movimento de prensa, súbito e inesperado, tal apenas se poderá considerar um acidente.
XXXIV. A noção de acidente de trabalho reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador.
XXXV. Por seu turno, é a própria sentença recorrida que reforça a necessidade de se verificar um justificado nexo de causalidade entre os factos ocorridos e o dano sofrido, para que sobre a entidade patronal possa vir a recair a responsabilidade pelos danos ocorridos.
XXXVI. Conforme determina a própria sentença recorrida, “para que tenha aplicação o citado n.º 1 do art. 18º da Lei n.º 98/2009, com a consequente responsabilidade agravada do empregador pelas consequências do acidente de trabalho, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é também necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.” – sublinhado nosso.
XXXVII. Sucede, porém, que nenhum dos pressupostos considerados indispensáveis para se verificar a alegada inobservância das regras de segurança no trabalho se encontra preenchido.
XXXVIII. Dos autos ou dos factos dados como assentes não decorre que a entidade empregadora não haja observado ou tenha omitido a prática de normas ou regras de segurança, que, por sua vez, nunca foram sequer alegadas e devidamente discriminadas pelas partes.
XXXIX. Não se verificou a necessária omissão da observância dessas aludidas, mas não discriminadas, regras/normas de segurança e não se encontra alegado ou demonstrado qualquer relação ou nexo de causalidade entre a (inexistente) omissão e o acidente.
XL. Pelo contrário, encontra-se dado como facto assente que o acidente se deu em virtude do mau funcionamento do linguete (facto assente n.º 29).
XLI. O acidente ocorrido não se deu pela ausência dos aludidos protectores, mas antes pela cedência do linguete que não travou a rotação da engrenagem no final do 1.º ciclo de rotação, conforme era suposto ter ocorrido.
XLII. Por outro lado, conforme refere a douta sentença recorrida, “É certo também que esse contacto ocorreu na sequência de um acto voluntário do autor, já que este também poderia ter esperado mais uns segundos até retirar a peça da máquina, podendo assim até concluir-se que não foi a falta de protecção o único facto causal do acidente.” (cfr. pag. 10 da douta sentença recorrida) – sublinhado e negrito nosso.
XLIII. A própria sentença recorrida admite que uma das principais causas do dano é o acto voluntário praticado pelo Autor.
XLIV. Por outro lado, importa frisar que, conforme bem refere a douta sentença recorrida, “cabe ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho, quando a solicite (bem como à seguradora que pretenda ver desonerada a sua responsabilidade infortunística) o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora ou que o mesmo resultou da inobservância por parte desta de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras[…]”(cfr. pag.s 8 e 9 da douta sentença recorrida).
XLV. Tal não foi alegado nem provado.
XLVI. A douta sentença recorrida expressamente define a causa do acidente em apreço como sendo derivada do mau funcionamento do linguete.
XLVII. Da douta sentença recorrida não se extrai em nenhuma ocasião que tenha ficado demonstrado a omissão negligente e consciente por parte da entidade empregadora de determinada e/ou específica medida de segurança que deveria ter sido aplicada e não foi.
XLVIII. Pelo que inexiste motivação para que a decisão seja de atribuir a causa do acidente em apreço à “omissão da obrigação de proteção”.
XLIX. De igual modo, também não decorre dos autos, dos factos assentes, da prova produzida ou da própria sentença que “se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso quer ao volante, quer à cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível com a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente”.
L. A sentença proferida decide, portanto, com base em factos que não constam dos autos.
LI. Em nenhuma altura ficou demonstrado que o acidente poderia ter sido evitado, fosse de que maneira e com a assistência de qualquer mecanismo.
LII. Pelo contrário, dos autos consta expressamente que o acidente se deveu principalmente devido à falha ocorrida com o linguete, sendo, por isso, imprevisível.
LIII. Por outro lado, a própria sentença atribui, ainda que parcialmente, culpa, por negligência, ao Autor.
LIV. Importa para a decisão da causa ter em conta os factos dados como provados nos pontos 27 e 28 dos Factos Assentes, nomeadamente que o Autor conhecia o modo de funcionamento da máquina, o possível mau funcionamento do linguete e a possibilidade da verificação do segundo movimento.
LV. O Autor era, há mais de um ano, o responsável pelo manuseamento daquela máquina, pelo que tinha a obrigação e a responsabilidade de ter a precaução exigível para a respetiva segurança.
LVI. Não obstante e sem prescindir, a verdade é que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 130º e 608º nº 2 do CPC).
LVII. O tribunal deve examinar toda a matéria de facto disponível e analisar todos os pedidos formulados, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
LVIII. Ora, a verdade é que os factos provados demonstram que o acidente de trabalho em apreço se deveu a uma questão de força maior, independente da intervenção ou influência humana.
LIX. Não ficou provado que o mau funcionamento do linguete tenha sido causado pelo descuido, negligência ou omissão de medidas de segurança por parte da entidade empregadora, mas antes por efeito da força física, peso e pressão exercidos pela máquina de prensa em questão.
LX. Pelo contrário, ficou demonstrado que o acidente se deveu ao mau funcionamento dessa peça.
LXI. A acrescer a este facto, ficou também demonstrada a negligência do Autor ao, voluntariamente, precipitar-se na retirada da peça da máquina quando esta ainda poderia realizar um novo movimento de prensa, facto que era do seu conhecimento
LXII. Pelo que se afigura à Recorrente que a prova realizada nos autos demonstra que a resposta aos quesitos 20) e 21) da base instrutória não deveria ter sido a que foi dada na fundamentação de facto.
LXIII. Com efeito, a prova produzida impunha uma decisão diversa, devendo ter sido considerada como parcialmente provada a questão constante dos pontos 20) e 21) da base instrutória uma vez que ficou demonstrado que o Autor deveria ter aguardado mais uns segundos até aceder à zona de extração da peça, evitando um segundo golpe da máquina, movimento esse cuja possibilidade de ocorrência era do conhecimento do Autor.
LXIV. Nesta conformidade, entende o Recorrente que os quesitos 20.º e 21.º da base instrutória deviam ter sido considerados provados, ainda que parcialmente, devendo constar dos Factos Assentes na Fundamentação de Facto, com a seguinte redação: - “O infeliz acidente dos autos ocorreu porque o Autor não cuidou de aguardar mais uns segundos até retirar a peça da máquina.” e “A verdade é que o Autor colocou a mão sob a parte superior da máquina – que é a que faz um movimento “de prensa” e de “cima para baixo” – sem aguardar que a máquina parasse o seu movimento completo e desse o possível segundo golpe, não sendo a falta de proteção o único facto causal do acidente”.
LXV. A douta sentença recorrida não determina quais as medidas de segurança cuja omissão poderiam diretamente ter sido a causa do acidente e que, consequentemente, poderiam ter sido consideradas violadas pela Ré.
LXVI. A douta sentença recorrida não estabelece o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano sofrido.
LXVII. Por fim, é sugerida uma hipótese que poderia eventualmente resultar no impedimento do acidente sem que a mesma tenha qualquer suporte factual nos autos.
LXVIII. O tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos contando que não altere a causa de pedir, só podendo servir-se dos factos articulados pelas partes.
LXIX. Face aos factos dados como assentes na fundamentação de facto, a decisão a proferir teria de considerar a descaracterização do acidente nos termos do disposto no artigo 14.º do da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, absolvendo-se a Ré aqui Recorrente do pedido contra si formulado.
LXX. Face à inexistência de suporte legal e factual para a decisão proferida, afigura-se assim ao Recorrente que a aliás douta decisão recorrida ao desconsiderar todo o processado anterior, violou o disposto no n.º 1 do artigo 16.º do DL n.º 50/2005 de 25/2, o n.º 1 do artigo 14.º e o artigo 18.º, ambos da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, pelo que deve ser revogada.
LXXI. Nesta conformidade, entende o Recorrente que sempre deveria a Ré ter sido absolvida do pedido formulado pelo Autor, por se considerarem preenchidos os requisitos para a descaracterização do acidente nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009 de 04/09.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida e, em conformidade, ser julgada improcedente a presente ação com a consequente absolvição da Ré/ Recorrente do pedido contra si formulado.
I.4 A recorrida seguradora apresentou contra-alegações, concluindo-as nos termos seguintes:
1.ª – A decisão judicial sob recurso procedeu a uma correcta e ponderada aplicação do direito aos factos provados e é, s.m.o., imerecedora de qualquer censura. Donde, afigura-se que a pretensão recursiva da recorrente deverá improceder.
2.ª - Na verdade, entendemos que a convicção formada pela Exma. Juiz “a quo”, no que a este particular diz respeito, foi prudente e ponderada, pelo que o recurso oferecido pela Recorrente tem de ser julgado improcedente.
Conclui pugnando improcedência do recurso.
I.5 O Recorrido apresentou contra-alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes:
1 - A recorrente alega que dos autos ou dos factos dados como assentes não decorre que a entidade empregadora não haja observado ou tenha omitido a prática de normas ou regras de segurança, que, por sua vez, nunca foram sequer alegadas e devidamente discriminadas pelas partes e não se verificou a necessária omissão da observância dessas aludidas, mas não discriminadas, regras/normas de segurança e não se encontra alegado ou demonstrado qualquer relação ou nexo de causalidade entre a (inexistente) omissão e o acidente.
Ora, a recorrente, quanto à, alegada, utilização indevida e ilegal pela Mª Juiz «a quo» de factos não alegados nem constantes dos autos, não identifica nem especifica quais são esses factos.
Aliás, nunca o poderia fazer, porquanto a Mª Juiz «a quo» se limitou a dar como provados os factos constantes da matéria de facto assente e da base instrutória, a qual não foi objecto de reclamação.
2 – Ao contrário do alegado pela recorrente a M.º Juiz «a quo» na douta sentença identifica e enumera nos art.º 12 a 19 dos factos provados que no momento do acidente o referido equipamento de trabalho «Balancé» não possuía protecção colectiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis, que referido equipamento de trabalho não dispunha de qualquer protecção a limitar o acesso à zona operativa, que a referida máquina permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça, que a ferramenta/cabeçote/punção está desprotegida e acessível a qualquer operador e por último e o mais importante que na referida máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.
Face aos factos provados supra referidos é manifesto que a douta sentença identificou e enumerou as medidas de segurança que deveriam ter sido respeitadas e adoptadas pela recorrente e que se o tivesse feito o acidente de trabalho sub judicie não teria ocorrido.
3 – Além disso, embora se tenha provado que o Autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer um outro imediatamente a seguir, não se alegou nem se provou que a recorrente lhe determinou ou impôs a obrigação de esperar o decurso de um concreto período de tempo e muito menos qual seria o período de tempo razoável que teria de decorrer entre o final do movimento da prensa e a retirada da peça do molde.
Igualmente se percebe a conduta do Autor, porquanto não lhe é exigível que tenha de prever o mau funcionamento do linguete da referida máquina «balancé».
Assim, verifica-se que o acidente de trabalho sub judicie não foi dolosamente provocado pelo A. nem proveio de acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
Também não se demonstra que o acidente de trabalho proveio exclusivamente de negligência grosseira do A., pois apurou-se que o acidente de trabalho sub judicie e as suas consequências não teriam ocorrido se a referida máquina estivesse munida de um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado que impedisse o acesso às zonas perigosas ou de dispositivo que interrompesse o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
Assim, se a referida máquina fosse dotada do exigível protector de acesso quer ao volante quer à cambota ou corrediça o acesso por parte do Autor à zona operativa só seria possível com a máquina parada e assim não teria ocorrido o acidente.
Pelo exposto, entendemos, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o recurso deve improceder.
4. O artigo 640.º do CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a). Os ónus contidos no artigo 640.º n.º 1 e 2, têm por fim tornar inteligível a impugnação e facilitar o entendimento da perspectiva do recorrente à contra-parte e ao Tribunal ad quem.
No recurso, a Recorrente Entidade Empregadora não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, por referência à matéria da base instrutória.
Ora, é em face dos pontos indicados que cumpre ponderar a prova produzida.
Temos que o recorrente não indicou a matéria a seu ver mal apreciada por referência à base instrutória, ficando-se pelas respostas.
Face ao exposto, julgamos bem decidida a causa e justa a medida da decisão expressa na douta Sentença, aderindo-se-lhe inteiramente.
Conclui pedindo que o recurso seja julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
I.6 Sendo o autor patrocinado pelo Ministério Público não houve lugar ao parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT.
I.7 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação, organizadas segundo a ordem de apreciação lógica, consistem em saber o seguinte:
i) Se o Tribunal a quo errou o julgamento na apreciação de prova e fixação da matéria de facto quanto aos factos controvertidos 20.º e 21.º [Conclusão LXIV].
ii) Se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao ter concluído estarem verificados os pressupostos da responsabilidade agravada da entidade empregadora a que aludem os arts. 18º, nº 1 e 79º, nº 3 da Lei nº 98/2008, com a consequente condenação desta [Conclusões LXIX e LXX.].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo consiste no que se passa a transcrever:
1. Em 3/09/2013 o autor foi admitido ao serviço da 2ª Ré «D..., SA» para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Operador de Tratamento de materiais Grau 10.
2. No dia 26/2/2014, pelas 8H30, quando o A. se encontrava no exercício das suas funções, dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da 2ª Ré, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «Balancé», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.
3. Do acidente supra descrito resultou traumatismo da mão direita, com amputação do 2º, 3º e 4º dedo.
4. À data do acidente o autor auferia uma retribuição anual de €8.100,40 (retribuição base 506,00 x 14 meses + alimentação em espécie com o valor de €4,20 x 22 dias x 11 meses).
5. A 2ª Ré Entidade Empregadora tinha a sua responsabilidade transferida para a 1.ª Ré através da apólice n.º ......., pelo salário anual de € 7.084,00.
6. Na tentativa de conciliação realizada em 9/03/2016 as Rés reconheceram o acidente supra descrito como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões descritas no auto de exame médico do INML e o acidente, a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho através da apólice n.º ......., pelo vencimento anual de € 7.084,00.
7. A Ré seguradora aceita o resultado do exame médico do INML que atribuiu a IPP de 37,5% com a bonificação de 1,5 e o período de ITA de 27/02/14 a 8/01/2015, Contudo não aceita a responsabilidade pela reparação do acidente por entender que o mesmo se ficou a dever à inobservância das regras de segurança por parte da 2ª Ré entidade patronal que permitia que o sinistrado laborasse numa máquina sem que estivessem reunidos os requisitos mínimos de segurança e a 2º Ré entidade empregadora aceitou o vencimento reclamado pelo A. contudo não aceita o resultado a IPP atribuída e os períodos e graus de IT’s atribuídos pelo INML, não aceitando, igualmente, responsabilizar-se pela reparação do acidente de trabalho supra descrito, uma vez que entende que o sinistrado teve culpa na produção do acidente.
8. O autor recebeu da seguradora a título de indemnização por IT’s a quantia de €5.144,87.
9. O Autor nasceu no dia 17-08-1957.
10. Como consequência do sinistro, o autor apresenta as seguintes sequelas:
- Membro superior direito: cicatriz cirúrgica, na face palmar, em forma de «U», com cerca de 10 cm, estendendo-se até ao dorso da mão 8 cm na região do terceiro metacarpo;
- amputação total do 2º, 3º e 4º dedo, com reconstrução parcial da falange proximal do 2º dedo às custas de enxerto ósseo (observando-se perda de volume no locla do 3º/4º dedo meta);
- rigidez das articulações metacarpofalângicas e interfalângicas distais do 5º dedo.
11. O Autor esteve com uma I.T.A. de 27/02/2014 a 8/02/2015.
12. No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «Balancé» não possuía protecção colectiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis.
13. O referido equipamento de trabalho não dispunha de qualquer protecção a limitar o acesso à zona operativa.
14. A referida máquina permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça.
15. A ferramenta/cabeçote/punção está desprotegida e acessível a qualquer operador.
16. O referido equipamento de trabalho dispõe de um dispositivo de comando bimanual (funcionamento síncrono simultâneo e contínuo).
17. Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe.
18. Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante.
19. Na referida máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.
20. Na referida máquina existem aberturas no quadro eléctrico permitindo a entrada de poeiras e outras partículas.
21. No momento do acidente a máquina não se encontrava identificada, nem possuía placa identificativa.
22. E não possuía Certificado CE.
23. A máquina possuía um quadro com botões, comandos e sinalizadores, sem qualquer identificação, relativamente à função que desempenham.
24. Nas instalações da Ré – EE inexistiam de instruções de segurança para prevenção dos riscos a que se está exposto durante o trabalho com máquina, bem como procedimentos de trabalho seguros.
25. O movimento de descida do cabeçote/punção realiza-se em poucos segundos.
26. Para operar a referida máquina o operador tem que utilizar, simultaneamente, as duas mãos para “dar ordens” à máquina, o que faz através das “botoneiras” (que estão colocadas em ambos os lados da máquina), e faz com que tenha, obrigatoriamente, que estar afastado da máquina, maxime, da zona de potencial esmagamento.
27. O autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer um outro imediatamente a seguir.
28. Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio autor, que fazia a mesma operação, tal e qual, consecutivamente, há mais de um ano.
29. O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina.
30. Na sequência das sequelas de que sofre, o autor ficou a padecer de uma IPP de 37,5% com IPATH.
31. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 8/2/2015.
*
De resto não se provaram outros factos alegados com relevo para a decisão, nomeadamente, os factos constantes dos quesitos 3º, 17º, 20º e 21º.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente sustenta que “a prova realizada nos autos demonstra que a resposta aos quesitos 20) e 21) da base instrutória não deveria ter sido a que foi dada na fundamentação de facto” [conclusão LXII], impondo uma decisão diversa, “devendo ter sido considerada como parcialmente provada a questão constante dos pontos 20) e 21) da base instrutória” [Conclusão LXIII], devendo constar dos Factos Assentes na Fundamentação de Facto, com a seguinte redação [Conclusão LXIV]:
- “O infeliz acidente dos autos ocorreu porque o Autor não cuidou de aguardar mais uns segundos até retirar a peça da máquina.
-“A verdade é que o Autor colocou a mão sob a parte superior da máquina – que é a que faz um movimento “de prensa” e de “cima para baixo” – sem aguardar que a máquina parasse o seu movimento completo e desse o possível segundo golpe, não sendo a falta de proteção o único facto causal do acidente”.
Pretendendo a recorrente ver alterada a matéria de facto, a primeira questão que se coloca é a de saber se a impugnação sobre a decisão que fixou a matéria de facto cumpre os requisitos impostos pela lei processual para ser apreciada.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
No caso, nas conclusões constam mencionados os factos impugnados – 20 e 21 da base instrutória - e as respostas alternativas.
Contudo, diversamente, já não consta das conclusões nem tão pouco das alegações quais os meios de prova em que se sustenta a recorrente para defender a pretendida alteração das respostas àqueles factos controvertidos.
Conclui-se, pois, que a recorrente não observou os necessários ónus de impugnação, obstando tal à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Conforme se constata pela leitura das conclusões, o percurso argumentativo da recorrente não prima pela clareza. Com efeito, há uma repetição dos fundamentos com base nos quais se pretende impugnar a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos. Mostra-se, pois, aconselhável começar por os identificar, resultando serem os seguintes:
i) A máquina com cuja utilização ocorreu o acidente data dos anos 1970 e anteriores, não é originalmente munida de medidas de proteção que atualmente são obrigatórias e comumente aceites como indispensáveis, mas pode ser utilizada por respeitar as medidas de protecção que nessa época eram exigíveis, não tendo ficado demonstrado que não estivesse em condições de operar, nem que seria possível implementar as atuais medidas de segurança numa máquina tão antiga.
ii) Não se identifica na sentença recorrida o necessário nexo de causalidade entre a ausência de medidas de segurança e o acidente ocorrido.
iii) Mesmo tratando-se de uma zona de perigo e mesmo que a mesma estivesse protegida por protectores, o trabalhador sempre teria de aceder àquela parte da máquina com a própria mão por forma a retirar a peça produzida.
iv) Estando assente que o acidente se deu em virtude do mau funcionamento do linguete (facto assente n.º 29), o mesmo não se deu pela ausência dos aludidos protectores.
v) Não decorre dos factos assentes que “se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso quer ao volante, quer à cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível com a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente”; a sentença proferida decide, portanto, com base em factos que não constam dos autos.
vi) Os factos provados demonstram que o acidente de trabalho em apreço se deveu a uma questão de força maior, independente da intervenção ou influência humana, por mau funcionamento do linguete.
vii) A acrescer a este facto, ficou também demonstrada a negligência do Autor ao, voluntariamente, precipitar-se na retirada da peça da máquina quando esta ainda poderia realizar um novo movimento de prensa, facto que era do seu conhecimento; o Autor conhecia o possível mau funcionamento do linguete e a possibilidade da verificação do segundo movimento.
viii) Face aos factos dados como assentes na fundamentação de facto, a decisão a proferir teria de considerar a descaracterização do acidente nos termos do disposto no artigo 14.º do da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, absolvendo-se a Ré aqui Recorrente do pedido contra si formulado.
II.3.1 Na fundamentação da sentença recorrida, nomeadamente na parte sujeita crítica, consta o seguinte:
-«(..)
No entanto, para que tenha aplicação o citado n.º 1 do art. 18º da Lei n.º 98/2009, com a consequente responsabilidade agravada do empregador pelas consequências do acidente de trabalho, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é também necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
Conforme se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 23/3/2015 (processo n.º 773/125.8TTMTS.P1, in www.dgsi.pt), para a verificação de inobservância das regras sobre segurança no trabalho é necessário “a existência cumulativa dos seguintes pressupostos:
(….)
Da audiência de julgamento resultou provado que o acidente ocorreu quando o autor operava com uma máquina de prensa designada Balancé (utilizada para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição) e, quando retirava uma peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.
O acidente ocorreu precisamente porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, conforme era suposto ter ocorrido Provou-se também que o referido equipamento de trabalho dispõe de um dispositivo de comando bimanual (funcionamento síncrono simultâneo e contínuo). Devido ao tipo de accionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe.
Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante.
É ainda certo que nesta máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.
De acordo com o disposto no art. 16º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/2 (diploma relativo às Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde para a Utilização pelos Trabalhadores de Equipamentos de Trabalho) “os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”.
E foi precisamente esta omissão da obrigação de protecção que causou o acidente: porque a prensa era acessível em pleno funcionamento da máquina, sendo certo que não seria inédito um mau funcionamento do linguete (cfr. ponto 27. dos factos) e ainda que o movimento de descida do cabeçote/punção se realiza em poucos segundos.
Na verdade, se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso quer ao volante quer à cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível com a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente.
É certo também que esse contacto ocorreu na sequência de um acto voluntário do autor, já que este também poderia ter esperado mais uns segundos até retirar a peça da máquina, podendo assim até concluir-se que não foi a falta de protecção o único facto causal do acidente. No entanto, como supra se referiu, para a verificação da previsão legal contida no art. 18º, n.º 1 (segunda parte) da Lei n.º 98/2009), não é necessário que essa falta de observância de regras de segurança seja causa exclusiva na produção ou verificação do acidente.
Deste modo, sendo de concluir que o acidente resultou de falta de observação, por parte da entidade patronal das regras sobre segurança no trabalho, é de concluir pela responsabilidade desta na reparação dos danos emergentes do presente acidente de trabalho.
(..)
Na contestação que deduziu, e como supra já se disse, defendeu a entidade patronal a descaracterização do presente acidente já que entende que este ocorreu por violação das condições de segurança no trabalho por parte do autor, ao não esperar que a máquina parasse por completo seu movimento.
Vejamos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 14º da Lei n.º 98/2009, e para o que os autos interessa, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
Dispõe o n.º 2 deste mesmo artigo “para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.
Por sua vez, o n.º 3 estipula que “entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
A causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 14º (já que é certo não estar em causa qualquer conduta dolosa do autor) exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.
Resulta do exposto que a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.
Como salienta Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), ainda que a propósito da LAT – Lei n.º 100/97 – mas com inteira aplicação à actual legislação, neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (…) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»
Por outro lado, é ainda de exigir que estejam em causa condições de segurança que se conexionem com o risco decorrente da actividade profissional exercida, ou seja, aquelas que estão, directa ou indirectamente, ligadas com a própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua actividade laboral.
Ora, da audiência de julgamento apenas resultou provado que o autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete podia fazer outro movimento imediatamente a seguir. No entanto, tal é insuficiente para imputar a ocorrência do acidente em exclusivo a uma actuação do autor, até porque não resulta dos autos que existissem quaisquer normas ou condições de segurança estabelecidas pelo empregador (já que nem resulta dos autos o cumprimento pela empregadora da obrigação contida no art. 8º, n.º 1, do dl 50/2005), sendo certo que também nenhuma norma legal foi violada pelo autor.
Nestes termos, não ocorrendo a descaracterização do acidente, mantém-se a responsabilidade agravada da empregadora, sendo certo que a ré seguradora continua a responder nos termos decorrentes do contrato de seguro celebrado com aquela, sem prejuízo do direito de regresso que lhe atribui o art. 79º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009».
A fundamentação transcrita é clara, suficiente e, a nosso ver, faz a correcta aplicação do direito aos factos, merecendo a nossa inteira concordância.
Em contraponto, não é despiciendo assinalar que, em bom rigor, a recorrente não opõe àquela fundamentação novos argumentos jurídicos, antes reiterando, no essencial, os que invocou nos seus articulados e foram apreciados pelo tribunal a quo. Mas não só, pois como adiante veremos, verifica-se também que a recorrente faz afirmações que não têm apoio no elenco dos factos provados e que vão para além do que alegou na contestação.
Como já se percebeu, significa isto que a argumentação da recorrente não merece atendimento. Não obstante, procurando não repetir a fundamentação do tribunal a quo, cabe-nos justificar estas afirmações.
II.3.2 O artigo 18.º da Lei 98/2009, com a epígrafe “Actuação culposa do empregador”, no seu n.º1, dispõe o seguinte:
-“Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Na Lei n.º 100/97, correspondia-lhe precisamente o n.º1 do art.º18.º, cujo teor é o seguinte:
- “Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
(..).”
Como se vê, as inovações introduzidas pelo actual n.º1 do art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, limitam-se à inclusão da “entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra”, na previsão da norma.
Por conseguinte, tem aqui inteira validade a jurisprudência, uniforme e pacífica, produzida a propósito da norma no âmbito da Lei 100/97, sustentando, como melhor se explica no Acórdão do STJ de 28-11-2012, o seguinte:
«(..) a violação por parte da entidade empregadora ou do seu representante das mencionadas regras passou a constituir um caso de culpa efectiva e não um caso de culpa meramente presumida, como sucedia no regime anterior.
E compreende-se que assim seja, uma vez que a culpa, na sua forma de mera culpa ou negligência, se traduz na omissão da diligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teria observado, em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar o facto antijurídico que provocou o dano (art. 487.º, n.º 2, do C.C).»
Assim, para efeito de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, para responsabilizar esta, de forma agravada, pelas consequências do acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
Na verdade, como é jurisprudência pacífica, o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem dela tirar proveito, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil [Cfr. Processo n.º 181/07.2TUFIG.C1.S1, PINTO HESPANHOL; e, no mesmo sentido, ainda os Acórdãos do STJ seguintes: 21-06-2007, Proc.º 07S534, Bravo Serra; 19-12-2007, Proc.º 07S3381, Bravo Serra; 3-06-2009, Proc.º 1321/05.1TBRAGH, Bravo Serra; 01-07-2009, Proc.º 823/06.7TTAVR.C1.S1, Mário Pereira; 14-04-2010, Proc.º 35/05.7TBSRQ.L1.S1, Pinto Hespanhol; 11.11.2010, Proc.º 3411/06.4TTLSB.L1.S1, Sousa Grandão; e, 09-11-2010, Proc.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, Mário Pereira; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jst].
Sendo certo que subscrevemos este entendimento global, o conjunto de linhas orientadoras que dele resulta estará necessariamente presente na apreciação que se segue.
O art.º 281.º do CT 2009, estabelece, como a própria epígrafe imediatamente elucida, “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho”, dele resultando, no que aqui agora releva, que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança (n.º1), recaindo sobre o empregador o dever de assegurar aquelas condições em todos os aspectos relacionados com o trabalho, “aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção” [n.º2], para o efeito devendo “mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação (..)” [n.º3].
A Lei-Quadro de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho - Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro -, conforme estabelece o seu artigo 1.º, “(..) regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção [n.º1].
Nos termos do disposto no art.º 3.º n.º1, a referida Lei aplica-se ao sector cooperativo e social [al.a)]; ao trabalhador por conta de outrem e respectivo empregador, incluindo as pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos [al. b)]; e, ao trabalhador independente [al.c)].
O artigo 5.º estabelece os “Princípios gerais”, dispondo o n.º1 que “O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida”.
No que concerne às obrigações gerais do empregador, em matéria de segurança e saúde no trabalho, consta do artigo 15.º, para além do mais, o seguinte:
[Artigo 15.º Obrigações gerais do empregador]
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) (..)
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) (..)
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.
5 – (…)
6 – (..)
7 – (..)
8 – (..)
9 – (..)
10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das atividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de proteção que se torne necessário utilizar.
11 – (..)
12 – (..)
13 –(..)
14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil
Mas como se sabe, para além destes princípios gerais, existe depois uma multiplicidade de legislação avulsa, regulando matérias de segurança e saúde no trabalho, nuns casos com um âmbito de aplicação geral, noutros atendendo à especificidade da actividade da empregadora, ou então dos trabalhos a realizar, ou ainda atendendo ao tipo de riscos para segurança e saúde no trabalho.
No caso, conforme mencionado na sentença recorrida, releva o Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, diploma que dita as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Cabendo começar por assinalar que, nos termos do artigo 2.º, para efeitos do diploma, entende-se por [alínea a)] «”Equipamento de trabalho” qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho» e, [alínea b)] por «”Utilização de um equipamento de trabalho”» qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza”.
Nos artigos seguintes encontram-se um conjunto de regras gerais dirigidas ao empregador, visando assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho. Assim, no que aqui releva, importa reter as seguintes:
- nos termos do artigo 3.º o empregador deve: [a)] Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; [b)] Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
- O artigo 4.º, regulando os requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho, impõe que [1] Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º ; e, [2] Os equipamentos de trabalho colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores na empresa ou estabelecimento devem satisfazer os requisitos de segurança e saúde previstos em legislação específica sobre concepção, fabrico e comercialização dos mesmos.
- Do artigo 8.º, resulta que [1] O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
Sobre os requisitos mínimos aplicáveis aos instrumentos de trabalho, começa o artigo 10.º por estabelecer que “Os requisitos mínimos previstos no presente capítulo são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado”.
De entre os vários princípios depois enunciados nas normas seguintes, com relevância para o caso destacam-se os seguintes:
- (art.º 11.º/5)”Os sistemas de comando devem ser seguros e escolhidos tendo em conta as falhas, perturbações e limitações previsíveis na utilização para que foram projectados”.
- (art.º 12.º/1) “ Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma acção voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam:
a) Ser postos em funcionamento;
b) Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;
c) Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão.
-(art.º 13.º /1) ” O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.
- (art.º 16.º/1]”Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”.
Revertendo ao caso, atentemos nos factos relevantes que resultam da matéria provada. Conferindo-lhe a ordem que se nos afigura mais lógica, são os seguintes:
[2] No dia 26/2/2014, pelas 8H30, quando o A. se encontrava no exercício das suas funções, dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da 2ª Ré, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «Balancé», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.
[12] No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «Balancé» não possuía protecção colectiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis.
[13] O referido equipamento de trabalho não dispunha de qualquer protecção a limitar o acesso à zona operativa.
[14] A referida máquina permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça.
[15] A ferramenta/cabeçote/punção está desprotegida e acessível a qualquer operador.
[16] O referido equipamento de trabalho dispõe de um dispositivo de comando bimanual (funcionamento síncrono simultâneo e contínuo).
[17] Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe.
[18] Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante.
[19] Na referida máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.
[21] No momento do acidente a máquina não se encontrava identificada, nem possuía placa identificativa.
[22] E não possuía Certificado CE.
[23] A máquina possuía um quadro com botões, comandos e sinalizadores, sem qualquer identificação, relativamente à função que desempenham.
[24] Nas instalações da Ré – EE inexistiam de instruções de segurança para prevenção dos riscos a que se está exposto durante o trabalho com máquina, bem como procedimentos de trabalho seguros.
[25] O movimento de descida do cabeçote/punção realiza-se em poucos segundos.
[26] Para operar a referida máquina o operador tem que utilizar, simultaneamente, as duas mãos para “dar ordens” à máquina, o que faz através das “botoneiras” (que estão colocadas em ambos os lados da máquina), e faz com que tenha, obrigatoriamente, que estar afastado da máquina, maxime, da zona de potencial esmagamento.
[29] O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina.
Atentemos agora nos argumentos da recorrente.
Não existe qualquer facto provado de onde se possa retirar, como vem a Ré alegar em sede de recurso, que a máquina em causa “data dos anos 1970 e anteriores”, bem assim que “não é originalmente munida de medidas de proteção que atualmente são obrigatórias “. Na verdade nem se sabe sequer qual a origem da máquina, isto é, se foi adquirida pela Ré quando e em que estado, ou se foi desenvolvida pela Ré, quer originariamente quer a partir da adaptação de alguma máquina para aquela função. Apenas é certo que a máquina nem tem qualquer identificação nem estava certificada (factos 21 e 22).
Mas ainda que se tratasse de máquina que originariamente não estivesse dotada de meios de segurança actuais e adequados a evitar o acidente, tal não significa que pudesse continuar a ser utilizada. Admitir essa hipótese seria fazer tábua rasa de todos os princípios sobre segurança no trabalho, designadamente os que decorrem das normas referidas acima, que foram implementados e são de observância obrigatória.
Veja-se que o Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, impõe ao empregador o dever de [art.º 3.º/a)e b)] “Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; [b)] Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização. E, no que respeita aos requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho, impõe que [artº 4.º/ 1] “Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º”.
Por conseguinte, se a máquina não dispunha dos sistemas de segurança necessários para evitar a ocorrência de acidentes como o ocorrido, cabia ao empregador proceder às alterações necessárias ou, se tal não fosse possível – como veio alegar, mas sem que também tal resulte dos factos provados alteração – à substituição da máquina.
Esses deveres decorrem das normas do DL 50/2005 e são claramente reafirmados e impostos pelo art.º 281.º do CT 2009, e pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, nomeadamente no artigo 15.º acima transcrito.
A lei é clara ao impor ao empregador o dever de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho”, devendo o “zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhado”, de modo a “Evitar os riscos”, a “Planificar a prevenção(..)”, a identificar os “riscos previsíveis em todas as atividades da empresa,(..) assim como na seleção de equipamentos” e a “ Combate(r) os riscos na origem (..)”. Impondo-lhe, ainda, o dever de “Adaptação ao estado de evolução da técnica (..)” e a “ Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso”.
Nenhuma norma legal excepciona a aplicação desses deveres atendendo à antiguidade de equipamentos. Por tudo isso, não tem qualquer cabimento pretender-se que a máquina podia continuar a ser utilizada, pese embora não tivesse os meios de protecção adequados a eliminar as caraterísticas potencialmente perigosas que apresenta, a pretexto que é antiga e cumpria as exigências de então e que não é possível a sua alteração (seja isso verdade ou não). Melhor explicando, não é admissível que a Ré sujeitasse o trabalhador autor – ou qualquer outro trabalhador – a operar uma máquina que [17] “Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe” e que [18]” Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante”, levando a que o acidente tivesse ocorrido, [29] “(..)porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina”.
Mais, é descabido vir a Ré defender que tendo o acidente ocorrido em virtude do mau funcionamento do linguete, que o mesmo não se deu pela ausência dos aludidos protectores.
Em primeiro lugar, como cremos ser do mais elementar bom senso, sabendo-se que a máquina dá “golpes” quer quando se liga o motor quer após a paragem, a entidade empregadora deveria tê-la retirado da linha de produção para resolver esse problema – eliminado os “golpes” - ou para proteger o trabalhador que com ela operasse desses golpes, com sistema de protecção que impedisse o acesso à zona perigosa enquanto a máquina não concluísse integralmente o ciclo de rotação da engrenagem; e, se nenhuma dessas soluções fosse viável, então para a substituir por uma nova máquina. Não podia era manter a máquina a operar, transferindo o risco para o trabalhador, confiando na sua perícia, constante capacidade de atenção, pese embora tratar-se de uma tarefa repetitiva - porventura, crendo na sorte de que nada aconteceria-, não obstante o deficiente funcionamento do mecanismo (linguete), a falta de protecção contra esse risco e o potencial risco de acidente que essa realidade manifestamente impunha a quem com ela operasse.
Em palavras cruas, a Ré entidade empregadora privilegiou os seus interesses nos custos de produção em detrimento da observância dos deveres que a lei lhe impõe para assegurar as condições de segurança na execução do trabalho aos trabalhadores, mais concretamente, ao autor.
Prosseguindo, também não tem a Recorrente razão quando defende que a sentença não identifica o nexo de causalidade entre a ausência de medidas de segurança e o acidente ocorrido. Sem necessidade de qualquer explicação, dada a sua clareza, tal resulta do extracto seguinte:
-“E foi precisamente esta omissão da obrigação de protecção que causou o acidente: porque a prensa era acessível em pleno funcionamento da máquina, sendo certo que não seria inédito um mau funcionamento do linguete (cfr. ponto 27. dos factos) e ainda que o movimento de descida do cabeçote/punção se realiza em poucos segundos.
Na verdade, se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso quer ao volante quer à cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível com a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente”.
Aliás, e essa é uma das contradições da argumentação da recorrente, esta compreendeu bem a fundamentação, posto que logo a seguir, reportando-se àquele extrato, vem dizer que a sentença proferida decide com base em factos que não constam dos autos. Não há, pois, dúvida que a recorrente bem compreendeu qual a causa para a ocorrência do acidente apontada pelo tribunal a quo.
Mas, também aqui sem razão. Aquelas afirmações do tribunal a quo são a conclusão lógica retirada dos factos provados indicados na fundamentação da sentença, nomeadamente os qua acima elencámos.
Por último, a recorrente também não tem qualquer razão quando pretende defender que o acidente de trabalho em apreço se deveu a uma questão de “força maior”, independente da intervenção ou influência humana, por mau funcionamento do linguete.
Sem que o afirme expressamente, percebe-se que a recorrente pretende arrimar-se no disposto no artigo 15.º, com a epígrafe “Força maior”, da lei 98/2009, dispondo o seguinte:
[1] O empregador não tem de reparar o acidente que provier de motivo de força maior.
[2] Só se considera motivo de força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis da natureza, independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado pelo empregador em condições de perigo evidente.
Mas sem qualquer razão e, diga-se até, numa invocação despropositada. Basta ver que face à noção dada pelo do n.º2, do artigo, só se considera “motivo de força maior” uma ocorrência factual que seja devida “a forças inevitáveis da natureza”, isto é, uma calamidade natural, por exemplo, uma inundação provocada por uma tempestade, a queda de um raio durante uma trovoada, etc.. O mau funcionamento do linguete não é manifestamente um “motivo de força maior” enquadrável naquela noção.
Em suma, os factos são reveladores da falta de diligência da recorrente entidade empregadora, mantendo a operar uma máquina cujo funcionamento implicava riscos evidentes de segurança, bem os conhecendo, sem os prevenir.
Por definição, qualquer “acidente” é um evento imprevisto e indesejável. No domínio dos acidentes de trabalho, entende-se como tal um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho.É uma noção elementar do senso comum que não basta o cuidado para evitar a ocorrência de acidentes, não escapando a essa regra os acidentes de trabalho. Aliás, é consabido que determinadas actividades laborais são potencialmente atreitas à ocorrência de acidentes de trabalho, nelas de incluindo todas as que envolvem operações com máquinas.
Justamente por isso, conforme deixámos elucidado, nos artigos art.º 281.º e 282.º do CT/09, o legislador consagra um amplo leque de princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho, fazendo recair sobre o empregador um vasto conjunto de deveres de actuação preventiva para assegurar que os trabalhadores prestem a sua actividade com condições de segurança em todos os aspectos relacionados com o trabalho executado, que depois regulamenta na Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e ainda, atendendo a situações específicas, em outros diplomas avulsos, entre os quais se conta o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro.
Os factos evidenciam, diremos mesmo à exuberância, que a Ré não observou os deveres que lhe são impostos por Lei. Nenhuma dúvida se coloca em concluir que a R. actuou com um elevado grau de culpa e que existe o necessário nexo causal entre esta conduta e a produção do sinistro, significando isso que há prova plena dos factos necessários para concluir, como concluiu o Tribunal a quo pela sua responsabilidade agravada.
II.3.3 A conclusão a que se chegou não é posta em causa pelos derradeiros argumentos da recorrente, dizendo que ficou também demonstrada a negligência do Autor ao, voluntariamente, precipitar-se na retirada da peça da máquina quando esta ainda poderia realizar um novo movimento de prensa, facto que era do seu conhecimento, para pugnar pela descaracterização do acidente nos termos do disposto no artigo 14.º do da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
Faz-se notar que a argumentação no plano jurídico é praticamente insuficiente. O recorrente limita-se a alegar que “ficou também demonstrada a negligência do autor ao voluntariamente, precipitar-se na retirada da peça da máquina quando esta ainda poderia realizar um novo movimento de prensa, facto esse que era do seu conhecimento”, para depois concluir, sem mais, genericamente, que “Face aos factos dados como assentes na fundamentação de facto, a decisão a proferir teria de considerar a descaracterização do acidente nos termos do disposto no artigo 14.º do da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, absolvendo-se a Ré aqui Recorrente do pedido contra si formulado” [conclusões LXI e LXIX].
O art.º 2.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro [Regulamenta o regime de reparação de acidente de trabalho e de doenças profissionais] consagra o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos mela previstos.
Segundo o conceito dado pelo n.º1 do art.º 8.º, da mesma lei, “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Casos há, porém, em que apesar de ter ocorrido um acidente de trabalho, a lei exclui o direito à reparação. Para tanto é necessário que se verifique uma causa excludente daquele direito, nos termos previstos taxativamente na lei, que conduz à denominada “Descaraterização do acidente”. Na actual lei ocupa-se desses casos o art.º 14.º, estabelecendo, no que aqui releva, o seguinte:
[1] O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) (..)
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) (..)
[2] (…)
[3] Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Para determinar o sentido e alcance destes normativos, mostra-se pertinente, senão mesmo indispensável, atentar nas correspondentes normas que nos anteriores regimes jurídicos de acidentes de trabalho, nomeadamente, a Lei nº 2127, de 8 de Agosto de 1965, e a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, antecederam as aqui em causa.
Assim, na Lei n.º 2127, a Base VI, com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui interessa, dispunha o seguinte:
[1] Não dá direito a reparação o acidente:
a) (..)
b) Que provier exclusivamente da falta grave e indesculpável da vítima.
A propósito da parte final dessa norma, Cruz de Carvalho, na sua incontornável obra de anotação à Lei n.º 2127, observa que a lei considera “(..) ”indemnizáveis os acidentes resultantes de negligência, imprudência, imprevidência, imperícia, distracção, esquecimento de uma ordem e comportamentos análogos, abrangidos na figura jurídica de culpa em sentido genérico, como a simples e involuntária inobservância daquele diligência que se deveria ter empregado, e que se tivesse sido empregada teria impedido a realização do facto danoso”, defendendo que para aplicação dessa norma “(..) é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma impudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária embora não intencional, e além disso que tal comportamento seja a causa única do acidente, como resulta do advérbio «exclusivamente»; (..)” [Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1983, p. 51].
Releva assinalar, que o Decreto-lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, diploma que regulamentou aquela lei, veio estabelecer no art.º 18.º - reportando-se à Base VI n.º1 al. a) da Lei - o seguinte: ”Não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o acto ou a omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes das profissões”.
Face ao disposto na Base VI da Lei 2127 e no art.º 18.º do respectivo regulamento, era entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, exigir-se um comportamento temerário, que revestisse as características de indesculpabilidade e de inutilidade ou desnecessidade. Para que tal sucedesse, impunha-se o comportamento fosse reprovado por um elementar sentido de prudência, por evidenciar de forma manifesta uma temeridade voluntária, não necessariamente intencional, mas inútil e indesculpável. Para afastar o direito à reparação, não bastava, portanto, um acto de mera negligência ou imprudência, a culpa simples (leve ou levíssima), sendo necessário que a negligência revestisse a natureza de negligência grosseira [nesse sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 1-3-85, Ac. Doutr. n.º 282, p.749; de 24-01-85, BMJ n.º 361, p. 268; de 30-01-87, BMJ n.º 363, p. 378; de 19-06-87, Ac. Doutr. n.º 308/309, p. 1219; de 3-03-88, Ac. Doutr. 322, p. 1297; e de 20-09-88, Ac. Doutr. n.º 324, p. 1594].
Na Lei 100/97, de 13 de Setembro, usualmente designada por LAT, esta matéria constava regulada no art.º 7 [Descaracterização do acidente], com o texto seguinte:
[artigo 7.º ]
1 - Não dá direito a reparação o acidente:
(..)
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
(..)».
Por seu turno, o n.º 2 do art.º 8.º, do DL 143/99 de 30 de Abril, que regulamentou a LAT, veio estabelecer: “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
Confrontando estas disposições com os correspondentes normativos do precedente regime de reparação dos acidentes de trabalho, constata-se que os mesmos não trouxeram qualquer alteração essencial, apenas procurando integrar, com novas redacções, aquele entendimento desenvolvida pela doutrina e pela jurisprudência.
Justamente por isso, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. b), do art.º 7.º da Lei n.º 100/97, aquela linha de entendimento afirmada desde a Lei 2127 manteve-se pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores. Elucidam-no os sumários dos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (disponíveis em www.dgsi.pt), que se passam a transcrever:
i) “I -Para que um acidente de trabalho provenha exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, é necessário: (i) que se verifique uma acentuada e indesculpável falta de cuidados, diligência e zelo, face ao circunstancialismo rodeador da actuação, por tal forma que, num juízo de prognose póstuma, se alcance um juízo segundo o qual um homem já dotado de boa diligência, se estivesse colocado na posição do sinistrado, não teria prosseguido idêntico comportamento; (ii) que o comportamento verificado seja causa adequada e exclusiva do sinistro. [Acórdão de 22-11-2007, Recurso n.º 3659/07, Conselheiro Bravo Serra].
ii) “ II - A negligência grosseira a que alude o art. 7.º, n.º 1, al. b) da LAT/97 e o n.º 2 do art.º 8º do RLAT traduz um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, comportamento esse que só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser assumido, revestindo as características da indesculpabilidade e da inutilidade ou desnecessidade” [Acórdão de 22-04-2009, proc.º 08S1901, Conselheiro Mário Pereira];
ii) “I- Para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado (n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção.
(..)
IV - O ónus da prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o evento danoso, recai, por serem factos impeditivos do direito à reparação, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, sobre a parte demandada” [Ac. de 17-09-2009, proc.º n.º 451/05.4TTABT.S1, Conselheiro Vasques Dinis].
Avançando para a actual Lei 98/2009, sendo certo que as correspondentes disposições acima transcritas acolhem os normativos da Lei 100/97, é seguro afirmar-se que mantêm inteira validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a Lei 2127.
Revertendo ao caso, conforme resulta das conclusões LXI a LXIV, a recorrente sustenta a alegada conduta negligente do autor no pressuposto de ver alterada a resposta à matéria de facto, o que não foi atendido.
Por conseguinte, a este propósito apenas consta provado o seguinte:
27. O autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer um outro imediatamente a seguir.
28. Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio autor, que fazia a mesma operação, tal e qual, consecutivamente, há mais de um ano.
Deve ter-se presente que o ónus de alegação e prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o acidente ocorrido, recaía sobre a ré e recorrente, nos termos das regras gerais sobre a prova, por serem factos impeditivos do direito à reparação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Ora, sendo certo que a impugnação não foi atendida nos termos pretendidos pela recorrente, inexistem factos que sustentem a alegada “precipitação” do autor e eventual actuação negligente e, logo, sem necessidade de mais considerações, soçobra imediatamente também esta linha de argumentação.
Com efeito, atento o elenco dos factos provados nada permite concluir que o acidente se ficou a dever a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento de elevado grau de imprudência do sinistrado do autor.
Conclui-se, assim, que não assiste razão à recorrente, sendo infundada a alegada violação do disposto no art.º 14.º nº 1 al. b) e n.º 3, da Lei 98/2009.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC)

Porto, 11 de Setembro de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares (Vencida conforme declaração junta)
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SUMÁRIO
I. Se a máquina não dispunha dos sistemas de segurança necessários para evitar a ocorrência de acidentes como o ocorrido, cabia ao empregador proceder às alterações necessárias ou, se tal não fosse possível – como veio alegar, mas sem que também tal resulte dos factos provados alteração – à substituição da máquina.
II. Esses deveres decorrem das normas do DL 50/2005 e são claramente reafirmados e impostos pelo art.º 281.º do CT 2009, e pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, nomeadamente no artigo 15.º acima transcrito. A lei é clara ao impor ao empregador o dever de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho”, devendo o “zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhado”, de modo a “Evitar os riscos”, a “Planificar a prevenção(..)”, a identificar os “riscos previsíveis em todas as atividades da empresa,(..) assim como na seleção de equipamentos” e a “ Combate(r) os riscos na origem (..)”. Impondo-lhe, ainda, o dever de “Adaptação ao estado de evolução da técnica (..)” e a “ Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso”.
III. Nenhuma norma legal excepciona a aplicação desses deveres atendendo à antiguidade de equipamentos. Não é admissível que a Ré sujeitasse o trabalhador autor – ou qualquer outro trabalhador – a operar uma máquina que [17] “Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe” e que [18]” Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante”, levando a que o acidente tivesse ocorrido, [29] “(..)porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina”.
IV. Sabendo-se que a máquina dá “golpes” quer quando se liga o motor quer após a paragem, a entidade empregadora deveria tê-la retirado da linha de produção para resolver esse problema – eliminado os “golpes” - ou para proteger o trabalhador que com ela operasse desses golpes, com sistema de protecção que impedisse o acesso à zona perigosa enquanto a máquina não concluísse integralmente o ciclo de rotação da engrenagem; e, se nenhuma dessas soluções fosse viável, então para a substituir por uma nova máquina. Não podia era manter a máquina a operar, transferindo o risco para o trabalhador, confiando na sua perícia, constante capacidade de atenção, pese embora tratar-se de uma tarefa repetitiva - porventura, crendo na sorte de que nada aconteceria-, não obstante o deficiente funcionamento do mecanismo (linguete), a falta de protecção contra esse risco e o potencial risco de acidente que essa realidade manifestamente impunha a quem com ela operasse.
V. Face à noção dada pelo do n.º2, do artigo 15.º da Lei 98/2009, só se considera “motivo de força maior” uma ocorrência factual que seja devida “a forças inevitáveis da natureza”, isto é, uma calamidade natural, por exemplo, uma inundação provocada por uma tempestade, a queda de um raio durante uma trovoada, etc.. O mau funcionamento do linguete não é manifestamente um “motivo de força maior” enquadrável naquela noção.
VI. O ónus de alegação e prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o acidente ocorrido, recaía sobre a ré e recorrente, nos termos das regras gerais sobre a prova, por serem factos impeditivos do direito à reparação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

Jerónimo Freitas
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Vencida pelos seguintes fundamentos:
Tendo a Ré seguradora invocado a violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora cabe àquela o ónus da prova.
Salvo o devido respeito, a matéria de facto provada não permite concluir no sentido de que a empregadora violou uma concreta norma de segurança que estava obrigada a implementar para a tarefa que o sinistrado executava. Na verdade, para além de não se perceber bem o modo como o sinistrado actuava na tarefa que executava, o facto 29 [O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º" ciclo de rotação, quando o Autor retirava a peça da máquina] não permite concluir, conjugado com a demais matéria de facto, que o acidente ocorreu porque, no caso, a empregadora deveria ter implementado um qualquer mecanismo que impedisse a rotação da engrenagem mesmo quando ocorresse a «falha» do linguete.
Com efeito, não basta afirmar-se que inexistia qualquer protecção colectiva de segurança [factos 12 e 13] na medida em que tal matéria é tão só conclusiva. Com efeito, tendo em conta que o sinistrado, no momento em que ocorreu o acidente, estava a retirar a peça da máquina, seria de toda a relevância ter sido alegado e provado qual a protecção colectiva a adoptar no caso e se a sua implementação não impedia o sinistrado de efectuar a tarefa que executava, ou seja, que concreta medida de segurança se impunha e que não foi implementada.
Por outro lado, inexistem factos que permitam concluir pela existência do nexo de causalidade entre a «invocada» violação das regras de segurança e o acidente, posto que tal matéria é matéria de facto e não de direito.
Por fim, cumpre referir que a questão tratada no acórdão - acidente devido a força maior é questão nova que não foi colocada pela apelante no seu articulado.
Em suma: com os fundamentos referidos concluiria não se ter provado a violação de qualquer norma de segurança por parte da empregadora, procedendo o recurso nesta parte.

Fernanda Soares