Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1579/14.5TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: TESTAMENTO
NEGÓCIO USURÁRIO
IDOSO DEPENDENTE
Nº do Documento: RP201507081579/14.5TBVNG.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime jurídico dos negócios usurários previsto no art. 282º/1 CC é aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais, como é o caso das disposições testamentárias.
II- Configura um negócio jurídico usurário, nos termos do art. 282º/1 CC, a consciência e o aproveitamento pelo cuidador, que prestou assistência durante cerca de dois anos, da situação de inferioridade em mulher, viúva, com 75 para 77 anos, doente e dependente dos cuidados de terceira pessoa para a satisfação das necessidades básicas da vida (sofreu amputação do membro inferior direito, hemiparésia esquerda, mastectomia por carcinoma da mama direita), com algumas limitações cognitivas, sem ascendentes vivos e sem descendentes, a quem o cuidador impediu as visitas de familiares e amigos e que neste quadro vem a falecer, depois de dispor de todo o seu património a favor desse cuidador, sem causa justificativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Testamento-1579/14.5TBVNG
Proc. 389/15-TRP
Recorrente: B…
Recorrido: C…
-
Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira
Manuel Fernandes
*
*
*
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo ordinário em que figuram como:
- AUTOR: C…, residente na …, n.º …., …, Vila Nova de Gaia; e
- RÉ: B…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia
pede o Autor a título principal, a anulação de dois testamentos celebrados por D… em 14/03/2011 e 12/12/2011 e uma cessão gratuita de quinhão hereditário celebrada em 18/07/2012.
Alegou para o efeito e em síntese, a incapacidade da testadora e cedente para compreender o alcance do que declarou e tratarem-se de negócio usurários.
A título subsidiário pede que se declarem nulas as disposições testamentárias ao abrigo do disposto no artigo 2194.º, do C. C..
-
A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção, suscita a litispendência, porque no incidente de habilitação o Autor veio em incidente de intervenção espontânea opor-se à cessão.
Impugna os factos alegados a respeito da falta de capacidade da testadora e cedente.
-
Elaborou-se o despacho saneador, com enunciação do objeto da ação e temas de prova.
-
Realizou-se o julgamento, mantendo-se válida e regular a instância.
-
Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“ Pelo exposto, julga-se totalmente procedente a presente ação e, em consequência declaram-se anulados os negócios referidos em 3), 4) e 7), dos factos provados.
Custas pela Ré”.
-
A Ré veio interpor recurso da sentença.
-
Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
1º. Foi peticionado nestes autos anulação de dois testamentos e uma escritura de cessão com base em dois facto, a saber: a incapacidade da D… em querer e entender declarado e ainda por ser um negócio usurário, sendo que subsidiariamente, deveriam ser anulados com base no art. 2194º do Cód. Civil.
2º. Após julgamento, não se provou essa incapacidade de querer e entender da outorgante, mas julgou-se procedente a usura, nos termos do art. 282º n. 1 do Cód. Civil.
3º. Daí que, entende a Ré que o Tribunal, livremente e arbitrariamente entendeu passar uma esponja nas vontades da D… e, decidiu o que fazer com os seus bens, nada interessando o que aquela queria e pretendia fazer com os mesmos, quando não tinha herdeiros legitimários.
4º. Dos factos provados e da sua fundamentação, resulta evidente que a D… estava lucida e queria aqueles atos notariais, o que a levou a outorgar os mesmos, neste sentido vid. sentença que refere “Dos factos provados, não conseguimos retirar que, quer em relação aos testamentos, quer em relação à cessão gratuita do quinhão hereditário, a já falecida outorgante dos mesmos sofresse dessa incapacidade. Desde logo, se assim fosse, poderia ter sido detetada por quem redigiu tais negócios e nada disso se suscitou pois foram lavrados. Por outro lado, mesmo que tal incapacidade pudesse existir e não fosse detetável a terceiros, o certo é que, face à factualidade provada, não vemos que a mesma sofresse dessa incapacidade. Não há um qualquer facto que demonstre que a falecida não tivesse capacidade para entender e alcançar o teor do que estava a realizar.” (negrito nosso).
5º. Porém, apesar do referido em 4º, dá como provado, também, que: “…existe um quadro físico da falecida que demonstra que é uma pessoa frágil e dependente e de terceiros.” e “Alguém, com idade entre os setenta e cinco e setenta e sete anos, com aqueles problemas físicos e dependente totalmente de terceiros para poder sair do local onde a coloquem, está numa situação de inferioridade.” …“Temos deste modo uma situação de inferioridade de D…, um atuação consciente da Ré no sentido de criar ainda mais dependência daquela em relação a si, criando certamente um fortíssimo receio de ficar sozinha sem ninguém a cuidar de si.”… “…a obtenção de benefícios patrimoniais sem qualquer justificação pois aceita-se que a doente doasse bens, dinheiro à Ré, numa proporção aceitável mas não que se despojasse de todo o seu património para alguém que só conheceu cerca de dois anos antes de falecer.”, concluindo pelo preenchimento do referido no art. 282º n. 1 do Cód. Civil e, anulando todos os três atos notariais.
6º. No entendimento da Ré, a sentença proferida padece dos seguintes vícios:
a) – Errada aplicação do art. 282º n. 1 do Cód. Civil aos testamentos;
b) – Existir contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário e os depoimentos prestados;
c) – Não existe qualquer benefício excessivo ou usurário;
d) – Contradição entre factos provados e decisão;
e) – Violação do Principio da Confiança e da Igualdade.
A – Errada aplicação do art. 282º n. 1 do Cód. Civil aos testamentos:
7º. O art. 282º n. 1 do Cód. Civil não é de aplicação aos negócios jurídicos unilaterais não receptícios, como o é um testamento, apenas se aplicando aos negócios jurídicos bilaterais, neste sentido vid. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de datado de 27 de maio de 2010, in www.dgsi.pt que nos refere, sem margem para dúvidas o seguinte: “A questão a decidir no recurso é a de saber se, perante a matéria de facto dada como provada, se pode concluir que o testamento deve ser anulado, de acordo com o disposto no artigo 282º do Código Civil. …no caso concreto este artigo não tem aplicação, pois, como já se referiu, o testamento é um simples negócio unilateral.” (negrito nosso).
8º. Mais a mais quando o douto acórdão referido na sentença ora em crise refere-se a uma situação de coação moral e não de usura (vid. Acórdão do STJ de 22 de maio de 2003 referido na sentença).
9º. Posto que, por uma errada aplicação do Direito aos presentes autos, ainda que se entenda ser de anular a citada escritura, por usura, sempre seriam válidos os testamentos, dado que o instituto previsto no art. 282º n. 1 do Cód. Civil não se aplica aos testamentos, logo, dever-se-á alterar a sentença recorrida, por um douto Acórdão que valide tais testamentos.
B – Contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário e os depoimentos prestados;
10º. De acordo com a matéria de facto dada como provada e respetiva fundamentação para não anular os atos notariais por incapacidade, a mesma é contraditória para com os fundamentos para a procedência da usura, sendo que, para tal, não leva em linha de conta dos depoimentos prestados.
11º. Aqui chegados teremos que verificar o preenchimento dos três requisitos para se verificar a usura (1º. situação de inferioridade; 2º. atuação consciente do declaratário ou de terceiro e 3º. excesso ou injustiça no proveito), sendo que deveremos apreciar de forma diferenciada os testamentos (negócio unilaterais) da escritura (negócio bilateral), assim:
Testamentos:
12º. Quando á situação de inferioridade, o Tribunal preencheu a mesma com a dependência física da D…, alegando uma paralisia do membro inferior esquerdo, porém, nos autos, nada nos refere se existe paralisia total ou parcial e se é ao nível dos membros superiores ou inferiores ou de ambos.
13º. Por outro lado, atento os depoimentos prestados, verificamos que essa dependência de movimentação, apesar de existir, não era limitativa da sua vontade e do seu querer, pois, estando na posse plena das suas faculdades mentais, nada a impedia de realizar aqueles atos, a favor da Ré ou de terceira pessoa.
14º. E, conjugando os depoimentos prestados em sede de julgamento, que levaram o Tribunal a não anular os atos notariais, com base na incapacidade de entender e querer, a decisão acerca da peticionada usura teria que ser outra pois, para dar como provada a situação de inferioridade, teria que dar como provada a incapacidade de querer e entender tais atos notariais.
15º. Mas mais, atentos os depoimentos, verificamos que a falecida D… era uma pessoa lúcida, vigorosa, determinada, na plena posse das suas faculdades mentais, logo, em nada inferiorizada, pelo que, a decisão deveria ser diversa da sentenciada nos autos, isto atento os depoimentos das testemunhas do Autor, Srª. E…; Srª F…, Srª G… (esposa do Autor) e Srª H…, cujas transcrições referidas nas alegações aqui damos por incluídas, para os devidos e legais efeitos.
16º. Depoimentos esses corroborados pelas testemunhas, Dr. I…, Enf. J… e K…, cujas transcrições referidas nas alegações aqui damos por incluídas, para os devidos e legais efeitos, ou seja, todos referem uma pessoa vigorosa e mandona, logo, em nada inferiorizada pela sua situação física.
17º. Pelo que, o primeiro dos três requisitos da usura não se encontra preenchido, logo, por uma contradição insanável entre a fundamentação da sentença e a decisão e entre a prova produzida e a decisão, que leva a uma errada aplicação de Direito, dever-se-ia ter-se absolvido a Ré (nesta parte) e, em consequência validar-se tais testamentos, mas continuando,
18º. Prosseguindo para o segundo requisito da usura, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu pois, sendo ambos testamentos, não existe qualquer prova da intervenção da Ré na elaboração, pressão ou realização dos mesmos para obter para si um benefício, logo, não se encontra presente o segundo requisito, mais a mais quando os desconhecia, não tendo o Autor feito prova em contrário, nem sequer alegado tal na sua douta P.I.
19º. O que leva a uma pergunta como poderia a Ré tirar proveito de algo que desconhecia, daí que, face á ausência de factos e/ou matéria dada como provada, a verdade é que ambos os testamentos deveriam ter sido dados como válidos e, consequentemente, improcedentes os autos, pois, falta, desde logo, o segundo requisito, dado que, sem os conhecer, a Ré não poderia ter forçado a falecida D… á sua realização.
20º. Por fim, o terceiro requisito que, ainda que se dê como provados os dois anteriores, não conseguimos atingir como o Tribunal a quo o dá como provado pois, em 17 páginas de douta sentença, para este requisito temos…3 linhas que nos dizem: “E, por fim, a obtenção de benefícios patrimoniais sem qualquer justificação pois aceita-se que a doente doasse bens, dinheiro à Ré, numa proporção aceitável mas não que se despojasse de todo o seu património para alguém que só conheceu cerca de dois anos antes de falecer.”.
21º. Mas com base em que factos pode o Tribunal apurar que o benefício é excessivo? Para tal torna-se necessário saber os valores que estamos a tratar e, neste sentido, nada foi alegado e/ou provado.
22º. Saberá o Tribunal o estado do inventário do falecido marido da D… e em que moldes aquele havia disposto, por testamento, dos seus bens? Não sabe, nada se alegou em sede de P.I., ou mesmo em sede de Julgamento, logo, sem se ter alegado tal facto e/ou se saber do mesmo, não se poderia validar este terceiro requisito.
23º. Daí a parca fundamentação na douta sentença, pela simples razão que não existiam fundamentos…
24º. Mas mais, tratando-se de um testamento, como poderia a Ré saber desse benefício patrimonial excessivo? Os testamentos só são abertos á data da morte, aliás, só podem ser cumpridos após a morte. Claro que não podia saber desse benefício patrimonial excessivo.
25º. Sem nunca esquecer que a D… não tinha herdeiros legitimários, logo, poderia dispor dos seus bens como assim o entendesse, aliás, como o fez, porém, parece-nos que o Tribunal a quo pretende decidir qual o destino dos bens da D…, substituindo-se á vontade daquela.
26º. Ainda assim, o Tribunal a quo deu como provado esse benefício excessivo quando o está a entregar a alguém, que a Lei deixa afastar das heranças e, ao decidir da forma como decide, vai até contra a vontade da testadora pois, de acordo com o referido em 24º dos factos dados como provados “A própria D… terá afirmado, nomeadamente no citado dia 24/11/2012, que não queria ver o seu irmão, ora Autor.”, aliás, atente-se no documento de fls. 148 e 149, onde está plasmada a posição da falecida D…, posição essa dada diretamente á GNR, sem a presença da Ré.
27º. Mesmo sabendo que a Ré não pretendia beneficiar o seu irmão (aqui Autor), e que a Lei lhe conferia a faculdade de o afastar da sua herança, entendeu o Tribunal que a Ré foi manifestamente e excessivamente beneficiada, nem sequer dando qualquer hipótese á redução do negócio, apesar de referir que “…aceita-se que a doente doasse bens, dinheiro à Ré, numa proporção aceitável…”, porém, não explica o que é uma porção aceitável, apenas e só pretende alterar a sua vontade em três atos, sem se provar qual o benefício, nem refere qual esse beneficio e a medida do excessivo.
28º. Concluindo nesta parte e quanto aos testamentos, dúvidas não existem que não se encontra preenchido o terceiro requisito, pois, desconhecendo a existência dos mesmos e o seu teor, desconhecendo-se o valor desse beneficio para saber se era excessivo ou não, não podia a Ré adivinhar que seria beneficiária e que receberia, primeiro 75% e depois a totalidade dos bens da falecida D…, daí que não se pode dar como provada a existência de um benefício excessivo da Ré, logo, por uma errada aplicação do Direito, conjugado com a matéria dada como provada e ainda a prova testemunhal, imporem-se decisão diversa, nesta parte, devendo absolver-se a Ré do pedido, consequentemente validando-se do pedido.
Da escritura:
29º. Relativamente ao preenchimento do primeiro requisito, remetemos e damos aqui por incluído o referido de 12º a 17º da presente, logo, dever-se-á julgar esse requisito por não preenchido, logo, por uma errada aplicação do direito, levando em linha de conta a matéria de facto dada como provada e os respetivos depoimentos prestados em sede de julgamento, dever-se-á absolver a Ré do pedido e, consequentemente validar-se tal escritura.
30º. Quanto aos dois requisitos sobrantes, para sabermos se existe um benefício excessivo da Ré, teremos que verificar se existiu uma atuação consciente da Ré em obrigar, incutir uma ideia, sugerir, forçar ou provocar a outorga de tal escritura.
31º. Atento o depoimento da Srª Notária que refere expressamente e sem qualquer margem para dúvidas que a D… entendia e queria os atos que estava a praticar (vid. depoimento da mesma, gravado no sistema integrado de gravação digital, retirado da Audiência de Julgamento de 22 de outubro de 2014, entre os minutos 02:10 a 04:35 que expressamente, de forma isenta e clara refere relativamente aos trâmites e á D… “… tenho uma conversa com a pessoa para saber se está ou não está consciente e tem que ser ela a esclarecer o que quer, tem que ser ela a dizê-lo…sendo pessoas com alguma idade…tenho os mesmos cuidados a Dona D… estava é uma pessoa com muita vivacidade não me suscitou qualquer dúvida…não tem dúvida absolutamente nenhuma…tenho o cuidado de esclarece as consequências do ato e depois de realizada torna a esclarecer as consequências do ato…não fazia a escritura…já recusei fazer escrituras…”)
32º. Depoimento esse corroborado pelo próprio médico que a acompanhava que foi claro a responder ao Ilustre Mandatário do Autor, referindo que “…era frequente falar de construir um lar…” (vid. gravação do seu depoimento entre os minutos 13:58 e 15:00 que “…ia ser construído um lar, era frequente falar…fazia parte das conversas…é possível que quando se falou do lar…é possível que sim…era tema de conversa…”), referindo ao porque da outorga da escritura.
33º. Daí que, tenha sido lógico que a escritura de cessão tenha avançado por vontade da falecida D…, aliás, a testemunha K… a (cujo depoimento estava gravado no sistema integrado de gravação digital, retirado da Audiência de Julgamento de 22 de outubro de 2014, entre os minutos 02:00 a 07:00) refere que a mesma “…queria garantir que ninguém lhe tirava nada…”, referindo-se ao medo que a falecida D… tinha que o seu irmão viesse a ser seu herdeiro, que, o Tribunal agora pretende beneficiar, dizemos nós, usurariamente (se seguíssemos os seus fundamentos nestes autos).
34º. Consequentemente, não se preenchendo o segundo requisito, ter-se-ia que absolver a Ré, merce dessa errada aplicação do Direito, conjugado com a prova produzida.
35º. Quanto ao terceiro e último requisito da usura, nunca poderia o Tribunal a quo dar como o mesmo, uma vez que, para o dar como provado, nem sequer tomou em consideração o teor da citada escritura.
36º. Isto porque, verificaria que a mesma foi outorgada sob condição, a saber: “…impõe à donatária o encargo de lhe prestar, a ela doadora, a devida assistência tendente ao seu bem estar e saúde, fornecendo-lhe todos os alimentos e medicamentos de que carecer, bem como de lhe prestar todos os cuidados doméstico de que necessite”.
37º. Ora, atenta esta condição, a Ré obrigou-se perante a falecida D… em tratar e cuidar da mesma até ao fim da sua vida, daí que, reportando-nos nós á data em que o negócio foi celebrado, como podiam as intervenientes em tal ato antecipar a morte da D… para daí a meio ano?
38º. Daí que, certamente, o Tribunal não verificou o teor daquela escritura pois, atenta a condição lá imposta, afasta por completo qualquer usura na disposição dos bens pois, até podia vir a dar-se a hipótese dos bens não serem suficientes para pagar o tratamento da D… até á sua morte.
39º. Concluindo nesta parte, se o Tribunal a quo entendeu que a mesma percebia o alcance dos seus atos (notariais), nunca poderia vir anular os mesmos com base na usura, pois, para isso teria que ser alegado e provado pelo Autor qual o valor aqui em causa e que a mesma estava, digamos, equivocada, acerca do valor de tais disposições.
40º. Mas não, o Tribunal refere expressamente que “… face á factualidade provada, não vemos que a mesma sofresse dessa incapacidade. Não há um qualquer facto que demonstre que a falecida não tivesse capacidade para entender e alcançar o teor do que estava a realizar.”, daí que, se tivesse tomado o cuidado e verificar a condição imposta á Ré veria que o negócio poderia até nem ser lucrativo (perdoem-nos a expressão), quanto mais usurário.
41º. Pelo que, existe uma contradição insanável entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário, tudo conjugado com os depoimentos, pois, ambas não são compatíveis e uma anularia a outra, logo, entendendo-se que a falecida D… estava consciente do que estava a outorgar, logo, nunca se poderia considerar o negócio usurário, mais a mais com a sua imposição de vontades e teimosia, como referido por vários testemunhas, acima referidas, bem como, pela condição lá imposta, logo, aqui, dever-se-á retificar essa situação criada pelo Tribunal a quo e absolver-se a Ré do pedido de usura.
C – Da falta de benefício excessivo ou usurário:
42º. Quanto ao preenchimento do requisito do beneficio excessivo e/ou usura, entendemos que o mesmo não está preenchido, uma vez que, para tal tornava-se necessário ter sido alegado na P.I. e provado em julgamento qual o valor em questão.
43º. Daí que, por desconhecermos como o Tribunal chegou a tal conclusão, sem a fundamentar, ter-se-á que julgar que não existe tal benefício excessivo, mais a mais quando o Tribunal dá como provado a plenitude de consciência da falecida D…, facto também atestado pela Srª Notária, conforme supra relatado.
44º. Por outro lado, o Tribunal não verificou que a escritura de doação foi outorgada sob condição, tendo a mesma sido aceite e cumprida pela Ré, até ao final de vida da D….
45º. Sendo que a vontade das partes, daqueles atos notariais, deverá ser mantida, pois, era aquela a vontade consciente e não outra, como o Tribunal a quo agora quer impor.
46º. Pelo que, salvo melhor opinião em contrário, dúvidas não existirão que os requisitos do art. 282º n. 1 do Cód Civil não estão preenchidos, logo, existiu uma errada aplicação do Direito.
D – Contradição entre factos provados e a prova produzida para com a decisão:
47º. Entendemos que existe uma contradição insanável entre a matéria dada como provada, a prova produzida e a decisão, dado que, conforme ponto 8 dos factos provados, a D… faleceu seu descendentes e/ou ascendestes, logo poderia dispor de todos os seus bens.
48º. Dá como provada a matéria dos pontos nºs 3, 4 e 7, fundamentado que a falecida D… não sofria de qualquer incapacidade, entendendo o querer e o teor do que estava a realizar, aliás, atentas as transcrições supra referidas, verificamos que todas elas (testemunhas do Autor e da Ré) declaram que a mesma era astuta, decidida e teimosa, logo sabia o que queria.
49º. Mas mesmas assim, o Tribunal a quo decide anular, quer os testamentos, quer a escritura, com base na usura, esquecendo-se de dar como provado esse excessivo benefício, sem o fundamentar e sem o mesmo ser quesitado.
50º. Daí que chegamos à conclusão que é flagrante a contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão, atenta a consciência da D… quanto ao que estava a outorgar e ainda por cima, outorgando uma escritura sob condição, que poderia ter durando mais 5, 10 ou 20 anos para cumprir.
51º. Pelo que, estando consciente dos seus atos, nunca poderia ter sido ludibriada a outorgar três atos notariais, sendo vítima de usura, quando a própria Srª Notária refere que a mesma é que explicou tudo quanto pretendia outorgar.
52º. Daí que, da forma como foi proferida a decisão recorrida, de nada interessou a vontade da D…, entendendo o Tribunal, agora, que a mesma de nada valia, apesar de tomada em consciência.
53º. Facto diferente seria se os atos fossem realizados sob coação moral, algo nunca levanto nestes autos.
54º. Ora, a usura pressupõe todos os três requisitos acima explanados, ou seja “I - No conceito de usura à face do atual direito positivo português patenteiam-se as seguintes dimensões: 1) o desequilíbrio ou desproporção no seio do negócio; 2) a situação de fraqueza do lesado; a exploração reprovável pelo usurário.” como nos é referido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2012 in www.dgsi.pt.
55º. E, em face da matéria de facto dada como provada, não percebemos onde existe a fraqueza do lesado, que até outorgou dois testamentos, sem conhecimento da Ré, logo, se desconhecia, não podia forçar a outorga dos mesmos, bem como, quanto à escritura de cessão, atenta a condição imposta, nunca existiria exploração, e muito menos desproporção no negócio, pois, o mesmo tem que ser avaliado à data e não agora e, naquela data, para a condição ser cumprida, poderia durar muitos anos (aliás, como se pretendia).
56º. Posto que, atentos estes factos, impunha-se uma decisão diversa, dado que, a contradição é evidente entre a decisão e os factos provados.
E – Da violação do Princípio da Confiança e da Igualdade:
57º. Da forma a sentença recorrida foi proferida, no entendimento da Ré, existiu uma violação do do Principio da Confiança, previsto no art. 2º e do Principio da Igualdade, previsto no art. 13º, ambos da Constituição da República Portuguesa (doravante C.R.P.), isto porque:
58º. Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de março de 2007, in www.dgsi.pt “1) O principio da confiança postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, razão pela qual é inconstitucional a norma que, por sua natureza, obvie de forma intolerável ou arbitrária àquele mínimo de certeza e segurança que os cidadãos, a comunidade e o direito têm de respeitar.”
59º. Daí que, quando outorgou os testamentos, tinha a falecida D… a confiança que os mesmos iriam ser cumpridos, e, ainda em vida e sob condição, entendeu por bem doar a sua meação (na herança do falecido marido) e o seu quinhão hereditário (na mesma herança), ambos à Ré, sob condição de esta lhe providenciar todos os confortos, alimentação, etc., até ao final da sua vida.
60º. Tais atos apenas foram outorgados com a confiança que o sistema legislativo e jurídico lhe conferiram e que o Tribunal sentenciou ter sido lavrada com todo o querer, consentimento e vontade da falecida D….
61º. Logo, a pergunta que se impõe é a seguinte: se a D… tivesse a noção que essa mesma confiança no sistema jurídico Português, que autoriza aquele tipo de atos de disposição de bens (mais a mais quando não tinha herdeiros legitimários, logo, não se colocavam problemas de afetar a legítima, etc.), seria agora abalada por uma decisão, em nosso entender inconstitucional, teria efetuado a mesma?
62º. Daí que entendamos que a sentença ora proferida, viola a C.R.P., nomeadamente o Principio da Confiança pois, a mesma ao outorgar tais atos notarias tinha a esperança que tais nunca fossem colocados em causa, pois, entendeu que os mesmos não seriam usurários, daí que, a interpretação dada pelo Tribunal ao art. 282º n 1 do Cód. Civil, na forma em como foi efetuada, entra em rota de colisão com a C.R.P., pois, limita o direito da falecida D… em dispor da forma como entender dos seus bens e a favor de quem assim o entender.
63º. Por outro lado, a interpretação do Tribunal a quo, relativamente ao art. 282º n. 1 do Cód. Civil, entra também em rota de colisão com o art. 13º da C.R.P., uma vez que deixa de tratar de forma igual, situações que merecem o mesmo tratamento ao nível jurídico, isto porque:
64º. Entende o Tribunal qualificar, quer os testamentos, quer a escritura como usurários, pois, a Ré recebe bens excessivos e injustificados (sem prejuízo de não saber que bens, quais o seus valores e esquecendo-se o Tribunal da condição imposta),
65º. Contudo, tal decisão irá beneficiar o Autor em igual medida, apesar de ser contra a vontade da falecida D…, daí que perguntámo-nos, este negócio não passa agora a usurário para com o irmão da falecida? Pessoa essa que preferiu afastar o mesmo da sua sucessão, direito que lhe é conferido pelo Cód. Civil.
66º. Daí que, o Tribunal a quo ao atuar desta forma, criou uma forma desigual de tratar situações iguais, interpretando-se da forma como se interpretou tal norma, afasta-se uma pessoa para beneficiar outra pessoa, logo, viola-se o disposto no art. 13º n. 1 e 2º da C.R.P., dado que, não se pode violar a confiança da pessoa que outorgou aqueles atos e depois, viola-se a igualdade de uma pessoa, em detrimento de uma outra que, irá ocupar, exatamente a mesma posição da Ré, pessoa essa que é o Autor.
67º. Resumindo, pretende o Tribunal com esta decisão, ir contra a vontade da testadora e doadora porque, por seu livre arbítrio, entende que a Ré é excessivamente beneficiada, mas, não deixa de entender que o Autor poderá receber tudo aquilo que a falecida D… decidiu deixar à Ré, não sendo desta forma excessivo que o mesmo receba tudo.
68º. Daí que, por existir usura para uma (a Ré) e para outro (o Autor) não, entendemos que a interpretação dada pelo Tribunal ao art. 282º n. 1 do Cód. Civil viola o Princípio da Igualdade previsto no art. 13º n. 1 e 2 da C.R.P., logo, pela inconstitucionalidade da douta sentença proferida, dever-se-á substituir a mesma por um douto acórdão que validade aqueles atos notariais e absolva a Ré dos pedidos.
69º. Por fim, mas sem relevância para sede de Recurso, importa concluir o seguinte: a fls. 14 da douta sentença encontramos referido o seguinte no §5 “…passar a residir num improvisado centro de cuidados de idosos (desconhece-se se de forma administrativamente legal)…”
70º. Neste ponto, deveria o Tribunal a quo ter verificado que, qualquer pessoa, poderá cuidar em sua casa, de até três pessoas, sem necessitar de qualquer autorização administrativa, mas, referimos, nada interessa para o presente recurso.
71º. Resumindo, ao proferir a sentença que proferiu, o Tribunal a quo, nos termos do art. 639º n. 1 e 2 do Cód. de Processo Civil, violou o artigo 282º n. 1 do Cód. Civil, pois, o mesmo nunca será de aplicação aos testamentos, por não se encontrarem preenchidos os seus requisitos, sendo que, atenta a matéria de facto dada como provada, teríamos uma decisão diferente da que foi proferida, pois uma é incompatível com a outra, conforme supra descrito.
72º. Daí que entendemos que existiu, conforme supra concluído e explanado, uma errada aplicação de Direito, uma errada interpretação do Direito aplicável e ainda uma decisão contraditória entre a matéria de facto dada como provada e a decisão, sem prescindir ainda que entendemos que a sentença proferida viola os art.s 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa, conforme já explanado.
73º. Daí que dever-se-á revogar a sentença proferida e substituir a mesma por douto Acórdão que julgue válidos todos os atos notariais, porquanto, não existe preenchimento dos requisitos do art. 282º n. 1 do Cód. Civil.
Termos em que, e nos demais de Direito mas sempre com o douto suprimento de V.s Excelências, deverá o presente recurso ser recebido e julgado procedente por provado, nomeadamente por:
a) – Errada aplicação do art. 282º n. 1 do Cód. Civil aos testamentos;
b) – Existir contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário e os depoimentos prestados;
c) – Não existe qualquer benefício excessivo ou usurário;
d) – Contradição entre factos provados e decisão;
e) – Violação do Principio da Confiança e da Igualdade.
Termina por pedir que se julguem improcedentes todos os pedidos do Autor sendo a Ré absolvidas dos mesmos.
-
O apelado veio apresentar resposta ao recurso, com ampliação do objeto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1º - A Ré conheceu a falecida D… por lhe prestar, juntamente com outras pessoas, auxílio e assistência, aproveitou uma ocasião para a retirar da sua residência, levando-a para a sua própria casa, ficando a D… totalmente dependente de si, depois impediu, injustificadamente, visitas de familiares e de amigos da então doente, e vem a beneficiar de negócios que visam exclusivamente obter todo o património da doente, até esta falecer.
2º - O Recurso interposto não contém uma impugnação da matéria de facto dada como provada, porquanto não são especificados pontos de facto que pudessem ser considerados incorretamente julgados nem os concretos meios de prova que pudessem impor decisão diversa.
3º - A Recorrente não cumpre, minimamente, o ónus a seu cargo para a válida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso quanto a tal decisão, não se percebendo sequer se essa era a sua intenção.
4º - O artigo 282º, n.º 1 não faz qualquer restrição quanto ao tipo de negócios jurídicos a que se aplica, sendo bem explícitos os requisitos exigidos.
5º - Desde que se verifique o preenchimento dos critérios plasmados em tal artigo, estaremos na presença da usura em qualquer tipo de negócio jurídico.
6º - É este o entendimento perfilhado nas decisões dos Tribunais Superiores, como decorre, a título exemplificativo, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 06A1988, de 12 de setembro de 2006, disponível em www.dgsi.pt: “A doutrina do art. 282º é aplicável a todos os negócios jurídicos - quer se trate de contratos plurilaterais, bilaterais ou unilaterais ou ainda de negócios unilaterais” e do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 131/07.6TCFUN-6, de 15 de março de 2012.
7º - A aplicação do artigo 282º do Código civil aos testamentos é perfeitamente válida e correta.
8º - O tribunal a quo entendeu que os factos dados como provados não eram suficientes para que se pudesse afirmar que a falecida estaria acidentalmente incapacitada, nos termos do disposto no artigo 257º do C.C..
9º - Contudo, e como é óbvio, as situações e os critérios legais estabelecidos nos artigos 257º (Incapacidade acidental) e 282º (Negócios Usurários) são totalmente distintos e inconfundíveis.
10º - A douta sentença é bem clara na análise que faz dos critérios plasmados no artigo 282º do Código civil, e é bem explícita ao justificar porque tais critérios se encontram preenchidos e porque justificam a anulação dos negócios usurários em apreço.
11º - De acordo com o artigo 282º, são três os pressupostos para que se verifique a usura:
a) situação de inferioridade do declarante;
b) atuação consciente do declaratário ou de terceiro;
c) excesso ou injustiça do proveito.
12º - A referida situação de inferioridade resulta de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter.
13º - Existem diferentes fatores que permitem aferir se estamos perante uma situação de inferioridade do declarante, os quais não se confundem com a incapacidade.
14º - A dependência em que se encontrava a falecida é bem evidente e resulta de condicionantes físicas e mentais, como é dito na douta sentença:
“A falecida sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 2010 que lhe causou hemiparesia esquerda (paralisia parcial do lado esquerdo); sofreu em 1998 a amputação da perna direita; em 2009 uma mastectomia da mama direita. Assim, em termos físicos, tem-se uma pessoa que não tem o membro inferior direito e não pode mexer o membro inferior esquerdo (bem como todo este lado do seu corpo), ou seja, uma pessoa totalmente dependente da ajuda de terceiros para se deslocar. Esta situação de dependência física, numa pessoa que em 2010 teria cerca de setenta e cinco anos de idade, só por si, à partida, revelaria a potencialidade de se estar perante alguém que necessita da ajuda de terceiro e que por isso motivo fica dependente da mesma. Basta pensar que, se quiser sair da cama por qualquer motivo – ida a uma consulta médica - só se alguém lhe permitir essa deslocação é que o poderá fazer. Acresce que se trata de uma pessoa que teve aquela acidente cerebral que, mesmo não deixe marcas na capacidade cognoscitiva, só pela circunstância de se aperceber que não tem a capacidade que anteriormente tinha e que precisa de outra pessoa para realizar, por vezes, as mais básicas atuações da vida, deixa sempre um sentimento de abatimento e tristeza perante o que lhe sucedeu. Mais ainda numa pessoa do sexo feminino, doente oncológica, com ablação de um seio o que – sofrer-se ou ter-se sofrido de cancro e ter perdido um seio – provoca sempre, mesmo que se reaja positivamente, tristeza. Por fim, na nossa visão, com a idade em causa, não só se começa a recear que o fim da vida pode estar próximo como certamente se lamenta que se esteja na situação em que se está e cause transtorno a terceiros, ainda que pagos para o efeito, criando como que um sentimento de culpa por tal dependência. Em suma, existe um quadro físico da falecida que demonstra que é uma pessoa frágil e dependente de terceiros. E tanto assim é que antes foi ajudada por outras pessoas e depois pela Ré – factos provados 12) a 17. Alguém, com idade entre os setenta e cinco e setenta e sete anos, com aqueles problemas físicos e dependente totalmente de terceiros para poder sair do local onde a coloquem, está numa situação de inferioridade.”
15º - É evidente a situação de inferioridade em que se encontrava a falecida, absolutamente dependente de terceiros para as suas tarefas básicas, o seu auxílio e cuidados, e, portanto, absolutamente dependente da Ré.
16º - É absolutamente falso que a Recorrente desconhecesse os testamentos em causa nos autos.
17º - A falecida era, como é dito na sentença: “uma pessoa totalmente dependente da ajuda de terceiros para se deslocar.” (…) se quiser sair da cama por qualquer motivo – ida a uma consulta médica - só se alguém lhe permitir essa deslocação é que o poderá fazer.”
18º - Para que a falecida pudesse efetuar qualquer deslocação, nomeadamente ao notário para outorga de um testamento, tal ocorreria sempre com a inevitável ajuda da Ré, que a acompanharia.
19º - É ainda mais flagrante que estamos perante uma falsidade quando se pode verificar que o testamento efetuado em 14 de março de 2011 (cfr. fls. 55 e 56) foi realizado na Rua …, …, …, Vila Nova de Gaia, ou seja, em casa da Ré.
20 º - Pelo que é óbvio que a Ré tinha conhecimento da realização dos testamentos.
21º - O artigo 282º visa proteger as pessoas em situação de fraqueza contra quem se pretende aproveitar dela, como o fez a Ré.
22º - A atuação consciente pela Ré de que se fala no artigo 282º do Código Civil resulta do que é referido na douta sentença: “Esta situação adensa-se perante um outro quadro que consiste no progressivo findar de visitas de familiares de D… na casa da Ré e onde aquela se encontrava sob os cuidados desta - facto 23. Ora, se por um lado se pode aceitar que existissem relações entre a dita D… e os seus familiares aquém do desejável, o certo é que não cabia à Ré impedir os familiares de a visitarem. Não se trata de a então doente estar em sua casa e ser a Ré quem decide quem aí entra mas antes usar a sua casa para prestar cuidados a uma idosa (e outros – facto provado 17) não se vislumbrando, pelo menos face aos factos provados, qualquer motivo razoável para impedir a visita à doente de qualquer familiar (o que poderia suceder por exemplo, se depois desse familiar visitar a doente ficar sempre nervosa, piorar de saúde ou de forma categórica ter dito ao próprio familiar que nunca mais o queria ver).
Nada disso se apurou, verificando-se antes um quadro em que a doente deixa de estar na sua casa, passar a residir num improvisado centro de cuidados de idosos (desconhece-se se de forma administrativamente legal) e em que se vão cortando os laços com a família. Importa não esquecer todo o quadro de dependência já referido a que se soma que a partir de certa altura (julho de 2012 – factos provados 25 e 26) D… começa a não ir a consultas de oncologia (o que para nós é gravíssimo atento o caráter potencialmente mortal deste tipo de doença e que já tinha deixado marcas físicas na mesma) sendo que a partir de outubro de 2012 cessa definitivamente a ida a consultas dessa especialidade sem que se demonstre um único motivo para que tal tenha sucedido.
Esta situação mais agrava a situação de fraqueza, dependência de D…, pessoa que já não recebe tratamento que o Hospital não determinou que cessasse sendo que é precisamente em julho de 2012 (18/07/2012) que é celebrado a cessão do quinhão hereditário – facto 7 - numa altura em que, de acordo com o que consta na informação médica de fls. 67, não se estaria a sentir bem e em que no dia 27/08/2012 a mesma doente começa a recusar o uso de determinado tipo de tratamento e depois, mesmo com os serviços hospitalares a informarem a Ré (que se deslocou sem a doente alegando incapacidade desta) que D… deveria comparecer no Hospital mesmo com ambulância, assim não veio a suceder. Está aqui vertido o domínio da Ré sobre a saúde de D… já que a sua obrigação era conduzir (ou fazê-la conduzir) a pessoa de quem estava a tratar ao Hospital como determinado por este ou então carrear para estes autos prova forte de que assim não pôde fazer, o que de todo se demonstrou. Temos deste modo uma situação de inferioridade de D…, um atuação consciente da Ré no sentido de criar ainda mais dependência daquela em relação a si, criando certamente um fortíssimo receio de ficar sozinha sem ninguém a cuidar de si.”
23º - Pelo que é notório o aproveitamento da situação de inferioridade da falecida por parte da Ré.
24º - O supra exposto permite ainda perceber porque se encontra preenchido o 3º requisito previsto no artigo 282º, ou seja, permite perceber em que medida o proveito da Ré é excessivo e absolutamente injusto e injustificado.
25º - Até ao ano de 2010 a falecida D… convivia naturalmente com amigos e familiares, que a conhecia de longa data.
26º - Em novembro de 2010, a Ré, na qualidade de funcionária da empresa «L… ...» passa a frequentar a residência de D….
27º - Decorrido um mês, em finais de 2010, a Ré levou D… para a sua residência, depois de a ter levado a uma consulta hospitalar.
28º - A Ré dispensa os restantes funcionários da empresa “L…” e impede os familiares e amigos de visitar a D….
29º - Decorridos 3 meses, no dia 14/03/2011, esta outorga um testamento em que beneficia a Ré em sede de testamento, em 75% dos seus bens;
30º - Decorridos 2 meses, no dia 02/05/2011, a D… constituiu sua procuradora a Ré B… com poderes para praticar todos os atos descritos a fls. 29 e 30, substituindo a advogada que a representava no processo de inventário do seu falecido marido e permitindo que a Ré a representasse em tal processo, dando-lhe totais poderes para tal, bem como poderes que permitiam à Ré movimentar e proceder a levantamentos de todas as suas contas bancárias, o que esta fez;
31º - Decorridos 7 meses, no dia 12/12/2011, outorga um novo testamento e institui herdeira de tudo o que tenha à data da sua morte a Ré B… conforme fls. 60 e 61;
32º - Decorridos 7 meses, em 18/07/2012, outorga uma cessão gratuita, em que cede gratuitamente à Ré a meação e o quinhão hereditário que lhe pertence nos bens que compõem a herança de seu marido falecido em 24/02/2010, impondo á donatária o encargo de prestar assistência para o seu bem-estar e saúde, declarando a 2.ª que aceitava, conforme fls. 49 e 50;
33º - Nessa mesma altura a D… começa a não ir a consultas de oncologia, sendo que a partir de outubro de 2012 cessa definitivamente a ida a consultas dessa especialidade sem que se demonstre um único motivo para que tal tenha sucedido;
34º - Um mês após a celebração da cessão do quinhão hereditário, e numa altura em que, de acordo com o que consta na informação médica de fls. 67, não se estaria a sentir bem, no dia 27/08/2012 a mesma doente começa a recusar o uso de determinado tipo de tratamento e depois, mesmo com os serviços hospitalares a informarem a Ré que D… deveria comparecer no Hospital mesmo com ambulância, assim não veio a suceder;
35º - Volvidos 6 meses desde que deixou de comparecer no Hospital e desde que cessou de efetuar tratamentos, em 09/02/2013, faleceu.
36º - Ao instituir a Ré como herdeira de tudo o que tenha à data da sua morte, e ao ceder gratuitamente a meação e o quinhão hereditário que lhe pertence nos bens que compõem a herança de seu marido falecido em 24/02/2010, a falecida cede todo o seu património à Ré, sendo que o valor de todo esse património é indeterminado, pois só será concretamente apurado em sede de inventário.
37º - Perante este cenário de absoluto aproveitamento da fragilidade da falecida, qualquer disposição a favor da Ré, independentemente do seu valor, será sempre excessiva e injusta. Mais ainda quando se trata de obter todo o património da doente.
38º - Nas circunstâncias descritas a disposição de todo o seu património a favor da Ré choca qualquer pessoa honesta, correta, de boa fé, ou seja, é profundamente injusta e injustificada.
39º - Como é dito na douta sentença: “A Ré, nesta altura de prestação de cuidados, em 14/03/2011, 12/12/2011 e 18/07/2012, vem a beneficiar, gradualmente, de todo o património da falecida D…, não só o que existiria pela sua morte como o que teria de receber pela morte do seu marido, morte essa já ocorrida – factos provados 3), 4), 7). Beneficia em sede de testamento (primeiro em 75% dos bens e depois na totalidade) e num contrato de cessão gratuita de quinhão hereditário (aqui em 100%). Se se analisarem esses negócios, como testemunhas não intervém nenhum familiar da falecida– fls. 56 e 61 – sendo exatamente as mesmas pessoas, uma delas ouvida em julgamento e que demonstrou nada saber da vida da mesma falecida (a outra alegadamente em estudo no estrangeiro).Ou seja, há um afastamento de familiares e a obtenção de benefícios patrimoniais que afetam diretamente os familiares, pelo menos, os herdeiros de D… de que o Autor é um deles, como irmão. Assim, a Ré, levou D… para a sua casa estando esta totalmente dependente de terceiros e, no caso, por ser a Ré quem cuidava dela, da mesma Ré; e depois impediu visitas de familiares da então doente e vem a beneficiar de negócios que visam exclusivamente obter todo o património da doente.”
40º - Acresce ainda o facto de a Ré já estar a ser remunerada pelo encargo de prestar assistência para o seu bem-estar e saúde, pois, após serem afastados todos os funcionários da “L…”, era ela quem cuidava sozinha de D….
41º - Tais cuidados consubstanciavam-se no tratar da higiene, alimentação e administração de alguns medicamentos que tinham sido prescritos por médico, realização de algum curativo de simples realização.
42º - A contrapartida usada para justificar a cessão gratuita já estava a ser prestada pela Ré estando esta a ser remunerada por tal auxílio, tendo uma procuração que lhe permitia, além do mais, levantar e movimentar as contas bancárias da falecida.
43º - Essa contrapartida não foi cumprida pois: “um mês após a celebração da cessão do quinhão hereditário, e numa altura em que, de acordo com o que consta na informação médica de fls. 67, não se estaria a sentir bem, no dia 27/08/2012 a mesma doente começa a recusar o uso de determinado tipo de tratamento e depois, mesmo com os serviços hospitalares a informarem a Ré que D… deveria comparecer no Hospital mesmo com ambulância, assim não veio a suceder; e em outubro de 2012 cessa definitivamente a ida a consultas dessa especialidade sem que se demonstre um único motivo para que tal tenha sucedido”.
44º - Tudo isto permite perceber em que medida o proveito da Ré é excessivo e absolutamente injusto e injustificado.
45º - Inexiste qualquer contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário.
46º - Nas alíneas c) - suposta inexistência de qualquer benefício excessivo ou usurário e d) - suposta contradição entre factos provados e a prova produzida para com a decisão proferida do Recurso, são apenas repetidos argumentos já devidamente refutados, pelo que reitera-se tudo quanto foi já afirmado, sendo improcedentes as conclusões respeitantes a estas alíneas.
47º - Alega a Recorrente que a interpretação dada pelo Tribunal ao artigo 282º do Código Civil viola o princípio da confiança previsto no artigo 2º da C.R.P. e o princípio da igualdade previsto no artigo 13º, n.º 1 e 2 da C.R.P. afirmando que com a sua decisão, ao qualificar os testamentos e a cessão gratuita como usurários, pois a Ré recebe bens excessivos e injustificados, o tribunal irá beneficiar o Autor em igual medida, e por isso esse negócio passará a ser usurário para o irmão da falecida!!
48º - O tribunal a quo limita-se a anular três negócios que considera serem usurários, por resultarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 282º do Código Civil.
49º - Tal anulação não visa beneficiar qualquer pessoa, nomeadamente o Autor, em detrimento da Ré.
50º - A decisão limita-se a apreciar a validade dos negócios em causa, concluindo pela sua anulação, não afastando ou beneficiando quem quer que seja, tanto mais que ninguém irá ocupar a posição da Ré, pois tudo acontece como se estes negócios nunca tivessem ocorrido.
51º - A douta sentença julga totalmente procedente a presente ação e, em consequência, declara anulados os aludidos negócios, não decretando quem quer que seja como beneficiário ou herdeiro do património da D…, em substituição da Ré.
52º - Pelo que inexiste qualquer violação dos invocados preceitos constitucionais.
53º - Atendendo ao supra exposto, são claramente improcedentes todas as conclusões do Recurso interposto pela Ré.
Sem prescindir, e por mera cautela,
54º - Requer-se, a título subsidiário, a Ampliação do âmbito do recurso, no que respeita à matéria de facto dada como provada, nos termos do disposto no artigo 636º, n.º 2 e 640º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
55º - Para além dos factos 1) a 26) dados como provados, constantes da douta sentença, foi provado outro facto sobre o qual não foi feita qualquer menção e que, independentemente da posterior apreciação jurídica, terá relevância e interesse para a decisão.
56º - PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRETAMENTE JULGADOS (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC):
27 – Durante o período em que a D… outorgou os testamentos referidos em 3) e 4) e a cessão gratuita referida em 7) dos factos dados como provados, o seu património foi avaliado, em cerca de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).
57º - PROVAS QUE IMPÕE DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC):
- Depoimento da testemunha K…: cfr. CD – ata de audiência de 22-10-2014 (gravação iniciada a 14:40:00): De 00:00:12 a 00:00:24 De 00:24:50 a 00:25:37;
58º - Ao instituir a Ré como herdeira de tudo o que tenha à data da sua morte, e ao ceder gratuitamente a meação e o quinhão hereditário que lhe pertence nos bens que compõem a herança de seu marido falecido em 24/02/2010, a falecida cede todo o seu património à Ré, sendo que o valor de todo esse património é indeterminado, pois só será concretamente apurado em sede de inventário.
59º - Apesar disso, a testemunha arrolada pela própria Ré, que com ela viveu em união de facto, é bastante clara e espontânea ao afirmar, a instâncias do Exmo. Sr. Juiz, que tinha conhecimento da existência de avaliações do património da falecida, as quais estabeleceriam um valor, na altura em que foram realizadas, de cerca de € 750.000,00.
60º - Tal facto, apesar de não ter sido alegado pelo Autor, que desconhecia por completo a existência dessas avaliações, poderia ter sido considerado pelo Exmo. Sr. Juiz, porquanto o mesmo complementa ou concretiza os factos alegados pelo A., nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
61º - Motivo pelo qual o mesmo deverá ser adicionado aos factos dados como provados.
62º - Considerando todos os factos dados como provados, enumerados de 1) a 27), mais evidente e reforçada sai a conclusão de que o benefício obtido pela Ré é totalmente excessivo, injusto e injustificado, reiterando-se todo o supra exposto.
63º - E, a final, mais reforçada fica a conclusão de que os negócios jurídicos em causa (dois testamentos e cessão gratuita) são usurários, devendo, por tal, ser anulados, como bem decidiu o Tribunal.
Termina por pedir que se julgue improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
-
A apelante veio opor-se à ampliação do objeto do recurso e apresentar resposta à ampliação do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1º. Pretende o Autor/Recorrido ver ampliado o âmbito do recurso, uma vez que entende que se deve dar como provado que “27 – Durante o período em que a D… outorgou os testamentos referidos em 3) e 4) e a cessão gratuita referida em 7) dos factos dados como provados, o seu património foi avaliado, em cerca de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).”
2º. Tal não deverá sequer ser apreciado, isto porque, o Autor/Recorrido requerer tal ampliação, nos termos do art. 636º n. 2 e art. 640º n. 3 do Cód. de Proc. Civil, uma vez que entende que este ponto foi incorretamente julgado, tudo conforme o art. 640º n. 1 al. a) o Cód. de Processo Civil.
3º. Ora, de acordo com o art. 640º n. 3 do Cód. de Proc. Civil, os n.s 1 e 2 deste normativo podem ser aplicados caso o recorrido pretenda alargar o âmbito do recurso, mas, para esse alargamento do âmbito do recurso, ter-se-á que impugnar a decisão na matéria de facto dada como provada, o que, relativamente ao pedido do Autor/Recorrido seria antes dar como provada matéria que a sentença recorrida, nada nos diz.
4º. O que nos leva á aplicação do art. 636º do Cód. de Proc. Civil, sendo que nas conclusões, o Autor/Recorrido socorre-se do n. 2º deste normativo, ou seja, peticionado a ampliação do âmbito do recurso, porém, tal normativo implicaria a arguição da nulidade da sentença, algo que não acontece, pois, o Autor/Recorrido não arguiu a nulidade da sentença, nesta parte, antes sim, peticiona que seja dado como provado um ponto n. 27 dos factos provados pela sentença recorrida, consequentemente, não poderá ser atendida a pretensão do Autor/Recorrido.
5º. Por outro lado, para que o Autor/Recorrido possa recorrer, através da ampliação do âmbito do recurso, torna-se obrigatório que o mesmo tenha decaído no seu pedido (vid. art. 636º n. 1 do Cód. de Proc. Civil) e, nos termos do art. 631º n. 1 do Cód. de Proc. Civil, apenas e só a parte vencida poderá recorrer da sentença proferida e com a qual não concorda.
6º. Atenta a sentença proferida nos autos verificamos que a Ação interposta pelo Autor/Recorrido foi “…totalmente procedente…e, em consequência declaram-se anulados os negócios referidos em 3), 4) e 7), dos factos provados.”. (negrito nosso)
7º. Segundo as regras da sucumbência, o Autor/Recorrido teve procedência total no seu pedido, pelo que, por inadmissibilidade legal e ilegitimidade para essa ampliação de recurso, não pode o mesmo ser apreciado.
8º. Para que fosse possível aditar o ponto 27 aos factos dados como provados em sede de julgamento, sempre teria que ter sido alegado, em sede de petição inicial que o património da falecida D… valia 750.000,00€ (algo que referimos é mentira).
9º. Percorrida toda a douta petição inicial nada é alegado relativamente ao património da falecida D… (mais a mais quando parte dele refere-se ao quinhão hereditário do seu falecido marido, o qual, através de testamento, deixou 25% aos seus sobrinhos, logo, a falecida D… era proprietária de 75%, desse património, que ainda não foi partilhado, logo, desconhece-se do que era proprietária), nem um único parágrafo.
10º. Pelo que, este Insigne Tribunal não se pode debruçar sobre algo que não foi perguntado em primeira instância, pois, em caso contrário, o douto Acórdão a proferir violaria o Princípio do Pedido em Processo Civil (cfr. art. 3 do Cód. de Proc. Civil), sendo que, segundo o art. 5º do Cód. de Proc. Civil, incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
11º. Concluindo, nunca poderia ser em sede de recurso que poderia o Autor/Recorrido vir alegar novos factos, e que pretendia ver aceites pelo Tribunal da Relação do Porto, pois, caso essa parte do Recurso venha a ser aceite por este Insigne Tribunal, estará a violar o disposto nos art.s 3º, 5º e 609º, todos do Cód. de Proc. Civil, daí que, nesta parte, não poderá ser o mesmo admitido.
Sem prescindir:
12º. Segundo a tese do Autor/Recorrido que o património da falecida D… vale cerca de 750.000,00€, nada mais errado e, alavanca essa sua posição do da testemunha que refere K…, arrolada pela Ré/recorrente, refere o seguinte:
Depoimento da testemunha K…: cfr. CD – ata de audiência de 22 de outubro de 2014 gravada de 00:00:12 a 00:00:24 e de 00:24:50 a 00:25:37;
“Juiz (J): “Conhece qual é a situação que está aqui em causa?” Testemunha (T): “Conheço”
J: “Mas conhece a Sra. B…?”
T: “Conheço. Vivi em união de facto com ela, desde 2004 a fim de 2012”
J: “Ora bem, vamos agora aqui falar um bocadinho mais… mais comezinho. Nós estamos aqui a falar de dinheiro.”
T: “Sim.” J: “Testamentos e cessões de quinhões hereditários é dinheiro. Estamos a falar de que dinheiro aqui? O que é que isto representa, estes testamentos?”
T:“Representa que a senhora…”
J: “Estamos a falar de quanto dinheiro?”
T: “Ai, não faço ideia, não faço ideia, sei que existem uns terrenos, existem umas avaliações e na altura, penso eu, que estaria avaliado em Setecentos e Cinquenta mil euros, ou coisa do género, se calhar nos valores de hoje nem metade vale…”
J: “Então são terrenos, basicamente?”
T: “Sim, sim, terrenos, sim.”
13º. Ou seja, ao invés do referido pelo Autor/Recorrido na sua ampliação de recurso, caso tivesse alegado que o valor do património era de 750.000,00€, sempre se teria que dar como provado um valor inferior a 375.000,00€,
14º. Sem prejuízo de que a falecida D… teria apenas direito a 75% desse valor, pois, da herança do seu falecido marido, 25% foram deixados em legado aos seus sobrinhos, ou seja, tinha apenas direito a 281.250,00€.
15º. E, esperando a falecida D… viver mais cerca de 10/20 anos, como se poderia dizer que os negócios seriam usurários, pois, existia nos atos notariais anulados uma cláusula que a Ré/Recorrente teria que tratar da falecida D….
16º. Dito isto, ainda que se aceite a ampliação do âmbito do recurso, e se dê como provado que o património da falecida valia 281.250,00€, ou menos (conforme referido pela testemunha K…), com toda a certeza se vai depreender que, de todo, tais negócios não eram usurários.
17º. E, consequentemente ter-se-á que proferir douto Acórdão que revogue a sentença recorrida e a substitua por outra, que validade todos os atos notariais.
Conclui no sentido da ampliação do âmbito do recurso peticionada pelo Autor/Recorrido não ser recebida e julgada improcedente, mas para o caso de assim não se entender e a ser apreciado, sempre se julgará que a herança da falecida D… valeria menos de 281.250,00€, consequente, pelos factos e fundamentos acima deduzidos, os negócios anulados não foram usurários, pelo que, dever-se-á substituir a douta sentença recorrida por um douto Acórdão que valide todos aqueles atos notariais.
-
O recurso foi admitido como recurso de apelação e foi proferido despacho que admitiu a ampliação do objeto do recurso.
-
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
-
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
a) Apelação da Ré
- reapreciação da decisão de facto;
- nulidade da sentença, com fundamento em contradição dos fundamentos e contradição entre factos provados e decisão;
- da verificação dos pressupostos para anulação, por usura, do contrato de cessão de quinhão hereditário e dos testamentos;
- da violação do princípio da confiança e da igualdade.
-
b) Ampliação do objeto do recurso deduzida pelo Autor
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1). D… faleceu no dia 09/02/2013 com a idade de 77 anos no estado de viúva de M… (fls. 22).
2). O Autor é irmão de D… referida em 1).
3). No dia 14/03/2011, na residência da indicada D…, compareceu a notária, Dra. N…, tendo aquela declarado que, não tendo descendentes nem os seus ascendentes são vivos, pelo testamento dispõe que lega o jazigo de família a seu irmão, C… e a O… e institui herdeiros de tudo o que tenha á data da sua morte a Ré B…, na proporção de 75% e aos irmãos P… e C… e seus sobrinhos, filhos daqueles irmãos e falecidas irmãs Q… e S…, em comum, 25% de todos os bens conforme fls. 55 e 56.
4). No dia 12/12/2011 compareceu a indicada D… no cartório notarial da Dra. N… tendo aquela declarado que, não tendo descendentes nem os seus ascendentes são vivos, pelo testamento dispõe que lega o jazigo de família a seu irmão, C… e a O… e institui herdeira de tudo o que tenha à data da sua morte a Ré B…s conforme fls. 60 e 61.
5). No dia 21/12/2010, na residência da indicada D…, compareceu a notária Dra. T… tendo aquela declarado constituir seu procurador o ora Autor, C… com poderes especiais para, entre outros, abater ou mandar abater, vender árvores e representar em processos de expropriação, conforme fls. 63 a 65.
6). No dia 02/05/2011, D… referida em 1) constituiu sua procuradora a Ré B… com poderes para praticar os atos descritos a fls. 29 e 30.
7). No dia 18/07/2012, compareceu no cartório Notarial da Dra. N… a mesma indicada D…, a Ré B… tendo a primeira declarado que cedia gratuitamente à segunda a meação e o quinhão hereditário que lhe pertence nos bens que compõem a herança de seu marido falecido em 24/02/2010, impondo á donatária o encargo de prestar assistência para o seu bem-estar e saúde, declarando a 2.ª que aceitava, conforme fls. 49 e 50.
8). D… faleceu sem descendentes e sem ascendentes vivos.
9). D… em 1998 sofreu amputação da perna direita e em 04/09/2009 uma mastectomia por carcinoma da mama direita.
10). Em 01/06/2010 D… sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) de que resultou hemiparesia esquerda.
11). D… esteve internada no Hospital … no Porto entre 07/07/2010 e 16/07/2010 por instalação súbita de hemiparesia esquerda.
12). Depois dos problemas de saúde referidos em 10) e 11), D… teve a ajuda remunerada de O… e U… na lide da casa tendo igualmente a visita do Autor e sua mulher também a auxiliando.
13). Depois do AVC sofrido por D…, houve pessoas que a ajudaram sendo que a certa altura foi contratada, a seu pedido, a empresa «L…-Assistência de saúde ao domicílio, unipessoal» que assegurava a assistência a nível de higiene, limpeza, alimentação da doente na residência desta.
14). A Ré era funcionária da referida empresa «L… …» tendo passado a frequentar a residência de D… no turno que teria como horário aproximado entrada às 17.00 horas e saída às 22.00 horas.
15). A certa altura, em finais de 2010, a Ré levou D… para a sua residência depois de a ter levado a uma consulta hospitalar.
16). A partir dessa altura, D… ficou na residência da Ré, deslocando-se à mesma os funcionários da empresa «L… …» para lhe prestarem cuidados.
17). A partir de certa altura, ficou a Ré a cuidar sozinha de D… e outros idosos que aí se encontravam também a receber cuidados.
18). Tais cuidados consubstanciavam-se no tratar da higiene, alimentação e administração de alguns medicamentos que tinham sido prescritos por médico, realização de algum curativo de simples realização aos referidos idosos incluindo D….
19). Em 2010 havia familiares que visitavam D….
20). Por vezes, D… estava com um raciocínio pouco claro, confundindo por exemplo a casa da Ré onde se encontrava com a sua própria casa.
21). Por vezes também se esquecia do que estava a falar.
22). D… frequentou algumas vezes reuniões da V….
23). A Ré não permitiu, em número indeterminado de situações, que amigos e/ou familiares de D… a visitassem na sua casa nomeadamente no dia 24/11/2012.
24). A própria D… terá afirmado, nomeadamente no citado dia 24/11/2012, que não queria ver o seu irmão, ora Autor.
25). Em julho de 2012, por informação da Ré à médica, foi transmitido que D… estava agitada não tendo ido a uma consulta de oncologia; fez uma TAC em 25/07/2012 que apresentou lesões de caráter sequelar de provável etiologia vascular; em 27/08/2012 a mesma D… afirma que não quer fazer tratamento com ácido zoledrónico por sua opção, tudo conforme fls. 67 e 68.
26). Em 08/10/2012 D… faltou a uma consulta agendada tendo a Ré informado que a mesma não se estava a sentir bem não tendo voltado ao serviço de oncologia.
-
Factos não provados.
Não se provou que:
Da petição inicial.
1). D… tenha realizado quimioterapia após a mastectomia referida em 9) dos factos provados.
2). O AVC referido em 10), dos factos provados tenha ocorrido em 01/06/2010.
3). A Ré tenha influenciado D… a prescindir dos serviços da empresa «L… …».
4). D… tenha dito que a procuração referida em 5), dos factos provados era passada para poder obter dinheiro com a venda dos pinheiros porque precisava de tal quantia monetária.
5). A Ré tenha vendido pinheiros por 25.000 EUR.
6). D… tenha deixado de se relacionar com a sua amiga Dr.ª W….
7). Tenha sido a Ré a determinar que D… frequentasse reuniões da V….
Da contestação.
8). D… tenha pedido para ir residir na casa da Ré.
9). D… gastasse cerca de 5.000EUR/mês com os serviços de «L… …» e tenha por isso prescindido dos serviços desta empresa.
-
3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 10 a 42 a apelante reporta-se a vários depoimentos das testemunhas, transcrevendo os respetivos depoimentos na motivação do recurso, extraindo de tais depoimentos os factos a respeito da personalidade da falecida D….
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O legislador na linha dos anteriores diplomas, que regiam sobre esta matéria, continua a não prever o prévio aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando o apelante não respeita o ónus que a lei impõe.
Desta forma, o efeito de rejeição não é precedido de despacho de aperfeiçoamento, o que se explica pelo facto da possibilidade de impugnação da decisão de facto resultar de uma alteração reclamada no domínio do processo civil e estar em causa a impugnação de decisão de matéria de facto que resultou de um julgamento em relação ao qual o tribunal “ad quem” não teve intervenção e por isso, só a parte interessada estará em condições de poder impugnar essa decisão[2].
Por outro lado, a rejeição do recurso porque o apelante não cumpriu o ónus de impugnação apenas se justifica por os ónus impostos ao recorrente visarem o corpo da alegação, insuscetível de ser corrigido ou completado por via do convite[3].
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[4].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação – fundamentação - que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, porque a apelante nas conclusões não indica os concretos pontos de facto a reapreciar, nem consequentemente, a decisão que sugere. Também, não o faz na motivação de recurso, o que a ocorrer sempre permitiria considerar preenchido o ónus legal, face ao critério interpretativo que se vem desenvolvendo no Supremo Tribunal de Justiça, como disso dá nota o Ac. STJ 04 de julho de 2013, Proc. 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, (disponível em www.dgsi.pt) quando refere: “[a] delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorretamente julgados e demais ónus impostos pelo art. 685.º-B do CPC, há de ser efetuada no corpo da alegação; nas conclusões bastará fazer referência muito sintética aos pontos de facto impugnados, e às razões porque se pretende a sua alteração, sem necessidade de transcrever (ou copiar) o que a respeito se escreveu no corpo da alegação sobre a matéria”.
Com efeito, através da reapreciação dos meios de prova, mais propriamente da prova testemunhal visa a apelante a consideração de um conjunto de factos a respeito da personalidade da falecida D… e capacidade de autodeterminação, factos que não foram alegados pelas partes nos respetivos articulados.
Considerando o critério legal, a reapreciação da prova não visa a ampliação da matéria de facto não alegada, mas a reapreciação da decisão dos factos enunciados nos articulados ou dos factos complementares ou instrumentais, desde que considerados na sentença, em conformidade com o critério do art. 5º do CPC.
Contudo, na presente situação não se verificam tais circunstâncias, o que conduz à rejeição do recurso nessa parte.
Improcedem, nesta parte as conclusões sob os pontos 10 a 52.
-
- Nulidade da sentença, com fundamento em contradição entre os fundamentos e contradição entre factos provados e decisão -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 10 a 41 e 47 a 56 (alíneas B) e D) das conclusões) suscita a apelante a contradição entre os fundamentos da decisão e ainda, a contradição entre os factos provados e a decisão, por se considerar que não resulta provado o estado de incapacidade da apelante, mas estar provada a usura na celebração dos atos em causa – escritura de cessão de quinhão hereditário e testamentos – que conduz à sua anulação.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites[5].
As nulidades da sentença são vícios que afetam a validade formal da sentença em si mesma e que, por essa razão, projetam um desvalor sobre a decisão, do qual resulta a inutilização do julgado na parte afetada.
Não se incluem entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário[6].
Nos termos do art. 615º/1 c) CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. A norma abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente[7].
No caso presente existe na sentença uma perfeita coerência no raciocínio e a decisão resulta como a conclusão lógica desse raciocínio, pois considerou-se perante os factos provados, que não estavam reunidos os pressupostos para anulação dos atos jurídicos com fundamento em incapacidade de entender e querer do autor das declarações, por debilidade mental, nos termos dos art. 257º CC e art. 2199ºCC, mas consideraram-se reunidos os pressupostos da usura. Tratam-se de vícios na formação da vontade e no objeto do negócio e a sua verificação depende da prova de diferentes pressupostos, que foram concretamente apreciados e por esse motivo não se verifica a apontada contradição entre os fundamentos da decisão, ou entre os factos provados e a decisão.
A questão colocada pela apelante situa-se em sede de erro de julgamento ou não conformidade da sentença com o direito substantivo aplicável, por considerar que o regime previsto no art. 282º CC não tem aplicação aos negócios unilaterais e porque os factos provados não preenchem os pressupostos da usura. Tais vícios não importam a nulidade da sentença, mas a reapreciação do mérito da decisão e contendem com a procedência ou improcedência da pretensão do autor.
Conclui-se, assim, que perante os factos provados, a interpretação e análise dos mesmos à face do direito, apenas podia conduzir à decisão a que chegou o juiz do tribunal “a quo”, motivo pelo qual não se verifica a apontada nulidade.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
-
- Da verificação dos pressupostos para anulação, por usura, da cessão de quinhão hereditário e dos testamentos -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 9, a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que julgou reunidos os pressupostos para anulação, por usura, nos termos do art.282º CC, dos seguintes negócios jurídicos: cessão de quinhão hereditário e os dois testamentos.
Numa primeira ordem de argumentos sustenta que o regime dos negócios usurários, previsto no art. 282º CC, não se aplica aos negócios jurídicos unilaterais, onde se enquadra o testamento.
O testamento é o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe de todos ou de parte dos seus bens, para depois da morte (art. 2179º, n.º 1 do Código Civil – CC). É um negócio mortis causa, atenta a data de produção dos seus efeitos; um negócio jurídico unilateral e não receptício; um ato individual e pessoal; formal (art. 2204º do CC) e livremente revogável.
No testamento, o consentimento deve ser perfeito, quer no sentido de ser completamente declarada a vontade de testar, quer igualmente no sentido de a vontade declarada estar em conformidade com a vontade real. Aplicam-se-lhe, além das regras específicas previstas nos artigos 2200º e 2201º do CC, as regras gerais relativas à falta de vontade (artigos 244º a 249º do CC), ou seja, “o consentimento no testamento deve outorgar-se sem vícios na formulação da vontade”[8].
Dispõe o artigo 282º, n.º 1 do Código Civil, na redação dada pelo D.L. 262/83, de 16 de junho, que:
"É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados".
O negócio usurário só existe quando se verifiquem, cumulativamente, os respetivos requisitos subjetivos e objetivos:
- uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem;
- a exploração dessa situação;
- para obter para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
Para a usura ser relevante tem de haver da parte de alguém a exploração da situação de inferioridade do declarante. Na redação primitiva do Código Civil exigia-se que houvesse aproveitamento consciente dessa situação, mas o alcance prático do preceito não se alterou fundamentalmente, com o seu texto actual[9].
Está aqui em causa, por parte do usurário, a “representação mental da situação de inferioridade” do declarante, para a explorar mediante a obtenção de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados. Este elemento da usura - situação de inferioridade -, referente ao lesado, sendo de natureza subjetiva conduz à aproximação da usura dos vícios na formação da vontade.
A ideia de exploração da situação de inferioridade do declarante, expressamente consagrada na lei, mostra que o autor do vício deve ter, tanto consciência de o declarante se encontrar inferiorizado, como, ainda, do beneficio excessivo ou injustificado que vai obter, para ele ou para outrem[10].
Como observa PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “a usura é fundamentalmente um vício de conteúdo do negócio jurídico, por desequilíbrio e injustiça, mas não o é exclusivamente: essa injustiça é qualificada com deficiência de discernimento e liberdade do lesado, e com a imoralidade da exploração dessa deficiência pelo usurário”[11].
Este traço típico da usura, que assenta um dos seus elementos na fragilidade da vontade do lesado motivada pela situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter, justifica a aplicação do regime aos negócios jurídicos unilaterais e de modo particular ao testamento, cujo consentimento deve manifestar-se sem vícios na formulação da vontade.
Acresce que a lei não exclui a aplicação deste regime aos negócios unilaterais e assim, tem sido considerado em alguma doutrina[12].
A apelante, assenta a sua argumentação no douto Ac. Rel Guimarães 27 de maio de 2010, Proc. 710/06.9TBVLN.G1[13], onde se afirma que não se aplica o regime da usura ao testamento por se tratar de um negócio jurídico unilateral.
Contudo, a apelante não adianta nem desenvolve tal conclusão com a apresentação de argumentos que a justifiquem.
Acresce que na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem-se reconhecido a aplicação do regime da usura aos negócios unilaterais e em particular ao testamento.
Nesse sentido se pronunciou o Ac. STJ 12 de setembro de 2006 – Proc. 06A1988 - quando afirma:
“Determina o art. 282º que são anuláveis, por usura, os negócios jurídicos quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
A doutrina do art. 282º é aplicável a todos os negócios jurídicos - quer se trate de contratos plurilaterais, bilaterais ou unilaterais ou ainda de negócios unilaterais. Todavia, de acordo com o art. 282º, nº 2, excetua-se (4) o regime estabelecido para o mútuo nos arts. 559º-A e 1146º”.
No mesmo sentido e em relação ao testamento o Ac. STJ 22 de maio de 2003 –Proc. 03B1300, citado na sentença, onde se refere e passamos a citar:
“A lei prescreve, por outro lado, ser anulável o negócio jurídico quanto alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou não justificados (artigo 282º, n.º 1, do Código Civil).
Visa este normativo proteger as pessoas em situações de fraqueza contra quem se pretende aproveitar dela e pressupõe um estado de inferioridade de um dos contraentes e a obtenção consciente de benefícios excessivos ou injustificados para o outro ou para terceiro.
A verificação do vício de vontade a que este artigo se reporta, envolve, pois, três elementos, designadamente uma situação de inferioridade do declarante, a atuação consciente do declaratário ou de terceiro e o excesso ou a injustiça do proveito.
Conforme decorre dos termos da lei, a referida situação de inferioridade do declarante há de resultar de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter.
É um normativo é aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais, como é o caso das disposições testamentárias, nesta hipótese com as necessárias adaptações, face à sua especificidade”.
No mesmo sentido o Ac. STJ 24 de novembro de 2003, Proc. 04B1452, onde se observa:
“A situação de qualquer beneficiado em testamento, que haja assistido o testador - e não seja médico, enfermeiro ou sacerdote - há de inserir-se nas demais disposições sobre vícios de vontade, conduzindo à invalidade do testamento apenas na medida em que a sua atuação tenha determinado o testador, privando-o de vontade esclarecida (dolo ou coação) ou aproveitando-se de uma deficiência desta vontade (erro, incapacidade acidental) a celebrar o testamento ou a beneficiá-lo nele.
Ou então, atenta a natureza genérica do art. 282º (negócios usurários) aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais como é o caso das disposições testamentárias, ficarão sujeitos à anulabilidade advinda do facto de terem explorado a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter do testador para deste obterem a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.
Neste contexto, à falta de novos e diferentes argumentos que afastem a interpretação defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, entendemos que o regime da usura se aplica ao testamento, apesar de ser um negócio unilateral e por isso, não merece censura a sentença pelo facto de aplicar tal regime aos testamentos.
-
Numa segunda ordem de argumentos, em relação à cessão de quinhão hereditário e aos testamentos, defende a apelante, sob os pontos 10 a 56 que não resulta dos factos provados reunidos os pressupostos para a anulação dos atos negociais, por usura.
A configuração legal do negócio usurário, tal como decorre do art. 282º/1 CC, representa uma limitação ao princípio da liberdade contratual no que respeita à liberdade de fixação do conteúdo do contrato. A limitação justifica-se em atenção a considerações sociais, de acordo com o princípio da proteção dos mais fracos, constituindo mais uma manifestação de expressão positiva do caráter social do direito privado. Na verdade, para o direito privado a justiça não é apenas uma questão lógico-normativa, mas também um princípio social[14].
O regime previsto nos art. 282º e seg. do CC tem como fim, como se colhe do ensinamento de HEINRICH EWALD HÖRSTER: “a proteção de pessoas caracterizadas ou afetadas por certas situações de inferioridade contra quem pretenda daí tirar benefícios excessivos e injustificados”[15].
O ónus de alegação e prova dos factos integradores de usura recai sobre quem invoca a usura, no caso concreto, o apelado-autor, nos termos do art. 342º CC.
Como se começou por referir, atento o disposto no art. 282º/1 CC, o negócio usurário só existe quando se verifiquem, cumulativamente, os respetivos requisitos subjetivos e objetivos:
- uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem – requisito subjetivo atinente ao lesado;
- a exploração dessa situação – requisito subjetivo atinente ao usurário;
- para obter para si ou para terceiro a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados – requisito objetivo.
A situação de inferioridade, como requisito primeiro e associado ao lesado, significa que o lesado se encontre numa situação de inferioridade negocial caracterizado por uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter.
A atual redação do n.º 1 do art. 282º CC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho, ampliou as causas da situação de inferioridade invocáveis pelo declarante e alterou a formulação de uma delas. Assim, além das situações de necessidade, inexperiência e dependência, passou o preceito a referir a ligeireza. Por outro lado, em lugar de situação de deficiência psíquica passou a falar-se em estado mental ou fraqueza de caráter.
Como se vê do relatório do Decreto-Lei n.º 262/83, que introduziu estas alterações na lei civil, elas foram determinadas pelas preocupações de alargar o âmbito do conceito de usura para com ele cobrir «variadas situações carecidas de tutela jurídica com que a vida real nos confronta» e para ajustar o artigo à redação então dada a preceitos correspondentes do Código Penal, que alargaram o conceito de usura nos termos que passaram a constar da lei civil.
PEDRO PAIS DE VASCONCELOS observa a este respeito que cumpre ao interprete: "discernir a ratio legis, o sentido que está subjacente ou imanente naquela abundância verbal e sindicar se o lesado da usura estava numa situação de inferioridade negocial tal que dessa inferioridade resultasse para ele a inabilidade para compreender o mau negócio que fazia ou para evitar fazê-lo"[16].
A situação de inferioridade do declarante pode resultar de várias causas, mas reveste sempre a natureza de elemento subjetivo do conceito; por ele mantém a usura conexões com os vícios que perturbam a formação da vontade.
Argumenta a apelante que as limitações físicas de D… não eram limitativas da sua vontade e do seu querer e por outro lado, para dar como provada a situação de inferioridade, teria que se dar como provada a incapacidade de querer e entender tais atos notariais, o que não se apurou e por isso, não está demonstrado o primeiro requisito da usura.
Não se perfilha tal entendimento, desde logo porque não se provou a autonomia e determinação de D…, aliás, matéria que a apelante não alegou na contestação. A respeito da conduta de D… apurou-se apenas que por vezes, D… estava com um raciocínio pouco claro, confundindo por exemplo a casa da Ré onde se encontrava com a sua própria casa e por vezes, também, se esquecia do que estava a falar (pontos 20 e 21 dos factos provados).
De igual forma cumpre referir que a situação de inferioridade não está associada a um vício na formação da vontade, mais propriamente à incapacidade acidental da lesada, que efetivamente não se apurou.
Como se observa no Ac. STJ 12 de setembro de 2006: “na incapacidade acidental relevante, o negócio é anulável pela simples verificação d[esse] vício. Se, como tais, eles não forem relevantes, não deixa de se verificar, contudo, uma situação de inferioridade do declarante, para os efeitos do art. 282.°; contudo, esta só será atendível se tiver havido o aproveitamento da inferioridade do declarante para alguém obter um benefício injusto ou excessivo. Por outras palavras, o vício da usura vem dar relevância a vícios da vontade que não são, por si só, invalidantes”.
A inferioridade decorre da situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter e que no caso concreto têm como causa a idade (ponto 1 dos factos provados), as limitações físicas de que padecia D… (pontos 9, 10, 11 dos factos provados), o estado de doença (ponto 20, 21, 25 e 26 dos factos provados) e a total dependência de uma terceira pessoa, no caso, a apelante (pontos 17 e 18 dos factos provados), para se movimentar e praticar os atos mais elementares do seu quotidiano, associado ao facto da apelante ter impedido a visita de familiares e amigos a D… (ponto 23 dos factos provados).
Tais circunstâncias merecem relevo por conduzirem a uma situação de enfraquecimento da vontade e de debilidade, as quais impedem que possa de forma livre formar e manifestar a sua vontade.
O segundo requisito - exploração - implica necessariamente momentos subjetivos, a saber, a consciência das situações tipificadas no artigo e a consciência da causalidade entre essas situações e os benefícios recebidos, embora, na prática, este segundo momento (causalidade) resulte, muitas vezes, de uma prova por presunções[17].
Argumenta a apelante que não existe qualquer prova da intervenção da Ré na elaboração, pressão ou realização dos atos em causa – testamentos e cessão de quinhão hereditário - para obter para si um benefício, logo, não se encontra presente o segundo requisito, mais a mais quando desconhecia os atos em causa.
A este respeito cumpre referir que satisfazendo-se a lei com a consciência, por parte do usurário, de explorar a situação de inferioridade, isso significa não ser necessário, para haver usura, que caiba ao usurário a iniciativa do negócio ou da desproporção entre as prestações. A iniciativa do negócio pode pertencer ao lesado, desde que o beneficiário tenha consciência de o negócio só ser proposto naqueles termos por força da situação de inferioridade do declarante e de, assim, dela estar a tirar partido[18], como no caso ocorreu.
A apelante não podia ignorar a celebração dos testamentos, nem o contrato de cessão de quinhão hereditário e neste último, o respetivo conteúdo.
Todos os atos foram celebrados depois de D… passar a residir a tempo inteiro na casa da apelante. Apenas a apelante prestava cuidados e assistência a D…, já que a apelante não alegou e como tal não se provou, que terceiro exercesse tais tarefas. D… para se movimentar necessitava da apelante, pois foi-lhe amputada a perna direita e em consequência do AVC resultou hemiparesia esquerda (pontos 9 e 10 dos factos provados). O testamento celebrado em 14 de março de 2011 foi lavrado na casa de morada da apelante – Rua …, nº…, freguesia …, Vila Nova de Gaia. O testamento celebrado em 12 de dezembro de 2011 foi lavrado no cartório notarial. A escritura de cessão de quinhão hereditário celebrada em 18 de julho de 2012 foi outorgada no cartório notarial e com a intervenção da apelante, que figura como cessionária.
Neste contexto a apelante tinha conhecimento da situação de inferioridade da lesada D… e da causa dessa inferioridade. Recebeu D… na sua casa, por sua iniciativa, para continuar a prestar os cuidados e assistência necessária, sem que se tenha provado que ficou acordado receber uma contrapartida por tais serviços, sendo certo que D… suportava uma despesa com tais serviços (pontos 13 a 18 dos factos provados).
Fazendo funcionar as presunções judiciais - art. 349º e 351ºCC -, somos levados a concluir que estas circunstâncias constituem desde logo um indício que a apelante contava poder ser beneficiada pelos serviços que estava a prestar e sabia que D… seria detentora de património, que não seria diminuto, capaz de garantir tais despesas. Não existindo entre a apelante e D… qualquer relação de parentesco ou afinidade, como explicar esta súbita dedicação de um estranho, por alguém que se encontra numa situação de absoluta dependência física de terceiros para garantir a satisfação das mais elementares necessidades de existência.
O teor do primeiro testamento revela já uma vontade diminuída. Tal ato foi celebrado cerca de três meses após D… se mudar para a casa da apelante (pontos 3 e 15 dos factos provados). Desse testamento decorre a intenção de D… beneficiar a apelante, em proporção superior aos seus familiares – 75% para a apelante e 25% para os restantes familiares -, entre os quais o seu irmão, aqui apelado. Estando deterioradas as relações entre D… e o irmão, como argumentou a apelante, não se compreende como pretendeu D… beneficiá-lo.
No segundo testamento celebrado em 12 de dezembro de 2012 a apelante surge como única beneficiária, pois o legado com encargo (sepultura), não tem expressão, sem que resulte demonstrado que entre o período que mediou entre os dois testamento, os cuidados e assistência prestados a D… se tenham revelado mais dispendiosos ou uma qualquer outra circunstância, que revelasse a intenção de D… beneficiar a apelante.
Por fim, a cessão do quinhão hereditário é celebrada quando ocorre um agravamento do estado de saúde de D…, mas sem que resulte demonstrado despesas com internamento hospitalar ou tratamento médicos, suportados pela apelante (ponto 25 dos factos provados).
Este quadro permite concluir que a apelante usando da situação de inferioridade de D… modelou a sua vontade no sentido de D… a beneficiar.
Contudo, apenas a concessão de benefícios excessivos ou injustificados, configuram o negócio usurário.
Tem de haver uma desproporção manifesta entre as prestações. Só haverá benefícios excessivos ou injustificados, quando, segundo todas as circunstâncias, a desproporção ultrapassa os limites do que pode ter alguma justificação.
A situação de dependência só vale, para efeitos de usura, se a partir dela alguém obtiver benefícios excessivos ou injustificados.
A este respeito a doutrina[19] e jurisprudência[20] têm considerado que por esta forma se dá relevância genérica, no Direito Português atual, ao instituto da lesão. Diferentemente, porém, de um critério matemático, usou o Código uma orientação, também objetiva, mas que deixa ao juiz um mais amplo campo de atuação[21].
Como observava CARLOS MOTA PINTO ”[e]ncara-se o problema da lesão, não sob a perspetiva individualista[…] por elevada que seja a desproporção entre as prestações, há sempre que aceitá-la em nome da liberdade de contratar -, mas à luz das valorações sociais imperantes no nosso tempo”[22].
Para se verificar este requisito é necessário que entre a prestação do lesado e a contraprestação do beneficiário da declaração haja desproporção excessiva, não justificada pelas circunstâncias particulares do negócio. O critério do dobro do valor parece ser o limiar, a partir de cuja ultrapassagem se vai averiguar a existência das demais circunstâncias objetivas e dos requisitos subjetivos da usura[23].
O requisito da excessividade ou injustificação do benefício refere-se ao objeto material do negócio; assim se explica o enquadramento sistemático dado pelo legislador ao instituto da usura.
Se na avaliação do caráter excessivo se pode atender a critérios objetivos, já a respeito da justificação há que atender ás circunstâncias do caso concreto, em conformidade com padrões de ética imanentes ao sistema, isto é, se o benefício pode ser “tido como justo, como moralmente aceitável, aquele desequilíbrio valorativo”[24].
Para PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, o requisito objetivo verifica-se "quando a relação valorativa entre as prestações revelar um desequilíbrio que exceda os limites normais dos padrões típicos de valor vigentes no mercado e quando não haja uma causa justificativa atendível para esse desequilíbrio"[25].
A apelante considera que para se apurar se o benefício é excessivo se torna necessário saber os valores que estamos a tratar e, neste sentido, nada foi alegado e/ou provado.
O valor será um critério a atender, como referencial, sendo certo que se mostra determinante, face ao atual critério legal, apurar no concreto circunstancialismo se há desproporção excessiva, não justificada pelas circunstâncias particulares do negócio.
No caso concreto, não se apurou o valor dos bens que compunham o património de D…, nem ainda, o valor do quinhão hereditário na herança aberta por óbito do seu marido.
Contudo, apurou-se que D… faleceu sem ascendentes vivos e sem descendentes. Em meados de 2010 conheceu a apelante como funcionária da empresa “L… …” que prestava serviços de assistência ao domicílio e na residência de D…, a pedido desta. A apelante nessa qualidade passou a frequentar a residência de D… no turno que teria como horário aproximado entrada às 17.00 horas e saída ás 22.00 horas. A apelante é a única beneficiária da herança de D…, onde se inclui o quinhão hereditário, por óbito do marido (pontos 1, 3, 4, 7, 8, 14 a 18 dos factos provados).
Não resulta provado que existisse qualquer outro elo de ligação de D… à apelante. É a própria apelante que toma a iniciativa de transportar D… para a sua casa. O património em causa não será diminuto se considerarmos o interesse que a apelante manifestou e manifesta como beneficiária. Em contraposição atendendo à idade de D… e estado de saúde, não era expectável que viesse a sobreviver por muitos e longos anos, motivo pelo qual, os serviços prestados pela apelante não constituem justificação suficiente para obter tal benefício, revelador da desproporção das prestações.
Acresce que, contrariamente ao vertido sob o ponto 27 das conclusões, não se provou que D… não pretendia beneficiar o seu irmão (aqui Autor). A demonstrar isso mesmo temos o testamento celebrado em 14 de março de 2011,onde figura como herdeiro. Por outro lado, não se provou que no período que mediou entre o primeiro e segundo testamento o relacionamento de D… com o apelado/Autor, seu irmão, se tenha deteriorado de forma a justificar a alteração do testamento.
Como se observa na sentença, provou-se apenas que em 24 de novembro de 2012 D… declarou que não queria ver o irmão, ora apelado. Tal declaração ocorre sem qualquer justificação e em momento posterior à celebração dos testamentos e não pode deixar de ser enquadrada nas circunstâncias em que é proferida e numa ocasião em que a apelante impede que familiares e amigos visitem D….
A respeito da cessão de quinhão hereditário argumenta, ainda, a apelante que na sentença não se atendeu ao teor da escritura pois, atenta a condição lá imposta, afasta por completo qualquer usura na disposição dos bens pois, até podia vir a dar-se a hipótese dos bens não serem suficientes para pagar o tratamento da D… até á sua morte.
Com efeito, da escritura pública de cessão, celebrada em 18 de julho de 2012, decorre o encargo, para a apelante, de prestar assistência para o bem estar e saúde de D….
Contudo, cumpre ter presente os seguintes factos:
A escritura pública de cessão de quinhão hereditário foi celebrada em 18 de julho de 2012.
D… faleceu em 09 de fevereiro de 2013.
Em julho de 2012, por informação da Ré à médica, foi transmitido que D… estava agitada não tendo ido a uma consulta de oncologia.
Em 25/07/2012 fez uma TAC que apresentou lesões de caráter sequelar de provável etiologia vascular.
Em 27/08/2012 a mesma D… afirma que não quer fazer tratamento com ácido zoledrónico por sua opção, tudo conforme fls. 67 e 68.
Em 08/10/2012 D… faltou a uma consulta agendada tendo a Ré informado que a mesma não se estava a sentir bem não tendo voltado ao serviço de oncologia (pontos 1, 25 e 26 dos factos provados).
A apelada sabia e tinha conhecimento que o estado de saúde de D… se tinha agravado, que sofria de doença incurável e por isso, sabia que D… não tinha grande esperança de vida, quando além do mais rejeitou o tratamento. Acresce que o tratamento de D… era prestado pelo serviço nacional de saúde. De todo o modo, sempre seria um ónus da apelante alegar e provar os factos reveladores dos encargos suportados com o tratamento e assistência de D… e que o respetivo valor seria superior ao património da lesada, por constituir matéria de exceção, matéria que não logrou provar (art. 342º/2 CC).
Ainda que se considere não estar demonstrado um benefício excessivo, resulta provado um benefício não justificado. A contrapartida não justificava o benefício, quando além do mais, a apelante estava já constituída como única beneficiária no testamento celebrado em dezembro de 2011, por D… e D… sabia disso. Para garantir as despesas de D…, a apelante dispunha de procuração com plenos poderes para movimentar as contas bancárias, atento o amplo teor da procuração outorgada em 02 de maio de 2011, por D… a seu favor.
Neste contexto, perante a situação de fragilidade de D… e aproveitando-se dessa fragilidade a apelante apropria-se de todo o património de D… e por isso, somos levados a concluir que existe um benefício injustificado a favor da apelante, revelador de um negócio usurário sob a veste, ou formalizado, com os dois testamentos e a escritura de cessão de quinhão hereditário.
Considera, ainda, a apelante que a entender-se que o benefício é excessivo se devia dar a hipótese de redução do negócio.
Atento o regime previsto no art. 283º CC, não pode o tribunal oficiosamente, reduzir o negócio, quando apenas vem peticionada a respetiva anulação e a requerida não fez uso da faculdade conferida pelo art. 283º/2 CC.
Conforme decorre deste preceito requerida a anulação, a parte contrária tem a faculdade de opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação de acordo com juízos de equidade. Na contestação a apelante não fez uso de tal prerrogativa, pelo que precludiu o direito de o fazer.
Desta forma, a sentença não merece censura quando julgou reunidos os requisitos da usura.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 10 a 56.
-
- Da violação do princípio da confiança e da igualdade -
Na última questão colocada pela apelante, sob os pontos 57 a 68 das conclusões de recurso (alínea E)), suscita a apelante a conformidade da interpretação do art. 282º /1 CC, seguida na sentença, com os princípios da confiança e da igualdade, previstos respetivamente nos art. 20º e 12º da Constituição.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere GOMES CANOTILHO:
“O princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[26].
Afigura-se-nos, porém, que a interpretação defendida, não contende com os princípios constitucionais enunciados, nomeadamente, o princípio constitucional da segurança jurídica, que engloba o princípio da tutela da confiança.
Em obediência ao princípio da segurança jurídica, o individuo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico[27].
A interpretação acolhida na sentença recorrida e no presente acórdão, garante o princípio da segurança jurídica, na sua vertente da tutela da confiança, porque a interpretação defendida assenta no regime previsto no art. 282º/1 CC que estabeleceu os critérios e pressupostos a considerar para qualificar como usurário um negócio jurídico. A qualificação não fica ao critério e livre arbítrio do julgador, sendo certo que como vício do objeto negocial estava já prevista na lei, à data da celebração dos atos cuja anulação foi peticionada, fazendo parte da nossa tradição jurídica.
De igual forma, a interpretação do preceito não contende com o princípio da igualdade, pois não se trata de acolher uma diferente interpretação para idênticas situações jurídicas. A posição do Autor, enquanto herdeiro legítimo, não constitui objeto de análise nestes autos. Por outro lado, não será o único herdeiro legítimo, como decorre do testamento celebrado em março de 2011. Acresce que por aplicação do regime previsto no art. 282º/1 CC a apelante viu anulados os atos celebrados em seu benefício, ficando assim privada do direito a suceder a D… nos seus bens e quinhão hereditário por óbito do marido, mas tal decisão foi tomada sem considerar a ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual da apelante.
Desta forma, não se pode falar em tratamento desigual, porque se atendeu apenas aos requisitos previstos na lei, os quais não compreendem os critérios discriminatórios do art. 13º/2 CRP.
Acresce que na génese do regime previsto no art. 282º/1 CC está a proteção dos mais fracos e o equilíbrio das prestações, aspetos que constituem também uma manifestação do princípio da igualdade.
Conclui-se, assim, que a interpretação e aplicação do regime previsto no preceito não viola os princípios da igualdade e da confiança.
Improcedem, também, nesta parte as conclusões de recurso.
-
Nas conclusões de recurso sob os pontos 69 a 73 tecem-se considerações finais, algumas das quais sem relevo, como se afirma no ponto 69,sendo as restantes meras considerações de direito com repetição do já exposto nas anteriores conclusões.
-
-Ampliação do objeto do recurso –
-
- Ampliação da matéria de facto -
Na ampliação do objeto do recurso, sob os pontos 54 a 63 das conclusões, veio o apelado-autor suscitar a ampliação da matéria de facto com introdução do ponto 27 nos factos provados, atenta a prova testemunhal produzida, com a seguinte redação:
“27 – Durante o período em que a D… outorgou os testamentos referidos em 3) e 4) e a cessão gratuita referida em 7) dos factos dados como provados, o seu património foi avaliado, em cerca de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros)”.
A apelante veio opor-se à ampliação.
A questão que se coloca consiste, assim, em determinar se é possível ampliar a matéria de facto, considerando que os factos não foram oportunamente alegados pelas partes nos respetivos articulados.
Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.
A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[28].
Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.
De acordo com o art. 5º/1 CPC recai sobre as partes o ónus de alegação dos factos essenciais.
Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Tais factos quando resultem da instrução da causa devem ser considerados pelo juiz, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, como determina o art. 5º/2 b) CPC.
Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[29].
Por último, o juiz deve considerar os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, nos termos do art. 5º/2/c) CPC.
Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender ás várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682º/3 CPC.
No caso concreto a considerar-se essencial o facto em causa, porque não foi alegado pelo autor, não pode ser objeto de ampliação. A entender-se que constitui um facto complementar, de igual forma, não pode ser objeto de ampliação, porque não foi concedida à parte contrária a possibilidade de se pronunciar, já que só em sede de recurso vem o apelado suscitar a questão e ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar a decisão (nomeadamente de facto) e não apreciar novas e diferentes questões.
Por fim, resta considerar que a matéria em causa não reveste a natureza de facto instrumental ou probatório, nem a natureza de facto notório ou do conhecimento do tribunal e por esse motivo, não podia ser considerado pelo juiz do tribunal “ a quo”.
Neste contexto não estão reunidos os pressupostos para proceder à ampliação da matéria de facto, porque o facto em causa não consta dos articulados e não foi oportunamente suscitada a sua relevância para efeito de ser considerado como complemento dos factos essenciais.
Desta forma, julgam-se improcedentes as conclusões da ampliação do objeto do recurso, sob os pontos 56 a 63.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante, na apelação e pelo apelado, na ampliação do objeto do recurso.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
-
Julga-se, ainda, improcedente a ampliação do objeto do recurso.
-
Custas da apelação, a cargo da apelante e da ampliação do objeto do recurso, a cargo do apelado.
*
*
*
Porto, 8 de julho de 2015
(processei e revi –art. 131º/5 CPC )
Ana Paula Amorim
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
___________
[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 128.
[3] Cfr.FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, ob. cit., pag. 181, nota 357.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag. 126.
[5] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. III, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1982, pag. 297.
[6] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 686.
[7] ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil,ob. cit., pag. 690.
[8] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, I Volume, 4.ª edição renovada/reimpressão, Coimbra Editora, 2012, pág. 175/176.
[9] Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, Coimbra, Almedina, 1999, pag. 394
[10] Cfr. Ac. STJ 12 de setembro de 2006, Proc. 06A1988 e ainda, Ac. Rel. Porto 18 de dezembro de 2013, Proc. 781/09.6TBVLG-A.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] PEDRO PAIS VASCONCELOS Teoria Geral do Direito Civil, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, pag. 535; Cfr. Ac. STJ 21 de abril de 2009, Proc. 09A0653, disponível em www.dgsi.pt
[12] HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, 9ª Reimpressão da edição de 1992, Coimbra, Almedina, 2014, pag. 556
[13] Ac. Rel Guimarães 27 de maio de 2010, Proc. 710/06.9TBVLN.G1, disponível em www.dgsi.pt
[14] Cfr. HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil ob. cit., pag. 556
[15] HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, ob.cit., pag. 556
[16] PEDRO PAIS VASCONCELOS Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pag. 537
[17] Ac. Rel. Porto18 de dezembro de 2013, Proc. 781/09.6TBVLG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Cfr. HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, ob.cit., pag. 559
[19] CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO E PAULO MOTA PINTO, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pag. 499-500; PEDRO PAIS VASCONCELOS Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pag. 533-536; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, ob. cit., pag.390-393
[20] Ac. STJ 12.09.2006,Proc. 06A1988,acessível em www.dgsi.pt
[21] CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pag. 500-501; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, ob. cit., pag.394; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, ob.cit., pag.559
[22] CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit.,pag. 500-501
[23] Ac. STJ 12.09.2006, Proc. 06A1988, disponível em www.dgsi.pt; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, ob. cit., pag. 394.
[24] PEDRO PAIS VASCONCELOS Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pag. 537
[25] PEDRO PAIS VASCONCELOS Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pag. 537
[26] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.
[27] J. J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição ob. cit., pag. 257.
[28] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240
[29] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 467-468.