Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1489/12.0PPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
RELATÓRIO SOCIAL PARA JULGAMENTO
AMBIGUIDADE
Nº do Documento: RP201503251489/12.0PPPRT.P1
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A remissão na sentença para o teor do CRC em vez de ali transcrever o seu conteúdo relevante, integra o vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que pode ser suprido pelo tribunal de recurso.
II - É ambígua a decisão que faz constar dos factos provados a transcrição integral do relatório social, como se de um facto e não de um documento se tratasse, estando por isso sujeita à correcção aproveitando-se como factos provados apenas aqueles que como tal vieram a ser assumidos pela sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 1489/12.0PPPRT.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 25 de março de 2015, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 1489/12.0PPPRT, da Secção Criminal (J7) – Instância Local do Porto, Comarca do Porto, em que é demandante civil B… e é arguido e demandado civil C…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 256]:
«(…) Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo em julgar a acusação procedente e, em consequência condenar o arguido C.., pela prática, em autoria material de 1 crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, cuja execução não se suspende.
Mais se julga parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado, condenando o arguido a pagar à demandante o montante de 650€ (150€ a título de danos patrimoniais e 500€ a título de danos não patrimoniais), acrescido de juros de mora desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento;
(…)»
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 286, vº a 293, vº]:
«(…) 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos presentes autos, que condenou o arguido na pena de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva,
2. Pena essa que o arguido entende revelar-se excessiva e desproporcional, devendo a mesma ser suspensa na sua execução.
3. Constitui ainda entendimento do arguido que se impõe a modificação da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, uma vez que, face à prova produzida, foi este erradamente condenado pelo crime de roubo, devendo o arguido ser condenado apenas pela tentativa de roubo e, em consequência, ser a respetiva pena especialmente atenuada.
4. Em qualquer das soluções, não prescinde o arguido que lhe seja aplicado o regime penal especial para jovens, previsto no D.L. 401/82, de 23 de setembro, uma vez que tinha apenas 19 anos à data da prática dos factos e há sérias razões para acreditar que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do condenado.
5. A isto acresce que o tribunal “a quo”, tendo aplicado a pena de 1 ano e 3 meses de prisão e tendo entendido não ser de suspender a execução daquela pena (o que não se concebe, nem concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona), não ponderou, todavia, a substituição da pena aplicada pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, alínea c) do art. 379.º e 425.º, n.º 4 do CPP.
DA MATÉRIA DE FACTO
PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (al. a) do n.º 3 do art. 412º do C. P. Penal)
6. O considerar-se como provado que “3 – O arguido agiu com o propósito de fazer seu, por meio de violência, do(?) referido fio em ouro, como efetivamente fez relativamente a uma parte do fio apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua legítima dona” – 4.º (quarto) parágrafo da Fundamentação do acórdão (sic., mas sublinhado nosso),
7. Não se ter considerado como provado que o arguido devolveu parte do fio de ouro à queixosa, e
8. Não se ter considerado como provado que parte do fio de ouro foi encontrado no chão.
PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (al. b) do n.º 3 do art. 412º do C. P. Penal)
Declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento
9. O arguido depôs de forma coerente, credível e espontânea relativamente a prática dos factos que lhe são imputados.
10. “O arguido confessou os factos de que foi acusado, refereindo (?) que o fio se partiu tendo ficado com uma parte que devolveu, depois de ter sido capturado. Além disso referiu que esteve com a queixosa à procura da restante parte do fio, tendo-a encontrado e devolvido.” - 3.º (terceiro) parágrafo da página 6 do acórdão (sic., mas sublinhado nosso),
11. O arguido afirmou o seguinte (ata de audiência de discussão e julgamento, gravada em suporte digital):
- minuto 02:36: “É verdade eu ter (…) esgaçado o fio, eram momentos em que eu andava a consumir, infelizmente, andava aqui um bocado perdido, momentos apertados em que não tinha dinheiro e uma pessoa cometia coisas que eram escusadas. Fui eu que puxei o fio. Tudo verdade eu ter puxado o fio e ter roubado o fio sim.”
- minuto 03:30: “Não, não, não, o fio foi entregue, o fio foi entregue, a senhora ficou com o fio, porque quando eu puxei o fio o fio caiu no chão e ficou no chão. Faltou acho que um bocadinho de fio, mas o fio quase completo foi entregue à senhora novamente, simplesmente acho que não se encontrou um bocadinho do fio, porque aquilo era um fio acho que às bolinhas e quando eu puxei aquilo partiu tudo e ficou lá tudo no chão. Onde eles apanharam e ficaram com esse fio, quase todo completo.
- minuto 04:18: “Não, não, não fiquei com o fio, o fio caiu no chão”.
- minuto 06:00: “Eu quando puxei esse fio sei que ele desmantelou-se todo e ficou no chão, agora outros bocados não apanhei nada, ainda andei lá, andamos todos à procura, entretanto eu fiquei com receio e acabei por fugir de lá desse sítio, ficou todo lá”.
- minuto 07:20: “Eu sei porque eu andei lá à procura mais eles à procura do fio e o fio estava quase todo completo quando a gente deu à senhora. Eu fartei-me de pedir desculpas à senhora, que estava muito mal, fiz isto mesmo escusadamente. Depois peguei e fui-me embora porque estava com medo de ir para o posto, estava a ressacar, acabei por fugir para ir tentar matar a porcaria da ressaca, naquele momento estava a ressacar, andava a consumir drogas.”; “Não sei, sei que andei, sei perfeitamente que as pessoas que me apanharam, andei mais elas à procura do fio, e encontramos praticamente o fio quase todo completo, faltava uma miniaturazinha, que não foi encontrada”
- minuto 08:41: “Não, porque é assim, eu quando puxei o fio sei que que ele partiu, caiu no chão, e para uni-lo faltava uma dobra, a gente andamos à procura e não conseguimos encontrar. Mas encontramos esse pedaço desse fio todo praticamente completo e foi-lhe entregue, o que lhe faltava era um…” “Foi entregue por essas pessoas que não sei quem são. “, “Falei com a senhora que estava lá fora, fartei-me de lhe pedir desculpas, não sei como é que tinha feito aquilo, estava mal…” “Tirando essa dobra, o resto ficou com ela”.
Declarações prestadas pela queixosa B…, em audiência de discussão e julgamento

12. A testemunha de acusação, nas suas declarações (ata de audiência de discussão e julgamento, gravada em suporte digital, minuto 01:20) foi inquirida pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público que lhe perguntou o seguinte:
“Ele confessou isso tudo, que isso tinha acontecido, que tinha roubado o fio à senhora, nós só estamos aqui com uma dúvida, eu pelo menos estou, porque ele diz que puxou o fio, que o fio que rebentou e que terá caído ali todo no chão, que não levou nenhum bocado com ele”.
13. Ao que a testemunha, demandante cível, respondeu: “Não acredito, porque a gente andou lá, para aí meia hora, para trás e para a frente, e não se viu o fio. Viu-se um bocado, que eu tenho em casa, o resto não apareceu.”
14. No que interessa, a testemunha demandante cível limitou-se a repetir que ficou com parte do fio e que o resto ninguém viu.
15. Mais esclareceu, ao minuto 05:23: “Até porque ele, eu disse muita vez, ele dizia para eu lhe perdoar e eu disse não perdoo, dá-me o meu fio que eu perdoo-te, até te deixo ir, até te perdoo, mas dá-me o meu fio, e ele nunca deu”
16. Analisados os depoimentos, dúvidas não parecem restar que não foi produzida prova que permita dar como provado que o arguido fez sua parte do fio.
17. Em momento algum o arguido foi visto, por quem quer que fosse, com o pedaço do fio alegadamente em falta na sua posse.
18. O facto de faltar um bocado do fio não prova que o arguido tivesse ficado com ele.
19. Ora, em Setembro, pelas 8:45, a … (em frente ao …) é uma artéria bastante movimentada, sendo plausível e até expectável que um objeto que caia ao chão não seja facilmente encontrado, não só face à extensão da artéria em causa, como à existência de buracos, grelhas de saneamento e proximidade com a estrada, e pelo facto de que qualquer pessoa que fosse a passar pudesse ter pegado num bocado de fio que se encontrasse no chão, sem que a demandante se apercebesse.
20. Relativamente à “maior credibilidade conferida à queixosa”, afirmado, no 2.º § da página 7 do acórdão sob recurso, sempre se dirá que a atuação da queixosa nos presentes autos não se pautou pela seriedade ou pela credibilidade, pois nem quando apresentou a queixa, nem quando formulou o seu pedido de indemnização civil a queixosa informou que havia recuperado parte do fio.
21. Só confrontada com o teor das declarações do arguido, é que a queixosa esclareceu que quando se andava à procura “se viu um bocado de fio”.
22. Assim, entende o arguido que não ficou provada em audiência de discussão e julgamento a apropriação, por parte do arguido, do fio ou de parte dele,
23. Bem como ficou provado que o arguido devolveu uma parte do fio e que outra foi encontrada no chão.
24. Deve passar a constar dos factos provados a devolução, por parte do arguido, de parte do fio, bem como que outra parte foi encontrada no chão,
25. Bem como deverá ficar a constar da matéria de facto não provada que o arguido fez seu o fio ou parte dele.
DO DIREITO
26. Tendo em conta o que se vem de expor, entende o arguido que, corrigida a matéria de facto nos termos pretendidos e expostos supra, aquela integra a prática, pelo arguido, de um crime de roubo, na forma tentada.
27. A jurisprudência e doutrina maioritárias hodiernas, nacionais e internacionais, perfilham o entendimento de que “O crime de roubo, tal como o de furto, consuma-se “quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”. Ou, dito com a doutrina espanhola, consuma-se quando o agente passa a poder dispor da coisa (teoria da disponibilidade).” (sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2009, disponível em www.dgsi.pt).
28. Nos presentes autos, o arguido não chegou a ter domínio de facto da coisa por um período de tempo minimamente estável que lhe permitisse fruir das utilidades da coisa,
29. Motivo pelo qual o arguido deve ser condenado apenas pela tentativa de roubo, devendo a pena ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução.
30. No entanto, caso assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, mas que por dever de patrocínio se admite, sempre se dirá o seguinte:
DA NÃO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
31. Não ficou provada a apropriação, por parte do arguido, do fio ou de parte dele.
32. Ficou provada a devolução, pelo do arguido, de parte do fio.
33. “O arguido confessou os factos de que vem acusado, assumindo um juízo de censura sobre os mesmos, só não tendo havido uma confissão integral e sem reservas por haver uma discordância acerca da recuperação da totalidade ou não do fio (…) o que não belsica (?) minimamente a confissão dos factos e o arrependimento do arguido” (penúltimo parágrafo, in fine, da página 11, do acórdão aqui em crise).
34. O arguido demonstrou arrependimento, não só ao longo do seu depoimento, como também no momento logo a seguir à prática dos factos, tendo pedido muitas vezes perdão e devolvido a parte do fio que tinha consigo.
35. Tendo em conta o que se vem de expor deveria ter-se considerada verificada a circunstância constante da al. c), do n.º 2, do art.º 72.º, do Código Penal e, em consequência, a pena em que foi condenado deveria ser especialmente atenuada (e suspensa na sua execução), o que se alega e invoca, para todos os efeitos legais.
DA NÃO SUSPENSÃO DA PENA
36. Não compreende o arguido que, face às exigências do art.º 50.º do C. Penal, não tenha visto a execução da pena de prisão em que foi condenado, suspensa.
37. O arguido necessita de uma oportunidade e não de prisão, pelo que fará todo o sentido que, dando cumprimento ao art.º 50.º do Código Penal, seja a pena em que o arguido venha a ser condenado suspensa na sua execução.
38. Trata-se de um poder-dever que o tribunal tem sempre de usar, desde que verificados os necessários pressupostos, um que consiste em a pena de prisão não ser superior a 5 anos, e outro que consiste em o tribunal concluir que, face à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
39. O arguido foi condenado numa pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
40. Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão,
41. São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose: a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias do facto punível.
42. O tribunal entendeu que não se pode formular um juízo de prognose favorável, baseando a sua decisão exclusivamente no facto de o arguido ter cometido este crime em pleno período de suspensão da execução de uma pena de prisão a que foi condenado.
43. Entende a defesa que o Tribunal a quo foi “mais papista que o Papa”, e isto porque, o juiz do processo à ordem do qual o arguido havia sido condenado na pena de 8 meses, suspensa na sua execução, quando confrontado com a prática de crimes, pelo arguido, durante o período da suspensão, entendeu que não estava ainda afastada definitivamente a possibilidade de serem alcançados os objetivos que a suspensão da pena aplicada devia alcançar, tendo o prazo da suspensão sido prorrogado por mais um ano, sob condição de o arguido se sujeitar ao acompanhamento a definir pela DGRS, tudo conforme consta do teor do despacho inserto a fls. 270 e ss. dos presentes autos, datado de 11 de maio de 2014.
44. Se excetuarmos a condenação que se vem de referir, no âmbito da qual o arguido tem atualmente a pena de prisão em que foi condenado suspensa com regime de prova, as demais penas (2, nenhuma delas relativas a roubo ou furto) encontram-se extintas pelo cumprimento, o que nos parece ser de valorar.
45. Consta do relatório social (transcrito para os factos provados) que o arguido tem presentemente 21 anos de idade;
46. Que pelos 16 anos terá iniciado consumos regulares de substâncias psicotrópicas, preferencialmente em contextos lúdicos, consumos que posteriormente se acentuaram, originando um quadro de dependência e, um estilo de vida desregrado.
47. É descrito ainda que o arguido trabalhou recentemente, cerca de dois meses, num armazém/estaleiro de madeiras/lenhas próximo da zona de residência. G… (a Mãe) refere que, neste período, o arguido terá alterado hábitos e rotinas, procurando uma organização da vida pessoal de acordo com a ocupação laboral.
48. A verdade é que, continua o mencionado relatório, à data dos factos o arguido apresentava condições de vida, pessoal e familiar, diferentes das atuais, particularmente no que se refere ao estilo de vida e comportamentos aditivos.
49. O arguido apresenta uma relação de proximidade e cumplicidade com a sua mãe, verificando-se contudo afastamento relativamente a outros elementos da família alargada.
50. No plano pessoal, o recorrente afirma estar disponível para uma efetiva mudança de hábitos e rotinas, referindo compreender a urgência em reorganizar a sua vida pessoal, aderindo a apoio especializado e afastando-se de relacionamentos e convívios pouco estruturantes.
51. Recentemente o arguido aceitou ser encaminhado para uma consulta de avaliação no CRI/Aveiro estando, nessa sequência, prevista a continuidade de tratamento em vista a resolução dos problemas aditivos.
52. Acrescenta-se assim, no referido relatório, que o arguido verbaliza uma apreciação crítica da sua conduta pessoal, identificando o problema da toxicodependência como elemento determinante para o estilo de vida adotado e na tomada de opções pessoais, ao longo dos últimos anos.
53. O arguido assume que neste percurso, globalmente desregrado, marcado pela instabilidade pessoal e dificuldades de controlo, terão ocorrido condutas não normativas, eventualmente enquadradas por uma limitada consciência dos danos e das implicações pessoais e sociais dos referidos comportamentos.
54. Em conclusão, o relatório social para determinação da sanção pugna pela aplicação de uma medida de execução na comunidade sujeita a acompanhamento pela DGRSP e subordinada a deveres, como forma de forma de assegurar as finalidades da intervenção judicial.
55. O arguido mostrou-se sinceramente arrependido.
56. O arguido confessou abertamente a prática do crime, demonstrando que rejeita o mal praticado e convencendo que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.
57. O arguido era, à data dos factos, toxicodependente, tendo entretanto abandonado o consumo.
58. O arguido tem apoio familiar da sua mãe, com quem reside.
59. O arguido trabalhava, posteriormente aos factos, para a testemunha D…, pedreiro, que afirmou que estava disposto a dar-lhe emprego mal ele possa sair de casa.
60. Reputa o C… como “100%” e muito humilde e trabalhador, afirmando que ele está muito arrependido e queria ganhar dinheiro para remediar as coisas, para ir para a frente, para voltar ao bom caminho,
61. Tudo conforme consta da ata de audiência de discussão e julgamento, gravada em suporte digital, minuto 00:01 em diante.
62. Aliás, não pode deixar de se estranhar (no mínimo) o facto de o Tribunal a quo, relativamente ao depoimento da testemunha de defesa que se vem de referir, ter-se permitido afirmar o seguinte (pág. 6 do acórdão em crise):
“enquanto a testemunha de defesa de limitou a atestar a boa personalidade do arguido e a referir que lhe dava emprego quando o mesmo saísse da situação em que se encontra – prisão domiciliária – algo que não demos muita relevância, pois nem sequer ficou assente se a testemunha está em condições de o poder cumprir, pois nem sequer ficou assente se a testemunha tem ou não alguma empresa” (?!?).
63. A testemunha afirmou inclusivamente que tinha obras em Albergaria e que já empregara o C… outrora.
64. Tal facto consta inclusivamente do relatório social para determinação da pena, quando é referido que o arguido trabalhou recentemente, cerca de dois meses, num armazém/estaleiro de madeiras/lenhas próximo da zona de residência.
65. Tendo em conta o supra alegado, entende-se que seria possível ao Tribunal a quo fazer um juízo de prognose positivo e suspender a pena imposta, sujeitando-o, inclusivamente, a regime de prova que, aliás, é legalmente imposto pelo artigo 53º, nº 3 do Código Penal, que o leve a afastar-se definitivamente de comportamentos ilícitos.
66. Uma vez que foi dada uma oportunidade ao arguido pelo sistema judicial, oportunidade essa que se encontra atualmente em curso (cfr. fls. 271 dos autos), estando neste momento o arguido sujeito à condição de se sujeitar a acompanhamento a definir pela DGRS, condená-lo, na presente data, a uma pena de prisão efetiva, é, na nossa opinião, cortar ao arguido, pela raiz, a oportunidade de viver uma vida normal, expondo-o, em tenra idade, ao meio criminógeno que é a prisão.
67. Em conclusão: do processo de desenvolvimento do arguido, constata-se que o mesmo se encontra integrado, deixou os hábitos aditivos, tem vindo a adotar um comportamento normativo e a adquirir hábitos de trabalho, é muito jovem e mostra-se sinceramente arrependido, tendo confessado a prática dos factos.
68. Entendemos que existe uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado.
69. O Tribunal a quo não atendeu, como devia, ao relatório social, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de outra oportunidade, nem valorou as declarações do arguido e da testemunha de defesa como devia.
70. Podendo afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências, podendo formular-se um juízo de prognose favorável contando com o apoio incondicional da sua mãe.
DA NÃO APLICAÇÃO DO REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
71. Para além de tudo o que se vem de referir, não pode o arguido deixar de discordar frontalmente da não aplicação nos presentes autos do regime penal especial para jovens, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de setembro.
72. Entendeu o Tribunal a quo que, “embora estando numa situação limite, não podemos formular o juízo de prognose favorável”.
73. No caso em apreço uma vez que o arguido C… tinha apenas 19 (dezanove) anos, e dando-se por reproduzido tudo o que já foi dito supra nos n.ºs 41 a 70 das presentes conclusões, com as necessárias adaptações, afigura-se-nos que teria sido adequado fazer apelo ao regime especial para jovens e atenuar a pena a aplicar ao arguido, bem como suspendê-la na sua execução.
74. O Tribunal a quo reconhece estarmos numa situação limite, tendo optado pelo “copo meio vazio”, em vez do “copo meio cheio”.
75. O Tribunal a quo afirma, na página 14 do acórdão, no 4.º §, que a ilicitude dos factos é média/diminuta.
76. O Tribunal a quo deveria ter ficado convencido de que haveria sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
77. Para isso deveria ter feito prevalecer as vertentes que por si foram desvalorizadas: a confissão do arguido, a assunção do juízo de censura sobre os factos, o arrependimento do arguido, o facto de na altura ser consumidor de estupefacientes e, sobretudo, o facto de estar a ser acompanhado no seu processo de afastamento dessa dependências.
78. Também deveria ter o Tribunal a quo valorado não o facto de o arguido ter praticado os factos em período de suspensão de execução de pena de prisão, mas sobretudo o facto de o arguido se encontrar, atualmente, a cumprir esse mesmo período de suspensão sujeito a regime de prova, constituído pelo acompanhamento pela DGRS,
79. Bem como devia ter dado a devida relevância ao Relatório Social para a Determinação da Sanção, que considera que o arguido pode beneficiar de uma medida a executar na comunidade.
80. É assim possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, conforme já supra explanado e alegado.
DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
81. Caso V.Exas. entendam ser de manter a decisão do Tribunal a quo de não aplicar a suspensão da execução da pena ao arguido, o que não se concebe nem concede, mas por mero dever de raciocínio se equaciona, sempre se dirá o seguinte:
82. O Tribunal a quo aplicou ao recorrente a pena de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva;
83. O Tribunal a quo entendeu que não era de suspender a execução da pena aplicada (nem de aplicar o regime penal especial para jovens).
84. Todavia, o mesmo tribunal não ponderou a substituição da pena aplicada por outra pena de substituição prevista no art. 58.º do CP: a prestação de trabalho a favor da comunidade.
85. Nos termos do n.º 1 de tal disposição, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
86. Ora, o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena.
87. Se é verdade que o tribunal “a quo” considerou que a substituição da pena aplicada por pena de suspensão da execução da pena não encontrava fundamento por não estarem reunidos os respetivos pressupostos (embora o recorrente não concorde), a verdade é que não ponderou de todo a possibilidade de substituição da pena aplicada por trabalho a favor da comunidade.
88. E não se pode dizer que, se não estavam reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena, também não estavam reunidos os pressupostos para a sua substituição nos termos do art. 58.º do CP.
89. O trabalho a favor da comunidade não tem a mesma natureza (salvo a de ser também uma pena de substituição), nem as mesmas exigências, nem obedece às mesmas práticas de reinserção social, que a suspensão da execução da pena. Por isso, nada garante que, não podendo as exigências de punição ser satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade.
90. Ora, não tendo o tribunal “a quo” emitido pronúncia acerca dessa pena de substituição, cometeu a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP – nulidade que pode ser conhecida oficiosamente em recurso nos termos do n.º 2 do mesmo artigo e art. 425.º, n.º 4, ambos do mesmo diploma legal.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
•Princípio in dubio pro reo
•Artigos 32.º e 205.º/1 da Constituição da República Portuguesa
•Artigos 22.º, 23.º, 40.º, 50.º, 58.º, 72.º, 73.º e 210.º do Código Penal
•Artigos 374.º, 379.º/1 c) e 410.º/2 a) e c) do Código de Processo Penal
•Artigos 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Exas. melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 303-308].
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-geral Adjunta acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 320-323].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 240-246]:
«(…) Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 14 de Setembro de 2012, pelas 08h45m, na …, nesta cidade, o arguido C…, ao ver a ofendida B… a seguir apeada na referida …, próximo do E…, abeirou-se desta por trás, agarrou-lhe o pescoço, e com um forte puxão arrancou-lhe parte de um fio de ouro que trazia ao pescoço, no valor de €250,00, pondo-se de seguida em fuga.
2 - Nesse momento e ao ver o sucedido, uma pessoa não identificada, foi no encalço do arguido, acabando-o por o imobilizar por instantes, tendo este, pouco depois, acabado por fugir novamente, deixando cair a sua carteira com todos os documentos e objectos pessoais.
3 - O arguido agiu com o propósito de fazer seu, por meio de violência, do referido fio em ouro, como efectivamente fez relativamente a uma parte do fio, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua legítima dona.
4 - Com a actuação do arguido o fio em causa partiu, tendo a queixosa recuperado parte dele.
5 - O arguido possui os antecedentes criminais de fls. 118 a 120, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
6 - Do seu relatório social consta o seguinte
I – Dados relevantes do processo de socialização
C…, presentemente com 21 anos de idade é natural de Angeja e originário de um meio familiar caracterizado por uma vivência pouco estruturada e tendencialmente instável, condicionada ainda por dificuldades relacionais entre os seus elementos, com reflexos na segurança e qualidade de vida do agregado.
O pai mecânico e a mãe doméstica não asseguraram um modelo educativo estruturado e consequente, na supervisão. O desenvolvimento psicossocial do arguido ocorre assim, num contexto marcadamente ambivalente, nas orientações e exigências relativas ao arguido e globalmente inseguro nos relacionamentos e afetos.
Relativamente ao percurso escolar, C… parece ter revelado desde os primeiros anos, dificuldades de adaptação e do desempenho, evidenciando limitações na capacidade de resposta a contextos de maior exigência e rigor. O trajeto escolar terá apresentado ainda, problemas de aceitação de regras e de relacionamento/comportamento com os diferentes agentes educativos.
C… foi sinalizado pelas estruturas escolares, segundo a sua mãe, avaliado e pontualmente apoiado por uma psicóloga escolar. Aparentemente o arguido não aderiu às estratégias e iniciativas, então adotadas. Segundo apuramos, após sucessivas mudanças de programas e escolas, o arguido abandonou a sua frequência aos 16 anos, tendo completado apenas o 6º ano de escolaridade. Na época, terá iniciado consumos regulares de substâncias psicotrópicas, preferencialmente em contextos lúdicos, consumos que posteriormente se acentuaram, originando um quadro de dependência e, um estilo de vida desregrado.
Ao nível profissional/laboral o arguido apresenta uma experiencia incipiente. Trabalhou recentemente, cerca de dois meses, num armazém/estaleiro de madeiras/lenhas próximo da zona de residência. F… refere que, neste período, o arguido terá alterado hábitos e rotinas, procurando uma organização da vida pessoal de acordo com a ocupação laboral.
II – Condições sociais e pessoais
À data dos factos o arguido apresentava condições de vida, pessoal e familiar, diferentes das atuais, particularmente no que se refere ao estilo de vida e comportamentos aditivos.
C… integra o agregado familiar de origem, do qual faz parte a sua mãe, F…, 42 anos, doméstica. Trata-se de um agregado familiar que apresenta fragilidades revelando um percurso vivencial instável e uma dinâmica relacional complexa.
C… apresenta uma relação de proximidade e cumplicidade com a sua mãe, verificando-se contudo afastamento relativamente a outros elementos da família alargada.
A condição económica do arguido é precária, sendo a situação que é extensível à família, existindo pontualmente dificuldades em garantir resposta às suas necessidades essenciais. A família refere que existem encargos/obrigações económicas anteriormente estabelecidas que acentuam as dificuldades presentes.
No plano pessoal, C… afirma estar disponível para uma efetiva mudança de hábitos e rotinas, referindo compreender a urgência em reorganizar a sua vida pessoal, aderindo a apoio especializado e afastando-se de relacionamentos e convívios pouco estruturantes.
Recentemente o arguido aceitou ser encaminhado para uma consulta de avaliação no CRI/Aveiro estando, nessa sequência, prevista a continuidade de tratamento tendo em vista a resolução dos problemas aditivos.
A avaliação da condição atual do arguido e, do percurso pessoal, indica existirem dificuldades de adaptação e de resposta em contextos de maior exigência, apresentando diminuída capacidade de gestão e resolução de problemas.
III – Impacto da situação jurídico-penal
O arguido revelou, em contexto de entrevista, uma atitude reservada, apresentando no entanto um discurso organizado e coerente. Verbaliza uma apreciação crítica da sua conduta pessoal, identificando o problema da toxicodependência como elemento determinante para o estilo de vida adotado e na tomada de opções pessoais, ao longo dos últimos anos.
C… assume que neste percurso, globalmente desregrado, marcado pela instabilidade pessoal e dificuldades de controlo, terão ocorrido condutas não normativas, eventualmente enquadradas por uma limitada consciência dos danos e, das implicações pessoais e sociais dos referidos comportamentos.
IV – Conclusão
A avaliação da situação presente, identifica padrões de desajuste marcadamente relacionados com os comportamentos aditivos, evidenciando também, uma conduta com dificuldades do controlo e de elaboração de um pensamento consequencial apurado.
C… revela lacunas de formação e nas competências pessoais e sociais, no entanto, apresenta capacidade para entender o bem jurídico em causa no presente processo.
Face ao exposto parece-nos, face a uma eventual condenação do arguido, a aplicação de uma medida de execução na comunidade sujeita a acompanhamento pela DGRSP e subordinada a deveres seria, em nosso entender, uma forma de assegurar as finalidades da intervenção judicial.
7 – Por causa dos factos praticados pelo arguido, a queixosa ficou muito triste, pois o fio em questão tinha um elevado valor sentimental, dado que lhe tinha sido oferecido pela sua mãe por ocasião do seu (queixosa) 40.º aniversário.
8 – Em virtude do “puxão” praticado pelo arguido a queixosa sofreu dores, ficando igualmente como uma vermelhidão no pescoço que lhe causou desconforto.
Factos não provados
- que a queixosa tenha ficado com as roupas inutilizadas e que tenha gasto 100€ para adquirir roupas novas.
Convicção do Tribunal
Como é sabido, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127.º).
(…)
(…)
No caso, o Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, designadamente na confissão do arguido, no depoimento da queixosa, bem como das testemunhas G… (PIC) e D… (testemunha de defesa).
Começando pelo arguido, o mesmo confessou os factos de que foi acusado, referindo que o fio se partiu tendo ficado com uma parte que devolveu, depois de ter sido capturado. Além disso, referiu que esteve com a queixosa à procura da restante parte do fio, tendo-a encontrado e devolvido.
Por sua vez, a queixosa corroborou aquilo que disse o arguido, com excepção da parte da recuperação, pois que, ao contrário do arguido, afirmou que não conseguiu recuperar a totalidade do fio, que custou cerca de 250€. Mais descreveu o estado físico e psicológico que ficou por causa dos factos.
Já a testemunha do pedido cível foi igualmente importante para aferirmos do estado físico e psicológico da queixosa, enquanto a testemunha de defesa se limitou a atestar a boa personalidade do arguido e a referir que lhe dava emprego quando o mesmo saísse da situação em que se encontra – prisão domiciliária –, algo que não demos muita relevância, pois que nem sequer ficou assente se a testemunha está em condições de o poder cumprir, pois nem sequer ficou assente se a testemunha tem ou não alguma empresa.
Por seu turno, o CRC do arguido e o seu relatório social foram fundamentais para darmos como assentes os seus antecedentes criminais e os factos relativos à sua situação sócio-económica.
O único facto controvertido resulta da circunstância da queixosa ter ou não recuperado a totalidade do fio, sendo que, nessa parte, que apesar de relevante não é determinante para a consumação do tipo legal do crime de roubo, entendemos conferir maior credibilidade à queixosa, a qual conhecia melhor o fio em questão e está em melhor posição para poder esclarecer o Tribunal sobre se as partes recuperadas consubstanciaram parte ou a totalidade do fio. Além disso, a mesma, em momento posterior pode fazer a reconstituição do fio, algo que o arguido não fez, pelo que sem qualquer margem de dúvida a queixosa é a única pessoa que poderia atestar este facto e, como tal, o seu depoimento, assume especial relevância.
Quanto aos factos não provados, não foi feita qualquer prova positiva nesse sentido.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
Qualificação jurídica dos factos;
Atenuação especial da pena;
Regime penal especial para jovens delinquentes com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos;
Suspensão da execução da prisão.
Nulidade da sentença
8. Antes de entrarmos na nulidade arguida pelo recorrente, impõe-se conhecer dois vícios que o acórdão evidencia e que são de conhecimento oficioso.
9. (i) O acórdão remete para o teor do certificado do registo criminal do arguido [“O arguido possui os antecedentes criminais de fls. 118 a 120, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais” – ponto 5 dos Factos Provados] em vez de, como seria de esperar, transcrever o conteúdo relevante do mesmo. Ora, a sentença [acórdão] tem de ser um elemento que se baste a si próprio, cuja leitura pressupõe a apreensão integral do seu conteúdo sem recurso a elementos nela não incorporados. Sobre o assunto, diz o Ac. RL de 26.05.2010 [João Lee Ferreira]: “(…) a sentença, pela própria natureza de ato processual de particular importância, deve constituir uma peça ou ato processual ‘autossuficiente’ e compreensível por si mesmo. De outro modo, sempre faltariam elementos necessários para a perfeita compreensão da decisão a quem a consultasse fora do processo, designadamente em qualquer notificação, comunicação a entidades oficiais ou pelo livro de registos da secretaria judicial. Mas bem mais importante consiste aqui em realçar que, pela via da remissão para um elemento externo como o teor do certificado do registo criminal, o tribunal não cumpre o dever de fundamentação próprio da sentença em procedimento criminal. Com efeito, como é sabido, impõe o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal que na sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados. Ora, enumerar” ou “especificar” significa “indicar unitariamente”, ou seja, distinguir os factos uns dos outros. Por isso se torna indispensável uma descrição individualizada dos eventos ou factos materiais. Assim, quanto aos chamados antecedentes criminais, torna-se necessário indicar em relação a cada processo ou condenação, os elementos distintivos do crime, data de cometimento, pena aplicada, data da respetiva condenação e a data do trânsito em julgado da sentença. Com efeito, numa situação em que o tribunal tem de optar por uma pena de prisão efetiva ou por uma pena não detentiva, todos estes elementos são muitos importantes para saber, designadamente, da gravidade dos crimes cometidos, qual o espaço temporal em que ocorrem, se existe eventual concurso de infrações ou mera sucessão de crimes, se as penas se encontram extintas pelo cumprimento. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2008, Relator Des. Telo Lucas, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl «(…) Entre os requisitos a que deve obedecer a sentença penal assume especial relevância o que diz respeito à fundamentação, no âmbito do qual se inclui, para além do mais, a enumeração dos factos provados (art. 374.º, n.º 2 do CPP); II – Pelo menos nos casos em que as anteriores condenações sofridas pelo arguido constituem um fator determinante na aplicação de uma pena de prisão efetiva, exige-se que na enumeração dos factos provados se faça uma referência expressa a essas condenações, com inclusão, nomeadamente, das respetivas datas, espécie, “quantum” e eventual cumprimento da pena (ou penas), bem como do crime que esteve na origem de cada uma delas. III – É, pois, nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2 do CPP, a sentença cuja fundamentação se limitou, no que diz respeito aos antecedentes criminais – relevantes para a escolha da pena – a uma mera remissão para o certificado do registo criminal do arguido junto aos autos; IV – Essa nulidade, tal como todas as demais taxativamente previstas no art. 379.º do CPP, é de conhecimento oficioso» (…)”.
10. Na medida em que a situação se traduz na exiguidade [insuficiência] dos factos provados para os termos da condenação jurídica fixada – que não tem suporte bastante nos elementos de facto dados como provados – entendemos, que esta integra não a nulidade da sentença prevista pelo artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Proc. Penal (como decidido no acórdão cit.), mas o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal] que pode ser por nós suprido, face aos elementos que constam dos autos [artigo 426.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal].
11. Assim, determinaremos que seja aditado, ao referido ponto 5 dos Factos Provados, o seguinte texto: “– a saber, (i) no proc. n.º 195/10.5PEAVR, por sentença de 08/04/2011, transitada em julgado em 15/11/2011, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática, em 26/01/2010, de um crime de roubo, do artigo 210.º, n.º 1, do Cód. Penal; (ii) no proc. n.º 639/12.1GAALB, por sentença de 15/11/2012, transitada em julgado em 15/01/2013, foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 €, pela prática, em 07/11/2011, de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3.º, n.º 1 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro – pena entretanto julgada extinta por decisão de 07/11/2012; (iii) no proc. n.º 106/12.3GDAVR, por sentença de 28/10/2013, transitada em julgado em 11/02/2014, foi condenado na pena de 420 dias de multa, à taxa diária de 6 €, pela prática, em 26/10/2012, de um crime de falsificação de documento e um crime de furto”.
12. (ii) O segundo vício do acórdão recorrido prende-se com a transcrição integral do relatório social na matéria de facto dada como provada [ponto 6 dos Factos Provados], como se se tratasse de um documento cujos factos nele descritos dispensassem qualquer análise crítica ou qualquer conjugação com a restante prova produzida. Acresce que é sobre alguns dos factos que constam desse relatório que o acórdão elabora os termos do processo de individualização da medida da pena e da escolha da espécie da pena. Ora, uma coisa é o documento em si e outra são os factos (e não também as apreciações do autor do documento) que dele constem e que o tribunal, avaliando o conjunto da prova produzida, assuma como provados.
13. Recuperamos aqui o essencial das considerações feitas no Acórdão desta Relação de 22.01.2014 [Neto de Moura], assim sumariado: “I - Deve proceder-se, oficiosamente, à correção da sentença [art. 380.º, do CPP] que reproduz, nos Factos Provados, o relatório social, considerando como efetivamente provados os factos que dele constam (…).” Dele respigamos este excerto: “(…) Ora, afirmar que de determinado documento (uma escritura pública, um escrito particular, um relatório) constam os factos tais e tais não é o mesmo que dar como provados os factos reproduzidos. No entanto, como já se assinalou, decorre da fundamentação da sentença, designadamente na parte da determinação da pena, que o tribunal considerou como efetivamente provados esses factos. Por isso se vislumbra aqui uma ambiguidade que se impõe eliminar, podendo a correção efetuar-se no tribunal do recurso, nos termos previstos no artigo 380.º, n.º 1, al. b), e 2, do Cód. Proc. Penal (…)” [todos disponíveis em www.dgsi.pt].
14. Aderimos na íntegra a este entendimento. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal, atenta a ambiguidade assinalada impõe-se corrigir o acórdão, retirando dos Factos Provados o referido ponto 6 [transcrição do relatório social] e, porque resultante das declarações do arguido e assumido pelo acórdão na determinação da pena, nele inscrever os seguintes factos: “O arguido vive com a mãe; trabalhou, recentemente, num estaleiro/armazém de madeiras; foi encaminhado para uma consulta de avaliação no CRI/Aveiro com vista à continuidade do tratamento dos problemas aditivos; verbaliza uma apreciação crítica da sua conduta pessoal, identificando o problema da toxicodependência como elemento determinante para o estilo de vida adotado e na tomada de opções pessoais, ao longo dos últimos anos.
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A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – procedência, ainda que parcial, do recurso [artigo 513.º, n.º 1, CPP].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Suprir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aditando ao ponto 5 dos factos Provados o seguinte texto: “– a saber, (i) no proc. n.º 195/10.5PEAVR, por sentença de 08/04/2011, transitada em julgado em 15/11/2011, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática, em 26/01/2010, de um crime de roubo, do artigo 210.º, n.º 1, do Cód. Penal; (ii) no proc. n.º 639/12.1GAALB, por sentença de 15/11/2012, transitada em julgado em 15/01/2013, foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 €, pela prática, em 07/11/2011, de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3.º, n.º 1 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro – pena entretanto julgada extinta por decisão de 07/11/2012; (iii) no proc. n.º 106/12.3GDAVR, por sentença de 28/10/2013, transitada em julgado em 11/02/2014, foi condenado na pena de 420 dias de multa, à taxa diária de 6 €, pela prática, em 26/10/2012, de um crime de falsificação de documento e um crime de furto”;
● Corrigir a ambiguidade do acórdão, retirando dos Factos Provados o ponto 6 nele inscrevendo os seguintes factos: “O arguido vive com a mãe; trabalhou, recentemente, num estaleiro/armazém de madeiras; foi encaminhado para uma consulta de avaliação no CRI/Aveiro com vista à continuidade do tratamento dos problemas aditivos; verbaliza uma apreciação crítica da sua conduta pessoal, identificando o problema da toxicodependência como elemento determinante para o estilo de vida adotado e na tomada de opções pessoais, ao longo dos últimos anos”; e em
●Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C…, substituindo a pena de prisão fixada [1 ano e 3 meses] pela pena de suspensão da execução da prisão, por igual período, com regime de prova que privilegie deveres de afastamento do consumo de drogas e a procura de uma ocupação laboral.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 25 de março de 2015
Artur Oliveira
José Piedade