Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4738/15.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: VENDA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
NEGÓCIO INDIRECTO
ERRO SOBRE A BASE DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RP202106224738/15.0T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Estando as partes de acordo em que, através da celebração de um negócio de compra e venda de participações sociais, pretendiam proceder à transmissão da titularidade da empresa, deve concluir-se que celebraram um contrato atípico de transmissão indirecta da titularidade da sociedade.
II – Neste tipo contratual o adquirente tem o ónus de proceder a uma apreciação, a uma auditoria à sociedade que pretende comprar, ou, nas palavras do direito anglo-saxónico, um ónus de “due diligence”, sendo-lhe potencialmente aplicável a estatuição do art.º 570.º do Código Civil.
III – Não se tendo provado a existência de um vício ou não-conformidade consistente na discrepância entre a qualidade real ou existencial da sociedade vendida e a qualidade devida “ex contractu”, não se justifica sequer que se equacione a possibilidade legal de aplicação do erro sobre a base do negócio, previsto no art.º 252.º do Código Civil, ou o regime de compra e venda de coisas oneradas e defeituosas, nos termos previstos nos art.º 905.º e ss. do Código Civil.
IV – Por outro lado, não tendo as partes optado pela estipulação de uma cláusula de garantia, deve entender-se que não pretenderam distribuir por qualquer forma o risco de transmissão da sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4738/15.0T8MAI-A.P1
Comarca: [Juízo de Execução do Porto (J7); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Fernando Vilares Ferreira
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

B…, residente na …, n.º .., …, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, no valor global de € 218 333,45, contra C…, residente na …, …, Trofa, e D…, residente na Rua …, n.º …., …, Trofa, apresentando como título executivo uma escritura pública de “Confissão de Dívida e Hipoteca” e alegando que os Executados deixaram de pagar as prestações acordadas nessa escritura a partir de Outubro de 2011, no valor global de € 132.916,79.
Invoca ter direito ao valor da cláusula penal estabelecida no mesmo documento, no valor de € 124.999,88 (o montante de € 4.166,66 multiplicado pelas 30 prestações em falta).
Expõe que, entretanto, os Executados liquidaram, através de diversas entregas, a quantia global de € 58.333,24, cifrando-se o valor em dívida em € 189.583,43, acrescido de juros de mora.
Os Executados vieram deduzir oposição à execução, por embargos de executado, alegando, em síntese, que o valor referido na escritura de confissão de dívida e hipoteca exequenda, outorgada em 19/03/10, respeita ao preço que as partes acordaram atribuir às quotas da sociedade “E…, Lda.”, vendidas pela Exequente.
Dizem que, na mesma ocasião, a Exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou-lhes os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória do Registo Predial competente.
Alegam que, em 2012, a “E…, Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, tendo reclamado para esses anos, respectivamente a título de IRC e IVA, as quantias de € 36 659,96 e € 13.710,89. Bem como que, para garantir o pagamento destes valores, foi necessário dar em hipoteca um imóvel, no que despenderam a quantia global de € 681,00.
Dizem que a Exequente os induziu em erro quanto à conformidade tributária da actividade desenvolvida e declarada pela sociedade transmitida, aspectos que seriam de todo o relevo na decisão de contratar e na determinação do valo da quota.
Entendem que ao preço acordado pela transmissão deverá ser descontada a quantia de € 51.051,85 e a Exequente condenada a reconhecer que a título de preço da sociedade transmitida apenas tem a haver a quantia de € 148.948,15, descontada do valor que efectivamente foi já pago.
Mais alegam que os elementos determinantes do preço da venda das quotas da referida sociedade foram os equipamentos existentes e, sobretudo, a perspectiva de recebimento, ao abrigo de contrato firmado com o “Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação”[1], de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13 % do seu valor, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122.496,29.
Afirmam que a Exequente sabia – embora omitindo dolosamente de si essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI não seriam consideradas elegíveis, o que acarretaria a final o não recebimento de qualquer incentivo, o que se veio a verificar.
Entendem que a Exequente, na qualidade de vendedora, não cumpriu a prestação devida, segundo a interpretação objectiva do contrato, verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes.
Defendem terem direito a haver da Exequente a quantia correspondente ao valor que a sociedade deixou de beneficiar pela sua candidatura não ter sido deferida, devendo aqui considerar-se a parte não reembolsável do incentivo (€ 129.802,96) e o prémio de realização (€ 122.496,29), no valor global de € 252.299,25 – devendo operar-se a compensação recíproca dos créditos da Exequente e dos Executados na parte correspondente.
Em sede de impugnação motivada, alegam que, em meados de 2011, as partes acordaram numa restruturação do plano de pagamento prestacional, alterando o valor a amortizar mensalmente para € 2.083,33.
Dizem que, em conformidade, a partir de 20/10/11, procederam mensalmente, até 15/04/14, ao pagamento de tal quantia, num valor global de € 60.416,57.
Mais afirmam que a suspensão dos pagamentos acordados resulta de terem detectado os vícios supra referidos e da disponibilidade das partes para um entendimento consensual.
Entendem que não há, por isso, qualquer incumprimento da sua parte que justifique o accionamento da cláusula penal acordada, dos juros e compensação de outras despesas.
Concluem pedindo que os presentes embargos de executado sejam julgados procedentes, por provados, e, consequentemente, reconhecida judicialmente a redução do preço e o valor do seu contra crédito operando-se a compensação recíproca dos créditos das partes, julgando-se em conformidade a extinção dos presentes autos executivos.
A Exequente contestou a oposição deduzida, contrapondo, em síntese, que as partes acertaram a venda das quotas da sociedade pelo valor global de € 250.000,00, tendo recebido € 50.000,00 e acordado o pagamento do remanescente em prestações.
Assegura que a empresa foi entregue aos Embargantes, em meados de 2009, sem qualquer passivo e com a sua situação perante a administração tributária e a segurança social regularizada.
Diz que a aprovação de um projecto de investimento com o apoio do IAPMEI nunca foi considerado como condição para a celebração do negócio. Também que, independentemente disso, se a sociedade não deu seguimento às obrigações previstas neste contrato, fê-lo por sua iniciativa.
Alega que os Embargantes deduzem em Juízo uma oposição cuja falta de fundamento não desconhecem, alegando factos falsos e incorrectos com o fito de enganar o Tribunal e se tentarem esquivar ao pagamento dos valores que lhe são devidos.
Pede que os mesmos sejam punidos como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, de valor nunca inferior a € 2.000,00, para além dos honorários à mandatária.
Remata pedindo que os embargos sejam julgados improcedentes e os Embargantes condenados como litigantes de má-fé, conforme peticionado.
Os Embargantes vieram exercer o direito de contraditório quanto ao incidente de condenação como litigantes de má-fé, reiterando as alegações do requerimento inicial e impugnando a matéria de facto invocada para o efeito.
Alegam que a Exequente, ao contestar os embargos de executado, deduz oposição cuja falta de fundamento conhece, ora alterando, ora omitindo factos relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, fazendo um uso do processo judicial manifestamente reprovável e ilegítimo na medida em que procura enriquecer-se à custa do seu património.
Concluem pedindo que sejam absolvidos do pedido de condenação de litigante de má-fé contra si formulado e pedem que a Embargada seja condenada como litigante de má-fé numa multa que, atenta a gravidade dos factos, não poderá ser inferior a 10 UC e numa indemnização não inferior a € 2.500,00 a seu favor pelo valor dos honorários desembolsados.
Proferiu-se despacho saneador e dispensou-se a identificação do litígio e a selecção dos Temas da Prova.
Entretanto, os Embargantes vieram apresentar articulado superveniente, oportunamente admitido, alegando que as irregularidades fiscais aludidas no requerimento inicial deram origem a um processo contra-ordenacional com o n.º ……………..134, no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/16, pelo qual foi aplicada à arguida sociedade uma coima única no valor de € 11.848,34, acrescida das custas processuais, no valor de € 76,50.
Entendem que, em conformidade, do preço acordado pela transmissão deverá ainda ser descontado a quantia de € 11.924,84, correspondente ao valor destas coima e custas.
Rematam pedindo que a Exequente seja condenada a reconhecer que a título de preço da sociedade transmitida apenas tem a haver dos Executados a quantia de € 137.023,31, valor ao qual deverá ser descontado o que efectivamente já foi pago.
A Embargada veio pronunciar-se impugnando a generalidade da matéria de facto alegada.
Realizado o competente julgamento, proferiu-se sentença com a seguinte parte decisória: “Face ao exposto, e sem necessidade de outras considerações, julgo a presente Oposição à Execução mediante Embargos de Executado improcedentes por não provados, determinando-se o prosseguimento da execução.”
Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados interpuseram recurso, pedindo que seja alterada a resposta aos factos provados e não provados, bem como a matéria de direito nos termos nele requeridos, revogando-se a sentença proferida em primeira instância e, em sua substituição, proferido Acórdão que julgue os embargos totalmente procedentes, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
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A Exequente/Embargada apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O presente recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi proferido Acórdão neste Tribunal da Relação que julgou parcialmente procedente o fundamento de modificabilidade da matéria de facto, mas totalmente improcedente o recurso dos Recorrentes/Embargantes, confirmando-se a sentença recorrida.
Tendo os Embargantes interposto recurso de revista, foi proferido Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça, que considerou ter ficado por resolver a questão de saber se, perante as circunstâncias do caso, a cláusula penal tinha (ou não, como defendem) condições de ser accionada.
Mais consta de tal Acórdão que a discussão sobre a redução do preço e a compensação do contracrédito dos Embargantes se situa num plano jurídico distinto daquele em que deverá averiguar-se a (in)operância da cláusula penal, acrescentando não ser de estranhar que se encontre alguma comunicabilidade entre as circunstâncias que ditaram a improcedência daquelas questões e as que podem influir no accionamento da predita cláusula.
Foi a seguinte a decisão tomada neste Acórdão: “Em conformidade com o exposto, no provimento da revista, anula-se o acórdão recorrido na parte relacionada com a matéria acima identificada, devendo os autos baixar à Relação a fim de que essa matéria seja agora apreciada, se possível, pelos mesmos juízes.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir, designadamente suprindo a nulidade cometida.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como questão prévia, cumpre atender a que os Recorrentes vêm agora, em sede de recurso, invocar – entre o mais e a título supletivo – que, para o caso de se entender ser devido o accionamento da clausula penal, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, nunca a mesma poderá ser pelo valor de € 124.999,88, de € 64.583,55 ou de € 35.003,40, por todos estes valores se revelarem excessivamente onerosos feita a apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, devendo reduzir-se ao valor de € 1.000,00 (mil euros).
A Recorrida, em sede de contra-alegações, defende que os Recorrentes não podem vir agora discutir a cláusula penal devida em Juízo, por não o terem feito antes, em sede de embargos de executado.
Efectivamente, o objecto do recurso está balizado pelo objecto da acção, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.
Explica, a este respeito, António Abrantes Geraldes[3] que “Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que “Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados): a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo tribunal ad quem.”[4]
Analisados os autos, verifica-se que esta questão da eventual redução equitativa da cláusula penal é uma questão totalmente nova, que não foi suscitada pelos Embargantes/Recorrentes até agora, designadamente no seu articulado de Embargos de Executado.
Além disso, é pacificamente entendido que não se trata de questão de conhecimento oficioso do Tribunal.
Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/11, tendo como Relator Nuno Cameira[5]: “Recai sobre o devedor, que pretenda seja decretada a redução equitativa da cláusula penal, o ónus de alegar e provar os factos atinentes à manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pelo credor. (…) Se a autora/reconvinda, não só não alegou, na petição inicial ou na réplica, nenhum facto concreto visando demonstrar a manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pelos réus/reconvintes, como também nenhum pedido apresentou ao tribunal, sequer implicitamente, no sentido de decretar a redução equitativa da cláusula penal, e apenas nas alegação de apelação levantou pela primeira vez o problema, esta pretensão não pode obter vencimento.”
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que esta questão, por configurar uma questão nova, não pode ser conhecida por este Tribunal da Relação.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:
• Modificabilidade da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas e
• Accionamento da cláusula penal, admissão da compensação e redução do pedido exequendo.
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III – MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO POR REAPRECIAÇÃO DAS PROVAS PRODUZIDAS

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.
Tal como explica Abrantes Geraldes[6], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade."
Descendo ao caso concreto, temos que os Recorrentes pretendem a alteração da redacção dos Itens 1), 8), 9) e 11) dos Factos Provados e o aditamento de um conjunto de facto aos mesmos Factos Provados. Analisamos atentamente todas as provas produzidas nos autos.
Os Recorrentes começam por sustentar que, no que respeita ao concreto negócio celebrado entre as partes, além do que consta expressamente do artigo 1.º dos Factos Provados[7], com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos que deverão ser aditados ao elenco da matéria provada, alterando-se em conformidade a redacção do ponto 1.º dos Factos Provados nos termos supra indicados:
6.1 Nos finais de 2009 a embargada abordou os embargantes no sentido de lhes propor a venda da sociedade E…, Lda., pessoa colectiva n.º ……… pelo preço de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), negócio que estes aceitaram celebrar com a embargada.
6.2 Assim a título de sinal os embargantes entregaram à embargada a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo € 10.000,00 (dez mil euros), por cheque emitido em seu nome e entregue em Dezembro de 2009 e € 40.000,00 (quarenta mil euros) por depósito bancário efectuado em Fevereiro de 2010.
6.3 Por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgada por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F… em 19 de Março de 2010 os executados confessaram-se devedores à exequente do remanescente do preço da compra e venda da sociedade E… ainda em dívida, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
6.4 À data da compra e venda da referida sociedade pelos embargantes, aquela praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo, não dispunha de créditos a receber e apresentava uma actividade residual.
6.5 Os elementos determinantes do seu preço foram a inexistência de dívidas às Finanças e Segurança Social, o facto de tratar-se de um espaço licenciado, e a perspectiva de recebimento ao abrigo do Contrato n.º 2008/…., firmado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10% do seu valor (€ 129.802,96, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122.496,29).
Sustentam neste sentido que o Embargante C…, corroborado pelo seu irmão D…, pela embargada B…, bem como pela própria testemunha G…, explicou que a aquisição da E… lhe foi proposta por G…, nos finais de 2009, mediante a entrega da quantia de € 50.000,00 a título de sinal, tendo para o efeito entregue 10 000,00 por cheque em Dezembro de 2009 aquele G… e € 40.000,00 por depósito bancário em Fevereiro de 2010.
Alegam que o mesmo Embargante C…, corroborado pelas declarações do seu irmão D…, esclareceu que à data da aquisição da sociedade a mesma não tinha clientela, sendo que a clientela angariada proveio de outros negócios que os embargantes detinham, nomeadamente da H…, Lda. Bem como que o mesmo acrescentou que o determinante para a aceitabilidade do preço e realização do negócio foram o facto de tratar-se de uma empresa licenciada, a perspectiva de recebimento ao abrigo do contrato n.º 2008/…. firmado pela anterior gerência com o IAPMEI, a Regularidade Tributária e consequente ausência de dívidas à Administração Tributária e Segurança Social bem como a facilidade de pagamento.
Dizem que a testemunha I…, arrolada pela embargada, confirmou que, à data da aquisição da dita empresa pelos Embargantes, a mesma tinha uma actividade residual, inexistindo stocks, clientela, tendo referido mesmo que os seus salários à data se encontravam em dívida. Mais tendo confirmado que o que tornava atractiva a aquisição da referida sociedade e capaz de justificar o referido preço era o facto de tratar-se de uma empresa licenciada com a perspectiva de recebimento do IAPMEI de um incentivo reembolsável que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável acrescido de um prémio.
Expõem ainda que a Embargante B… e G… reconheceram que a empresa estava falida, inactiva, sem stocks, não dispondo de instalações próprias, mas antes alugadas, pelo que é desrazoável que na referida empresa com tão pouco tempo de existência e estagnada houvesse já sido realizado um investimento de € 200.000,00.
Também que as testemunhas J… e I… reiteraram por diversas vezes que o investimento feito na empresa oscilou entre € 60.000,00 a € 70.000,00 (isto é muito além dos indicados € 200.000,00 apontados pela embargada e por G…).
Apelam igualmente para o teor do Doc. n.º 6 junto com os embargos de executado, para o do documento do IAPMEI junto aos autos em 27/07/2016 e para o teor da Certidão Permanente da “E…”, na parte em que comprova que quer a candidatura, quer a respectiva aprovação e consequente celebração do contrato de concessão de incentivos se verificaram num período de gestão e titularidade de quotas pela Embargada B….
Emitem a opinião de que há razões para desacreditar nos depoimentos de B… e de G….
Vejamos: na fundamentação de facto devem ser atendidos todos os factos alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Dentro deste entendimento, a generalidade dos factos pretendidos aditar à factualidade provada assumem relevo jurídico.
No entanto, parte dos mesmos não se podem considerar provados, por falta de prova cabal, nos termos, aliás, expostos pela decisão recorrida.
Assim, as partes estão de acordo, resultando o mesmo dos respectivos articulados, que, nos finais de 2009 a Embargada abordou os Embargantes no sentido de lhes propor a venda da sociedade “E…, Lda.”, pessoa colectiva n.º ……… pelo preço de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), negócio que estes aceitaram celebrar com a embargada.
Além disso, resulta igualmente dos articulados, conjugados com os depoimentos de parte da Embargada B… e dos Embargantes D… e C… e G…, de forma coincidente, que, a título de sinal, os Embargantes entregaram à Embargada a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros), em duas tranches, respectivamente de € 10.000,00 (dez mil Euros) e € 40.000,00 (quarenta mil Euros).
Apenas não há consenso quanto à forma concreta de pagamento de cada uma destas tranches, alegando a Embargada, no respectivo articulado, que ambas estas quantias foram entregues através de cheque (cf. art.º 16.º) e referindo os Embargantes, nas alegações de recurso, que a quantia de € 10.000,00 foi entregue por cheque e a quantia de € 40 000,00 por depósito bancário. Sendo esta forma de pagamento absolutamente irrelevante, e não havendo prova documental a este respeito, decide-se não acrescentar esta factualidade concreta aos factos assentes.
As partes estão igualmente de acordo em que, por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgada por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F… em 19 de Março de 2010 os Executados confessaram-se devedores à Exequente do remanescente do preço da compra e venda da sociedade “E…” ainda em dívida, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
Além disso, resultou da prova produzida nos autos que, à data desta compra, a sociedade praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo e apresentava actividade residual.
Com efeito, resulta do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária de fls. 190 e ss. que a sociedade dos autos apenas declarou em 2009 proveitos no valor de € 13 158,98 e que no mesmo ano foi declarado, em termos de valores, a existência de peças de veículos automóveis, no montante de € 5.037,00. Bem como que, por referência ao mesmo ano, a empresa declarou um prejuízo fiscal no valor de € 43.582,55.
Complementarmente as partes e as testemunhas ouvidas confirmaram de forma coincidente, e sem qualquer contraprova, esta factualidade: a Embargada B… declarou, a este respeito, que a empresa estava a passar dificuldades e que o negócio dos autos foi feito “para salvar o investimento” (sic); o Embargante C… disse que a empresa, na altura da compra, “em stock tinha quase 0” (sic) e a testemunha G… afirmou que a empresa devia cerca de € 77 000,00 e não tinha stock, acrescentando que de 01/07/09 a 16/12/09 a empresa esteve inactiva.
Assim, damos razão aos Recorrentes ao pretenderem aditar esta factualidade aos factos provados, com a consequente eliminação da mesma dos Factos não provados.
Finalmente, resulta do teor dos documentos invocados pelos Recorrentes, sendo ainda aceite pacificamente pelas partes, que, em data anterior ao da celebração do contrato dos autos, a “E…” tinha celebrado o Contrato n.º 2008/…. com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, nos termos do qual tinha perspectiva de recebimento de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10% do seu valor (€ 129.802,96, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122.496,29).
Decide-se, pois, substituir o Item 1.º dos Factos Provados por estes quatro Itens mais explicativos, assim como aditando ainda a matéria de facto atinente ao contrato celebrado com o IAPMEI (alterando-se a numeração inicial da sentença recorrida).
Diversamente, a demais factualidade provada não poderá transitar dos factos não provados para os Factos Provados, por falta de prova cabal produzida nos autos, sendo que a factualidade agora aditada, atinente à falta de clientela, de stock, de créditos e de actividade, não permite – por si só – legitimar a conclusão da essencialidade da perspectiva de recebimento de um incentivo reembolsável por parte do IAPMEI.
Da mesma forma, as meras opiniões expressas pelas partes e testemunhas a este respeito não relevam como meios de prova atendíveis.
Tal como defende a Recorrida, não resulta dos autos, mormente de nenhuma testemunha ouvida ou da vasta prova documental dos autos, que tivesse sido condição ou elemento essencial para o negócio celebrado e preço definido a questão relativa ao projecto do IAPMEI.
A Embargada assegurou que nas duas reuniões em que esteve presente para negociação dos termos do negócio nunca se falou do contrato com o IAPMEI, afirmando repetidamente que esta questão “não foi condição do negócio” (sic).
A testemunha G…, pessoa que actuou como Procurador nas negociações do negócio em representação da sociedade, afirmou repetidamente que o preço da venda teve por base o licenciamento, as obras realizadas e o equipamento existente na empresa. Acrescentou que chegou a informar os Embargantes da existência do contrato firmado com o IAPMEI, mas que ele elemento não foi determinante para o negócio. Nas suas palavras: “Para eles o negócio era poderem mudar de onde estavam. Segundo era perto. Segundo estava devidamente licenciado…. O IAMPEI era secundário.” (sic).
Os próprios Embargantes acabaram, nas suas declarações, por confirmar esta tese explicativa do negócio.
Na verdade, o Embargante D… afirmou que decidiram comprar a empresa porque “já executávamos o mesmo trabalho e não estávamos licenciados para tal” (sic), acrescentando que também pesou na decisão a circunstância de terem de sair das instalações antigas. Em resposta a perguntas que lhe foram colocadas, declarou que só na altura da realização da escritura é que se falou no projecto do IAPMEI. Em resposta a mais perguntas, disse que esta conversa ocorreu em momento que já tinham decidido comprar.
No mesmo sentido, o Embargante C… afirmou que o preço foi fixado unilateralmente pelo Sr. G… e que precisavam de uma empresa licenciada (dizendo mesmo “Aquilo que nós adquirimos valia € 250.000,00 pelo facto de ser uma empresa licenciada…porque em stock há quase 0” – sic). Só no evoluir do seu depoimento, e em contradição com o afirmado anteriormente, é que acabou por afirmar a existência do projecto do IAPMEI foi um elemento decisivo da decisão de comprar a empresa pelo preço fixado.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se pela não alteração desta factualidade provada nos termos propostos.
Os Recorrentes sustentam seguidamente que, no que em concreto respeita à entrega e tomada de posse da “E…” pelos Embargantes, para além do que consta expressamente do artigo 7.º dos Factos Provados[8], resultam provados os seguintes factos que interessam à decisão da causa, pelo que deverão os mesmos serem aditados aos Factos Assentes:
7.3. A empresa E…, Lda. foi vendida aos embargantes pela embargada em 19/03/2019, na data da outorga da Confissão de Dívida e Hipoteca atrás referida, sendo que apenas na referida data é que os embargantes tomaram posse da dita sociedade.
7.4. Aquando da outorga da referida Confissão de dívida e Hipoteca a exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou aos executados os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória de Registo Predial competente, registos esse que se efectuaram em 24/03/2010.
Alegam que estes segmentos factuais resultam de elementos seguros de convicção resultantes de toda a prova carreada para os autos, não podendo os mesmos serem obliterados por este tribunal como indevidamente sucedeu com o tribunal a quo, até porque o apuramento da gestão de facto e de direito da sociedade é essencial para efeitos de responsabilidade das irregularidades fiscais encontradas aquando da acção inspectiva e respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010.
Especificam que os Embargantes C… e D… declararam de forma assertiva e fundada que apenas com a outorga da supra referida escritura, em 19/03/2010, ele e o irmão tomaram posse da “E…, Lda.”, sendo que até então não exercera qualquer actividade na e por conta da dita sociedade. Apelam igualmente aos depoimentos das testemunhas J… e K….
À luz da prova produzida nos autos, não conseguimos alcançar uma certeza quanto à data em que os Embargantes tomaram posse efectiva da empresa e passaram a gerir a mesma, pelo menos de facto.
Com efeito, enquanto estes afirmam terem tomado posse da “E…, Lda.” na data da outorga da escritura, a testemunha G… assegurou e reiterou que os mesmos tomaram posse da empresa no dia 17/12/09. Declarou expressamente que “Eles começaram a laborar logo no dia seguinte”; “No dia 17 de manhã já estavam a transportar mercadoria de um lado para o outro.” (sic).
Por outro lado, ao contrário do que afirmam os Recorrentes, as testemunhas J… e K… não demonstraram ter conhecimentos seguros quanto a esta questão.
Assim sendo, e não existindo qualquer motivo para dar mais credibilidade aos Embargantes do que à testemunha G…, resta-nos a indesejável solução do “non liquet” e, por inerência, a de não considerar a factualidade proposta como provada.
Mais sustentam os Recorrentes que se deverá alterar a redacção dos Itens 8)[9], 9)[10] e 11)[11] passando os mesmos a ter a seguinte redacção:
8.3. No Ano de 2012 a E…, Lda. foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, pelo que tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto presumidos foi considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos um resultado tributável para o exercício de 2009, no valor de 62.536,85 e para o exercício de 2010, no valor de 84.435,53, perfazendo o valor global de € 146.972,38, a título de IRC.
8.4. Mais apurou a Administração Tributária que os valores de omissões de proveitos em cada um dos anos ascenderam a € 121.419,40 em 2009 e € 118.785,80 em 2010, os quais se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, pelo que se apuraram os montantes de imposto que não foram entregues nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 29.º e 41.º do CIVA, de € 24.283,88 para o ano de 2009 e de € 24.351,08 para o ano de 2010, num total de € 48.634,96.
9.3 Após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento em prestações foi a dívida fiscal fixada em € 858,44 no que respeita a IRC do ano de 2009, sendo € 745,07 a título de quantia exequenda; € 11,91 a título de juros e € 101,46 a título de custas (Processo 1880201401019864) e € 10.523,30 no quer respeita ao IRC de 2010 (Processo 1880201401019872), sendo € 9.792,57 a título de quantia exequenda, € 449,31 a título de juros de mora e 218,42 a título de custas, encontrando-se os referidos valores integralmente pagos datando o pagamento final de 2015-11-03.
9.4 No que respeita a IVA dos exercícios de 2009 e 2010 foi a dívida fiscal fixada em € 28.532,09 tendo sido pago pela E… a título de capital (divida fiscal), juros e custas administrativas referentes ao processo de cobrança do referido valor (Processo 188020140102949) a quantia global de € 30.576,39, a qual se encontra integralmente paga desde final de Maio de 2016.
11 As irregularidades fiscais detectadas deram origem ao processo contraordenacional n.º ………………134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E…, Lda. uma coima única no valor de € 11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de € 76,50, cujo valor foi pago em prestações mensais, encontrando-se actualmente o processo extinto por pagamento, datando o último pagamento de 30/03/2017.
Justificam que o tribunal recorrido desconsiderou e não deu como provado, de forma discriminada, os concretos valores que foram pagos a título de IRC e IVA e coimas respeitantes a cada um dos exercícios aqui em causa – o de 2009 e o de 2010 - e omite dos factos dados como provados que todos os valores da liquidação adicional de IVA, IRC relativos aos exercícios de 2009 e 2010 bem como os valores decorrentes do processo contraordenacional instaurado na sequência das divergências encontradas quanto a tais exercícios, já se encontram integralmente pagos como resulta inequivocamente da abundante prova documental carreada para os autos pela Administração tributária (!!!).
Entendem que tais factos obliterados dos factos assentes não são inócuos à boa decisão do presente pleito pois que, no que respeita ao exercício de 2009 e primeiro trimestre de 2010, está em causa um período de gestão da empresa confiado à embargada B…, pelo que a responsabilidade pelo pagamento dos valores respeitantes a tal período serão da responsabilidade desta e já não dos aqui embargantes que nesta medida tem o direito de reclamar desta o correspondente valor procedendo-se à compensação reciproca dos créditos na parte correspondente e/ou redução do valor em dívida, na proporção do contra crédito.
É incontestável que todos estes factos complementares resultam directamente da análise das notificações de fls. 24 e 25, das informações e documentos obtidos junto da Autoridade Tributária a fls. 258 e ss., 466 e ss., 709 e 732 e ss. e dos documentos bancários de fls. 533 e ss. dos auto e que – efectivamente – apresentam uma realidade mais completa e consistente do que a exarada na sentença recorrida.
Decide-se, assim, substituir os Itens 8), 9), e 11), bem como o 12)[12] (que alude expressamente ao pagamento em prestações) pelos Itens propostos pelos Recorrentes.
Pretendem seguidamente os Recorrentes que sejam aditados os seguintes factos aos Factos Assentes:
22. Atentas as dificuldades surgidas os embargantes reduziram para metade o valor que mensalmente amortizavam por conta do pagamento prestacional acordado na escritura dada à execução, redução, esta que foi aceite pela embargada, sem qualquer penalidade para os embargantes.
23. Assim, entre 20/10/2011 a 15/04/2014 os embargantes liquidaram 29 prestações no valor de € 2.083,33 cada uma, perfazendo o valor global de € 60.416,57.
24. À data da suspensão dos pagamentos (a partir de 16/04/2014) o valor em dívida a título de capital ascendia ao valor global de € 64.583,55 (€ 200.000,00 - ([18 x € 4.166,66 ] + [29 x € 2.083,33]).
25. Os embargantes suspenderam os pagamentos devido às dificuldades económicas que atravessavam, motivadas pelo pagamento das quantias em dívida à Administração Tributária relacionadas com os exercícios de 2009 e 2010, pela crise e afrouxamento do mercado, e pelo não recebimento dos valores perspectivados receber do IAPMEI,
26. Após a suspensão dos pagamentos, as partes reuniram-se estando devidamente acompanhadas por advogado tendo acordado aguardar que os embargantes apresentassem uma solução de resolução do diferendo, não obstante não esperaram pelo novo contacto dos embargantes e ao contrário do acordado a embargada instaurou a presente execução, frustrando inesperadamente as negociações encetadas entre as partes.
27. A embargada não procedeu ao pagamento dos valores devidos à Administração tributária pela E…, Lda. respeitantes ao exercício de 2009 e ao 1.º trimestre de 2010, assim como não reembolsou os embargantes e/ou E… dos valores que a esse título foi pago.
Afirmam que as partes (por um lado os Embargantes e do outro lado o G…, na qualidade de representante da Embargada), e ao contrário do que consta na fundamentação da sentença recorrida, reconheceram a existência de conversações respeitante à restruturação do plano, nomeadamente que o embargante solicitou que o valor das prestações mensais reduzissem para metade atenta as dificuldades que enfrentavam, ao que aquele G…, na qualidade de representante de B…, não se opôs solicitando apenas que os embargantes continuassem a pagar, então, o indicado valor de € 2.083,33, sem qualquer penalização.
Dizem que o Embargante C…, de forma clara e credível, explicou ao tribunal que quando negociou com G… a aquisição da “E…” foi-lhe sempre asseverado por este último caso surgisse qualquer problema, nomeadamente decorrente de qualquer irregularidade e que respeitasse a um período anterior ao da aquisição da empresa pelos embargantes que não tinha de se preocupar pois que este pagaria ou compensaria o valor daí decorrente.
Acrescentam que suspenderam os pagamentos porque a Embargada (representada por G…) estava numa situação de incumprimento, pois que apesar de ter garantido que assumia a responsabilidade pelo pagamento dos valores que respeitassem ao período de gestão anterior ao da venda da E…, certo é que, advertida que se tornava necessário pagar determinados valores à Administração tributária, não o fez, prevalecendo-se do facto de à data já não ser gerente e sócia da referida sociedade, sendo que aos embargantes não lhes restou outra alternativa que não pagarem eles próprios sob pena de verem o património da sociedade onerado – o que foi confirmado pela testemunha J….
Tal como assumem os Recorrentes, não existe qualquer documento a atestar esta reestruturação da dívida o que, tal como se refere na decisão recorrida, se revela estranho quanto tiveram todo o cuidado de atestar por escritura pública a confissão de dívida.
Por outro lado, não foi produzida prova testemunhal inequívoca sobre a matéria: ao contrário da tese apresentada pelo Embargante C… (coincidente com a aqui defendida), a Embargada B… declarou que a diminuição do valor das prestações mensais foi uma decisão unilateral dos Executados e a testemunha G… disse, da mesma forma, que o Sr. C1… “não pediu a ninguém” (sic) para reduzir o valor das prestações para metade.
Ainda que isto não bastasse para desconsiderar o aditamento dos factos em questão, verifica-se que, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, o Recorrente D… não depôs expressamente sobre esta questão, tendo inclusivamente declarado que deixaram de pagar “porque as dificuldades começaram a aumentar” (sic) e que a testemunha J…, da mesma forma, se limitou a declarar que o facto de os Embargantes terem recebido menos incentivo do que o que estava previsto lhes criou dificuldades financeiras.
Decide-se, por inerência, não aditar mais qualquer factualidade aos autos para além da que já consta do Item 6)[13] dos Factos Provados.
Mais pretendem os Recorrentes que sejam aditados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
28. A exequente sabia – embora omitindo dolosamente aos executados essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI respeitantes às facturas da L… e da M… não seriam consideradas despesas elegíveis ao abrigo do Contrato de Incentivo à Inovação, o que acarretaria afinal o não recebimento do incentivo, prémio ou qualquer outra quantia ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, nos termos em que foi o referido contrato apresentado aos aqui embargantes.
29. A E… apenas recebeu do IAPMEI a quantia de € 41.198,21, valor este que teve posteriormente de devolver à referida edilidade.
Alegam neste sentido que resulta do depoimento da testemunha J… que a apresentação da candidatura da “E…” ao Programa de Incentivo do IAPMEI foi apresentada a 28/03/2008 (à data a embargada B… era sócia da sociedade) e que as despesas inicialmente apresentadas no período de gerência anterior ao da aquisição da sociedade aqui pelos embargantes (em 19/03/2010) não foram consideradas integralmente elegíveis, sendo que a causa para a não elegibilidade resultou do facto de existir duplicação de facturas (factura da “L…” e da “M…”) acerca do mesmo material, concretamente do material de descontaminação, e do facto de duas outras facturas não existirem na contabilidade.
Declaram que os problemas com as referidas facturas eram desconhecidos dos Embargantes, que não analisaram a contabilidade antes da entrega da sociedade, mas eram do conhecimento da Embargada que, em parte desse período, foi a única sócia da sociedade e que reconheceu ter existido um problema com as facturas da “L…” e ter garantido aos Embargantes que estavam reunidas todas as condições para que obtivessem o valor, incentivo e prémio do IAPMEI.
Mais sustentam que, conforme se extrai do documento junto aos autos pela “E…” em 27/07/2016 apenas foi pago a esta por conta do referido Contrato de Concessão a quantia de € 41.198,21, valor este que teve, entretanto, de ser integralmente reembolsado ao IPAMEI, como de resto reconhecido pelos embargantes D…, C… e pela testemunha J….
Começando pelo final, é inquestionável que resulta dos documentos já acima referidos (fls. 35 e ss. e 169 e ss.) que apenas foi pago à “E…” por conta do referido Contrato de Concessão celebrado com o IAPMEI a quantia de € 41.198,21, valor este que teve, entretanto, de ser integralmente reembolsado ao IPAMEI pelos Embargantes.
Assim, e por poder configurar-se como um facto relevante para a decisão da causa, pelo menos à luz da tese jurídica apresentada pelos Recorrentes, decide-se aditar esta factualidade aos Factos Provados.
Quanto ao demais, relembra-se que ficou já acima decidido que não resulta dos autos, mormente de nenhuma testemunha ouvida ou da vasta prova documental dos autos, que tivesse sido condição ou elemento essencial para o negócio celebrado e preço definido a questão relativa ao projecto do IAPMEI.
Esta consideração prejudica, de certa forma, a apreciação da factualidade agora pretendida aditar.
Independentemente disso, não há – da mesma forma – prova documental ou testemunhal produzida nos autos que comprove que a Embargada tivesse omitido dolosamente aos Embargantes que as despesas que apresentou junto do IAPMEI respeitantes às facturas da “L…” e da “M…” não seriam consideradas como despesas elegíveis.
A testemunha J… que, tal como já se referiu acima, prestou serviços à empresa quanto à elaboração do Projecto, explicou – para além de confirmar a factualidade invocada pelos Recorrentes – que os “problemas” surgidos com as indicadas facturas não foram contemporâneos da remessa destas para o IAPMEI, tendo diversamente resultado em momento posterior e resultantes de um dos fornecedores ter emitido uma nota de crédito e de outro ter sido declarado insolvente. Disse expressamente que tais “problemas” já surgiram no tempo da “nova gerência”.
Da mesma forma, a testemunha N…, dona do gabinete de contabilidade, confirmou que o 1.º pedido de reembolso já foi feito pela “nova gerência”, não tendo sido atendido pelos motivos acima referidos.
Perante estes depoimentos, não se tendo sequer apurado a partir de que data é que os Embargantes tomaram posse da empresa e inexistindo quaisquer elementos probatórios adicionais no sentido de que a Embargante pudesse prever que a situação se iria verificar, terá que se concluir pela não atendibilidade desta factualidade.
Finalmente os Recorrentes pretendem que seja aditado aos Factos Provados a seguinte factualidade:
30. Por comunicação datada de 11/11/2014 os embargantes comunicaram à embargada que procediam à compensação reciproca dos créditos entre as partes, bem como à redução do preço acordado pela venda da E…, nos termos e pelos fundamentos aí descritos, arrogando-se a final nada deverem à referida data à aqui embargada, antes efectuadas a compensação e redução comunicada, serem ainda credores da mesma pelo valor de € 276.267,81 (duzentos e setenta e seis mil duzentos e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimo).
Sustentam ter sido alegado em sede de embargos que, em momento anterior ao da instauração dos presentes autos, requereram à Exequente a redução do preço, através da comunicação que lhe enviaram em 11/11/2014, bem como a compensação dos valores que tinham a haver uma da outra (art.º 13.º e 31.º dos Embargos), tendo para o efeito junta prova documental nesse sentido (doc. 5 e doc. n.º 6), defendendo que este facto deveria ter sido dado como provado.
Assiste-lhe razão: esta factualidade foi por si alegada, está devidamente comprovada através da junção do documento de fls. 31 e ss. e assume relevo à luz das várias teses jurídicas defensáveis.
Adita-se, assim, aos Factos Provados a factualidade em causa.
A conclusão final é, portanto, a da parcial procedência deste fundamento de recurso.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados (Factos elencados na decisão recorrida com as alterações acima determinadas):

1) Nos finais de 2009, a Embargada abordou os Embargantes no sentido de lhes propor a venda da sociedade “E…, Lda.”, pessoa colectiva n.º ……… pelo preço de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros), negócio que estes aceitaram celebrar com a Embargada (por acordo).
2) A título de sinal, os Embargantes entregaram à Embargada a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros), em duas tranches, respectivamente de € 10.000,00 (dez mil Euros) e € 40.000,00 (quarenta mil Euros) (por acordo).
3) Por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgado por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F…, em 19 de Março de 2010, os Executados confessaram-se devedores à Exequente do remanescente do preço da compra e venda da sociedade “E…, Lda.” ainda em dívida, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil Euros) (por acordo).
4) Os executados assumiram o pagamento da referida quantia em dívida à exequente em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 4.166,66 cada uma, vencendo-se a primeira no dia 20 de Abril de 2010 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (por acordo).
5) De acordo com o estipulado na aludida escritura pública, em caso de falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações os executados ficaram obrigados a pagar à exequente uma cláusula penal de valor idêntico às prestações em falta (por acordo).
6) Como garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas pelos executados, o executado C… constituiu a favor do exequente hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma id na escritura pública de confissão de dívida ora referida (por acordo).
7) À data da compra e venda da referida sociedade pelos Embargantes, aquela praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo, não dispunha de créditos a receber e apresentava uma actividade residual.
8) Os executados pagaram na íntegra as prestações que se venceram até ao mês de Setembro de 2011 (primeiras 18 prestações), no valor de € 74.999,88 e liquidaram em Outubro de 2011 o montante de € 2.083,33 (por acordo).
9) Os executados liquidaram à exequente, através de diversas entregas, o montante de € 58.333,24, tendo deixado de efectuar qualquer pagamento a partir de Abril de 2014 (por acordo).
10) A exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou aos executados os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória de Registo Predial competente, registos esses que se efectuaram em 24/03/2010 (doc. de fls. 16 a 23).
11) No ano de 2012 a “E…, Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, pelo que tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto presumidos foi considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos um resultado tributável para o exercício de 2009, no valor de 62.536,85 e para o exercício de 2010, no valor de 84.435,53, perfazendo o valor global de € 146.972,38, a título de IRC.
12) Com recurso aos mesmos métodos, a Administração Tributária considerou que os valores de omissões de proveitos em cada um dos anos ascenderam a € 121.419,40 em 2009 e € 118.785,80 em 2010, os quais se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, apurando os montantes de imposto que não foram entregues nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 29.º e 41.º do CIVA, de € 24.283,88 para o ano de 2009 e de € 24.351,08 para o ano de 2010, num total de € 48.634,96.
13) Após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento em prestações foi a dívida fiscal fixada em € 858,44 no que respeita a IRC do ano de 2009, sendo € 745,07 a título de quantia exequenda; € 11,91 a título de juros e € 101,46 a título de custas (Processo 1880201401019864) e € 10.523,30 no quer respeita ao IRC de 2010 (Processo 1880201401019872), sendo € 9.792,57 a título de quantia exequenda, € 449,31 a título de juros de mora e 218,42 a título de custas, encontrando-se os referidos valores integralmente pagos datando o pagamento final de 2015-11-03.
14) No que respeita a IVA dos exercícios de 2009 e 2010 foi a dívida fiscal fixada em € 28.532,09 tendo sido pago pela E… a título de capital (divida fiscal), juros e custas administrativas referentes ao processo de cobrança do referido valor (Processo 188020140102949) a quantia global de € 30.576,39, a qual se encontra integralmente paga desde final de Maio de 2016.
15) Para garantir o pagamento dos referidos valores, foi necessário dar em hipoteca um imóvel, tendo os ora Executados despendido para o efeito a quantia global de € 681,00 (seiscentos e oitenta e um euros) respeitante à escritura, registos e impostos pagos (doc. de fls. 26).
16) As irregularidades fiscais detectadas deram origem ao processo contraordenacional n.º ………………134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E…, Lda. uma coima única no valor de € 11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de € 76,50, cujo valor foi pago em prestações mensais, encontrando-se actualmente o processo extinto por pagamento, datando o último pagamento de 30/03/2017.
17) Em data anterior à da celebração do contrato dos autos, a “E…” tinha celebrado o Contrato n.º 2008/…. com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, nos termos do qual tinha perspectiva de recebimento de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10% do seu valor (€ 129.802,96, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122.496,29).
18) A “E…” apenas recebeu do IAPMEI a quantia de € 41.198,21, valor este que teve posteriormente de devolver à referida entidade.
19) Por comunicação datada de 11/11/2014, com o teor de fls. 31 e ss. dos autos, os Embargantes comunicaram à embargada que procediam à compensação reciproca dos créditos entre as partes, bem como à redução do preço acordado pela venda da E…, nos termos e pelos fundamentos aí descritos, arrogando-se a final nada deverem à referida data à aqui embargada, antes efectuadas a compensação e redução comunicada, serem ainda credores da mesma pelo valor de € 276.267,81 (duzentos e setenta e seis mil duzentos e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimo).

Factos não Provados (Factos elencados na decisão recorrida com as alterações acima determinadas):

a) Que, em meados do ano de 2011, as partes acordaram numa restruturação do plano de pagamento prestacional, alterando o valor a amortizar mensalmente, o qual passava a ser de € 2.083,33 (dois mil e oitenta e três euros e trinta e três cêntimos) e, consequentemente, o número de prestações e duração do plano prestacional o qual se prolongaria pelos meses necessários à liquidação integral do capital contando que mensalmente fosse feita a entrega do referido valor acordado;
b) Que no demais, mantiveram os termos do clausulado anteriormente, nomeadamente no que respeita ao não vencimento de juros;
c) Que, em conformidade, a partir de 20/10/2011, os executados procederam mensalmente até 15/04/2014 ao pagamento da quantia de € 2.083,33, num valor global de € 60.416,57 (sessenta mil quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos);
d) Que a suspensão dos pagamentos acordados resulta de se ter detectado os vícios supra referidos e da disponibilidade das partes para um entendimento consensual;
e) Que os elementos determinantes do preço do negócio tivessem sido os equipamentos existentes e, sobretudo, a perspectiva de recebimento, ao abrigo do contrato n.º 2008/…., firmado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13% do seu valor (€ 129.802,96), acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122 496,29;
f) Que a exequente sabia – embora omitindo dolosamente aos executados essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI não seriam consideradas despesas elegíveis ao abrigo do Contrato de Incentivo à Inovação, o que acarretaria afinal o não recebimento de qualquer incentivo, prémio ou qualquer outra quantia ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN.
*
V – ACCIONAMENTO DA CLÁUSULA PENAL, ADMISSÃO DA COMPENSAÇÃO E REDUÇÃO DO PREÇO EXEQUENDO

A oposição à execução, mediante embargos, é um meio de defesa conferido ao executado em processo executivo.
Nesta forma de defesa compete ao executado e embargante alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente ou que impeçam a execução do título.
No caso vertente, o título executivo em presença é uma escritura pública de “Confissão de dívida e hipoteca”, título autêntico exarado por Notário em que se convencionaram prestações de dívida futuras (cf. Art. 703.º, n.º 1, alínea b), e 707.º, ambos do CP Civil).
É pacífico na doutrina e jurisprudência que este tipo de títulos só podem servir de base a execução desde que esteja provado, por documento conforme com as cláusulas da escritura, ou revestido de força executiva, que foi realizada alguma prestação em cumprimento do negócio.
Trata-se, no entanto, de questão não relevante no caso em apreciação, já que é pacífico terem sido realizadas prestações em cumprimento do negócio.
Do teor do respectivo título executivo resulta – entre o mais - que o pagamento da quantia de € 200.000,00 seria efectuado em quarenta e oito prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de quatro mil cento e sessenta e seis euros e sessenta e seis euros cada, a contar da data da escritura.
É, portanto, manifesto a constituição e o reconhecimento de obrigações pecuniárias dos Executados perante a Exequente e a fixação do modo concreto de pagamento em prestação das mesmas.
Consequentemente, tal escritura pública, juntamente com a prova complementar de que ocorreu início de execução do contrato, constitui título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não viessem a ser pagas pelos Executados na data do respectivo vencimento.
No presente recurso os Recorrentes sustentam que o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito na parte em que pressupôs ter ocorrido incumprimento contratual legítimo a accionar a cláusula penal, decidiu não ser de admitir a compensação nem a redução do pedido requerido.
Alegam que suspenderam os pagamentos por que atravessavam sérias dificuldades financeiras, decorrentes do afrouxamento do mercado, pagamentos às Finanças e não recebimento do IAPMEI.
Acrescentam que a Embargada lhes asseverou que, caso surgisse alguma irregularidade, problema ou dívida respeitante ao exercício anterior à venda, assumiria a responsabilidade pelo pagamento.
Mais alegam que a Exequente não cumpriu cabalmente a sua prestação, já que ocultou elementos decisivos na formação da sua vontade, dando, com a sua conduta anterior de incumprimento tributário, causa ao pagamento ao Fisco de quantias avultadas, que eles não esperavam ter de pagar e que respeitam a factos que não podem ser-lhes imputados.
Também que, por outro lado, resulta ainda inequivocamente que a Exequente vendeu as quotas sociais de uma empresa que garantiu cumprir todos os requisitos necessários a beneficiar de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável, tendo sido essa uma condição essencial e decisiva da celebração do negócio e do valor que às quotas foi atribuído. Tendo-se vindo a constatar que as despesas apresentadas ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação no período em que a exequente era sócia e gerente da “E…, Lda.”, afinal não tinham qualquer suporte documental – facto do conhecimento da exequente, mas que esta escondeu do conhecimento dos executados – e que por isso não eram aptas a fundar a procedência de tal incentivo requerido.
Defendem que a Exequente, na qualidade de vendedora, não cumpriu exactamente a prestação devida aos Executados, na qualidade de compradores, segundo a interpretação objectiva do contrato, verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real – sociedade que não cumpria os requisitos para ver deferida a candidatura feita Programa de Incentivo à Inovação do QREN ― e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes ― sociedade que cumpria os requisitos e consequentemente veria deferida a respectiva candidatura.
Bem como que o vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu e, por isso, a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso.
Entendem ter direito a verem reduzido do valor do preço em dívida € 64.583,55 a quantia de € 29.580,10, respeitante aos valores pagos à Administração tributária por conta de IVA, IRC, coima, juros, custas respeitantes ao exercício de 2009 e entre 1 de Janeiro a 19 de Março de 2010 acrescido do valor das despesas com a constituição de garantia de pagamento efectuada a favor da Administração Tributária – por referência a um período de gestão/exercício da responsabilidade da Embargada e/ou pelo qual a mesma se responsabilizou.
Entendemos não assistir razão aos Recorrentes neste fundamento de recurso.
Como se refere no Relatório supra, os Recorrentes/Embargantes deduziram os presentes embargos alegando que o valor referido na escritura de confissão de dívida e hipoteca exequenda, outorgada em 19/03/10, respeita ao preço que as partes acordaram atribuir às quotas da sociedade “E…, Lda.”, vendidas pela Exequente.
Dizem que, na mesma ocasião, a Exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou-lhes os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória do Registo Predial competente.
Esta alegação – aceite pela Embargada – corresponde a uma compra e venda de participações sociais, como forma de aquisição indirecta da empresa.
Isto é, as partes estão de acordo em que, através do negócio dos autos de compra e venda de participações sociais, se procedeu à transmissão indirecta da titularidade da empresa, celebrando, por esta forma, um contrato atípico.
Recorrendo às palavras de Pedro Pais de Vasconcelos[14], “O contrato indirecto não é verdadeiramente um contrato típico. É um contrato quase típico, cujo fim diverge da função típica do tipo de referência, ou melhor dito, do fim correspondente à sua função típica. É um contrato de tipo modificado, construído a partir de um tipo que é eleito como adequado a servir de base regulativa do contrato, mas que é modificado, que é adaptado, de modo a satisfazer o interesse das partes.” e concluindo que “O que é característico do contrato indirecto como contrato de tipo modificado é que a modificação incide no fim contratual que é, que passa a ser, outro em vez do típico.”
Estando este propósito de aquisição da sociedade aceite por ambas as partes, cumpre – num segundo momento – apreciar as obrigações típicas das partes neste negócio.
Esquematicamente diremos que o vendedor tem a obrigação de fornecer ao comprador um conjunto de informações completas e verdadeiras quanto ao objecto de negócio e de transmitir a sociedade livre de ónus ou defeitos.
Paralelamente, o comprador tem um dever de due diligence na aquisição da empresa. Trata-se de um ónus do adquirente de proceder a uma apreciação, a uma auditoria à sociedade que pretende comprar, ou, nas palavras do direito anglo-saxónico, um ónus de due diligence.
Explica, a este propósito, Pinto Monteiro[15] que “este dever de auto-obrigação obriga o potencial comprador a usar de toda a diligência para tomar conhecimento de factos que estão ao seu alcance conhecer, e também a analisar, de forma cuidada e criteriosa, a informação que lhe é disponibilizada pelo vendedor em cumprimento do dever de informação deste último.”
Sempre que o comprador não tenha usado da diligência devida ou exigível é potencialmente aplicável a estatuição do art.º 570.º do Código Civil, por se tratar de uma situação de culpa do lesado.
No caso em apreciação, os Recorrentes/compradores repetem nos articulados e alegações de recurso que não analisaram previamente os elementos da contabilidade da sociedade antes da aquisição das respectivas quotas, com intenção de comprovar que não tiveram possibilidade de se aperceberem de eventuais irregularidades contabilísticas.
Esta sua postura de imobilismo revela, pelo contrário, que estes não cumpriram o ónus de due diligente que sobre si impendia, de forma culposa, o que sempre legitimaria o recurso à figura da culpa do lesado na ocorrência dos danos sofridos.
Independentemente desta omissão culposa de diligência devida por parte dos Recorrentes, e tal como já resulta do acima decidido, não se produziu qualquer prova consistente nos autos no sentido de que tivesse sido condição ou elemento essencial para o negócio celebrado e preço definido a questão relativa ao projecto do IAPMEI.
Ou de que a Embargada tivesse omitido dolosamente aos Embargantes que as despesas que apresentou junto do IAPMEI respeitantes às facturas da “L…” e da “M…” não seriam consideradas como despesas elegíveis.
Ou ainda de que a Exequente tivesse ocultado dos Executados elementos decisivos para a formação da sua vontade, designadamente em relação às declarações contabilísticas da empresa.
Aliás, e como realça a Recorrida, a vasta documentação da acção inspectiva espelha que os valores que a “E…” foi obrigada a pagar à Autoridade Tributária são relativos, sobretudo, ao ano de 2010, ano em que a sociedade era já detida e gerida pelos Recorrentes.
Assim sendo, não se pode concluir – como pretendem os Recorrentes – que a Recorrida não cumpriu cabalmente a sua prestação, por se verificar um vício ou não-conformidade consistente na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu.
Por inerência, não se justifica sequer que se equacione a possibilidade legal de aplicação do erro sobre a base do negócio, previsto no art.º 252.º do Código Civil[16], ou o regime de compra e venda de coisas oneradas e defeituosas ao presente caso, nos termos previstos nos art.º 905.º e ss. do Código Civil[17].
Estes mesmos elementos factuais e considerações levam necessariamente à conclusão da inexistência de justificação legal para o não pagamento das prestações acordadas pelos Recorrentes.
Está provado que os executados liquidaram à exequente, através de diversas entregas, o montante de € 58.333,24, tendo deixado de efectuar qualquer pagamento a partir de Abril de 2014.
Não se podendo imputar à Recorrida qualquer culpa no surgimento de uma situação financeira adversa aos Recorrentes, é evidente que o mero “afrouxamento do mercado” (nas palavras destes) não justifica[18] legalmente o incumprimento contratual.
Além disso, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, não está provado nos autos que a Embargada lhes tivesse asseverado que, caso surgisse alguma irregularidade, problema ou dívida respeitante ao exercício anterior à venda, assumiria a responsabilidade pelo pagamento.
Assim sendo, e tendo ficado estipulado na escritura pública que, em de falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações os executados ficavam obrigados a pagar à exequente uma cláusula penal de valor idêntico às prestações em falta, conclui-se pela legitimidade da Recorrida no accionamento de tal cláusula penal.
Noutra perspectiva, diremos ainda que a circunstância de a obrigação de pagamento ao Fisco de “quantias avultadas” (no dizer dos Recorrentes) ter por fonte, pelo menos em parte, acções ou omissões da anterior gerência não obriga – por si só – os vendedores das quotas a suportar o valor monetário correspondente.
Tal como refere a Recorrida nas respectivas contra-alegações de recurso, com a transmissão da propriedade das participações sociais verificou-se a transmissão do risco relativo a essas mesmas participações sociais e às consequências daí decorrentes, ora ao nível dos proveitos, ora ao nível dos prejuízos, cujas quotas foram transmitidas com todos os direitos e obrigações, assumindo a empresa do modo como se encontrava.
Aliás, precisamente para obviar a este tipo de riscos, é comum a estipulação de cláusulas de garantia neste tipo de contratos, como forma de distribuição do risco e de especial protecção do adquirente.
Tipicamente, e entre outras sem qualquer conexão com a matéria de facto aqui em litígio, as partes recorrem frequentemente a business warranties[19], tendo por objecto precisamente as garantias relativas às características da situação objectiva da sociedade, capacidade creditícia, situações operativas e consistência patrimonial.
Não tendo as aqui partes optado pela inclusão de uma cláusula desta espécie na escritura pública dos autos, deve entender-se que estas não quiseram distribuir por qualquer forma o risco de transmissão da sociedade.
Tal como refere Clemente Galvão[20], “As declarações e garantias do vendedor variam de contrato para contrato, tendo em conta o peso relativo das partes e o processo de negociação. Serão assim mais ou menos protectoras de cada uma das partes consoante o acordo final a que se chegue. Pode assim suceder que, por determinado motivo, o vendedor pretenda vender a participação social (representativa, por exemplo, da totalidade do capital social da sociedade), com um mínimo de garantias ou mesmo sem qualquer garantia sobre a situação da sociedade em causa.”
Conclui-se, pois, pela improcedência deste fundamento de recurso e, por inerência, pela improcedência do presente recurso.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o fundamento de modificabilidade da matéria de facto, mas totalmente improcedente o recurso dos Recorrentes/Embargantes, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo dos Recorrentes/Embargantes - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 22 de Junho de 2021
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
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[1] Doravante apenas designado por IAPMEI por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, p. 109.
[4] In Acórdão de 28/05/2009 proferido no Processo n.º 160/09.5YFLSB, tendo como Relator Oliveira Rocha e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[5] Proferido no Processo n.º 1552/03.9TBVLG.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[6] Ob. Cit., pág. 277.
[7] Do seguinte teor: “Por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgado por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F… em 19 de Março de 2010 os executados confessaram-se devedores à exequente da quantia de € 200.000,00 (por acordo).”
[8] Do seguinte teor: “A exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou aos executados os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quotas e renúncia na Conservatória de Registo Predial competente, registos esses que se efectuaram em 24/03/2010 (doc. de fls. 16 a 23).”
[9] Do seguinte teor “No ano de 2012, a “E…, Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, tendo reclamado para esses anos, respectivamente a título de IRC e IVA, as quantias de € 146.972,38 e € 48.634,96 (fls. 190 a 201).”
[10] Do seguinte teor “Após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento em prestações, foi a dívida fiscal fixada respectivamente em € 36.659,96 e € 13.710,89 (fls. 24 e 25).”
[11] Do seguinte teor “As irregularidades fiscais detectadas deram origem a um processo contra-ordenacional n.º ………………134 no âmbito do qual foi aplicado à E…, Lda. uma coima única no valor de € 11.848.34, acrescida de custas processuais no valor de € 76,50 (doc. de fls. 296v a 300).”
[12] Do seguinte teor “Os embargantes têm vindo a liquidar a referida quantia em prestações mensais e à data do articulado superveniente já tinham liquidado 6 prestações (fls. 301 a 306).”
[13] Do seguinte teor “Os executados liquidaram à exequente, através de diversas entregas, o montante de € 58 333,24, tendo deixado de efectuar qualquer pagamento a partir de Abril de 2014.”
[14] In Contratos Atípicos, 2.ª Edição, 2009, Almedina, Colecção Teses, pág. 256.
[15] In “A venda de participações sociais como venda de empresa” in Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 3947, Ano 137.º, Coimbra Editora, pág. 77.
[16] Veja-se a este propósito, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/06/08, tendo como Relator Hélder Roque (proferido no Processo n.º 119/03.6TBANS.C1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão), onde se decidiu: “Tendo os autores celebrado o contrato de cessão de quotas da sociedade proprietária de um estabelecimento comercial, por estarem convencidos que este poderia continuar a laborar, enquanto condição necessária e insuperável, bom base na escassez dos elementos informativos de que dispunham, mas que implicavam uma muito considerável diminuição do valor do estabelecimento, devido a impossibilidade de obtenção de licença de utilização para o mesmo, cuja essencialidade os primeiros réus não desconheciam, incorrerem em erro que assumiu um papel determinante na decisão de contratar.”
[17] Apesar destes regimes terem sido desenhados para aplicação à compra e venda de coisas e de estarmos conscientes das posições doutrinárias de enquadramento destas situações na responsabilidade pré-contratual, não vemos óbice à aplicação dos mesmos à situação de compra e venda de uma sociedade. Tal como refere Clemente Galvão (in “Conteúdo e Incumprimento do Contrato de Compra e Venda” in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 70, 2010, pág. 637) “Se a intenção do comprador foi a de adquirir a direcção da empresa ou estabelecimento, então é de considerar que a intenção do comprador foi a de adquirir uma empresa (por via indirecta), com determinadas características, que integram o contrato e conformam a obrigação de entrega pontual do vendedor, justificando assim a aplicação ao caso da garantia prevista nos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC. Trata-se, no fundo, de dar um tratamento igual ao que é, substancialmente, igual.”
[18] Salvo em situações absolutamente excepcionais como aquela que agora atravessámos originada por uma pandemia mundial.
[19] Recorrendo, uma vez mais, à nomenclatura anglo-saxónica.
[20] Ob. Cit. acima.