Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1271/12.5TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONVENÇÃO DE CHEQUE
REVOGAÇÃO
RECUSA DE PAGAMENTO
JUSTA CAUSA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP201501261271/12.5TJPRT.P1
Data do Acordão: 01/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No caso de revogação comunicada pelo sacador por alegada coacção física, a entidade bancária, apenas, deve confiar na veracidade desse fundamento e recusar o pagamento dos cheques, no prazo legal de apresentação, quando dispuser de indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado.
II – Para obter esses indícios, deverá o Banco/sacado agir com a máxima diligência, procedendo às diligências necessárias, junto do sacador e/ou junto do detentor do cheque, antes de proceder à recusa do seu pagamento.
III – Não provando ter efectuado essas diligências, aceitando que confiou na veracidade do fundamento invocado pelo sacador, o Banco/sacado pratica um facto ilícito e culposo, que o responsabilizam pelos danos causados à A., legítima portadora dos cheques.
IV - Nas situações em que o Banco/sacado recusa o pagamento, no prazo de apresentação, não se apurando a falta de provisão na conta à ordem, a indemnização a atribuir corresponde ao valor do cheque, por representar esse o efectivo prejuízo pela violação da obrigação de pagamento que resulta do art. 32º da LUCH.
V - No caso de recusa do pagamento, no prazo legal de apresentação, recai, sempre, sobre o Banco/sacado o ónus da prova dos factos que revelam e demonstram a verificação de uma justa causa ou inexistência de prejuízos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1271/12.5TJPRT.P1
Recorrente: B…, S.A.
Recorrida: C…, Ld.ª

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
A A., C…, Ld.ª com sede na …, nº …, ….-… … intentou, acção declarativa – DL 108/2006 -, contra o R., B…, S.A. com sede na …, nº .., ….-…, onde pede que a mesma seja julgada procedente e, em virtude disso, declarada ilícita a recusa da Ré no pagamento dos cheques com base na instrução de revogação dada pelo sacador e, em consequência, condená-la a pagar-lhe:
a) a quantia de € 4.662,08 referente ao valor titulado pelos cheques revogados;
b) a quantia de € 280,80 referente às despesas suportadas por esta com as devoluções dos cheques;
c) juros moratórios legais à taxa de 4%, sendo os já vencidos no valor de € 142,57.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que efectuou vários fornecimentos de produtos do seu comércio à D…, Lda, no valor total de € 4.662,08 tendo para pagamento de parte do preço devido, o gerente da sociedade compradora entregue à A., treze cheques, todos sacados por E… sobre a conta nº ……….. constituída no Banco Réu.
Mais, alega que apresentados a pagamento nos oito dias posteriores à data da respectiva emissão, os cheques foram todos devolvidos na compensação com a indicação de cheque revogado – falta/vício na formação da vontade, tendo a Ré, enquanto entidade sacada, recusado o pagamento dos cheques, com fundamento em ordem de revogação por parte do sacador.
Alega, ainda, que por força da actuação conjunta da Ré com o sacador, deixou de receber os valores inscritos em cada um dos cheques, vendo-se privada desses valores, sofrendo um dano correspondente ao montante do valor dos cheques que deixou de receber pelos bens que transmitiu para terceiro.
Por fim, alega que suportou despesas com a devolução dos cheques que depositou no F… e no G… que ascendem ao montante de, respectivamente de € 20,80 e € 26,00, para cada cheque, no valor total de € 280,80.

Citada a Ré, contestou nos termos que constam a fls. 52 e ss. e deduziu incidente de Intervenção Provocada Acessória de E…, requerendo a sua citação para contestar, querendo, invocando o direito de regresso contra o mesmo sacador dos cheques para o efeito de este lhe restituir aquilo que porventura venha a ter de pagar à A..
Aceita que recusou a apresentação a pagamento dos cheques que foi feita dentro do prazo de oito dias subsequentes à data que neles consta como data de emissão e que os devolveu.
Alega que o fez porque o sacador lhe comunicou que os revogava dando ordens para não serem pagos, assinando dois documentos onde fez constar que pretendia revogar os cheques por os ter emitido sob coacção física, tendo o Banco confiado na veracidade desse fundamento e, por isso, no cumprimento das instruções transmitidas, não apresentou os cheques a pagamento, devolvendo-os com aposição no verso dos dizeres que dele constam.
Mais, alega que cumpriu o contrato de mandato que está subjacente à emissão de um cheque, pelo que, ainda, que se entendesse que estava obrigado a não acatar a ordem de revogação dos cheques, a sua responsabilidade nunca teria a medida do montante titulado no cheque.
Termina que a acção deve ser julgada improcedente, absolvendo-se o Banco do pedido.

A fls. 94 foi proferido despacho a deferir o chamamento de E…, como interveniente acessório, o qual citado, apresentou contestação nos termos que constam a fls. 98 e ss., alegando que nunca teve relações comerciais com a A. e desconhecer a mesma.
Mais, alega que os cheques foram utilizados pelo seu pai, sem o seu consentimento, que na posse dos cheques, de forma coactiva impôs que o mesmo os assinasse, sem lhe referir a que se destinavam, originando o seu cancelamento, devido à falta de vontade na declaração e desconhecer a relação subjacente.
Conclui que devem ser julgados improcedentes os factos alegados pela A. e, em consequência, o Chamado absolvido do pedido de indemnização que a R. pretende ver ressarcida no caso de ser responsável pelo cumprimento da obrigação.

A autora veio responder, nos termos que constam a fls. 107 e ss., impugna os documentos juntos pelo Réu como “Doc. 1 e 2” quanto à autenticidade do seu teor e autoria e quanto à contestação do chamado, alega que este conhecia as transacções comerciais que levaram à subscrição dos cheques, porque trabalhava com o pai que geria a sociedade que mantinha as relações comerciais com a Autora.
Conclui pela improcedência das excepções sob resposta e reitera o alegado na petição inicial.

Proferido saneador tabelar em 26.02.2013 e fixado o valor da acção: o da petição inicial, foi designado o julgamento e, no final da audiência, conclusos os autos para o efeito foi proferida sentença, em 20.05.2014, que terminou com o seguinte:
“– Dispositivo
Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência condeno o R. B…, S.A. a pagar à A. C…, Ld.ª a quantia de 4.708,88 € (quatro mil setecentos e oito euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação à taxa de 4% até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas na proporção do vencimento.”.

Inconformada com a decisão a R., B…, SA, interpôs recurso, nos termos que constam a fls. 151 e ss., cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª) Os presentes autos têm como causa de pedir uma eventual responsabilidade civil extra-contratual do B… por ter recusado o pagamento de treze cheques à sua beneficiária, a Autora, na sequência do acatamento de uma ordem de revogação desses mesmos cheques transmitida pelo sacador com fundamento em vício na formação da vontade;
2ª) O presente recurso tem por objecto a impugnação dos pontos 4, 5 e 8 dos “Factos provados”, assim como e independentemente do mérito daquela impugnação, a reapreciação da decisão de direito proferida na sentença recorrida por o Recorrente estar resolutamente convencido que não estão preenchidos no caso dos autos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual;
3ª) O Tribunal a quo deu como provados os factos vertidos nos pontos 4, 5 e 8 da sentença, com base única e simplesmente na declaração de parte da sócia gerente da Autora à data dos factos, H…, depoimento este totalmente evasivo, incoerente e bem demonstrativo do interesse que a depoente tinha no desfecho destes autos, sendo um cabal exemplo disso o acolhimento da depoente em expressões como “naturalmente” para afirmar que determinado facto ocorreu....
4ª) Não deveria, assim, o Tribunal a quo ter considerado provados aqueles factos com base nas declarações de H… prestadas no audiência do dia 17 de Outubro de 2013, às 10:32:16 até às 10:45:59, impondo-se que os mesmos sejam tidos como não provados. Concretizando,
5ª) No que respeita ao facto do ponto 4º “Fornecimentos de mercadorias que a Autora vendeu e entregou àquela sociedade, que as comprou, e importaram no valor total de € 4.662,08”, das declarações da depoente (min. 02:42 a 03:00), ficou bem claro que esta nada sabia quanto ao suposto negócio que esteve na base da emissão dos cheques, nem tao pouco se as mercadorias foram entregues contra a entrega dos cheques;
6ª) Quanto ao facto do ponto 5º “Para pagamento de parte do preço devido pelo fornecimento desses bens, o gerente da sociedade compradora preencheu, treze cheques, que entregou à Autora, todos sacados por E… sobre a conta n.º ……….. constituída no Banco Réu”, das declarações da depoente (min. 05:00 a min. 05:58) resultou que a mesma não conseguiu atestar o nexo de causalidade entre um qualquer negócio e os treze cheques que em concreto estão em causa nestes autos, não existindo qualquer factura nos autos. Finalmente,
7ª) Relativamente ao facto do ponto 8º “A Autora ficou privada dos valores inscritos em cada cheque que disse, se destinavam ao pagamento do preço de bens que a Autora vendeu e entregou à D…, Ld.ª no valor de 4.662,08 (quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos)”, o mesmo não poderia ter sido dado como provado desde logo porque a depoente afirmou que quem teria conhecimento directo sobre esse facto seria o seu marido, que não depôs nos autos (min. 03:20 a min. 04:26) e nenhum documento foi junto que pudesse corroborar a versão da Autora;
8ª) Devem, assim, estes factos que respeitam ao pressuposto do dano de que depende a responsabilidade extra-contratual serem tidos como não provados e, nessa sequência, ser o Banco absolvido totalmente do pedido. Sem prescindir,
9ª) Independentemente do mérito da impugnação da matéria de facto, a verdade é que o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito uma vez que a conduta do Banco ao recusar o pagamento dos cheques, dentro do prazo legal da sua apresentação, em virtude do acatamento de uma ordem de revogação transmitida pelo sacador com fundamento em vicio na formação da vontade, não foi ilícita, nem culposa nem tão pouco se verifica qualquer nexo de causalidade;
10ª) É o próprio Ac. Uniformizador 4/2008 que exclui expressamente do seu âmbito de aplicação as ordens de revogação fundadas em justa causa e, excluindo-as, considera estas ordens legítimas, fazendo apelo ao disposto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 454/91 e, bem assim, no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária: dúvidas não, assim, são cabidas que, num caso como o dos autos, ressalvadas as situações em que actue de má fé ou ultrapasse os limites enunciados no artigo 334º do Código Civil, o banco sacado não pratica qualquer facto ilícito;
11ª) Agindo em conformidade com as boas praticas que lhe são indicadas no citado Regulamento do Banco de Portugal, a conduta do Banco não pode ser objecto de um juízo de reprovação e de censura, concluindo-se assim pela ausência de uma conduta culposa: foi neste sentido que decidiu, já após ter sido tirado o AUJ 4/2008, o Supremo Tribunal de Justiça no seu aresto de 29.04.2008; Por fim,
12ª) Não existe nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o facto de a Autora ter ficado privada dos valores inscritos nos cheques, tendo a jurisprudência pátria trilhado dois caminhos para chegar a esta conclusão;
13ª) O primeiro caminho consiste em afirmar-se que cabia à Autora alegar e provar que, caso o Banco não tivesse aceitado a revogação do cheque apresentado a pagamento, o mesmo seria ou poderia vir a ser descontado pelo banco sacado em virtude da conta sacada ter fundos suficientes que permitissem o pagamento (o que não fez) – cfr. Acórdãos do STJ de 14.01.2014, 11.07.2013 e 21.03.2012, citados em texto;
14ª) Um outro caminho trilhado pela jurisprudência pátria decorre do entendimento de que a circunstância de os cheques não terem sido pagos não significa necessariamente a existência de algum prejuízo para o respectivo portador, porque ele continua titular do direito substantivo derivado da relação jurídica subjacente, sendo que o cálculo do prejuízo na esfera jurídica dos autores não podia ser aferido por via da mera correspondência ao valor inscrito nesses cheques – cfr. Acórdãos do STJ de 27.03.2008, do TRP de 04.10.2012, 17.09.2012, 31.01.2012, 14.03.2008, 19.10.2006 e do TRG de 10.05.2011;
15ª) Ao decidir nos termos expostos na sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 483º e 563º, ambos do Código Civil.
TERMOS EM QUE, na procedência de todas e cada uma das conclusões desta alegação, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que absolva o Recorrente do pedido.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências J U S T I Ç A

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido como de apelação, conforme consta a fls. 211.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Atentas as conclusões supra descritas e considerando que é pelas conclusões do recurso que se delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso, cfr. art.s 608º, nº2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, as questões a decidir consistem em saber se:
- devem ser dados como não provados os factos vertidos nos pontos 4, 5 e 8 da sentença recorrida;
- não estão preenchidos, no caso, os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual e deve a sentença recorrida ser revogada e a Ré absolvida do pedido.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Factos provados:
1º - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de tintas e produtos similares.
2º - A Ré é uma instituição de crédito, recebendo do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito.
3º - A Autora, no exercício da sua actividade comercial, efectuou vários fornecimentos de produtos do seu comércio à D…, Ld.ª.
4º - Fornecimentos de mercadorias que a Autora vendeu e entregou àquela sociedade, que as comprou, e importaram no valor total de € 4.662,08.
5º - Para pagamento de parte do preço devido pelo fornecimento desses bens, o gerente da sociedade compradora preencheu, treze cheques, que entregou à Autora, todos sacados por E… sobre a conta n.º ……….. constituída no Banco Réu.
6º - Perfazendo aqueles cheques o valor total de € 4.662,08, sendo:
a) Cheque n.º ………., emitido com data de vencimento para 28 de Fevereiro de 2010, pelo montante de 443,00 € (Quatrocentos e quarenta e três euros) e apresentado a pagamento em 2 de Março de 2010;
b) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 8 de Março de 2010, pelo montante de 389,56 € (Trezentos e oitenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e apresentado a pagamento em 9 de Março de 2010;
c) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 20 de Março de 2010, pelo montante de 350,00 € (Trezentos e cinquenta euros) e apresentado a pagamento em 23 de Março de 2010;
d) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 20 de Março de 2010, pelo montante de 389,56 € (Trezentos e oitenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e apresentado a pagamento em 23 de Março de 2010;
e) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para em 30 de Março de 2010, pelo montante de 376,00 € (Trezentos e setenta e seis euros) e apresentado a pagamento em 31 de Março de 2010;
f) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 30 de Março de 2010, pelo montante de 400,00 € (Quatrocentos euros) e apresentado a pagamento em 5 de Abril de 2010;
g) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 8 de Abril de 2010, pelo montante de 300,00 € (Trezentos euros) e apresentado a pagamento em 9 de Abril de 2010;
h) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 12 de Abril de 2010, pelo montante de 415,00 € (Quatrocentos e quinze euros) e apresentado a pagamento em 14 de Abril de 2010;
i) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 19 de Abril de 2010, pelo montante de 300,00 € (Trezentos euros) e apresentado a pagamento em 20 de Abril de 2010;
j) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 23 de Abril de 2010 pelo montante de 417,00 € (Quatrocentos e dezassete euros) e apresentado a pagamento em 26 de Abril de 2010;
k) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 30 de Abril de 2010, pelo montante de 234,90 € (Duzentos e trinta e quatro euros e noventa cêntimos) e apresentado a pagamento em 3 de Maio de 2010;
l) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 30 de Abril de 2010, pelo montante de 233,40 € (Duzentos e trinta e três euros e quarenta cêntimos) e apresentado a pagamento em 3 de Maio de 2010;
m) Cheque nº ………., emitido com data de vencimento para 7 de Maio de 2010, pelo montante de 413,66 € (Quatrocentos e treze euros e sessenta e seis cêntimos) e apresentado a pagamento em 11 de Maio de 2010;
7º - Apresentados a pagamento nos oito dias posteriores à data da respectiva emissão, os cheques foram todos devolvidos na compensação com a indicação de cheque revogado – falta/vicio na formação da vontade, tendo assim o R enquanto entidade sacada, recusado o pagamento dos cheques à Autora, com fundamento em ordem de revogação por parte do sacador.
8º - A Autora ficou privada dos valores inscritos em cada cheque que disse, se destinavam ao pagamento do preço de bens que a Autora vendeu e entregou à D…, Ld.ª no valor de 4.662,08 (quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos).
9º- Pelo cheque n.º …….. que a Autora depositou no F…, e foi devolvido com recusa de pagamento, esta instituição bancária cobrou à A. o valor de € 20,00 (vinte euros), acrescidos do valor do imposto de selo no montante de € 0,80 (oitenta cêntimos).
10º - Pelo cheque n.º ………. depositado no G…, devolvido com recusa de pagamento, esta instituição bancária cobrou à A. o valor de € 25,00 (vinte e cinco euros), acrescidos do valor do imposto de selo no montante de € 1,00 (um euro).
11º. E…, no dia 23 de Fevereiro de 2010 comunicou ao R. Banco que os revogava, dando ordem para não serem pagos.
12º - Perante a pretensão do sacador, o Banco Réu advertiu-o para as consequências do facto que se preparava para praticar e por isso nesse mesmo dia 23 de Fevereiro de 2010, subscreveu os dois documentos – um referente aos cheques sacados sobre a conta ……….. e outro referente aos cheques sacados sobre a conta ……….. juntos com a contestação como documento nº 2 e n.º 3 a fls 76 e ss.
13º - Ao subscrever tais documentos, o sacador tomou, pois, consciência do entendimento de direito em que se funda a petição inicial e bem assim das consequências da ordem que se preparava para dar ao Banco Réu enquanto banco sacado e no quadro da relação contratual inerente à convenção de cheque, ainda assim dando a ordem de revogação dos cheques alegando que os emitiu sob coação física.
B - Factos não provados:
Não se provou que para além do cheque n.º …….., o F… tenha cobrado o valor de € 20,00 (vinte euros), acrescidos do valor do imposto de selo no montante de € 0,80 (oitenta cêntimos) por cada um dos restantes cheques aí depositados.
Não se provou que para além do cheque n.º ………., o G… tenha cobrado o valor o € 25,00 (vinte e cinco euros), acrescidos do valor do imposto de selo no montante de € 1,00 (um euro), pelos outros cheques aí depositados pela A.
Não se provou que tenha sido pago à A. o cheque nº ………. com o valor de 389,56 €.
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C) O DIREITO
A A., C…, intentou acção contra a R., agora, recorrente, B…, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual desta, por a mesma ter recusado o pagamento dos cheques de que é portadora com base na instrução de revogação dada pelo sacador dos mesmos.
O Tribunal “a quo” considerou verificados todos os elementos dos quais o art. 483º, do CC faz depender o nascimento da obrigação de indemnizar e, consequentemente, julgou parcialmente procedente a acção e condenou a R. a pagar o montante dos cheques, acrescido de despesas pagas com a devolução dos mesmos, acrescidas de juros, desde a citação.
Através do presente recurso insurge-se a R. contra aquela decisão, por considerar não estarem preenchidos no caso os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, desde logo, por considerar não estarem provados os factos que respeitam ao pressuposto do dano, impugnando os pontos 4, 5 e 8 dos factos provados.
Vejamos.
Da reapreciação da matéria de facto
Como dissemos, a recorrente requer a reapreciação da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, pontos 4, 5 e 8 concluindo que devem estes factos que respeitam ao dano de que depende a responsabilidade extra-contratual serem tidos como não provados, alegando para tanto nas conclusões do recurso identificadas sob os pontos 3ª a 7ª, em síntese, o seguinte:
“3ª) O Tribunal a quo deu como provados os factos vertidos nos pontos 4, 5 e 8 da sentença, com base única e simplesmente na declaração de parte da sócia gerente da Autora à data dos factos, H…, depoimento este totalmente evasivo, incoerente e bem demonstrativo do interesse que a depoente tinha no desfecho destes autos, sendo um cabal exemplo disso o acolhimento da depoente em expressões como “naturalmente” para afirmar que determinado facto ocorreu....
4ª) Não deveria, assim, o Tribunal a quo ter considerado provados aqueles factos com base nas declarações de H… prestadas na audiência do dia 17 de Outubro de 2013, às 10:32:16 até às 10:45:59, impondo-se que os mesmos sejam tidos como não provados. Concretizando,
5ª) No que respeita ao facto do ponto 4º, das declarações da depoente (min. 02:42 a 03:00), ficou bem claro que esta nada sabia quanto ao suposto negócio que esteve na base da emissão dos cheques, nem tão pouco se as mercadorias foram entregues contra a entrega dos cheques;
6ª) Quanto ao facto do ponto 5º, das declarações da depoente (min. 05:00 a min. 05:58) resultou que a mesma não conseguiu atestar o nexo de causalidade entre um qualquer negócio e os treze cheques que em concreto estão em causa nestes autos, não existindo qualquer factura nos autos. Finalmente,
7ª) Relativamente ao facto do ponto 8º, o mesmo não poderia ter sido dado como provado desde logo porque a depoente afirmou que quem teria conhecimento directo sobre esse facto seria o seu marido, que não depôs nos autos (min. 03:20 a min. 04:26) e nenhum documento foi junto que pudesse corroborar a versão da Autora.
Os pontos impugnados pela recorrente têm o seguinte teor:
Ponto 4º -Fornecimentos de mercadorias que a Autora vendeu e entregou àquela sociedade, que as comprou, e importaram no valor total de € 4.662,08.
Ponto 5º -Para pagamento de parte do preço devido pelo fornecimento desses bens, o gerente da sociedade compradora preencheu, treze cheques, que entregou à Autora, todos sacados por E… sobre a conta n.º ……….. constituída no Banco Réu.
Ponto 8º -A Autora ficou privada dos valores inscritos em cada cheque que disse, se destinavam ao pagamento do preço de bens que a Autora vendeu e entregou à D…, Ld.ª no valor de 4.662,08 (quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos).
O Mº Juiz “a quo” motivou a sua convicção probatória, concretamente, a estes pontos, em síntese, do seguinte modo:
Quanto às despesas com a devolução dos cheques, a A. apenas juntou os documentos juntos a
fls 39 e 40, ...
Relativamente ao pagamento dos cheques, a R. aceitou logo na contestação que os mesmos não
foram pagos à A., …., sendo a conta sacada da titularidade do interveniente E…,
(…).
Quanto aos restantes factos, para além do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos (que não foram objecto de impugnação quanto à sua genuinidade ou autenticidade), passamos a sumariar a prova produzida no decurso da audiência de julgamento.
Foi ouvido E…, interveniente,…. Disse que foi o seu pai quem lhe retirou, contra a sua vontade, os cheques, que estavam por si assinados, os preencheu e os entregou à A. para pagar contas da sua empresa (sendo certo que ao gerente da agência do R. disse que houve coacção física por parte de alguém ligado á A …)
H…, prestou declarações de parte (é representante legal da
A.) tendo dito que conhece o E…, que ia ao armazém da A. buscar mercadorias, por vezes com o pai, outras vezes sozinho. Sem a entrega de cheques, não deixavam levantar a mercadoria, e as mercadorias foram efectivamente entregues. Recorda-se que foi o E… quem entregou os cheques que eram pré-datados. A empresa do pai do E… (de nome D…) é cliente desde 2005, e os cheques eram para pagar mercadorias fornecidas a essa empresa, não conhecendo a empresa do E….
(…).”.

Procedemos à audição da totalidade da prova pessoal produzida em audiência e, não apenas às declarações prestadas por H…, (que dado se ter identificado como sócia da sociedade autora e gerente da mesma, à data dos factos, foi requerido e deferido que prestasse declarações de parte nos termos do disposto no art. 466º, do CPC), bem como à análise crítica da prova documental junta aos autos de folhas 13 a 38, 39, 40 e 46 e 76 a 81.
Começamos por refutar as afirmações da recorrente, constantes da conclusão 3ª, quanto ao modo como classifica as declarações prestadas por H…, (que são apreciadas livremente pelo Tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão, cfr. nº 3, daquele art. 466º), por não concordarmos, de modo algum, que as suas declarações tenham sido evasivas e incoerentes. Bem pelo contrário, da sua audição, pareceu-nos ser um depoimento sereno, coerente e convincente, revelando conhecedor os factos, nomeadamente, as relações comerciais estabelecidas entre a autora e a empresa D…, Lda, o que é natural, conhecer bem, derivado do exercício das funções de gerente que detinha na autora, à data.
Por isso, atentas as suas declarações e a análise conjugada das demais provas a que o Tribunal “a quo” atendeu para responder à matéria de facto impugnada do modo que o fez, também, nós formámos a convicção segura de que aqueles pontos 4, 5 e 8 impugnados pela R., ficaram provados.
Não assiste razão à recorrente, quando afirma que os mesmos deveriam ser dados como não provados.
Discordamos do argumento de que a declarante, H…, nada sabia quanto ao suposto negócio que esteve na base da emissão dos cheques, nem tão pouco se as mercadorias foram entregues contra a entrega dos cheques, nem conseguiu atestar o nexo de causalidade entre um qualquer negócio e os treze cheques e que a mesma não tinha conhecimento directo sobre o facto 8º.
Não foi essa a nossa convicção.
Se é certo que, como afirma a mesma não existe qualquer factura nos autos, também, é certo que, se a existência da mesmas, como bem referiu o Mº Juiz “a quo”, facilitavam, não significa que não tenha o Tribunal “a quo” ficado convencido que os cheques se destinavam a pagar os fornecimentos de mercadorias efectuado pela A. à empresa, pertencente ao pai do sacador dos cheques, tal como nós ficámos. Convicção que resultou, desde logo, das declarações do depoente E… que, como bem se refere na motivação da decisão da matéria de facto e ouvimos, disse que os cheques foram entregues pelo seu pai à A. para pagar contas da sua empresa.
Acrescendo que, as declarações da depoente H… foram bem precisas, quando afirmou que quer o E… quer o pai, umas vezes um outras vezes outro, quando iam à loja buscar a mercadoria, só a levantavam contra um meio de pagamento, no caso os cheques, que apesar de pré-datados eram uma segurança.
Disse: “Quem fosse lá entregava o cheque para lhe ser entregue a mercadoria, o E… sabia que chegava lá para levantar mercadoria e deixava o cheque, (sendo pré-datados, como os que estão em causa) que naquela data seria levantado.”.
E, foi na sequência, de a mesma referir, que a mercadoria não era entregue sem a entrega de um meio de pagamento, que à questão que lhe voltaram a fazer:
-“Os cheques não foram pagos e a mercadoria foi entregue?”, a mesma respondeu:
-“Naturalmente”.
Donde, não podermos partilhar de modo algum do convencimento da recorrente ao afirmar, que aquela expressão é bem demonstrativa do interesse da depoente no desfecho destes autos.
Soube, também, dizer que além de estarem a cobrar os cheques dos autos por não terem sido pagos, estão a tentar cobrar outros cheques e letras que lhes foram entregues para pagamento de mercadorias entregues à empresa “D…”.
Atento o exposto, não nos merece censura a convicção formada pelo Mº Juiz “a quo”, sendo nossa convicção que os pontos 4, 5 e 8 dados como provados, se mostram correctos face às provas produzidas nos autos, não existindo, assim, qualquer razão para que sejam alterados aqueles pontos, improcedendo a pretensão da recorrente a este propósito.

Mantendo-se, na íntegra, a matéria de facto dada como provada, há-se ser à luz da mesma que aferiremos da conduta da R. quanto à devolução à A. dos cheques em causa, com fundamento nas ordens de revogação por parte do sacador.

Passemos, então, à análise da questão de saber se deve ser revogada a decisão recorrida, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual como considera a recorrente, defendendo que a sua conduta, ao recusar o pagamento dos cheques, dentro do prazo legal da sua apresentação, em virtude do acatamento de uma ordem de revogação transmitida pelo sacador com fundamento em vicio na formação da vontade, não foi ilícita, nem culposa nem tão pouco se verifica qualquer nexo de causalidade.
Entendimento que não foi o do Tribunal “a quo” e, sempre com o devido respeito, não é o nosso.
Explicando.
Como é sabido, o contrato de depósito bancário é aquele pelo qual uma pessoa entrega determinado montante em dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade, obrigando-se a restitui-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
Por outro lado, ligado funcionalmente àquele contrato de depósito temos, o contrato ou convenção de cheque, que consiste na permissão dada pelo banco ao seu cliente para a mobilização dos fundos disponíveis na sua conta, vinculando-se o banco à obrigação de satisfazer as quantias tituladas pelos cheques emitidos por aquele.
Contrato este que assume, o tipo de prestação de serviço e são-lhe aplicáveis várias normas do contrato de mandato, cfr. resulta do disposto nos art.s 3º da LUCH e 1154º e 1156º do CC.
Pelo que, o banco, enquanto mandatário, perante a celebração deste contrato, fica vinculado a cumprir as instruções que lhe sejam dadas pelo seu cliente, enquanto mandante e, em particular, a proceder ao pagamento dos cheques emitidos por este, nos termos do disposto no art. 1161º, al. a), do CC.
O cheque contém uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, para pagar à vista a soma nele inscrita. Consiste num mandato dado pelo sacador, sem subordinação a qualquer condição, e no respeito pela quantia pecuniária nele inscrita. Com efeito, impor-lhe qualquer condição contrariaria as suas características de abstracção e autonomia, como é referido por José Maria Pires, in “Direito Bancário”, vol. II, pág. 320.
Características que, como os demais títulos de crédito, facilitam a circulação do cheque e a boa fé dos seus portadores, que beneficiam sempre da garantia do sacador quanto ao pagamento, cfr. art. 12º da LUCH.
Acontece, no caso, que a ré não procedeu ao pagamento dos cheques emitidos pelo mandante, seu cliente, e não o fez porque este lhe comunicou, em 23.02.2010, que os revogava, dando-lhe ordem para não serem pagos, alegando que os emitiu sob coacção física.
Assim, com base nesta ordem de revogação, o réu/recorrente recusou o pagamento dos cheques e devolveu-os com a indicação de cheque revogado, falta/vício na formação da vontade, defendendo, agora, que a sua conduta não foi ilícita, nem culposa, porque, alegadamente, cumpriu o contrato de mandato, subjacente à emissão de um cheque.
No entanto, não concordamos que assim seja.
A recorrente não pode, sob o argumento de cumprimento do contrato de mandato, proceder à violação de outras normas que se lhe impõem, sem justificação, porque não logrou provar ter existido.
Porque, através da convenção de cheque o banco assume um compromisso, no mercado em que actua, de honrar os cheques que forem emitidos sobre a conta de determinado cliente.
Assim, “ao recusar-se ilicitamente a fazê-lo, incorre em responsabilidade pelos danos que causar, sem prejuízo dos efeitos decorrentes da relação contratual. Esta interpretação – que conduz à responsabilidade extracontratual do banco quando recusa o pagamento do cheque, dentro do respectivo prazo de apresentação – é aquela que revela a compreensão mais adequada da Lei Uniforme (…)”, conforme refere Paulo Mota Pinto, citado na revista “Ab Instantia”, Abril 2013, Ano I, nº 1, em anotação a acórdão de 06.12.2012 do STJ, pág 149 .

Com efeito, no caso dos autos, o sacador dos cheques procedeu ao seu cancelamento, proibindo o seu pagamento com invocação de coacção, nos termos que constam das declarações juntas aos autos e, que o mesmo confirmou em julgamento serem de sua autoria, dentro do prazo de apresentação.
No entanto, cfr. resulta do disposto no referido art. 32º da LUCH, a revogação do cheque só produz efeitos depois de findo o prazo da sua apresentação a pagamento, estabelecido no artigo 29º da LUCH, embora, como resulta do teor literal daquele preceito, se não for revogado, ele pode ser pago pela entidade sacada mesmo depois do prazo referido. Vale isto por dizer que não há qualquer impedimento na revogação do cheque no prazo legalmente previsto para pagamento, sendo, no entanto a mesma ineficaz durante esse período; decorrido o mesmo, o acto revogatório adquire a sua força e o sacado já não pode pagar o cheque, cfr. o autor citado, José Maria Pires, na mesma obra pág. 332.
Deste modo, doutrinou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008 (Publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 4 de Abril de 2008) decidindo-se no mesmo que “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1ª parte do artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º, 2ª parte, do Dec. nº 13004 e 483º, nº 1, do Código Civil.”
Tudo, porque a validade e eficácia da revogação da ordem incorporada no cheque estão sujeitas às regras legais injuntivas que tutelam as relações cambiárias, em especial a do art. 32º da LUCH.
Sendo que, a 1ª parte do mesmo, ao prevenir que a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação, radica assumidamente na protecção do portador do cheque, bem como na credibilização do próprio cheque como meio de pagamento.
Pelo que, fixando o art. 29º da LUCH o prazo de oito dias para o cheque ser apresentado a pagamento, a revogação da ordem de pagamento só produz efeito após o decurso daquele prazo, nos termos do que dispõe o referido art. 32º, o que implica a sua irrevogabilidade durante o dito período.
Logo, dentro do referido prazo, o banco deve satisfazer os cheques que lhe sejam apresentados a pagamento, salvo se não houver fundos na conta sacada. Não o fazendo, sem motivo justificativo, incorre em responsabilidade civil extracontratual.
Tal como se refere na fundamentação daquele acórdão uniformizador, referido, a injunção contida no artigo 32º não tem unicamente como destinatário o sacador. Com fundamento, precisamente, na convenção de cheque, não se dirige apenas àquele, mas também ao sacado. Este incumpre a injunção, e viola o comando legal, se, dentro do prazo de apresentação, acatar a ordem de revogação e recusar o pagamento do cheque.
E, esta foi exactamente a situação que aconteceu no caso.
O Banco, recorrente, recusou o pagamento dos cheques juntos aos autos (fls. 13 a 38), todos eles apresentados a pagamento no prazo legal de 8 dias, indicando no verso de cada um, apenas: “Motivo: CHQ Rev. – Falta/vício, F. vontade”.
Tendo essa causa de não pagamento tido origem nas instruções de revogação, juntas a fls. 76 a 81, sem qualquer concretização e, sendo desse modo, tal como refere a decisão recorrida, que subscrevemos na íntegra: “…, caberia ao R – de forma a justificar a sua atuação – alegar e provar que o vício da vontade no qual o sacador sustentou a sua ordem de revogação foi concretizada em moldes aceitáveis. Note-se que como resulta dos documentos que o E… assinou aquando da apresentação da ordem de revogação, o mesmo alegou que “estava sob coação física” (fls 77 e 80). Segundo a testemunha I…, funcionário do R. que recebeu tal comunicação, o E… na altura da revogação disse que essa coação física teria origem em alguém ligado à A., reconhecendo ainda esta testemunha que o Banco aqui R. não diligenciou minimamente no sentido de saber se era verdade ou não. Já em tribunal, o mesmo E… disse que foi o seu pai quem lhe retirou, contra a sua vontade, os cheques, que estavam por si assinados, os preencheu e os entregou à A. para pagar contas da sua empresa, tendo a coação física sido exercida pelo seu pai já após à entrega desses cheques. Não se sabendo ao certo o que ocorreu, podemos dizer com segurança que o R. nunca deveria ter aceite nestas circunstâncias a ordem de revogação. É que quando se diz que a ordem de revogação (em situações muito delimitadas) é possível, é óbvio que não basta para que tal suceda que o sacador chegue ao banco sacado e se refira a um dos vícios da vontade previsto no Código Civil! Aceitar essa possibilidade, seria aceitar na prática que a revogação dos cheques ainda no prazo de apresentação se pudesse dar em qualquer circunstância (bastando para tal, invocar em abstrato, qual palavra passe, um dos vícios da vontade), o que claramente se recusa face ao teor da lei e do citado acórdão de uniformização de jurisprudência. É óbvio que se exige bem mais do que uma invocação vaga e abstrata de um vício de vontade; torna-se necessário circunstanciar os acontecimentos que terão provocado a emissão da ordem de pagamento consubstanciada nos cheques, de forma a poder se concluir se estamos perante um vício da vontade ou não. E nos casos como nos autos em que os factos que terão provocado a assinatura dos cheques contra vontade do sacador resultam de ilícito criminal, é necessário que existam os “sérios indícios” que o art. 8º n.º 2 e n.º 3 do Dec.-Lei n.º 454/91 (com a alteração da Lei 48/2005) exigem para o Banco poder recusar o pagamento de um cheque ainda que de valor inferior a 150,00 €. Assim, no mínimo o pedido de oposição ao pagamento para poder ser considerado pelo R. Banco, para além de circunstanciado (não bastando uma invocação abstrata e genérica de um vício da vontade), deveria ter sido acompanhado por uma cópia de uma participação crime apresentada pelo E…, de forma a poder ser considerado preenchido um requisito semelhante aos “sérios indícios” acima referido (sendo certo na explicação apresentada em tribunal pelo E… o crime seria de furto e não de coação, e o denunciado seria o seu pai e não alguém ligado à A…).”.
Atento o exposto e face ao Acórdão Uniformizador, o Tribunal “a quo” concluiu que o Banco, aqui recorrente, cometeu um acto ilícito, o que subscrevemos na íntegra, como já dissemos, porque a recusa de pagamento só seria legítima, durante o período de pagamento, se fundada em justa causa nas situações concretas em que o sacador transmita ao banco o furto ou extravio do cheque, a sua falsificação ou qualquer outra situação que afecte a vontade da emissão ou da entrega do cheque ao portador.
Tendo o Banco/sacado, para apuramento dessas situações, o dever de agir, com a máxima diligência, só devendo aceitar os motivos justificantes para o não pagamento, no período legal de apresentação, quando disponha de indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado.
Pelo que, não se mostra suficiente para justificar a recusa, a ordem de revogação genérica transmitida pelo sacador em que alega coacção, vício na formação da vontade, sem qualquer sustentáculo factual válido, tal como aconteceu no caso. Nem o Banco se pode limitar, sem a prática de qualquer diligência, que o indicie minimamente a recusar o pagamento dos cheques, com a simples alegação de que confiou na veracidade do fundamento invocado, que conforme se verifica das declarações juntas, eram instruções genéricas, desacompanhadas de qualquer facto que as comprovasse.
Motivo porque, entendemos não assistir razão à recorrente ao insurgir-se contra a decisão recorrida.
Concluímos que o comportamento da recorrente foi ilícito, porque recusou, sem causa justificativa, o pagamento de cheques apresentados no prazo legal, violando desse modo o disposto no artigo 32º da LUCH.
Não se suscitam dúvidas que, também, foi culposo, na medida em que a análise do teor das declarações de fls. 76 a 81, integrando a ordem de revogação dada pelo sacador dos cheques, foi leviana e acriticamente aceite pela ré, confiando que tinha havido vício na formação da vontade, sem diligenciar por outras informações que indiciassem minimamente aquela, alegada, coacção. Não pediu quaisquer informações ou provas sobre a alegada coacção, sendo que a invocação de cumprimento de boas práticas bancárias não justificam a conduta da ré, que como bem referiu a testemunha I…, (funcionário da mesma a quem foi transmitida a revogação dos cheques pelo sacador), sabia que a revogação era sem justa causa, por os cheques estarem dentro do prazo.
Pese embora isso, não provou, aliás, nem sequer alegou, ter assumido qualquer especial comportamento que o fizesse intuir da veracidade da alegação do sacador.
Donde, o banco sacado ter agido com imprudência manifesta, sem a diligência que lhe era exigível como profissional qualificado que é, remetendo-se à solução mais simplista, recusou o pagamento dos cheques.
Como bem decidiu, o douto acórdão do STJ de 12.10.2010 in www.dgsi.pt, “Para que o sistema de protecção assuma uma verdadeira efectividade prática, de acordo com a intenção do legislador, o requisito dos «indícios sérios» deve ser interpretado, de modo exigente, considerando, portanto, como ilícita a recusa de pagamento sempre que o Banco não demonstre estar na posse de elementos donde resulta uma forte probabilidade de se haver verificado uma das mencionadas anomalias.
E se não é de exigir ao Banco a prova efectiva da causa justificativa invocada pelo sacador, tal não o desonera, enquanto sacado, de agir com a máxima diligência, apenas aceitando os fundamentos invocados para o não pagamento, no período legal da apresentação, quando disponha dos aludidos «indícios sérios» de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, que tinha grande probabilidade de ter ocorrido, o que deve ser acompanhado de prova plausível.”.

E, aqui chegados resta-nos, apenas, rebater a posição da Ré, quando defende que não existe nexo de causalidade entre a sua conduta e o facto da Autora ter ficado privada dos valores inscritos nos cheques, uma vez que, também neste aspecto, não concordamos que assim seja, tal como não o considerou a decisão recorrida, acertadamente.
Discorda, assim, da decisão recorrida, argumentando que não existe nexo de causalidade entre a sua conduta e o facto de a autora ter ficado privada dos valores inscritos nos cheques, nas perspectivas que alega nas conclusões 13 e 14 da sua alegação, as quais, sempre com o devido respeito, não partilhamos, nem o fez a decisão recorrida, como se verifica do seguinte trecho que se transcreve:
Ora quanto a este último ponto, se o sacador não tiver fundos na conta sacada para cobrir as ordens de pagamento, então falha aquele nexo de causalidade, já que ainda que o banco não aceitasse a ordem de revogação dos cheques, ainda assim não pagaria a quantia por eles titulada; recorde-se que o artº 3º da LUCH estabelece que “o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador (…), e que o n.º 1 do art. 8º do Dec.-Lei n.º 454/91 apenas impõe o dever de pagamento de cheques até aos 150,00 €, e no caso todos eles têm valor superior.
Na sua contestação, o Banco R. não excecionou a inexistência de fundos na conta do E… que sempre o impediriam de pagar os cheques revogados por aquele E na nossa perspetiva, quem deveria deverá alegar (e provar) que ainda que se tivesse comportado conforme à lei o prejuízo teria sido provocado é precisamente o Banco R. Todavia, como se referiu, o R. nunca alega que caso não aceitasse a ordem de revogação com fundamento em vício da vontade, ainda assim não pagaria o valor dos cheques à A. por falta de fundos (num esforço de prova de ausência de dano numa circunstância de comportamento lícito alternativo); o que alega é que não o fez simplesmente face à ordem de revogação dada pelo sacador. Não o alegando, também o não provou.
(…).
Consideramos assim verificados todos os elementos dos quais o art. 483º do Cód. Civil faz depender o nascimento da obrigação de indemnizar.”.

Efectivamente, salvaguardando o respeito devido por outros entendimentos, concordamos com o entendimento que considera, nas situações, como é o caso, em que o Banco recusa o pagamento, no prazo de apresentação, não se apurando a falta de provisão na conta à ordem, recai sempre sobre ele o ónus da prova dos factos que revelam e demonstram a verificação de uma justa causa ou inexistência de prejuízos. Não o fazendo, a indemnização a atribuir corresponde ao valor do cheque, por representar esse o efectivo prejuízo pela violação da obrigação de pagamento que resulta do art. 32º da LUCH.
Isto porque, como bem refere a decisão recorrida:”…, se o Banco R. não tivesse injustificadamente aceite a ordem de revogação dos cheques, a A. teria recebido o seu montante, ou seja a quantia de 4.662,08 € referente ao valor titulado pelos cheques “revogados” (não tendo - repete-se - o R. excecionado que mesmo que a ordem de revogação não ocorresse a A. não receberia esse montante).”.
Pelo que, também, é nosso entendimento que existe nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito praticado pelo banco/sacado e os danos suportados pela A.

Como refere Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., pág. 405, a causa adequada corresponde a toda e qualquer condição do prejuízo e que só deixará de o ser se for de todo irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de serem conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática do facto
Em sede de apreciação do pressuposto da responsabilidade correspondente ao nexo de causalidade, afirmou-se no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência: “… de facto, um banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina que, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, o tomador se veja privado do respectivo montante.
Da revogação resulta normalmente o afastamento do pagamento voluntário por parte do sacador e é utópico presumir-se que este disponha de outros bens acessíveis que garantam solvabilidade (se a ordem de revogação visa evitar o pagamento dum cheque validamente emitido e detido pelo tomador, naturalmente que o sacador procurará evitar outras vias de cobrança, designadamente a executiva)”.
No caso, os factos apurados permitem concluir que os cheques, pré-datados, foram entregues à autora pela empresa “D…”, sua cliente, que lhos entregou para pagamento de mercadorias que a autora lhe forneceu e que esta não recebeu devido à recusa ilegítima da ré.
Temos, assim, por inquestionável que a recusa do não pagamento dos cheques pelo banco/sacado, ora recorrente determinou a diminuição do património da autora na medida correspondente e ainda nas despesas apuradas, facto que, em abstracto, tem também aptidão para produzir esse mesmo dano.
Donde, o dano que adveio para a autora traduziu-se, claramente, na privação das quantias tituladas pelos cheques, sendo que a causa adequada desse dano radicou na recusa de pagamento dos cheques revogados.

Assim, perante o exposto concluímos que se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art. 483º CC, não nos merecendo censura a sentença recorrida que não se vislumbra tenha violado qualquer dispositivo legal.

Improcede, assim, totalmente, a apelação.
*
III - DECISÃO
Atento o exposto, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 26 de Janeiro de 2015
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome