Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
121/15.5JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RELAÇÃO EXTRACONJUGAL
NAMORO
Nº do Documento: RP20170308121/15.5JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 710, FLS. 148-169)
Área Temática: .
Sumário: Pode ser vítima de um crime de violência doméstica [artigo 152º, nº 1. al. b), do Código Penal] uma pessoa envolvida num relacionamento amoroso duradouro com o agente do crime, mesmo que esteja casada e coabite com outra pessoa.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 121/15.5JAPRT.P1
Data do acórdão: 8 de Março de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca do Porto
Secção Central | Secção Criminal

Sumário:
Pode ser vítima de um crime de violência doméstica [artigo 152º, nº 1. al. b), do Código Penal] uma pessoa envolvida num relacionamento amoroso duradouro com o agente do crime, mesmo que esteja casada e coabite com outra pessoa.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B….

I - RELATÓRIO
1. No dia 11 de Novembro de 2016 foi proferido o acórdão recorrido no âmbito dos presentes autos, que terminou com a condenação do arguido nos seguintes termos:
«Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem o presente Tribunal Colectivo em:
Condenar o arguido B…, pelo cometimento de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, alínea b) do mesmo Código Penal, na pena de três anos de prisão, a qual, ao abrigo do disposto nos arts. 50º e 52º do Código Penal, se suspende na sua execução pelo mesmo período, sujeito à obrigação de o arguido não contactar a assistente e da frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica -PAVD, com a duração mínima de 18 meses, dinamizado pela DGRSP.
Absolver o arguido do crime de sequestro agravado de que vinha acusado.
Julgar procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o arguido a pagar à requerente civil a título de indemnização, a quantia de 2.016 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento. (…).»

2. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
«Foi o Recorrente condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo Art. 152°, n° 1, aln b) do CP, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, proibição de contacto com a Assistente e frequência de Programa para Agressores de Violência Doméstica, taxa de justiça e custas e ainda no pedido civil de indemnização.
O Recorrente entende que dos autos e da audiência de julgamento não resultaram elementos suficientes para o tribunal poder dar por provados os factos que constituem os elementos do tipo legal de violência doméstica, entendendo por isso o Recorrente que há falta de análise crítica da prova e manifesta insuficiência da matéria de facto provada para aquela decisão condenatória e, por outro lado, existem nos autos elementos probatórios que, devida e correctamente valorados, deveriam ter levado o tribunal, necessariamente, a decidir de forma diferente a matéria de facto dada por provada, ocorrendo também por isso contradição entre a fundamentação e esta decisão, sendo estes os fundamentos legais do presente recurso (Art. 410°, n° 2, aln a) e b) do CPP).
Entende o Recorrente que, in casu, não se verificam os elementos necessários ao preenchimento do tipo legal de violência doméstica.
É elemento típico do tipo legal que entre o agente e a vítima exista um tipo especial de relacionamento de "namoro" ou outro análogo ao dos cônjuges.
Esta relação tem de ser caracterizada com elementos de facto concretos e seguros, já que tanto o namoro como a sociedade conjugal se caracterizam por um determinado número de factos e actuações conjuntas dos seus elementos, que permitam identificá-los como tal.
Por outro lado, o mais relevante é que os maus-tratos estejam de alguma forma concreta associados a uma posição de controlo ou domínio que o agente possa ter sobre a vítima.
Provou-se que o relacionamento entre o Recorrente e a Ofendida era ocasional, meramente sexual, adulterino, nunca tendo ambos ou qualquer deles tido qualquer intenção de ter outro tipo de relacionamento, nomeadamente de namoro, noivado, união de facto ou, mesmo, futuro casamento. 
A Ofendida era e é casada e, em momento algum dos autos consta que alguma vez tivesse pretendido deixar o marido para ficar com o Recorrente ou para manter com este outro tipo qualquer de relacionamento afectivo.
Não existiu portanto nenhuma relação de controlo ou de domínio do Recorrente sobre a Ofendida.
Não se verifica por isso o elemento essencial do relacionamento afectivo entre o Recorrente e a Ofendida, para que o tipo legal de crime de violência doméstica seja preenchido.
Não podia por isso o Recorrente ter sido condenado pela prática deste crime, tendo o tribunal apreciado e decidido erradamente quanto à qualificação do relacionamento entre aquele e a Ofendida como sendo de namoro, tendo sido por isso interpretada erradamente e violada a norma do Art. 152° do CP.
Tal como resulta da prova documental e do registo digital das declarações do Recorrente, da Assistente e dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, não poderia o tribunal decidir como decidiu a matéria de facto, uma vez que estas provas, devidamente valoradas, impunham uma decisão diferente.
O Recorrente considera que o tribunal julgou incorrectamente, ao dar por provados todos os factos da acusação, com excepção dos seguintes:
- Que o Recorrente e a Ofendida se tenham conhecido em 2001, data em que foi contratada para trabalhar numa lavandaria daquele; Que a relação laboral tenha cessado em 2003; 
- Que em 2011 o Recorrente tenha voltado a contratar a Ofendida, passando a mesma a trabalhar no estabelecimento comercial da rede "C…" sito na …, pela qual o Recorrente é responsável; Que, por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis, quer para a residência do Recorrente, onde mantiveram relações sexuais;
- O Recorrente considera que a prova resultante dos documentos constantes dos autos, das declarações prestadas na audiência e do depoimento das testemunhas inquiridas impunha uma decisão no sentido de dar por não provados todos aqueles pontos de facto constantes da acusação.
- A acusação baseia-se em 7 alegados episódios de violência e maus-tratos perpetrados pelo Recorrente sobre a Ofendida e, com excepção do episódio de 17/18 de Janeiro de 2015, todos os restantes episódios e respectivos factos estão relatados com utilização de fórmulas vagas e imprecisas, sem especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as imputações.
Os pretensos actos ilícitos do Recorrente ocorrem sempre em data incerta e quase sempre sem se saber o local e circunstâncias próprias de cada episódio e as consequências das alegadas agressões são sempre "lesões no respectivo corpo e saúde", sem se saber quais terão sido em concreto tais lesões, em que parte ou partes do corpo da Ofendida terão as mesmas sido infligidas, se as mesmas foram graves ou leves, se deixaram marcas ou não... 
E para sustentar e provar estas imputações descritas nestes seis episódios constantes da acusação e dados por provados no douto Acórdão, apenas existem as declarações da própria Ofendida, não existindo uma única testemunha, nenhum relatório médico, nem nenhuma participação criminal contemporânea...nada! Nenhuma prova foi oferecida e nenhuma foi produzida.
Ocorrendo a falta de especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as expressões vagas e genéricas expendidas na acusação, existe insuficiência da matéria de facto para a decisão.
As imputações vagas e imprecisas são inadmissíveis em processo penal, já que impedem o exercício pleno do direito de defesa e contraditório e, por outro lado, impedem que o tribunal adquira a certeza e a segurança necessárias para julgar com justiça.
O Tribunal, na Motivação de facto da douta sentença, afirma ter formado a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, dizendo que a mesma, apreciada de acordo com as regras da experiência e o normal suceder das coisas, terá sido suficiente para, para além de dúvida razoável, dar por assentes os factos que o foram.
O Recorrente entende, pelo contrário, que o Tribunal não fez a análise crítica da prova, conforme a Lei impõe, tendo-se limitado a aderir cegamente, de forma total e infundada, à tese da acusação e às declarações da Ofendida, dando por provados todos os factos que esta decidiu relatar nos autos e no seu depoimento. 
Diz o Tribunal que as declarações da Ofendida se mostraram "sinceras" e que foram corroboradas pelo exame ao telemóvel da Ofendida, onde se encontram seis fotografias tiradas na casa do Recorrente, com registos cerca de 6 horas da manhã do citado dia 18.01 e pela localização celular do telemóvel da ofendida na zona da residência do Recorrente entre as 20,00h do dia 17.1.2016 e as 4,50h do dia seguinte.
O Recorrente entende que uma verdadeira análise crítica e isenta do depoimento da Ofendida revelaria, como revela efectivamente, a sua insinceridade, estando eivado de confabulações e contradições, como se demonstrará:
A Ofendida começa o seu depoimento, praticamente, por referir que as ofensas do Recorrente eram praticadas sempre diante de testemunhas, e no entanto, não conseguiu indicar ou arrolar uma única testemunha que tenha presenciado um único acto de humilhação ou violência do Recorrente e as que indicou D…, E…, F… e G…), devidamente questionadas sobre a matéria, todas negaram alguma vez terem presenciado tais actos.
A Ofendida, ao longo do seu depoimento, tentou passar a imagem de uma mulher dominada pelo Recorrente, no entanto, contraditoriamente, ao longo do mesmo depoimento, por diversas vezes declarou e demonstrou precisamente o contrário, com afirmações de carácter e vontade fortes, independente e que não se deixa dominar por ninguém. 
Não tinha a Ofendida qualquer dependência económica do Recorrente, tendo afirmado expressamente no seu depoimento, que nunca dependeu do mesmo e o próprio salário que auferia na lavandaria não era essencial à sua economia doméstica (1h45m).
A Ofendida declara que o Recorrente, na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, lhe retirou o telemóvel cerca das 22,30 horas e que se divertiu a efectuar chamadas para amigas suas, para o seu marido, para a sua mãe e para supostos amantes (minuto 35,53) e que também fez chamadas do seu próprio telemóvel para o telemóvel dela (minuto 37,45).
Constam dos autos, num CDRom anexo, os registos das chamadas telefónicas (efectuadas e recebidas) no aparelho de telemóvel da Ofendida e comprova-se que não existem as tais chamadas para as "amigas" e para os supostos "amantes", bem como não existem quaisquer chamadas do telemóvel do Recorrente para o telemóvel da Ofendida.
A Ofendida declara (minuto 27,14) que o Recorrente a obrigou a ligar ao marido, tendo-se verificado que não existe qualquer chamada efectuada para o marido, estando sim registada uma chamada telefónica, com a duração de 3 minutos e vinte e oito segundos, feita pelo marido para a Ofendida às 19,31 horas do dia 17 de Janeiro e outra, com a duração de 48 segundos, efectuada às 2,24 horas do dia 18 de Janeiro e que aquele, no seu depoimento como testemunha, confirmou ter mantido com a mulher. 
Declarou ainda a Ofendida que na noite de 17 para 18 de Janeiro ficou sequestrada contra a sua vontade até cerca das 8,30 horas da manhã e que o Recorrente não lhe permitiu sair do apartamento, nem teve oportunidade de pedir auxílio.
Tal facto, para além de ter sido negado pelo Recorrente no seu depoimento, foi também infirmado pela única testemunha presencial – F… - que atestou ter-se apercebido da saída da Ofendida cerca das 2 horas da madrugada, bem como da mesma ter regressado ao apartamento cerca das 7,30 horas da manhã.
Acresce que a Ofendida manteve contactos telefónicos com a mãe, com uma companheira de trabalho e com o próprio marido, às 2h24m do dia 18, sendo absolutamente inacreditável que não tenha podido pedir ajuda ou socorro.
- Mais ainda, ficou provado que, cerca das 8,30 horas da manhã do dia 18 de Janeiro, o Recorrente levou a Ofendida no seu carro à C…, sita na entrada da Rua …, na …, tendo aí nova oportunidade de fugir e pedir auxílio a qualquer pessoa que ali passasse, ou mesmo encerrar-se dentro da lavandaria e pedir socorro.
Não faz qualquer sentido, nem é um comportamento normal, que uma vítima, tendo várias oportunidades para fugir ou pedir auxílio, não o faça.
Não existe qualquer prova nos autos que permita assegurar que o telemóvel da Ofendida tinha a hora e data correctas naquela noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, pelo que não há prova ou certeza, para além da dúvida razoável, que aquelas fotos tenham sido tiradas no dia e hora que constam do seu registo. 
E, em contrapartida, está o depoimento do Recorrente e da testemunha F…, que negam que a Ofendida se encontrasse na casa naquele dia e hora da madrugada.
A localização celular (BTS) permite afirmar que um determinado aparelho de telemóvel se encontra no raio de alcance de uma determinada antena de uma operadora de telecomunicações, mas não pode fazer prova de que esse telemóvel se encontrava num local preciso, exacto, como por exemplo, o prédio sito na Rua …, n° …, .° andar, no Porto.
O Tribunal desvalorizou inteiramente o depoimento do Recorrente e o da única testemunha presencial dos factos da noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, sem qualquer fundamento válido, apenas porque está em contradição com o depoimento da Ofendida e com as fotos do telemóvel desta.
A lei não estabelece nenhum privilégio às declarações do ofendido ou da vítima do crime, sobre as declarações do Recorrente pelo que a contradição dos mesmos quanto aos factos essenciais tem por consequência a dúvida que, legalmente, tem de favorecer o Recorrente (in dúbio pro reo).
O Tribunal desvaloriza, sem fundamentar, o depoimento da testemunha F…, única testemunha presencial dos factos de 17/18 de Janeiro e que negou ter-se apercebido de quaisquer atitudes impróprias de seu pai relativamente à Ofendida e que testemunhou que a mesma se ausentou de casa depois das 2 horas da madrugada e regressou cerca das 7 da manhã. 
O Tribunal não dá qualquer fundamentação coerente para esta desvalorização do testemunho, dizendo gratuitamente que este foi "nada credível" e produzido de forma comprometida e inconsistente"., mas da audição do depoimento da testemunha, registado no sistema de gravação digital do Tribunal, não resultam quaisquer compromissos e/ou inconsistências, pelo contrário, o mesmo é coerente e claro quanto aos factos essenciais.
O Tribunal não procedeu à análise crítica da prova obrante nos autos e produzida na audiência e esta não é suficiente para que se possam ter dado por provados os factos da acusação, impugnados pelo Recorrente.
Pelo que, face à manifesta falta de prova dos factos da acusação, deveria o Recorrente ter sido absolvido do crime por que vinha acusado.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e o Acórdão recorrido ser revogado e o Recorrente absolvido, com todas as consequências legais.»

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.
4. O Ministério Público arguido apresentou resposta à motivação do recurso, devidamente fundamentada, pugnando pela sua improcedência.
5. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, devidamente fundamentado, pugnando pela improcedência do recurso, destacando-se do seu teor o seguinte:
«(…) Com efeito, analisada a fundamentação do acórdão, constata-se que o tribunal nele expôs, de uma forma suficientemente esclarecedora, as razões da sua decisão, indicando as provas a que atendeu e procedendo à sua análise crítica, de tal modo que não poderá deixar de se concluir que explicitou, com suficiente clareza e profundidade, o sentido da decisão tomada quanto a todas as questões que eram juridicamente relevantes, e justificou o enquadramento jurídico da conduta provada e a sua relevância do ponto de vista criminal.
(…)
Ora, no caso em apreço, todos os factos pertinentes ao objeto do processo obtiveram a necessária resposta do tribunal, tornando-se manifesto, à luz do acima exposto, que a sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
(…)
No caso sub judicio, como nos parece manifesto, não se deteta qualquer incongruência ou dissonância relevante na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, que possa configurar o aludido vício.
Como já acima referimos, resulta claramente da fundamentação do acórdão, que a decisão condenatória assenta no acervo probatório formado pelas declarações da ofendia, os depoimentos das testemunhas, os documentos e as perícias, uns e outros corroborando aquelas declarações.
Assim e tendo presente que o vício em causa não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida, levada a efeito pelo julgador, bem se vê que nenhum sentido faz invocar a sua existência argumentando - é isso que faz o recorrente - que as provas em que assenta a decisão, se devida e correctamente valoradas, deveriam ter levado o tribunal, necessariamente, a decidir de forma diferente a matéria de facto dada por provada [cfr. conclusão II].
Assim, se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, tem de especificar: 
- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, individualizando- os, em face do texto da sentença [cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ...,2ª edição, pg. 1131];
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicando especificamente as provas que impõem decisão diversa da proferida e relacionando o seu conteúdo específico com os factos que considera incorretamente julgados [cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. loc. cít.].
Tratando-se de prova gravada, para cumprir o ónus de impugnação especificada, o recorrente deve indicar as concretas passagens dos registos gravados que imponham decisão contrária à proferida, transcrevê-las e relacionar o seu conteúdo específico com os factos - provados ou não provados e como tal descritos na sentença - que ele entende terem sido incorretamente julgados, explicitando as razões pelas quais considera que aquelas provas impõem decisão diversa da recorrida.
(…) Convém não esquecer, com efeito, que, como ensina o Professor Germano Marques da Silva, in "Fórum lustitiae", Ano 1.°, n.° 0, pgs. 21 e 22: "o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1Instância".
Ora, no caso em apreço, o recorrente Iimita-se à invocação de erro de apreciação da prova oral produzida em audiência, transcrevendo, é certo, passagens do respetivo registo gravado, mas sem especificar os factos que, mercê de errada apreciação dessas provas, teriam sido incorretamente julgados, remetendo para uma genérica referência aos factos provados e não provados, e assim apelando à realização de um novo julgamento e não já, como se impunha, à alteração de determinados pontos da matéria de facto, eventualmente, merecedores de conformação.
Assim, por inobservância do preceituado nos referidos n°s 3 e 4 do artigo 412°, do C. P. Penal, em nosso entender, não pode esta Relação apreciar a decisão sobre a matéria de facto e alterá-la, por via da apreciação da prova gravada.
(…)
No que respeita à invocada violação do princípio in dúbio oro reo diremos apenas que, consabidamente, tal princípio encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
O que significa que, uma vez considerados provados, para além de qualquer dúvida razoável, todos os factos relevantes e preenchidos os elementos essencialmente constitutivos do tipo incriminador em presença, não é configurável a violação desse princípio.
Ora, no caso em apreço, não há evidência de que o tribunal a qito tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade da recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
(…)
Uma vez fixada a matéria de facto, cremos não haver dúvidas de que o arguido cometeu o crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152°, n°s 1, al. a), do C. Penal, por que foi condenado em Ia instância.
Não concorda o recorrente, dizendo, por um lado, que não se teria provado a existência de uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges, enquadrável na previsão típica da alínea b) do n° 1 do artigo 152° do C. Penal, e, por outro, que seriam genéricas, vagas e imprecisas, quanto ao tempo, forma e local e consequências, as imputações que lhe são feitas e em que assenta a sua condenação, pelo que deveriam ser expurgadas da matéria provada.
A primeira questão implica saber se a matéria de facto provada preenche a previsão típica da alínea b) do n° 1 do artigo 152° do C. Penal, ou seja, se o arguido e a ofendida mantinham ou tinham mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga a dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
Não nos parecem, face à formulação legal, que se suscitem dúvidas de que caracterizam a violência doméstica quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas causadas por um dos membros de uma relação íntima de afeto, independentemente de coabitação, aí se incluindo a relação extraconjugal ou de concubinato, a qual se caracteriza, precisamente, por ser uma relação íntima de afeto que não está dependente de coabitação.
E se essa relação de concubinato se prolonga no tempo e se desenvolve num quadro revelador de uma certa comunidade de vida assente numa relação afetiva de proximidade, seguramente, a ofensa infligida por um dos membros da relação contra o outro, violadora da dignidade e da integridade da pessoa enquanto membro dessa comunidade (familiar ou "análoga"), íntegra o crime de violência doméstica [cfr. neste sentido - entre outros, também citados pelo tribunal recorrido e na resposta do Ministério Público-o Ac. TRC, de 7/2/2013, proferido no processo 83/12.0GCGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt].
(…)
Alega o recorrente que não se verifica, no caso, esse elemento essencial do relacionamento afetivo, exigido pelo tipo, uma vez que se tratou de um relacionamento ocasional e meramente sexual.
Não é isso, todavia, o que nos revela a matéria de facto provada.
(…) Resulta claramente do referido quadro factual a existência de uma relação afetiva que se desenvolveu intensamente durante cerca de 3 anos (e que partiu de um conhecimento pessoal anterior de mais de 10 anos), reciprocamente assumida e que, manifestamente, motivou e condicionou a atuação do arguido descrita na matéria provada, cujos efeitos foram potenciados pela fragilização da posição da vítima, afetada na sua liberdade de reação precisamente pelo convívio existente e pela exposição da sua privacidade e intimidade perante o arguido, decorrentes da relação de vida em comum (note-se, ademais, a insistência com que o arguido abordava a ofendida para que confessasse a existência de outros supostos relacionamentos amorosos, a significar, certamente, a importância que o mesmo conferia à estabilidade e continuidade da relação que com ela mantinha).
Cremos, portanto, e tal como concluiu o tribunal recorrido, que a comprovada conduta do arguido preenche a previsão típica da alínea b) do n° 1 do artigo 152° do C. Penal.
A segunda questão consiste em saber se a condenação do recorrente se baseia em meras imputações genéricas, difusas ou obscuras, ficando aquém da necessária concretização de factos integradores do crime de violência doméstica.
Não há como ler atentamente a matéria de facto provada, para se verificar que da mesma resulta, claramente, e desde logo, que a relação amorosa entre o arguido e a ofendida teve início em fevereiro de 2012 e terminou na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015.
E a conduta agressiva e violenta do arguido, dada como provada, ocorrida nesse período de tempo, vem descrita do seguinte modo: (…)
(…) Perante este quadro factual, afígura-se-nos sobremaneira inconsistente a alegação de que não foi produzida prova de que o arguido tenha praticado, ao longo dos anos, atos concretos e claramente delimitados nos seus contornos, ofensivos da integridade física, moral e psíquica da ofendida, enquadráveis na previsão típica do crime de violência doméstica.
Com efeito, como nos parece manifesto, as agressões físicas e os insultos praticados pelo arguido, acima referidos, são tudo menos genéricos, difusos e obscuros e ocorreram num contexto de agressividade e violência e num ambiente opressivo, que se arrastou por cerca de 3 anos e a que o recorrente deu causa, exercitando uma relação de domínio sobre a ofendida, humilhando-a e pondo seriamente em causa a sua integridade física, tranquilidade e estabilidade psíquica.
Não nos parece, pois, que possa haver dúvidas de que a sentença descreve os factos em que assenta a decisão condenatória e indica o tempo, o lugar e modo como ocorreram os mesmos, sendo irrelevante - como bem sublinha o magistrado do Ministério Público junto da Ia instância na sua resposta e ao contrário do que parece pretender o recorrente - a circunstância de não se terem apurado as datas exatas em que ocorreram algumas das várias e sucessivas agressões físicas e verbais de que foi vítima a ofendida, como aliás resulta claramente do estatuído no artigo 283°, n° 3, al. b), do C. P. Penal [cfr. Ac. STJ, de 12/3/2009, proc. n° 09P0236, consultado em www.dgsi.pt]. 
Assim, e tendo presente que, conforme entende a doutrina e vem decidindo maioritariamente a jurisprudência, a previsão do crime de violência doméstica (artigo 152°. do CPI, se funda no principio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1° da Constituição da República, punindo os comportamentos que lesam essa dignidade, dúvidas não restarão de que, no caso concreto, a factualidade apurada e como tal descrita no acórdão sob recurso preenche todos os elementos típicos daquele crime [cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I (1999),pg. 332].
Pelo exposto, emitimos parecer no sentido de que deverá ser julgado não provido e integralmente confirmado o acórdão recorrido.»

6. O recorrente não apresentou resposta ao douto parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum:
a) Vícios formais da decisão recorrida:
a. Falta de análise crítica da prova;
b. Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;
b) Impugnação da decisão da matéria de facto;
c) Erro em matéria de direito:
a. Os factos provados não integram a prática do tipo legal de violência doméstica;
*
II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
Perante as questões suscitadas no recurso da sentença, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito - recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida, bem como a fundamentação jurídica da integração do tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado.
«2- FUNDAMENTAÇÃO.
2.1.- Os factos.
2.1.1.- Factos provados.
Discutida a causa, resultou provada, com relevo para a decisão da causa, a seguinte matéria de facto:
O arguido e a ofendida H… conheceram-se no ano de 2001, data em que a mesma foi contratada para trabalhar numa lavandaria, propriedade daquele.
A relação laboral cessou no ano de 2003.
Porém, no ano de 2011 o arguido voltou a contratar a ofendida, passando a mesma a trabalhar no estabelecimento comercial da cadeia denominada «C…», sito na …, pela qual o arguido era responsável.
Em Fevereiro de 2012 o arguido e a ofendida iniciaram um relacionamento amoroso.
Assim, por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis quer para a residência do arguido, onde mantiveram relações sexuais.
Só que:
Desde data não concretamente apurada (mas perto do início de tal relação amorosa) o arguido começou a apelidar recorrentemente a H… de «puta», referindo-lhe que não valia nada e instando-a – em tom sério convincente e intimidatório – a acatar as suas ordens sob pena de lhe bater.
E, no decurso do ano de 2013, quando a ofendida (que era casada e tinha filhos) lhe declarou pretender terminar a referida relação com o arguido, o mesmo declarava-lhe – também em tom sério e convincente – que, caso o fizesse, seria despedida do emprego e que ele próprio trataria de contar à família daquela tudo o que se passara entre ambos.
Para além disso, o arguido perseguia insistentemente a H… na via pública, nomeadamente no percurso entre o local de trabalho e a respectiva residência e, quando fora do horário laboral, contactava-a telefonicamente para a questionar onde a mesma se encontrava e com quem.
Também em data não concretamente apurada, em meados do ano de 2014, o arguido abeirou-se da residência da ofendida e, por telefone, instou-a a sair de casa e ir ter com ele.
Perante a recusa desta, o mesmo declarou-lhe – também em tom sério, convincente e intimidatório – que, caso não acatasse tal ordem, arrombaria a porta.
E foi por temer que o arguido concretizasse as citadas intenções, que a ofendida saiu para a via pública e entrou no veículo (tipo, Jeep) daquele, onde – no seu interior e no decurso de uma discussão – foi agredida pelo mesmo, que lhe desferiu um número indeterminado de murros e bofetadas na face e lhe puxou o cabelo.
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a H… sofreu lesões no respectivo corpo e saúde, mas não recorreu a serviços médico-hospitalares, por vergonha.
Em data também não concretamente apurada e na sequência de uma outra discussão (no estabelecimento de lavandaria onde a ofendida desempenhava funções) o arguido agarrou a ofendida pelos cabelos e, desta forma, a arrastou para o quarto-de-banho. E foi por via disso que a H… embateu, com a zona lombar, numa torneira e caiu ao chão, desamparada.
Ainda assim, o arguido não se absteve de continuar com a sua conduta, mas – mais que isso – fez com que a mesma embatesse com a cabeça no chão.
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a H… sofreu lesões no respectivo corpo e saúde, mas não recorreu a serviços médico-hospitalares, por vergonha.
Em data também não concretamente apurada e também no interior do já referido estabelecimento, o arguido, após uma discussão, apoderou-se das chaves do veículo da ofendida, arremessou-as para o chão e calcou-as.
De seguida, o arguido desferiu na ofendida um número indeterminado de bofetadas, murros e empurrões, ao mesmo tempo que a apelidava de «puta».
E porque a H… fugiu do local e se dirigiu para a paragem de veículos de transporte de passageiros, o arguido foi no seu encalço, agarrou-a pelos braços e forçou-a a entrar na sua viatura, acabando por a conduzir até casa.
Em dia indeterminado do mês de Setembro de 2014, na estação metro-ferroviária de …, a ofendida foi contactada telefonicamente pelo arguido que logo a interpelou sobre o local onde ela se encontrava e a apelidou de «puta» e «mentirosa».
E porque previamente se tinha dirigido para as imediações, o arguido logo se abeirou da H…, onde a agarrou e a fez entrar no seu «Jeep», conduzindo-a até à respectiva residência.
Em data não concretamente apurada, no já referido estabelecimento comercial, o arguido agrediu uma vez mais a ofendida, desferindo-lhe uma bofetada na face.
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a H… sofreu lesões no respectivo corpo e saúde, pelas não recorreu a serviços médico-hospitalares, por vergonha.
E acresce que:
Cerca das 17:30 horas do dia 17 de Janeiro de 2015, o arguido contactou telefonicamente a ofendida, ordenando-lhe que se dirigisse para a residência daquele, sita na Rua …, nº …, 1º esquerdo/traseiras, Porto, para lhe levar uns documentos.
Temendo por retaliações, caso não o fizesse, a ofendida logo se dirigiu para a referida habitação, onde o arguido a encaminhou para um quarto (do seu filho) e onde – e conforme inicialmente alegado por este – ambos dialogaram sobre questões de trabalho.
Só que:
Quando, já cerca das 22:30 horas, a ofendida manifestou o propósito de se ausentar, o arguido logo lhe declarou – uma vez mais em tom sério, convincente e intimidatório – «só sais daqui, quando eu quiser».
Deste modo, e com o propósito de reter no local a H…, impedindo-a de sair (conforme a própria desejava e manifestara intenção), o arguido trancou a porta de entrada da referida habitação com chaves e retirou àquela o telemóvel.
Na posse deste, e declarando que a ofendida teria outros relacionamentos amorosos/sexuais, o arguido logo tratou de ver os registos de contactos e de mensagens do telemóvel desta.
E logo após o jantar (que, entretanto, preparou para ambos), o arguido entrou em discussão com a H… e disse que a mesma era uma «puta».
Para além disso, o arguido questionou insistentemente sobre com quem a mesma andava «metida», referindo – uma vez mais em tom sério, convincente e intimidatório – que caso não o admitisse e não dissesse o nome, só sairia do local «no INEM» ou com o marido (para este ficar a saber).
E no decurso de tal conduta, o arguido também desferiu um soco na face da ofendida, mercê do qual a mesma caiu desamparada no chão.
E aí, com a mesma prostrada, o arguido não se inibiu de lhe desferir vários pontapés no rosto, atingindo-a também nos membros superiores e inferiores.
E face aos gritos da H…, o arguido muniu-se com um ferro/espeto de lareira, empunhou-o na direcção da mesma, declarando-lhe – também em tom sério, convincente e intimidatório – «se não te calas, mato-te».
Temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida deixou de gritar, tendo o arguido cessado – momentaneamente – as agressões que lhe infligia.
E não obstante a ofendida implorar sucessivamente para que o arguido a deixasse sair do local, o arguido reteve-a na sua residência, alegando que só sairia dali numa ambulância do «INEM» ou com o «marido» ou, ainda, «para o hospital ou morgue».
De seguida, o arguido voltou a questionar a H… sobre com quem mantinha uma outra relação amorosa e, face ao silêncio da mesma, voltou a agredi-la com socos e pontapés, que a atingiram em várias partes do corpo.
Não satisfeito, e verbalizando que já lhe doíam as mãos, o arguido colocou umas luvas, voltando a desferir na ofendida um número indeterminado de murros.
E perante a negação da ofendida, de que mantinha uma outra relação, o arguido muniu-se com uma garrafa em vidro, com a qual embateu com força em várias partes do corpo da H….
Já nessa manhã, o arguido decidiu ser ele a transportá-la até à respectiva residência – alegando ser ele quem mandava – não obstante a mesma pretender sair dali sozinha.
Como consequência directa e necessária das agressões infligidas pelo arguido, a H… sofreu as seguintes lesões:
- no crânio: três escoriações em crosta, equimose arroxeada na região retro auricular direita. Escoriação na face posterior do pavilhão auricular direito, edema de ambas as regiões temporais; equimose arroxeada na região temporal esquerda, equimose arroxeada na região frontotemporal esquerda;
- na face: escoriação com crosta, na região da glabela, equimose arroxeada de toda a região orbitária direita com extensão para a região zigomática direita e frontal direita, hemorragia conjuntival na metade medial do olho direito, edema do angulo mandibular à direita, escoriação no terço médio do ramo direito da mandibula, escoriações na face esquerda da região nasal, laceração superficial da face mucosa da metade direita do lábio superior;
- no ráquis: equimose arroxeada ao nível da espinha da escápula à esquerda;
- no tórax: múltiplas equimoses, ocupando uma área de 14X13 cm. no terço inferior da face posterior do hemitorax direito, equimose arroxeada na face lateral esquerda do terço distal da região torácica;
-no membro superior direito: equimose arroxeada com 16cm por 3cm na face posterior dos terços distal e médio do braço, escoriação linear com 6cm no terço distal da face posterior do braço, equimose acastanhada na face posterior do terço distal do antebraço, escoriação no 4º dedo, escoriação no 1º dedo;
- no membro superior esquerdo: equimose acastanhada na face posterior do terço proximal do braço, equimose acastanhada na face posterior do terço proximal do antebraço
- no membro inferior direito: escoriação na face anterior do terço proximal da perna, equimose esverdeada na face lateral do terço proximal da coxa - no membro inferior esquerdo: escoriação coberta por crosta na face anterior do joelho esquerdo, três escoriações na face anterior do terço médio da perna.
Tais lesões foram causa directa e necessária de 15 dias de doença, com 3 (três) dias de afectação da capacidade de trabalho geral e 9 (nove) dias da capacidade de trabalho profissional.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de:
- molestar a ofendida no respectivo corpo e saúde;
- de atentar contra a sua honra e dignidade pessoal;
- de a intimidar e fazer crer que tinha de acatar todas as suas vontades e desmandos;
- de controlar todos os movimentos da mesma;
- de anular a respectiva auto-estima;
- de a menorizar perante si e perante os outros;
- de a humilhar, vexar e maltratar, física e psicologicamente
E, com tudo isso, atingi-la na sua dignidade enquanto pessoa.
E o arguido também agiu de forma livre voluntária e consciente, com o propósito conseguido de:
- reter a ofendida, contra a vontade (manifestada), no interior de um espaço que fechou, retirando-lhe qualquer possibilidade de se ausentar e de locomoção por sua iniciativa;
- fazendo acompanhar essa privação de liberdade da mesma, com sucessivas intimidações e agressões que, entre cerca das 22:30 horas e as 08:30 horas do dia seguinte, lhe foi infligindo;
Sabia o arguido que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.
A demandante despendeu € 16,00 com o pagamento de uma taxa no Centro Hospitalar …
Em consequência das condutas do demandante, a demandante ficou perturbada psicologicamente, sentindo dores, medo, vergonha e inquietação.
Nas três noites que se seguiram aos factos do dia 17.01.2015, a demandante quase não conseguiu dormir, tendo muita dificuldade em conciliar o sono.
O arguido tem 65 anos de idade e é divorciado. B… é o mais novo de quatro descendentes de um casal com uma condição socioeconómica elevada, sendo o progenitor proprietário agrícola, em Vila Real. O seu processo desenvolvimental decorreu junto da família de origem, descrevendo um ambiente familiar positivo, com um estrutura patriarcal, sendo-lhe impostas regras e níveis de supervisão ajustados. O arguido integrou a escolaridade em idade regular, tendo parte da sua trajetória académica decorrido em colégios em regime de internato, com um aproveitamento médio, não obstante revelar pouca motivação para os estudos. Concluiu o antigo 5º ano, tendo vindo viver com a mãe e irmã para o Porto, no sentido de prosseguir estudos, relatando que apenas ia ao estabelecimento de ensino fazer os exames, tendo-se habilitado com o antigo 6º ano. B… teve o seu primeiro emprego aos 18 anos, como administrativo nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS), de …, tendo ai permanecido até ser chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, em 1972. Executou de 3 anos de conscrição no Exército Português, após o qual foi trabalhar como publicitário por conta de outrem, atividade que exerceu cerca de um ano. Integrou uma sociedade, “I…, Lda.”, que explorava uma livraria, tabacaria, papelaria e jogos. Em 1980/81, constituiu com outros sócios a empresa “J…”, na área da publicidade, que veio a encerrar em 1996.. Em 1996, abre a empresa “K…, Lda.”, da qual é socio gerente, sendo que presentemente mantém duas lojas, uma em Aveiro e outra no Porto. Ao nível relacional relata ter tido vários relacionamentos, salientando como mais significativos o seu casamento de 13 anos, que contraiu aos 27 anos de idade e do qual tem um descendente, presentemente com 34 anos, e duas uniões de facto, uma com duração de 2 anos, da qual tem um descendente, presentemente com 20 anos, e a mais recente com quem viveu durante 11 anos, e veio a falecer em Janeiro de 2010, de doença oncológica. B… tem 6 filhos, com 34, 25, 20, 13, 11, e 9 anos de idade, sendo os três mais novos da mesma progenitora, com quem foi mantendo um relacionamento esporádico, no decurso da sua última união de facto. Presentemente vive sozinho em apartamento com condições de habitabilidade, cuja propriedade será da empresa construtora, que faliu, uma vez que nunca terá sido realizada escritura da mesma. B…, não obstante esteja reformado, mantém-se como gerente da sua empresa, auferindo cerca de 711 euros de reforma e cerca de 782 euros de salário. Apresenta como principais despesas fixas mensais os encargos com eletricidade (cerca de 80 euros), agua (cerca de 50 euros), gás (cerca de 100 euros), serviços Meo (cerca de 120 euros), condomínio (1200 euros anuais), seguros e alimentação. Avalia a sua situação financeira como equilibrada, salientando que necessita de manter atividade profissional para conseguir fazer face às suas despesas correntes. O arguido ocupa os seus tempos livres com a prática de ténis (duas vezes por semana), todo terreno (mota e jipe) e convívios com os filhos e os amigos. Em abstrato e face à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido verbaliza ter juízo de censurabilidade face à violência nas relações de intimidade/conjugalidade. B… face à adesão ao cumprimento de uma medida de execução na comunidade e eventual integração no PAVD – Programa para Agressores de Violência Doméstica, não foi capaz de se posicionar, verbalizando no entanto que estará disponível para cumprir o que o tribunal determinar.
É considerado pelos amigos como pessoa delicada, cordata, calma, pacífica e com bom relacionamento com os filhos.
Do CRC do arguido constam uma condenação em 90 dias de multa, proferida em 14.10.2015, pelo cometimento, em 27.09.2012, de um crime de ofensa à integridade física por negligência.
*
2.1.2.- Factos não provados.
Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
- Que em data não concretamente apurada e com o propósito de vigiar todos os passos da ofendida, o arguido colocou ou mandou colocar, activou ou mandou activar, no veículo da ofendida, um aparelho de «GPS».
- Que logo após o jantar o arguido declarou para a H… que a mesma era uma «inútil» porque se atrasava a abrir a loja.
- Que o arguido anunciou a H… que ia partir-lhe a garrafa na cabeça.
- Que e ainda que a ofendida, várias vezes, lhe tivesse solicitado água, o mesmo retorquiu «só bebes água quando disseres a verdade», chegando – numa das vezes – a arremessar, na sua direcção, o conteúdo de um copo.
- Que e ainda que a ofendida lhe tivesse solicitado ir ao «WC», o arguido impediu que a mesma o fizesse.
Outros factos com relevo para a decisão da causa, quer constem da acusação ou do pedido de indemnização civil, que não se encontrem enumerados entre os provados, estejam em oposição com estes, constituam mera repetição, matéria meramente instrumental, argumentativa, conclusiva ou de direito.
*
2.2.- Motivação de facto.
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica do conjunta da prova produzida, a qual, apreciada de acordo com as regras da experiência e o normal suceder das coisas, foi suficiente para, para além da dúvida razoável, dar por assente os factos que o foram.
Conjugando as declarações do arguido com a prova por declarações e testemunhal e com os exames periciais e fichas clínicas, convenceu-se o tribunal quer da relação de namoro entre arguido e assistente bem como das agressões, perseguições e insultos por aquele dirigidas a esta, bem como a privação de liberdade sofrida pela assistente.
Com efeito, as declarações da ofendida mostraram-se sinceras, desde logo, pelo modo como foram prestadas, com um relato espontâneo, embora sofrido, mas detalhado e verosímil dos vários factos ocorridos durante a relação íntima estabelecida com o arguido que veio a terminar com os factos ocorridos na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015 e com a ida desta ao Hospital. Por outro lado os factos relatados pela ofendida como tendo ocorrido neste último dia mostram-se corroborados com vários elementos, nomeadamente, com os relatórios de exame médico-legal documentados autos e o teor dos registos clínicos, que demonstram as lesões apresentadas pela ofendida na manhã de 18 de Janeiro, como também com o exame ao telemóvel da ofendida, onde se encontravam seis fotografias, tiradas dentro da casa do arguido, com registos cerca das 6h da manhã do citado dia 18.01, a que acresce a localização celular do telemóvel da ofendida na zona da residência do arguido entre as 20.00h do dia 17.1.2015 e as 4.50h do dia seguinte, bem como ainda a apreensão em casa do arguido de luvas e utensílios de lareira, objectos desse género referidos pela ofendida no seu depoimento como tendo sido utilizados na agressão. Também o marido da ofendida testemunhou de forma desinteressada o estado em que esta chegou a casa no dia 18.01 de manhã, a tremer, aterrorizada e «desfigurada», relatando-lhe que tinha sido agredida pelo arguido.
É certo que o arguido negou os factos imputados, mas sem convencer, referindo nomeadamente que nunca agrediu a ofendida ou que a privou da liberdade, mas, desde logo, a sua versão da noite/madrugada de 17 para 18.01.2015, aparece sem sentido lógico, pois embora diga que a ofendida saiu de sua casa cerca das duas da manhã e que depois apareceu «desalinhada» e com um «vermelhão» na face cerca das 8h00 da manhã, a verdade é que não só a versão da ofendida como também as próprias fotos encontradas no telemóvel desta, que a corroboram, contrariam decisivamente a versão do arguido, mal sustentada pelo depoimento nada credível do filho deste. A versão do arguido em relação aos factos desta noite, implícita nas suas declarações, a de que a ofendida teria saído incólume de sua casa cerca das 2h da madrugada e regressado cerca das 8h00, «a cheirar a vomitado», «desalinhada» e com «um vermelhão na cara» após uma hipotética noite de desvario pela zona da … (face aos elementos de localização celular), não tem qualquer efectivo suporte probatório, lógico ou credível. Como também a negação dos demais factos que resultaram provados relativos às agressões, insultos e perseguições cai face às declarações da ofendida.
Quanto aos factos não provados, a prova produzida em sede de audiência mostrou-se insuficiente para que o tribunal pudesse formar convicção positiva acerca dos mesmos.
Assim, teve o Tribunal em conta, designadamente, os seguintes elementos de prova:
As declarações do arguido, na pequena parte em que pareceram verdadeiras, o qual referiu, nomeadamente a relação laboral da assistente no estabelecimento comercial do qual o arguido era responsável, bem como o início em Fevereiro de 2012 de um relacionamento amoroso com a assistente sendo que por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis quer para a residência do arguido, onde mantiveram relações sexuais. Negou os factos imputados, nomeadamente as agressões, perseguições e insultos. Em relação aos factos do dia 17.1/18.1.2016, referiu que telefonou à ofendida para passar por sua casa e que depois de esta ter chegado lhe disse que deveriam pôr termo à relação e, também, que ela deveria procurar novo emprego, mantendo-a como empregada até arranjar novo emprego. Que jantaram e que a ofendida pretendia dinheiro para arranjar os dentes Que entretanto chegou o filho, o qual conversou com ambos e foi para o quarto. Cerca das 2h00 a assistente foi-se embora e que por volta das 7h30-8h, a assistente tocou à campainha e que vinha desalinhada e a cheirar a vomitado. Que a assistente entrou tomou banho, alinhou-se e o arguido a levou a casa. Que a assistente tinha um «vermelhão» na cara, perguntou-lhe o que era, mas a assistente disse que não era nada. Negou quaisquer agressões, intimidação ou privação de liberdade sobre a pessoa da assistente.
As declarações sinceras de H…, assistente, tendo descrito, designadamente, a relação laboral no estabelecimento do arguido, bem como o início do relacionamento amoroso com o arguido, em Fevereiro de 2102, os factos ocorridos durante tal o relacionamento, o qual terminou na noite de 17 para 18/1/2015. Foi relatando os factos ocorridos durante tal relacionamento, designadamente as perseguições, as humilhações, os insultos, as ameaças de despedimento e de que contaria tudo ao marido e à família da assistente. Descreveu os episódios que resultaram provados, nomeadamente: aquele em que o arguido, por telefone, instou-a a sair de casa e ir ter com ele e em que esta entrou no veículo daquele, onde foi agredida pelo mesmo; aquele outro em que no estabelecimento de lavandaria onde a ofendida desempenhava funções o arguido a insultou e agrediu no quarto de banho; outro também no interior do estabelecimento, onde o arguido apoderou-se das chaves do veículo da ofendida, arremessou-as para o chão e calcou-as e agrediu; e ainda outro episódio ocorrido na estação metro-ferroviária de …, onde o arguido a apelidou de «puta» e «mentirosa» e a fez entrar no seu veículo tendo-a levado a casa; outro em que o arguido lhe deu um estalo quando estava na lavandaria. E, finalmente, relatou o episódio da noite de 17/18.01.2015, em que após telefonema do arguido se dirigiu a casa deste, que este a insultou, ameaçou de morte ou que contava da relação à família dela, e a agrediu, e que não a deixou sair de casa, que lhe perguntava com quem andava metida, que lhe deu murros, que calçou umas luvas dizendo que era para não se magoar enquanto a agredia, que a ameaçou com o ferro da lareira para que a assistente não gritasse, que trancou a porta e tirou a chave, que lhe tirou o telemóvel, mexeu no mesmo e fez chamadas ou dava toques e desligava. Que às 8h da manhã o arguido a levou a casa, tendo a assistente contado ao marido e de seguida foi para o hospital. Referiu-se às fotografias existentes nos autos, nomeadamente às que foram tiradas do seu telemóvel na noite de 17/18.01.2015. Referiu os ferimentos sofridos, as perturbações psicológicas que sofreu e o medo que sentiu.
O depoimento de D…, empregada na lavandaria do arguido, que referiu nunca ter visto quaisquer agressões nem a ofendida magoada e que a ofendida nunca lhe contou nada, sendo o patrão uma pessoa sempre correcta, mas que por vezes falava alto na lavandaria. Este depoimento foi contraditório com o da ofendida que referiu ter contado das agressões sofridas, mas é desvalorizado não só pela falta de conhecimento directo dos factos imputados ao arguido, como também pela relação laboral de dependência em que se encontra, como ainda pela sinceridade e coerência do depoimento da ofendida quanto aos episódios relatados.
O depoimento sincero de E…, que trabalha num estabelecimento perto do estabelecimento do arguido e que referiu que ouve «barulhos» no estabelecimento, e que o arguido discute, fala alto, mas que nunca viu a ofendida ser insultada ou agredida pelo arguido.
O depoimento sincero de G…, vigilante, casado com a assistente, e que relatou que na altura a esposa chegava tarde a casa, sendo quanto à noite de 17/18.2015, saiu às 24h do trabalho e que a assistente tinha telefonado para casa cerca das 20h30 a dizer que chegaria tarde a casa e que às 04h ligou para a assistente para saber se estava tudo bem, a mesma respondeu que sim e a testemunha foi-se deitar. Que de manhã, a assistente chegou toda desfigurada, a tremer, a dizer que tinha sido agredida pelo patrão. Que por vezes quando ia buscar a assistente ao trabalho, via as funcionárias a chorar e a serem humilhadas pelo arguido em frente aos clientes.
O depoimento de F…, filho do arguido, pouco valor teve, dada a forma comprometida e inconsistente como foi produzido e, também, face à demais prova produzida. Referiu, designadamente, em relação à noite de 17/18./2015, ter chegado a casa cerca da 1h e que cumprimentou o arguido e a assistente e que foi para o quarto, sendo que pouco depois apareceu o pai, que esteve a jogar Xbox consigo e que depois foram dormir, sendo que cerca das 2h ouviu a porta da rua a bater. De manhã ouviu tocar à campainha, foi ver e era a ofendida, então chamou o pai. Referiu não ter ouvido quaisquer barulhos de noite.
O depoimento sincero de L…, amigo do arguido, que abonou do comportamento e personalidade deste.
O depoimento de M…, técnico de gestão informática e de telecomunicações, pouco interesse teve, já que não tinha conhecimento directo dos factos, limitando-se a referir generalidades do conhecimento geral e comum sobre antenas, telemóveis e aplicações de GPS, sendo certo que não era nem detinha a qualidade de perito nos autos.
O depoimento sincero de N…, amiga do arguido, que abonou do comportamento e personalidade deste.
O depoimento sincero de O…, amigo do arguido, que abonou do comportamento e personalidade deste.
Mais se baseou o Tribunal, nos documentos juntos aos autos, designadamente: Fotogramas de fls. 96 a 98, 112, 114, 116,118, 287, 289 a 299; Registos clínicos de fls. 194 a 197, Informação da … de fls. 265 a 270; Auto de busca e apreensão de fls. 282, 283; Auto de exame directo de fls. 288; Tabelas e mapas de localização BTS de fls. 306 a 308.
Teve ainda o Tribunal em conta o Relatório de perícia de avaliação de dano corporal de fls. 321 a 323.
Finalmente, teve o Tribunal em consideração para prova das condições pessoais e antecedentes do arguido o CRC e o relatório da DGRS juntos aos autos.
*
2.3.- O direito.
2.3.1.- Enquadramento jurídico- penal.
Fixados os factos, vejamos o direito.
a) Começando pelo crime violência doméstica:
Nos presentes autos vem o arguido acusado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, n.º 1, al. b) do Código Penal, cometido sobre a ofendida.
Dispõe o artigo 152º:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.»
O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e mesmo após cessar aquela coabitação.
Assim, as condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus tratos psicológicos, isto é, humilhações, provocações, molestações, ameaças, insultos, tratamento cruel, isto é, desumano, etc.
O crime em causa pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo, e assim, para preencher a alínea b) do n.º 1 do citado artigo, a vítima tem de ser pessoa com quem o arguido mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges (ainda que sem coabitação), situação essa que se pode traduzir na união de facto entendida como comunhão de mesa, cama e habitação, ou numa situação idêntica à de união de facto com comunhão de mesa e cama, mas sem coabitação, ou até no caso em que a existência e manutenção por parte de uma pessoa casada de uma relação paralela com outra pessoa (mas sem coabitação), configura uma relação análoga à dos conjugues, situação que até a existência de um relacionamento amoroso poderia preencher desde que seja não apenas estável mas também que se aproxime da relação conjugal de cama e habitação (cfr., entre outros, o Ac. da Relação de Coimbra de de 24.04.2012 in www.dgsi.pt/jtrc. – Rel. Desemb. Belmiro Andrade).
A propósito da inserção da relação de namoro no tipo objectivo da violência doméstica da alínea b) do artigo 152º estamos de acordo com a interpretação de que relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas, são susceptíveis de preencher o tipo de ilícito em causa.
Conforme conclui Dora Faria Calejo Machado Pires (a p. 39-40 da Dissertação O SENTIDO E O ALCANCE DA INSERÇÃO DAS RELAÇÕES DE NAMORO E EQUIPARADAS NO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – REFLEXÕES CRÍTICAS ACERCA DO ALARGAMENTO DO TIPO -UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, Porto, Nov. de 2014, in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17267/1/Tese-Dora%20Calejo%20Pires.pdf), «Com efeito, a referida inserção (da relação de namoro no tipo objetivo da violência doméstica) estará relacionada com a atual consciência da sociedade que reclama uma maior intervenção nas questões relacionadas com a violência de género e com a violência doméstica em particular. Pelo que, julgamos que a nossa perspetiva do sentido e do alcance da inserção das relações de namoro no crime de violência doméstica vai no mesmo sentido do acabado de referir: pretendeu o legislador incluir as relações de namoro, mesmo aquelas que designámos por “simples”, com o fito de prevenir e sancionar as condutas violentas exercidas pelo parceiro íntimo por causa dessa relação. Tratar-se-ão, pois, de relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas; mas já não será de exigir o projeto futuro de vida em comum, posto que as relações de namoro não preenchem nem têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja este futuro de vida em comum (que pode vir a ocorrer, mas que ainda não é conjeturado no início ou meio da relação).»
Descendo ao caso dos autos verificamos que resultou provado que a partir Fevereiro de 2012 o arguido e a ofendida iniciaram um relacionamento amoroso e que por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis quer para a residência do arguido, onde mantiveram relações sexuais. E que a partir de data não concretamente apurada (mas perto do início de tal relação amorosa) o arguido começou a apelidar recorrentemente a H… de «puta», a dizer-lhe para acatar as suas ordens sob pena de lhe bater, a dizer-lhe que se acabasse a relação seria despedida do emprego e que ele próprio trataria de contar à família daquela tudo o que se passara entre ambos, a perseguir insistentemente a ofendida, a agredi-la com murros e bofetadas na face e puxões de cabelo.
Culminou tal actuação do arguido na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, em que arguido reteve a ofendida contra a vontade desta na casa do arguido entre cerca das 22h30 e as 8h da manhã, período durante o qual: a apelidou de «puta», a questionou insistentemente sobre com quem a mesma andava «metida», referindo que caso não o admitisse e não dissesse o nome, só sairia do local «no INEM» ou com o marido (para este ficar a saber), lhe desferiu socos, vários pontapés, muniu-se com um ferro/espeto de lareira, empunhou-o na direcção da ofendida, declarando-lhe – também em tom sério, convincente e intimidatório – «se não te calas, mato-te», reteve-a na sua residência, alegando que só sairia dali numa ambulância do «INEM» ou com o «marido» ou, ainda, «para o hospital ou morgue», verbalizando que já lhe doíam as mãos, o arguido colocou umas luvas, voltando a desferir na ofendida um número indeterminado de murros; muniu-se com uma garrafa em vidro, com a qual embateu com força em várias partes do corpo da H…. Como consequência directa e necessária das agressões infligidas pelo arguido, a H… sofreu as lesões no crânio, na face, no ráquis, no tórax, no membro superior direito, no membro superior esquerdo, no membro inferior direito, no membro inferior esquerdo, lesões essas que foram causa directa e necessária de 15 dias de doença, com 3 (três) dias de afectação da capacidade de trabalho geral e 9 (nove) dias da capacidade de trabalho profissional.
Ora, mais tendo resultado provado que o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de: - molestar a ofendida no respectivo corpo e saúde; - de atentar contra a sua honra e dignidade pessoal; - de a intimidar e fazer crer que tinha de acatar todas as suas vontades e desmandos; - de controlar todos os movimentos da mesma; - de anular a respectiva auto-estima; - de a menorizar perante si e perante os outros; - de a humilhar, vexar e maltratar, física e psicologicamente; - reter a ofendida, contra a vontade (manifestada), no interior de um espaço que fechou, retirando-lhe qualquer possibilidade de se ausentar e de locomoção por sua iniciativa; - fazendo acompanhar essa privação de liberdade da mesma, com sucessivas intimidações e agressões que, entre cerca das 22:30 horas e as 08:30 horas do dia seguinte, lhe foi infligindo; mais sabendo o arguido que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal, tanto basta para dar por preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica.
Assim, o arguido cometeu um crime de violência doméstica.
(…)»
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), cumpre apreciar, primeiramente, os vícios formais da decisão recorrida (omissão de exame crítico da prova e insuficiência da matéria de facto provada para a decisão) invocados pelo recorrente.
*
Da alegada falta de exame crítico da prova
O recorrente sustenta que a decisão recorrida incorreu no vício formal em apreço, por ter "desvalorizado, sem fundamentar", o depoimento da testemunha F…, única testemunha presencial dos factos de 17/18 de Janeiro (que negou ter-se apercebido de quaisquer atitudes impróprias de seu pai relativamente à ofendida e que testemunhou que a mesma se ausentou de casa depois das 2 horas da madrugada e regressou cerca das 7 da manhã) e as declarações do arguido (que negou os factos imputados) e por ter valorizado as declarações da ofendida (que corroborou a factualidade provada).
Cumpre apreciar e decidir.
De jure
Nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A sentença cumpre o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários, o tribunal superior (função endoprocessual do princípio da fundamentação das decisões judiciais) e a comunidade (função extraprocessual do mesmo princípio) são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica da decisão.
Numa atividade de reconstituição histórica de factos, como é o caso do julgamento em matéria de facto, a certeza judicial não pode ser confundida com a certeza absoluta, constituindo, antes, uma certeza empírica e histórica. A decisão da matéria de facto, em processo penal, constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno. A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável.
Na qualidade de princípio estruturante do direito processual europeu e, particularmente do direito processual penal português, o princípio da livre apreciação da prova assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal, uma dupla função de ordenação e de limite[4].
Este «princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão»[5], na medida em que a discricionariedade na apreciação de cada uma das provas assenta num modelo racionalizado, guiado pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação, sempre vinculada ao princípio da descoberta da verdade material. É precisamente a fundamentação de facto que cumpre «a função de controlo daquela discricionariedade, obrigando o juiz a justificar as suas próprias escolhas»[6], evitando assim qualquer possibilidade de arbítrio no domínio da valoração da prova decorrente de uma atuação dominada apenas pelas impressões.
A lei processual penal não abdica de um enunciado, ainda que sucinto mas suficiente, do processo de formação da convicção do julgador, para persuadir os destinatários e, sendo caso disso, o tribunal superior – além da própria comunidade -, de que a decisão da matéria de facto foi correta, garantindo, assim, a própria transparência da decisão[7] -
Deste modo, o tribunal recorrido permitirá ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte.
Nestes termos se compreende que o dever de fundamentar a sentença exige também a concretização dos termos em que foram valorados todos os meios concretos de prova produzidos em julgamento, especificando as razões objetivas pelas quais foram considerados credíveis ou, pelo contrário, sem interesse para a decisão da matéria de facto. O artigo 374º, 2, do Código de Processo Penal exige, sob pena de nulidade, “(…) uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. É na concretização desse exame da prova que o tribunal individualiza as razões objetivas que determinaram a sua convicção em relação ao objeto factual do processo tornando percetível aos intervenientes processuais, aos cidadãos em geral e ao tribunal de instância superior as razões da sua íntima convicção e as provas que a sustentam, seja por si só ou em conjugação com as regras de experiência e normalidade de acontecer, devendo neste caso explicitar-se o respetivo âmbito de atuação.
Tal exame crítico só será suficiente quando identificar cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com referências genéricas que, de tão abstratas, genéricas e esvaziadas de conteúdo preciso, ou que apenas reproduzam – total, ou parcialmente - o teor da prova produzida, não permitam perceber o que de útil, em concreto, o tribunal extraiu e valorou de cada meio concreto de prova produzido em julgamento e o motivo pelo qual assim decidiu.
O princípio da livre apreciação da prova não permite aos tribunais decidir a matéria de facto através de uma “operação puramente subjetiva, emocional, imotivável”. Pelo contrário, a sua resposta deve “traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos”[8].
Neste caso, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a fundamentação da convicção do tribunal concretiza uma análise crítica das declarações produzidas pelo arguido e pela assistente, bem como do depoimento do filho do arguido, concatenando o seu teor com os demais meios concretos de prova produzidos em julgamento, percebendo-se, claramente, as razões que permitiram ao tribunal a quo formar a sua convicção em relação ao objeto do processo – de tal modo, que o arguido conseguiu impugnar a decisão da matéria de facto, contra-argumentando o raciocínio do tribunal coletivo -.
Pelo exposto, improcede a alegada omissão de análise crítica da prova.

Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -;
O recorrente invoca, igualmente, tal vício do acórdão recorrido, afirmando que a factualidade provada emergente da acusação se baseia em alegados episódios de violência e maus-tratos perpetrados pelo arguido contra a assistente e, com exceção do episódio de 17/18 de Janeiro de 2015, todos os restantes episódios e respectivos factos estão relatados com utilização de fórmulas vagas e imprecisas, sem especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as imputações (os pretensos atos ilícitos ocorreram sempre em data incerta e quase sempre sem se saber o local e circunstâncias próprias de cada episódio e as consequências das alegadas agressões são sempre "lesões no respetivo corpo e saúde", sem se saber quais terão sido em concreto tais lesões, em que parte ou partes do corpo da ofendida terão as mesmas sido infligidas, se as mesmas foram graves ou leves, se deixaram marcas ou não).
Por conseguinte, conclui o recorrente que a falta de especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as expressões vagas e genéricas expendidas na acusação e na factualidade provada consubstancia uma insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Apreciando.
De jure:
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão[9]. Se tal sucedeu, então o tribunal de julgamento terá deixado de considerar um facto essencial postulado pelo objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema probandum.
Este – o thema probandum – é consubstanciado pela acusação ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos, bem como da responsabilidade – quando exista enxerto cível ou for de arbitrar, oficiosamente, uma indemnização -.
Ora, como referido pelo próprio recorrente, o tribunal pronunciou-se em relação aos factos descritos na acusação e, se tais fatos fossem insuficientes para consubstanciar a responsabilidade penal do arguido, tal configuraria um erro em matéria de direito e não uma insuficiência da matéria de facto para a decisão, uma vez que o tribunal recorrido nunca poderia colmatar uma insuficiência factual essencial de uma acusação (pelo menos, sem o acordo do Ministério Público, do arguido e da assistente), sob pena de incorrer na violação da proibição de alteração substancial da acusação (artigo 359º, 1, do Código de Processo Penal).
Nestes termos, não seria admissível o reenvio do processo para novo julgamento, para apreciação dos factos necessários ao apuramento da responsabilidade penal do arguido (artigo 426º, 1, do Código de Processo Penal), por insuficiência da matéria de facto para a decisão, por tal não ser permitido pelo disposto no artigo 359º, 1, do Código de Processo Penal: o tribunal não pode alterar o objeto do processo, sem acordo do Ministério Público, do arguido e da assistente – que inexistiu, in casu – e se a acusação não integrava à partida, factos suficientes para integrar o ilícito imputado ao arguido, a alteração factual do objeto do processo, de modo a preencher o tipo legal de crime resultaria, sempre, numa alteração substancial da acusação.
Por conseguinte, o acórdão recorrido não padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
*
Apreciada a questão jurídica dos vícios formais da decisão recorrida, invocados pelo recorrente, importa decidir os argumentos substanciais da motivação do recurso, a saber: impugnação da decisão da matéria de facto e da decisão da matéria de direito.

Da impugnação da decisão da matéria de facto
Apreciando.
De jure:
Como corolário lógico das regras legais de reapreciação da decisão da matéria de facto, este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando a convicção do Tribunal a quo não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos e analisados em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento [10] [11].
Para contrariar essa fundamentação, o recorrente especifica:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida;
Por conseguinte, caso proceda essa impugnação, o Tribunal poderá modificar a decisão sobre a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 431º, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.
Para apreciar o mérito do recurso, nesta parte, Tribunal reaprecia a prova produzida, nas partes concretamente indicadas pelo recorrente e procede à análise da demais prova que se mostrarem relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal).
O caso concreto:
O arguido impugna, em bloco, toda a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido, com exceção dos seguintes: i) que o Recorrente e a Ofendida se tenham conhecido em 2001, data em que foi contratada para trabalhar numa lavandaria daquele; Que a relação laboral tenha cessado em 2003; ii) que em 2011 o recorrente tenha voltado a contratar a Ofendida, passando a mesma a trabalhar no estabelecimento comercial da rede "C…" sito na …, pela qual o Recorrente é responsável; iii) que, por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis, quer para a residência do Recorrente, onde mantiveram relações sexuais;
Entende-se que essa técnica processual – de impugnação em bloco, por exclusão – não é a mais correta - tanto mais que pode resultar em erros notórios de motivação, como é o caso, uma vez que, através dessa modalidade, o recorrente também impugnou a factualidade pertinente à ausência de antecedentes criminais e à sua situação pessoal, o que não é manifestamente o caso, de acordo com o corpo da motivação do recurso.
Porém, tal não impede este tribunal de recurso de apreciar os argumentos do recorrente.
Em primeiro lugar, o recorrente questiona a credibilidade conferida pelo tribunal coletivo às declarações da assistente – prova que se revelou decisiva -: o recorrente entende que, contrariamente, ao fundamentado pelo tribunal, uma verdadeira análise crítica e isenta do seu teor revela inconsistências que não permitirão apurar os factos provados, a saber:
a) A assistente iniciou o seu depoimento, referindo que o arguido "humilhava-me sempre diante de testemunhas.";
Uma vez que nenhuma testemunha presencial corroborou os factos relatados pela assistente, o recorrente conclui que os mesmos devem ser considerados não provados.
Porém, na passagem das declarações da assistente citada pelo recorrente, a assistente não declarou, especificamente, que algum dos factos descritos na acusação tenha sido concretamente presenciado por alguma das testemunhas que foram inquiridas em julgamento.
b) Nas suas declarações, a assistente tentou passar a imagem de uma mulher dominada, em estado de "apatia" (minuto 9,02), que "tinha muito medo, estava aterrorizada" (minuto 46,44), "somos como as vítimas da síndrome de Estocolmo (…) estava na prisão (…) sem alternativa. (minuto 54,10) e "vivi um inferno." (1h,07m).
c) No entanto, ao longo das mesmas declarações, afirmou o contrário: i) "logo no início disse-lhe que não queria aquilo para mim." (minuto 6,57); ii) "a minha casa é sagrada. .nunca permiti que ele entrasse em casa, nem nunca iria permitir." (minuto 11,20); iii) "não admito que insultes o meu marido." (minuto 12,40); iv) não estou para suportar isto (minuto 18,45) e v) "eu não admito isto, eu não quero isto para mim." (1h, 22m).
Segundo o recorrente, resulta destas últimas declarações que a assistente tem um caráter forte, sendo uma mulher urbana, independente, que não se deixa dominar por ninguém e não o estereotipo da mulher subjugada, dependente e dominada que, normalmente, é vítima de violência doméstica. 
Porém, contrariamente à tese do recorrente, tais declarações não evidenciam qualquer contradição: o recorrente confunde traços de personalidade com estados psicológicos e o caráter de uma pessoa com a forma como gere, emocionalmente, situações experienciadas de forma dolorosa. De resto, mesmo uma pessoa com uma personalidade forte pode ser vítima de crime de violência doméstica.
d) A assistente declarou que nunca dependeu do mesmo e o próprio salário que auferia na lavandaria não era essencial à sua economia doméstica (1h45m).
Porém, o recorrente não especifica qualquer facto que tenha sido considerado provado e que deveria ter sido considerado não provado com base nessa declaração.
e) A assistente declarou que o Recorrente, na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, lhe retirou o telemóvel cerca das 22h30m e que se divertiu a efetuar chamadas para amigas suas, para o seu marido, para a sua mãe e para supostos amantes (minuto 35,53) e que também fez chamadas do seu próprio telemóvel para o telemóvel dela (minuto 37,45).
f) constam dos autos, num CDRom anexo, os registos das chamadas telefónicas (efectuadas e recebidas) no aparelho de telemóvel da assistente entre as 17 horas do dia 17 e as 11,30 horas do dia 18 de Janeiro, verificando-se que existem 12 registos (11 chamadas efetuadas e 1 recebida) e os interlocutores estão identificados são o marido, filho e mãe da assistente, não se constatando tais chamadas para as "amigas" e para os supostos "amantes".
g) a única chamada telefónica registada no telemóvel do recorrente naquele mesmo espaço de tempo está também identificada: é a chamada que o mesmo fez para a lavandaria de Aveiro cerca da meia-noite e que é confirmada pela própria assistente nas suas declarações (minuto 30,30).
h) do registo das chamadas constante do CDRom anexo aos autos, verifica-se que a assistente não efetuou qualquer chamada para o marido, estando sim registada uma chamada telefónica, com a duração de 3 minutos e vinte e oito segundos, feita pelo marido para a assistente às 19,31 horas do dia 17 de Janeiro e outra, com a duração de 48 segundos, efetuada às 2,24 horas do dia 18 de Janeiro e que aquele, no seu depoimento como testemunha, confirmou ter mantido com a mulher.
Através da citação desses meios concretos de prova, o recorrente pretende afastar a credibilidade conferida pelo tribunal da primeira instância às declarações da assistente.
Porém, não especifica, concretamente, qual é a factualidade provada que deveria ser considerada não provada à luz dos meios concretos de prova acima referidos – sendo ainda certo que os factos aludidos pela assistente, salientados pelo recorrente, não foram considerados provados -.
Finalmente, sempre se dirá que a conduta acima descrita (alegados telefonemas efetuados pelo arguido) nas declarações da assistente resultará da perspetiva desta na altura dos factos. Como é óbvio, o arguido poderá ter simulado tais telefonemas, na presença da assistente, como forma de se divertir à custa da vítima, não deixando, por isso, de merecer credibilidade a versão da assistente – antes pelo contrário – estando convencida da veracidade de tais comunicações.
i) o recorrente negou os factos provados referentes à noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015;
j) o seu filho, F…, também atestou ter-se apercebido da saída da ofendida cerca das 2 horas da madrugada, bem como o regresso da mesma cerca das 7,30 horas da manhã;
k) a assistente manteve contactos telefónicos com a sua mãe, uma companheira de trabalho e com o próprio marido, às 2h24m do dia 18, o que lhe permitiria ter pedido ajuda ou socorro.
l) cerca das 8,30 horas da manhã do dia 18 de Janeiro, o Recorrente levou a Ofendida no seu carro à C…, sita na entrada da Rua …, na …, a fim de esta recuperar as chaves desse mesmo estabelecimento (vide gravação vídeo junta aos autos), o que teria permitido a esta fugir e pedir auxílio a qualquer pessoa, ou mesmo encerrar-se dentro da lavandaria e pedir socorro.
Segundo o recorrente, não faz qualquer sentido, nem é um comportamento normal, que uma vítima, tendo várias oportunidades para fugir ou pedir auxílio, não o faça.
Porém, a valoração parcial de tais meios concretos de prova produzidos em julgamento, invocada pelo recorrente, não abala a consistência da fundamentação da convicção do tribunal, que se baseou nas declarações da assistente – empregada do arguido, com quem mantinha uma relação adúltera, revelando os factos apurados que o ora recorrente exerceu um claro ascendente sobre a vítima, a qual não encontrou ânimo nem força interior para reagir à opressão -. De resto, o tribunal coletivo concretizou a incongruência das declarações e do depoimento da testemunha F… com a demais prova produzida. A este propósito, recorda-se que a assistente captou uma fotografia no interior da casa do arguido às 6 horas do dia 18 de Janeiro de 2015 - a hora em que, segundo o recorrente e a testemunha F…, aquela não se encontrava na casa -. Para contrariar este meio concreto de prova, o recorrente alega que a assistente poderia ter alterado a data/hora nas definições do telemóvel, antes da captação da fotografia, de modo a incriminar o arguido. Em abstrato, isto poderia ter sucedido, mas é completamente inverosímil. Para que isso sucedesse, tal deveria ter acontecido antes da captação da fotografia pelo telemóvel. Ora, nenhum meio concreto de prova permitiu revelar tal plano arquitetado pela assistente, visando incriminar, falsamente, o arguido. Se o quisesse fazer, certamente teria optado por "construir" uma versão sustentada de forma mais fundamentada em provas circunstanciais, não se limitando à captura de uma imagem no interior da casa do arguido.
Por conseguinte, a mera possibilidade de alteração da data/hora da captura da fotografia não constitui um meio concreto de prova que imponha decisão diversa da recorrida.
O recorrente ainda sustenta a sua impugnação da matéria de facto provada numa alegada violação, pelo Tribunal a quo, da garantia constitucional e processual penal da presunção de inocência, ao afirmar que "não se entende nem se aceita por que é que o Tribunal considerou as declarações da Ofendida como "sinceras", quando as mesmas estão eivadas de contradições e, afinal, as restantes provas não as corroboram de forma segura e eficaz, para além da dúvida razoável" (artigo 73º da motivação e conclusão XXXIV do recurso), sobrevalorizando o tribunal coletivo as declarações da assistente em detrimento das declarações do arguido.
Porém, toda a decisão penal em matéria de facto constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação – conforme acima concretizado -, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
É neste contexto, precisamente, que se situa o âmbito de aplicação do princípio in dubio pro reo.
A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável. No caso de tal apreciação resultar numa dúvida razoável, esta conclusão deve beneficiar o arguido.
A existência de uma violação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida no julgador, emergente do próprio texto da decisão recorrida, do qual se concluiria que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (ou seja, numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido).»
Porém, o acórdão recorrido evidencia exatamente o contrário, tendo o tribunal coletivo manifestado uma certeza em relação aos factos provados, baseada numa apreciação objetiva e coerente da prova produzida em julgamento – que foi sindicada e confirmada por este tribunal, em sede de recurso -.
Por conseguinte, a análise do texto da decisão recorrida permite concluir que os julgadores não tiveram a menor dúvida sobre a verificação dos factos que consideraram assentes, descrevendo todo o processo de formação da sua convicção de uma forma clara e sustentada na prova produzida em julgamento.
A motivação da decisão respeitante à matéria de facto elucida:
-- os meios de prova que sustentaram a convicção formada; e
--o percurso lógico seguido na sua formação;
Na fundamentação da convicção encontram-se explicadas, de forma congruente e plausível, os critérios pelos quais os julgadores valorizaram os diversos meios concretos de prova, não resultando da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal coletivo tenha tido quaisquer dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes. Bem pelo contrário.
*
Improcede, assim, a alegada violação do princípio in dubio pro reo.
*
Do alegado erro em matéria de direito:
O recorrente também impugnou a fundamentação jurídica do acórdão recorrido, concluindo que os factos provados não integram a prática do tipo legal de violência doméstica.
Para tanto, alega, em suma, o seguinte:
a) não se provou qualquer relação de controlo ou de domínio do arguido sobre a assistente, não se verificando, por isso, o elemento essencial do relacionamento afetivo entre o recorrente e a ofendida, para que o tipo legal de crime de violência doméstica seja preenchido; e
b) são meramente genéricas, vagas e imprecisas, quanto ao tempo, forma, local e consequências, as imputações que lhe são feitas quanto aos maus tratos em que assenta a sua condenação.
Cumpre apreciar e decidir.
O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, alínea b) do Código Penal.
De jure:
O artigo 152.º do Código Penal prevê e estatui o seguinte:
«1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) (…);
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;»

Do sujeito passivo do tipo objetivo de crime:
A primeira questão jurídica substancial suscitada pelo recorrente implica apurar se a matéria de facto provada preenche a previsão típica da alínea b) do n° 1 do artigo 152° do Código Penal, ou seja, se o arguido e a ofendida mantinham ou tinham mantido "uma relação de namoro ou uma relação análoga a dos cônjuges, ainda que sem coabitação", o mesmo é dizer se a ofendida consubstancia, concretamente, o sujeito passivo do tipo objetivo de ilícito.
Tendo em conta a factualidade provada, apurou-se que o arguido e a assistente tinham um relacionamento amoroso que perdurou durante cerca de três anos e, concretamente, envolvia a prática de relações sexuais.
A letra da lei, ao englobar no tipo objetivo a existência de uma mera relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, aponta claramente no sentido de não exigir para o preenchimento do tipo a exclusividade da relação ou até a necessidade de uma habitação comum.
Concomitantemente, importa considerar a natureza do bem jurídico tutelado pelo tipo de crime – a integridade física e moral, no quadro de uma relação afetiva, de proximidade existencial e interdependência emocional -, justificando um quadro legal penal de proteção aos membros dessa relação, emergente da sua especial fragilidade resultante da exposição e entrega pessoal recíproca, que é característica desse tipo de relacionamento.
No caso dos autos, os factos provados revelam, claramente, a existência de uma relação amorosa duradoura, que motiva e explica a atuação provada do arguido e potencia o efeito desta pela fragilização da posição da vítima, em resultado da diminuição da sua liberdade e capacidade de reação causada pelo vínculo laboral com aquele, pela exposição da sua privacidade e intimidade perante aquele e, sobretudo, tendo em conta a circunstância de se encontrar casada e com filhos, coabitando com o marido – circunstancialismo explorado, de forma deliberada, pelo agente do crime -.
O sujeito passivo do tipo objetivo de ilícito, ao ser uma pessoa envolvida num relacionamento amoroso duradouro – que, in casu, incluiu a prática de relações sexuais -, encontra-se no âmbito de previsão da norma penal, no contexto de uma "relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação", mesmo que esteja casada e coabite com pessoa distinta do agente do crime[12].
Conclui-se, assim, que pode ser vítima de um crime de violência doméstica [artigo 152º, nº 1. al. b), do Código Penal] uma pessoa envolvida num relacionamento amoroso duradouro com o agente do crime, mesmo que esteja casada e coabite com outra pessoa.

Dos maus tratos físicos e psíquicos concretos:
O recorrente questiona o caráter genérico, vago e impreciso, quanto ao tempo, forma, local e consequências, das imputações que lhe são feitas quanto aos maus tratos em que assenta a sua condenação
Cumpre apreciar e decidir.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido descreve, suficientemente, um conjunto de maus tratos físicos e psíquicos infligidos pelo arguido à assistente, de modo a precisar o "modo" como foram praticados, o local onde ocorreram e quando foram cometidos:
-- Desde perto de Fevereiro de 2012, até 18 de Janeiro de 2015, o arguido dirigiu-se à assistente, de forma recorrente, designando-a "puta" e referindo que "não valia nada", instando-a, ainda, a acatar as suas ordens, sob pena de lhe bater.
-- A partir do momento em que a assistente lhe manifestou pretender terminar a relação amorosa – o que sucedeu em 2013 -, o arguido dizia-lhe, em tom sério, que a despediria e contaria à família da assistente o que se tinha passado entre ambos e passou a seguir a assistente na via pública (designadamente no percurso entre a casa e o local de trabalho) e a telefonar-lhe, fora do horário de trabalho, questionando-a onde se encontrava e com quem.
-- Em meados de 2014, o arguido dirigiu-se à casa de morada de família da assistente e, por telefone, disse-lhe para ir ter consigo e, perante a sua recusa, disse-lhe em tom sério e convincente, que caso não acatasse a ordem, arrombaria a porta. Após ter saído da casa e entrado no carro do arguido, este desferiu-lhe murros e bofetadas na face e puxou-lhe os cabelos.
-- Em Setembro de 2014, o arguido contactou a assistente telefonicamente e chamou-lhe "puta" e "mentirosa" e, logo a seguir, abeirou-se da mesma e, agarrando-a, fê-la entrar no seu carro, que conduziu até à sua residência.
-- No dia 17 de Janeiro de 2015, pelas 22h30m, o arguido obrigou a assistente a permanecer na casa daquele, contra a vontade da ofendida, tendo trancado a porta de entrada e retirado o telemóvel à ofendida, afirmando-lhe que só sairia quando ele quisesse. Após o jantar dessa noite, no decurso de uma discussão, afirmou que ela era uma "puta" e exigiu que esta revelasse o nome da pessoa com quem andaria metida, caso contrário só sairia do local com o INEM ou com o marido. No decurso da mesma discussão, o arguido desferiu um soco na face da ofendida e vários pontapés no rosto e nos membros superiores e inferiores, estes dados enquanto a assistente se encontrava caída no chão. Como a arguida gritasse, o arguido ameaçou-a com um espeto em ferro da lareira, dizendo-lhe "se não te calas, mato-te".
-- De seguida, não obstante a assistente implorar para sair, o arguido manteve-a retida e voltou a agredi-la com socos e pontapés em várias partes do corpo, chegando a calçar umas luvas, dizendo que já lhe estariam a doer as mãos.
-- Como consequência direta e necessária das agressões infligidas pelo arguido, a assistente sofreu as seguintes lesões:
- no crânio: três escoriações em crosta, equimose arroxeada na região retro auricular direita. Escoriação na face posterior do pavilhão auricular direito, edema de ambas as regiões temporais; equimose arroxeada na região temporal esquerda, equimose arroxeada na região frontotemporal esquerda;
- na face: escoriação com crosta, na região da glabela, equimose arroxeada de toda a região orbitária direita com extensão para a região zigomática direita e frontal direita, hemorragia conjuntival na metade medial do olho direito, edema do angulo mandibular à direita, escoriação no terço médio do ramo direito da mandibula, escoriações na face esquerda da região nasal, laceração superficial da face mucosa da metade direita do lábio superior;
- no ráquis: equimose arroxeada ao nível da espinha da escápula à esquerda;
- no tórax: múltiplas equimoses, ocupando uma área de 14X13 cm. no terço inferior da face posterior do hemitorax direito, equimose arroxeada na face lateral esquerda do terço distal da região torácica;
- no membro superior direito: equimose arroxeada com 16cm por 3cm na face posterior dos terços distal e médio do braço, escoriação linear com 6cm no terço distal da face posterior do braço, equimose acastanhada na face posterior do terço distal do antebraço, escoriação no 4º dedo, escoriação no 1º dedo;
- no membro superior esquerdo: equimose acastanhada na face posterior do terço proximal do braço, equimose acastanhada na face posterior do terço proximal do antebraço
- no membro inferior direito: escoriação na face anterior do terço proximal da perna, equimose esverdeada na face lateral do terço proximal da coxa
- no membro inferior esquerdo: escoriação coberta por crosta na face anterior do joelho esquerdo, três escoriações na face anterior do terço médio da perna.
- tais lesões foram causa direta e necessária de 15 dias de doença, com 3 (três) dias de afetação da capacidade de trabalho geral e 9 (nove) dias da capacidade de trabalho profissional.
Do exposto resulta que foram apurados diversos maus tratos físicos (agressões físicas várias) e psíquicos (v.g. ameaças, perseguições, "cenas de ciúmes"), infligidos pelo arguido à assistente, bem como uma privação da sua liberdade de autodeterminação (obrigando-a a manter o relacionamento amoroso) e de locomoção (ao obrigá-la a permanecer na casa do arguido).
Conforme referido no parecer do Ministério Público, junto deste Tribunal, "as agressões físicas e os insultos praticados pelo arguido, acima referidos, são tudo menos genéricos, difusos e obscuros e ocorreram num contexto de agressividade e violência e num ambiente opressivo, que se arrastou por cerca de 3 anos e a que o recorrente deu causa, exercitando uma relação de domínio sobre a ofendida, humilhando-a e pondo seriamente em causa a sua integridade física, tranquilidade e estabilidade psíquica".
Não há qualquer dúvida, perante o quadro fáctico apurado, que a assistente estava subjugada psicologicamente ao arguido e, em determinadas situações, também condicionada fisicamente por este, ao ponto de estar em causa o seu bem-estar e a sua saúde física e psíquica, além da sua dignidade enquanto ser humano, tendo sido violado o bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado.
Tal conclusão jurídica também corresponde ao entendimento jurisprudencial plasmado no acórdão desta Relação, de 27 de Janeiro de 2016 (processo nº 288/15.2PIPRT.P1, acessível na base de dados de jurisprudência da DGSI) e da Relação de Guimarães, de 2 de Novembro de 2015 (77/14.1TAAVV.G1)[13], além de muitos outros.
*
Pelo exposto, o recurso improcede in totum.
*
Das custas:
Sendo o recurso do arguido julgado não provido, o recorrente deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) e 523º do Código de Processo Penal e 527º, 1, do Código de Processo Civil e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com a extensão do objeto do recurso, em 6 (seis) unidades de conta.
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em:
a) negar provimento ao recurso do arguido B…;
b) condenar o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (seis unidades de conta).
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 8 de Março de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
___________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Seguindo-se nesta decisão o entendimento jurídico já plasmado nos acórdãos de 24 de Fevereiro de 2016 (processo nº 830/13.3PHMTS.P1), de 13 de Abril de 2016 (processo nº 124/03.2TAAVR.P1) e de 1 de Junho de 2016 (processo nº876/14.4GBAMT.P1), 15 de Junho de 2016 (processo nº 9378/11.0 DPRT.P1) e de 14 de Setembro de 2016 (processo nº 1502/12.1PAPRT.P1).
[4] Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Natureza Acusatória, Universidade Católica, Porto, 2002, pág. 566.
[5] Neste sentido, Michelle Taruffo, "Conocimiento cientifico y estândares de prueba judicial", Jueces para la Democracia, Información y Debate, n.º 52, Marzo, 2005, pág. 67.
[6] Taruffo, "Consideraciones sobre prueba y motivación", Jueces para la Democracia, Información y Debate, n.º 59, Júlio, 2007.
[7] Vide, a este respeito, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de.2007 (processo nº 3193/06, 3ª Secção, de 11 de Outubro de 2000 (processo nº 2253/00 - 3.ª) e acórdãos do Tribunal Constitucional números 102/99 (Diário da República, II-Série, 1 de Abril de1999) e 59/2006 (Diário da República, II-Série, de 13 de Abril de 2006.
[8] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, disponível no endereço da rede digital global http://www.tribunalconstitucional.pt.
[9] Vide, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Julho de 2002 (processo nº 1748/02-5ª), relatado pelo Conselheiro Armando Leandro.
[10] Segundo Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 2ª edição, págs.126-127, «Os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.374º, nº2, do Código de Processo Penal».
[11] Chama-se a atenção para a ligação estreita existente entre a oralidade-imediação, a documentação da prova, a motivação das sentenças judiciais e a recorribilidade das decisões da matéria de facto e o modo como estes princípios estruturantes do sistema processual – tanto penal como civil – se articulam entre si. Neste aspeto, recorda-se a conclusão feliz plasmada no sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 22 de Junho de 2001, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso no processo nº 0111381: «Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.»
[12] Em sentido idêntico, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 27 de Fevereiro de 2013, pesquisável na base de dados da DGSI através do aplicativo mencionado na nota nº2.
[13] Sumário:
I) O tipo legal do artº 152º, do CP previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
II) Este é, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.