Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
415/16.2T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: CARTEIRO
SUBSÍDIO DE CONDUÇÃO
ABONO DE VIAGEM
Nº do Documento: RP20170313415/16.2T8PNF.P1
Data do Acordão: 03/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º254. FLS.12-17)
Área Temática: .
Sumário: I - A atribuição do subsídio de condução – previsto na clª146ª do AE/CTT de 1996 e na clª80ª do AE/CTT de 2010 – tem como pressuposto o facto de o trabalhador, para além de exercer as funções de carteiro – únicas para que foi contratado – e por causa dessas funções, ainda conduzir viatura propriedade da Ré ou disponibilizada por ela.
II - O subsídio de condução, ao contrário do abono de viagem, tem causa específica, a da condução de veículo disponibilizado pela empregadora ao trabalhador que não foi contratado para exercer tais funções mas a de carteiro.
III - Assim, se o trabalhador aceita conduzir viatura propriedade da Ré tem direito a receber o subsídio de condução. Conduzindo o carteiro viatura própria tem direito a receber o subsídio de transporte próprio (abono de viagem).
IV - A aplicação de uma ou da outra das referidas cláusulas não assenta, propriamente, no facto do exercício da condução de veículo [que aliás ocorre em ambos os casos] mas no facto da condução ocorrer com viatura disponibilizada pela empregadora ou com viatura do próprio trabalhador.
V - Tal interpretação não ofende o disposto nos artigos 13º e 59º, nº1, al. a) da CRP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º415/16.2T8PNF.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1437
Adjuntos: Dra. Paula Leal de Carvalho
Dr. Jerónimo Freitas
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Na presente acção emergente de contrato de trabalho que B… instaurou na Comarca do Porto Este – Penafiel – Instância Central – Secção Trabalho – J3, contra CTT – Correios de Portugal S.A. Sociedade Aberta, em 14.10.2016 foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor 1. A quantia de € 1.169,01 relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar e nocturno e complemento especial de distribuição, não paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de natal respeitante ao trabalho prestado nos anos de 1999 a 2011, acrescida de juros de mora, a contar sobre cada uma daquelas diferenças de retribuição a título de férias, subsídio de férias e de natal nos termos indicados na sentença, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; 2. O acréscimo de juros de mora à taxa de 5%, previstos no nº4 do artigo 829º-A do CC, contados desde a data do trânsito em julgado da sentença, até efectivo e integral pagamento. Dos demais pedidos foi a Ré absolvida.
O Autor veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue o recurso procedente nos termos que indica nas conclusões de recurso, a saber:
1. Discorda o apelante que o complemento salarial abono de viagem não seja considerado retribuição.
2. Face ao teor da al. d) da clª147ª do AE/CTT de 1996 e do AE de 2000 e uma vez que o carteiro recebe anualmente o subsídio de calçado – como se verifica da menção «sub calçado distr» constante nos recibos dos meses de Março juntos aos autos pelo recorrente – é a própria Ré que reconhece que o abono de viagem destina-se a pagar ao trabalhador algo mais do que as despesas em serviço.
3. A sustentar o presente raciocínio temos o artigo 105º, nº1, al. d) do AE/CTT de 1981 e no AE de 1993, que exclui a natureza do abono de viagem como ajudas de custo e a mesma ideia é dada no artigo 41º do AE de 2000, artigo 98º do AE de 2006, artigo 47º do AE de 2008 e 2010 e artigo 42º do AE de 2015.
4. O apelante é carteiro e para fazer a distribuição do correio, desloca-se em veículo próprio, recebendo, por esse circunstancialismo, o chamado «abono de viagem».
5. Os trabalhadores da Ré, no caso, os carteiros que fazem a distribuição em veículo, propriedade da Ré, recebem o chamado «subsídio de condução».
6. Tais subsídios não são cumuláveis, uma vez que o carteiro ou fará a deslocação em veículo próprio ou no veículo propriedade da Ré.
7. O abono de viagem tem a vertente de compensar o trabalhador pela despesa que faz com a utilização de veículo próprio, mas não só.
8. O abono de viagem tem também como finalidade retribuir o trabalho devido ao esforço, perigosidade e onerosidade acrescida, tal como o subsídio de condução.
9. E só isso justifica o não pagamento do subsídio de condução a quem faz a distribuição do correio em veículo próprio.
10. Da factualidade provada o abono de viagem foi pago ao recorrente em todos os meses dos anos de 1999 a 2011.
11. Depreende-se dos recibos de vencimento e das tabelas que constam da matéria de facto provada que pelo menos nos anos de 2000, 2001, 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2010 e 2011, o valor anual recebido em abono de viagem ultrapassa 1/3 do total da retribuição base recebida em cada ano.
12. Pelo que é difícil compreender que o recorrente gaste mais de 1/3 do valor anual e total da sua retribuição base em despesas de motociclo nas funções de distribuição.
13. Da factualidade provada só se poderá concluir que o abono de viagem não tem como natureza pagar (apenas) as despesas que os trabalhadores têm com a deslocação em veículo próprio, mas também tem como objectivo, tal como o subsídio de condução, compensar o trabalhador pela perigosidade acrescida da condução.
14. E só por isso se justifica o não pagamento do subsídio de condução ao carteiro que efectua a tarefa de condução com veículo próprio.
15. Assim, só se poderá concluir que o abono de viagem é uma forma disfarçada de retribuição.
16. Face ao exposto, dada a matéria de facto dada como provada e atenta a conclusão de que o abono de viagem pago ao Autor corresponde a mais de 1/3 do ordenado base (anual), só se poderá concluir que tais valores pagos ao trabalhador vão muito além das despesas tidas com o veículo próprio para efectuar a distribuição.
17. Assim, e no que respeita ao abono de viagem, o Tribunal a quo violou os artigos 87º, parte final da LCT, actual artigo 260º, nº1, al. a), parte final do CT, atenta a desconsideração da evidente desproporcionalidade entre o valor efectivamente recebido do abono de viagem face à retribuição base recebida anualmente pelo Autor, cujo valor do abono de viagem corresponde em vários dos anos a mais de 1/3 da retribuição base, sendo por isso impensável que tal abono seja apenas o pagamento de despesas do veículo próprio do Autor durante o serviço de distribuição do correio.
18. O subsídio de condução está previsto actualmente na clª79ª do AE/CTT de 2015.
19. Considerou a decisão recorrida que apesar do Autor receber o abono de viagem, considerando este como um simples pagamento das despesas que o Autor tem direito quando utiliza o seu veículo próprio na distribuição do correio, não tem este direito ao subsídio de condução.
20. Ficou provado que o pagamento do subsídio de condução é um incentivo à aceitação das tarefas de condução e que é pago por cada dia em que o trabalhador conduz, independentemente do tempo durante o qual conduz, e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução (tarefas para as quais não foram contratados).
21. Atenta a rácio do subsídio de condução, retribuir o carteiro pelo esforço acrescido que tem no âmbito da condução, terá, igualmente, que incentivar o carteiro que se desloque na sua mota (ou automóvel) pelo mesmo esforço uma vez que se entende que o abono de viagem visa apenas o pagamento de despesas.
22. A efectuar-se o raciocínio no sentido de apenas pagar ao Autor, que efectua o serviço em veículo próprio, as despesas que suporta com a mota própria e nada mais para além disso, está-se a discriminar e a prejudicar, a nível remuneratório, esse trabalhador em relação àquele que trabalha em veículo propriedade da Ré.
23. Caso se entenda que o abono de viagem não é mais do que o pagamento das despesas que o Autor tem com a deslocação/distribuição em veículo próprio – o que não se concede – deverá entender-se que face à paridade de circunstâncias, entre este e os outros trabalhadores da Ré, carteiros, que para fazer a deslocação no exercício da actividade de distribuição do correio, em veículo próprio da Ré, o Autor terá direito a receber, para além das despesas que tem como o seu veículo, o subsídio de condução uma vez que este último é retribuição, pago diariamente a quem exerça a tarefa de condução enquanto faz a distribuição do correio, na medida em que visa compensar o esforço e a perigosidade acrescidas da actividade de condução.
24. E mesmo que tal não se entenda, sempre se terá de concluir que pelo menos até à entrada em vigor do AE/CTT de 2008 o veículo propriedade do Autor estava ao serviço da empresa uma vez que era utilizado para a prossecução do fim da mesma, tal como exigiam as cláusulas do AE/CTT em vigor até essa altura.
25. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 59º, nº1, al. a), 13º e 18º, nº1 da CRP.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, citando os acórdãos desta Secção Social de 22.10.2012, 09.09.2013, 17.12.2014, 26.01.2015, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso cumpre decidir.
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II
A matéria de facto não foi impugnada e não há lugar a qualquer alteração, razão porque se remete neste particular para os termos da decisão da 1ª instância – artigo 663º, nº6 do CPC.
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III
Objecto do recurso.
1. Da inclusão do abono de viagem nas férias e nos subsídios de férias e natal.
2. Do subsídio de condução atribuído aos trabalhadores que conduzem veículos da Ré e do tratamento diferenciado relativamente ao Autor, que conduz viatura própria.
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IV
Da inclusão do abono de viagem nas férias, subsídios de férias e natal.
Cumpre referir que as partes acordaram na matéria de facto assente tendo o Tribunal a quo dado sem efeito a data designada para julgamento.
Releva aqui a seguinte matéria de facto: J) O Autor é carteiro (CTR) e faz a distribuição do correio em veículo motorizado (mota) próprio. K) O facto que determina o pagamento do subsídio de condução, e nos termos da clª79ª AE/2013 (anteriormente clª145ª do AE) é a condução de veículo para a execução do serviço, neste caso, disponibilizado pela Ré. L) Trata-se de um incentivo à aceitação das tarefas de condução. M) O subsídio é pago por cada dia em que o trabalhador conduz, independentemente do tempo durante o qual conduz, e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução. N) O abono Km/abono de viagem e marcha moto/abono de viagem e marcha auto, nos termos da clª80ª do AE 2013 (anteriormente clª147ª do AE) e das Ordens de Serviço Internas, é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da Ré, na distribuição do correio. O) O abono Km, abono de viagem e marcha auto e abono de viagem e marcha moto, por um lado, e o subsídio de condução, por outro, não são cumuláveis, no sentido em que o Autor, no mesmo momento, ou faz distribuição do correio em veículo próprio ou em veículo da Ré.
Na sentença recorrida, na sequência da posição seguida por esta Secção Social, considerou-se que “o abono de viagem e transporte pessoal não tem carácter retributivo, pelo que não são de considerar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, respeitantes ao trabalho prestado” pelo Autor à Ré “nos anos de 1999 a 2011”.
O apelante discorda alegando o seguinte: atento o teor da al. d) da clª147ª do AE/CTT de 1996 e do AE de 2000 e uma vez que o carteiro recebe anualmente o subsídio de calçado é a própria Ré que reconhece que o abono de viagem destina-se a pagar ao trabalhador algo mais do que as despesas em serviço. A sustentar o presente raciocínio temos o artigo 105º, nº1, al. d) do AE/CTT de 1981 e no AE de 1993, que exclui a natureza do abono de viagem como ajudas de custo e a mesma ideia é dada no artigo 41º do AE de 2000, artigo 98º do AE de 2006, artigo 47º do AE de 2008 e 2010 e artigo 42º do AE de 2015. O apelante é carteiro e para fazer a distribuição do correio, desloca-se em veículo próprio, recebendo, por esse circunstancialismo, o chamado «abono de viagem». Os trabalhadores da Ré, no caso, os carteiros que fazem a distribuição em veículo, propriedade da Ré, recebem o chamado «subsídio de condução». Tais subsídios não são cumuláveis, uma vez que o carteiro ou fará a deslocação em veículo próprio ou no veículo propriedade da Ré. O abono de viagem tem a vertente de compensar o trabalhador pela despesa que faz com a utilização de veículo próprio, mas não só. O abono de viagem tem também como finalidade retribuir o trabalho devido ao esforço, perigosidade e onerosidade acrescida, tal como o subsídio de condução. E só isso justifica o não pagamento do subsídio de condução a quem faz a distribuição do correio em veículo próprio. Depreende-se dos recibos de vencimento e das tabelas que constam da matéria de facto provada que pelo menos nos anos de 2000, 2001, 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2010 e 2011, o valor anual recebido em abono de viagem ultrapassa 1/3 do total da retribuição base recebida em cada ano. Pelo que é difícil compreender que o recorrente gaste mais de 1/3 do valor anual e total da sua retribuição base em despesas de motociclo nas funções de distribuição. Da factualidade provada só se poderá concluir que o abono de viagem não tem como natureza pagar (apenas) as despesas que os trabalhadores têm com a deslocação em veículo próprio, mas também tem como objectivo, tal como o subsídio de condução, compensar o trabalhador pela perigosidade acrescida da condução. Assim, só se poderá concluir que o abono de viagem é uma forma disfarçada de retribuição. Face ao exposto, só se poderá concluir que tais valores pagos ao trabalhador vão muito além das despesas tidas com o veículo próprio para efectuar a distribuição. Que dizer?
O período a ter em conta é o que vai de 1999 a 2011, o que determina a análise da situação ao abrigo do DL nº494408 de 24.11.1969 – LCT – do CT/2003, do CT/2009 e do AE celebrado entre os CTT e o SNTCT publicado no BTE nº24, 1ªsérie, de 29.06.1981, no BTE nº21 de 08.06.1996 e posteriores alterações.
Cumpre, antes do mais, referir que a clª98ª do AE de 1996, sob a epígrafe “Deslocações sem direito a ajudas de custo” não é aplicável ao caso [nesta clª determina-se que «1. Não conferem direito a ajudas de custo as seguintes deslocações: d) As dos carteiros nos giros respectivos»] na medida em que o Autor não reclamou ajudas de custo. Igualmente não são aplicáveis as clªs.98ª do AE de 2004, 98ª do AE de 2006 e 41ª do AE/2010 as quais têm idêntica redacção à clª98ª do AE de 1996.
Sob a epígrafe “Subsídio de transporte próprio – viagem e marcha” determina a clª147ª do AE/96 o seguinte: “1. Quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, a empresa pagar-lhes-á, por quilómetro, os subsídios seguintes” (…). O AE/2010 a clª81ª, sob a epígrafe “Subsídio de transporte próprio”, dispõe o seguinte: “1. Quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, e com a anuência prévia da empresa, se deslocarem em transporte próprio, a empresa pagar-lhes-á por quilómetro, os subsídios seguintes” (…).
Segundo o disposto no artigo 87º da LCT “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador” [este artigo corresponde, sem grandes alterações de redacção, ao artigo 260º, nº1 do CT/2003 e ao artigo 260º, nº1, al. a) do CT/2009].
Do acabado de referir decorre que o abono de viagem não integra a retribuição «stricto sensu», a não ser que se verifiquem as condições previstas na parte final do artigo 87º da LCT, quais sejam, estar-se perante deslocações/despesas frequentes “e na medida em que excedem as despesas normais, tais abonos podem fazer parte da retribuição (é o que possivelmente sucede com as chamadas «despesas de gasolina», em que o montante atribuído ao trabalhador é muito superior aos custos de transporte inerentes às deslocações por motivos de serviço, embora esta circunstância seja de difícil comprovação)” – Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ª edição, página 335.
O Autor recebeu, frequentemente, tal complemento salarial. No entanto, e tendo em conta o disposto na parte final do artigo 87º da LCT e nos artigos 260º, nº1 do CT/2003 e 260º, nº1, al. a) do CT/2009, competia-lhe alegar e provar, o que não fez, que as importâncias que recebeu, a título de abono de viagem, excedem as despesas normais [não é suficiente afirmar-se, como o faz o Autor no recurso, que «Depreende-se dos recibos de vencimento e das tabelas que constam da matéria de facto provada que pelo menos nos anos de 2000, 2001, 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2010 e 2011, o valor anual recebido em abono de viagem ultrapassa 1/3 do total da retribuição base recebida em cada ano. Pelo que é difícil compreender que o recorrente gaste mais de 1/3 do valor anual e total da sua retribuição base em despesas de motociclo nas funções de distribuição»]. Sem a referida prova, prevalece o disposto na primeira parte do artigo 87º da LCT ou seja, o abono de viagem não faz parte da retribuição «stricto sensu» do Autor e como tal não integra as férias e os subsídios de férias e de natal.
Com efeito, e determinando a LCT, o CT/2003 e o CT/2009 que o abono de viagem não faz parte da retribuição, então, a presunção estabelecida no artigo 82º, nº3 da LCT não pode funcionar por precisamente não ocorrer, no caso, qualquer dúvida quanto à qualificação do referido complemento salarial como não retributivo.
Improcede, deste modo, a pretensão do apelante.
* * *
V
Do subsídio de condução atribuído aos trabalhadores que conduzem veículos da Ré e do tratamento diferenciado relativamente ao Autor, que conduz viatura própria.
Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte: (…) “Na medida em que se trata de atribuir um subsídio pela condução de veículos disponibilizados pela própria Ré, resulta limpidamente desta circunstância que o mesmo não visa compensar o trabalhador por quaisquer despesas acrescidas, tanto assim que, reafirma-se, o trabalhador conduz veículo da própria Ré e como tal não suporta quaisquer despesas acrescidas decorrentes desse facto, mas antes visa compensar o trabalhador pela maior penosidade que a prestação do trabalho ou a sua disponibilidade implica decorrente de ter de conduzir, o que implica um maior grau de concentração e de atenção por parte de quem tem de prestar a sua actividade laboral, conduzindo” (…) para, mais à frente, acrescentar que o subsídio de condução terá “ caracter retributivo se tiver sido pago pela Ré ao Autor de forma regular e contínua no tempo, o que implica o pagamento num período de 12 meses de pelo menos seis deste concreto subsídio de condução”, sendo que “o Autor apenas o recebeu, na quantia de €23,98, no mês de Abril de 2004, a título de subsídio de condução, não tendo recebido qualquer outra quantia a este título (de subsídio de condução), durante o lapso temporal que medeia os anos de 1999 a 2011, subjacentes aos presentes autos, pelo que sem necessidade de outras considerações, se conclui que tal subsidio não faz parte da retribuição, e como tal não deve ser integrado nos subsídios de férias, natal e retribuição de férias” (…). Na apreciação dos pedidos subsidiários formulados pelo Autor refere ainda a Mmª. Juiz a quo o seguinte: (…) “ora, o Autor faz a distribuição em veículo motorizado (mota) próprio, e por isso, e a este título, é, e foi compensado com o abono de viagem, ou abono ao quilómetro, sendo certo que os dois não são cumuláveis, pois que, a distribuição de correio não se pode fazer simultaneamente em veículo fornecido pela Ré e cedido (próprio) do trabalhador. Assim, tais subsídios ou abonos são alternativos, tendo o trabalhador direito a um ou a outro” (…).
O apelante argumenta do seguinte modo: Considerou a decisão recorrida que apesar do Autor receber o abono de viagem, considerando este como um simples pagamento das despesas que o Autor tem direito quando utiliza o seu veículo próprio na distribuição do correio, não tem este direito ao subsídio de condução. Atenta a rácio do subsídio de condução, retribuir o carteiro pelo esforço acrescido que tem no âmbito da condução, terá, igualmente, que incentivar o carteiro que se desloque na sua mota (ou automóvel) pelo mesmo esforço uma vez que se entende que o abono de viagem visa apenas o pagamento de despesas. A efectuar-se o raciocínio no sentido de apenas pagar ao Autor, que efectua o serviço em veículo próprio, as despesas que suporta com a mota própria e nada mais para além disso, está-se a discriminar e a prejudicar, a nível remuneratório, esse trabalhador em relação àquele que trabalha em veículo propriedade da Ré. Caso se entenda que o abono de viagem não é mais do que o pagamento das despesas que o Autor tem com a deslocação/distribuição em veículo próprio – o que não se concede – deverá entender-se que face à paridade de circunstâncias, entre este e os outros trabalhadores da Ré, carteiros, que para fazer a deslocação no exercício da actividade de distribuição do correio, em veículo próprio da Ré, o Autor terá direito a receber, para além das despesas que tem como o seu veículo, o subsídio de condução uma vez que este último é retribuição, pago diariamente a quem exerça a tarefa de condução enquanto faz a distribuição do correio, na medida em que visa compensar o esforço e a perigosidade acrescidas da actividade de condução. E mesmo que tal não se entenda, sempre se terá de concluir que pelo menos até à entrada em vigor do AE/CTT de 2008 o veículo propriedade do Autor estava ao serviço da empresa uma vez que era utilizado para a prossecução do fim da mesma, tal como exigiam as cláusulas do AE/CTT em vigor até essa altura. Analisemos então.
Nos termos da clª146ª do AE/96 “1. Os trabalhadores não motoristas que exerçam a tarefa de condução de veículos automóveis ou motociclos ao serviço da empresa têm direito a um subsídio por cada dia de condução, no montante previsto no nº3.1 do anexo IX” (…). [no AE/2004 a clª146ª manteve a mesma redacção assim como no AE/2006]. No AE/2010 a clª 80ª tem a seguinte redacção: “1. Os trabalhadores que exerçam as tarefas de recolha, tratamento, transporte ou distribuição de correio, que impliquem a condução de veículos automóveis ou motociclos disponibilizados pelos CTT, têm direito a um subsídio por cada dia de condução, no montante previsto na al. a) do nº3 do Anexo V” (…).
Sobre tal situação já esta Secção Social se prenunciou mais do que uma vez importando aqui citar, pela sua relevância, o acórdão proferido no processo nº1454/11.5TTVNG.P1 [relatado pela aqui 1ª adjunta]: (…) “ é facto público e notório, para além de que decorre das regras da experiência comum, que o exercício das funções de carteiro implica a realização do percurso aos locais onde as entregas deverão ser feitas, deslocações estas que, necessariamente, só poderão ocorrer em meio de transporte ou a pé. E, daí, que lhes sejam aplicáveis as atribuições patrimoniais constantes das cláusulas 146ª e 147ª do AE: a primeira, prevendo que os trabalhadores não motoristas que exerçam a tarefa de condução de veículos automóveis ou motociclos (ou velocípedes propriedade dos CTT) seja pago o subsídio de condução por cada dia de condução; a segunda, prevendo que, quando essas deslocações (ao serviço da empresa), ocorram em transporte próprio ou a pé, lhes seja pago, por cada km percorrido, uma determinada percentagem do preço médio do litro de gasolina, pagamento este que tem natureza compensatória dos gastos e encargos decorrentes da utilização de transporte próprio, natureza essa que se mantém, igualmente, quando o transporte seja feito a pé” (…)
Acolhe-se aqui tais considerações.
Com efeito, a atribuição do subsídio de condução tem como pressuposto o facto de o trabalhador, para além de exercer as funções de carteiro – únicas para que foi contratado – e por causa dessas funções, ainda conduzir viatura propriedade da Ré ou disponibilizada por ela. Ou seja, o subsídio de condução, ao contrário do abono de viagem, tem causa específica, a da condução de veículo disponibilizado pela empregadora ao trabalhador que não foi contratado para exercer tais funções mas a de carteiro.
Ora, ao contrário do invocado pelo Autor não está provado que o subsídio de condução vise compensar o trabalhador pela perigosidade acrescida da condução mas antes que o mesmo é um incentivo à aceitação das tarefas de condução [al. L) da factualidade provada] e é para compensar a imposição aos trabalhadores das tarefas de condução [al. M) da factualidade provada].
Relativamente ao abono de viagem – como já referido – os pressupostos da sua atribuição são diferentes. Com efeito, provou-se que o abono de viagem é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da Ré, na distribuição do correio [al. N) dos factos provados].
Provou-se, ainda, que o subsídio de condução e o abono de viagem não são cumuláveis por o Autor não poder exercer as suas funções, no mesmo momento, em veículo próprio ou em veículo da Ré [al. O) dos factos provados].
Assim, se o trabalhador aceita conduzir viatura propriedade da Ré tem direito a receber o subsídio de condução. Conduzindo o carteiro viatura própria tem direito a receber o subsídio de transporte próprio (abono de viagem).
Em face da conclusão a que chegamos podemos agora afirmar inexistir a invocada discriminação, na medida em que ambas as cláusulas tratam situações diferentes: a clª146ª pressupõe a condução pelo carteiro de veículo propriedade da Ré ou fornecido por esta; a clª147ª pressupõe a condução pelo carteiro de veículo próprio.
Na verdade, a aplicação de uma ou da outra das referidas cláusulas não assenta, propriamente, no facto do exercício da condução de veículo [que aliás ocorre em ambos os casos] mas no facto da condução ocorrer com viatura disponibilizada pela empregadora ou com viatura do próprio trabalhador.
Deste modo, a interpretação a que chegamos não ofende o disposto no artigo 59º, nº1, al. a) da CRP [Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna], nem ofende o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP.
Refere ainda o apelante que atenta a redacção da cláusula antes e depois do AE/2008 – na clª146ª falava-se em «condução de veículos automóveis ou motociclos ao serviço da empresa» e passou a constar «condução de veículos automóveis ou motociclos disponibilizados pelos CTT» – pelo menos até à entrada em vigor do AE/2008 o veículo sua propriedade estava ao serviço da Ré uma vez que era utilizado para as funções de carteiro, a determinar a atribuição desse subsídio.
Como já referido atrás, a clª146ª reporta-se à condução de veículos ao serviço da Ré, ou seja, da sua posse/propriedade. De outro modo não poderá ser entendida a referida cláusula tendo em conta que a clª147ª se referia ao transporte próprio do trabalhador. Por outro lado está provado que o abono de viagem é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da Ré [al. N)].
Improcede, assim, a pretensão do apelante.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Sem custas a apelação tendo em conta a isenção de que goza o Autor – artigo 4º, nº1, al. h) do RCJ – sem prejuízo do determinado nos nºs.6 e 7 do mesmo artigo.
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Porto, 13.03.2017
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
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SUMÁRIO:
I - A atribuição do subsídio de condução – previsto na clª146ª do AE/CTT de 1996 e na clª80ª do AE/CTT de 2010 – tem como pressuposto o facto de o trabalhador, para além de exercer as funções de carteiro – únicas para que foi contratado – e por causa dessas funções, ainda conduzir viatura propriedade da Ré ou disponibilizada por ela.
II - O subsídio de condução, ao contrário do abono de viagem, tem causa específica, a da condução de veículo disponibilizado pela empregadora ao trabalhador que não foi contratado para exercer tais funções mas a de carteiro.
III - Assim, se o trabalhador aceita conduzir viatura propriedade da Ré tem direito a receber o subsídio de condução. Conduzindo o carteiro viatura própria tem direito a receber o subsídio de transporte próprio (abono de viagem).
IV - A aplicação de uma ou da outra das referidas cláusulas não assenta, propriamente, no facto do exercício da condução de veículo [que aliás ocorre em ambos os casos] mas no facto da condução ocorrer com viatura disponibilizada pela empregadora ou com viatura do próprio trabalhador.
V - Tal interpretação não ofende o disposto nos artigos 13º e 59º, nº1, al. a) da CRP.

Fernanda Soares