Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
487/13.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: CONTRATO GARANTIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RP20160121487/13.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 65, FLS.27-28)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de garantia bancária, reconhecido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, sem regulamentação própria na nossa ordem jurídica, surge associado às práticas comerciais internacionais, constituindo um negócio jurídico atípico, produto da liberdade contratual e da autonomia privada.
II - O contrato de garantia bancária há-de reger-se, em primeira linha, pelas estipulações acordadas pelas partes, ponderando as condições que constam do próprio documento escrito que o formaliza, sendo o texto do contrato essencial para se determinar os termos em que as partes se quiseram obrigar.
III - Como em qualquer outro contrato, não há qualquer limitação imposta às partes em invocar as excepções que se referem ao próprio contrato de garantia. Já o garante está impedido de suscitar excepções relativamente ao negócio base, atenta a característica da autonomia inerente ao contrato de garantia, relativamente ao negócio subjacente. A excepção a esta regra, verificar-se-á apenas se estiverem em causa princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, como a fraude à lei ou uma situação de manifesto abuso de direito.
IV - A diferença entre o contrato de fiança, em que a obrigação do fiador é uma obrigação acessória da obrigação garantida, por oposição ao contrato de garantia bancária, em que o garante assume uma obrigação própria, autónoma, de proceder à entrega de uma determinada quantia quando interpelado para o efeito, com um objecto diferente daquele que resulta do negócio base, afasta a aplicação, por analogia, do disposto no art.º 653.º do C.Civil, enquanto norma especial relativa à extinção da fiança, não obstante as partes o pudessem ter previsto no contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 487/13.1TVPRT.P1- Apelação 1ª

Relatora: Inês Moura
1º Adjunto: Teles de Menezes
2º Adjunto: Mário Fernandes

Sumário: (art.º 663 n.º 7 do C.P.C.)
1. O contrato de garantia bancária, reconhecido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, sem regulamentação própria na nossa ordem jurídica, surge associado às práticas comerciais internacionais, constituindo um negócio jurídico atípico, produto da liberdade contratual e da autonomia privada.
2. O contrato de garantia bancária há-de reger-se, em primeira linha, pelas estipulações acordadas pelas partes, ponderando as condições que constam do próprio documento escrito que o formaliza, sendo o texto do contrato essencial para se determinar os termos em que as partes se quiseram obrigar.
3. Como em qualquer outro contrato, não há qualquer limitação imposta às partes em invocar as excepções que se referem ao próprio contrato de garantia. Já o garante está impedido de suscitar excepções relativamente ao negócio base, atenta a característica da autonomia inerente ao contrato de garantia, relativamente ao negócio subjacente. A excepção a esta regra, verificar-se-á apenas se estiverem em causa princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, como a fraude à lei ou uma situação de manifesto abuso de direito.
4. A diferença entre o contrato de fiança, em que a obrigação do fiador é uma obrigação acessória da obrigação garantida, por oposição ao contrato de garantia bancária, em que o garante assume uma obrigação própria, autónoma, de proceder à entrega de uma determinada quantia quando interpelado para o efeito, com um objecto diferente daquele que resulta do negócio base, afasta a aplicação, por analogia, do disposto no art.º 653.º do C.Civil, enquanto norma especial relativa à extinção da fiança, não obstante as partes o pudessem ter previsto no contrato.
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
A B…, S.A. intentou a presente acção declarativa comum, sob o regime processual civil experimental (DL nº 108/2006, de 08-06) contra o Banco C…, S.A., pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a importância de € 89.250,94 relativa às garantias prestadas, bem como os juros de moratórios vencidos, à taxa de 16%, no montante de € 19.913,96, e vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese, que sucedeu em todos os direitos e obrigações que integravam o património da extinta sociedade “D…, S.A.” Esta sociedade celebrou, em 11/03/2009, com as sociedades empreiteiras E…, S.A. e F…, S.A., associadas em consórcio externo de responsabilidade solidária passiva, um contrato administrativo de empreitada de obra pública, mediante o pagamento do preço global de € 2.370.037,46. Nos termos do RJEOP e do contrato de empreitada celebrado, o consórcio empreiteiro podia substituir os descontos/retenções que a A. tinha direito a fazer, aquando dos pagamentos que lhe efectuava, pela prestação de caução, nomeadamente através de garantias bancárias. Foi o que sucedeu no contrato em apreciação, em que o consócio empreiteiro prestou à A. três cauções, através de três garantias bancárias (de 08/06/2009, no valor de € 30.000,00; de 15/01/2010, no valor de € 29.250,94 e de 21/07/2012, no valor de € 30.000,00), emitidas e prestadas pelo R. Tais garantias foram constituídas sem prazo e à primeira solicitação, não podendo por isso o R., na qualidade de garante, deixar de pagar à A. os montantes garantidos, fosse por que motivo fosse, desde que reclamado o seu pagamento. Sucede que o consórcio empreiteiro não cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada, não cumpriu os prazos e não concluiu os trabalhos, pelo que a A., em 24/0172012, enviou ao R. uma carta, em que deu conta do incumprimento e solicitou o pagamento imediato das quantias tituladas pelas três garantias bancárias. Contudo, o R. recusou-se a efectuar tal pagamento, o que a Autora pretende obter através da presente acção.
Regularmente citado, o R. apresentou contestação, concluindo pela improcedência do pedido.
Alegou, em síntese, que a emissão das garantias bancárias accionadas pela A. foi solicitada ao R. pela sociedade E…, com a finalidade de cobrir responsabilidades suas e não de qualquer consórcio em que ela, ordenante, viesse a estar porventura envolvida. Só isto foi pedido ao R. e só isto o R. aceitou, o que resulta até do texto das garantias bancárias, estando excluída a garantia das obrigações de qualquer outra sociedade, designadamente da sociedade F…, S.A. Acresce que o beneficiário das garantias, quando as acciona, mesmo que estejam em causa garantias autónomas e à primeira solicitação, tem de demonstrar a existência de obrigações cobertas pelas garantias, o que não acontece no caso dos autos. Aquando do accionamento das garantias bancárias, a A. remeteu ao R. facturas emitidas, todas elas, em nome da sociedade F…, S.A., nada sendo referido quanto à qualidade de co-devedora da sociedade E…. Por outro lado, o montante de tais facturas é inferior ao montante pedido na presente acção, correspondente ao montante das três garantias accionadas. Alegou ainda que a ordenante E… foi declarada insolvente, por sentença de 05/07/2011, e a A. não reclamou na insolvência, dentro do prazo legal, o crédito que pretensamente tinha sobre a mesma, o que fez precludir ao R. a possibilidade de se subrogar no crédito e, por esta forma, poder concorrer com os demais credores pela sua cobrança, o que provoca, por aplicação do art. 653º do Código Civil, a improcedência da acção. Por fim, alegou que os juros peticionados não são devidos.
Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da lide e procedeu-se ao conhecimento do mérito da acção, por se considerar que os autos dispunham de todos os elementos necessários para o efeito, tendo sido proferida decisão no sentido da improcedência da acção e absolvição do R. do pedido.
Não se conformando com tal decisão, vem a A. dela interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere procedente a acção e condene o R. no pedido, apresentando, para o efeito as seguintes conclusões:
1.ª – A APELANTE É UMA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO QUE, NO ÂMBITO DO SEU ESCOPO SOCIAL, PRETENDEU LEVAR A EFEITO A OBRA DENOMINADA “AR 43.0.08 – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCETOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B8…, B9…, E B10…”;
2.ª – DEPOIS DE DECORRIDO O LEGAL PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL, A APELANTE CONTRATOU A EXECUÇÃO DE TAL OBRA COM AS EMPREITEIRAS “E…, S. A.” E “F…, S. A.”, FORMALIZANDO TAL CONTRATO ATRAVÉS DE CONTRATO ADMINISTRATIVO DE OBRAS PÚBLICAS, EM 10/03/2009;
3.ª – ENTRETANTO, E COMO O IMPUNHA O CADERNO DE ENCARGOS, ANTES DA OUTORGA DE TAL CONTRATO, AS EMPREITEIRAS ADJUDICATÁRIAS, ATÉ AÍ MERO AGRUPAMENTO DE EMPRESAS, CELEBRARAM ENTRE SI UM CONTRATO PELO QUAL CRIARAM UM CONSÓRCIO EXTERNO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PASSIVA, COM VISTA À EXECUÇÃO DO OBJETO CONTRATUAL DAQUELE CONTRATO DE EMPREITADA;
4.ª – NESSE CONTRATO DE CONSÓRCIO AS EMPREITEIRAS FIXARAM QUE CHEFE EXTERNO DO CONSÓRCIO ERA A “E…, S. A.”,
5.ª – QUE, DE ENTRE OUTRAS COMPETÊNCIAS, TINHA AS DE ENVIAR AS FATURAS AO DONO DA OBRA, A APELANTE, E DELA RECEBER OS SEUS VALORES QUE ENTREGAVA, DEPOIS, ÀS CONSORCIADAS NAS CONDIÇÕES QUE, ENTRE SI, ESTIPULARAM;
6.ª – MAIS FIXARAM, COMO SE DISSE SUPRA, QUANTO ÀS SUAS RELAÇÕES COM O DONO DA OBRA, O REGIME DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PASSIVA, EM QUE, CADA CONSORTE RESPONDIA PELA TOTALIDADE DAS OBRIGAÇÕES QUE DO CONTRATO DE EMPREITADA DECORRIAM PARA O CONSÓRCIO, FOSSE DE QUEM FOSSE A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL DAS CONSORCIADAS;
7.ª – NOS TERMOS CONTRATUAIS E LEGAIS (ART.º 112.º A 114.º, DO RJEOP APLICÁ- VEL), AS EMPRESAS CONSTITUINTES DO CONSÓRCIO TIVERAM DE PRESTAR CAUÇÃO INICIAL PELO MONTANTE DE 5% DO VALOR DO CONTRATO (€2.370.037,05);
8.ª – TAIS CAUÇÕES, QUE, EM PRINCÍPIO, DEVEM SER PRESTADAS POR DEPÓSITO EM DINHEIRO, TAMBÉM PODEM SER PRESTADAS, POR OUTRAS FORMAS, DESIGNADAMENTE, POR GARANTIA BANCÁRIA, CASO EM QUE TAIS GARANTIAS TÊM A NATUREZA DE GARANTIAS AUTÓNOMAS EM QUE O BANCO GARANTE SE OBRIGA A PAGAR AO BENEFICIÁRIO A IMPORTÂNCIA GARANTIDA, À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO DESTE, E SEM QUE POSSA INVOCAR EM SEU BENEFÍCIO QUAISQUER MEIOS DE DEFESA DO ORDENADOR RELACIONADOS COM O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES QUE O EMPREITEIRO ASSUME NO CONTRATO DE EMPREITADA;
9.ª – SUCEDE QUE TAIS GARANTIAS BANCÁRIAS, NESTES CASOS, PELA SUA NATUREZA E FINALIDADE E POR EFEITO DA LEI SUBSTITUI O DEPÓSITO REAL E EFETIVO QUE O EMPREITEIRO DEVE SUPORTAR PARA PODER TOMAR CONTA DE UMA OBRA PÚBLICA DE QUALQUER ENTIDADE PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM AS OBRIGAÇÕES DO EMPREITEIRO TAL COMO SE FOSSEM OS ALUDIDOS DEPÓSITOS;
10.ª – POR OUTRO LADO, E AINDA NOS TERMOS CONTRATUAIS E LEGAIS (ART.º 211.º, DO RJEOP APLICÁVEL) A APELANTE FICOU COM O DIREITO DE RETER NOS PAGAMENTOS PARCIAIS QUE FIZESSE AO CONSÓRCIO EMPREITEIRO, DURANTE A EXECUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA, A IMPORTÂNCIA DE 5% DOS MONTANTES FATURADOS, PARA REFORÇO DAQUELA CAUÇÃO INICIAL,
11.ª – DE MODO A QUE, NO FIM DA OBRA, A APELANTE, DONA DA OBRA, TIVESSE 10% DO SEU VALOR, COMO GARANTIA PARA RESOLVER QUALQUER REPARAÇÃO DE QUE A OBRA CARECESSE DURANTE O PRAZO DE GARANTIA, SE O CONSÓRCIO EMPREITEIRO, NOTIFICADO PARA O EFEITO, NÃO PROCEDESSE À DITA REPARAÇÃO;
12.ª – AINDA NOS TERMOS LEGAIS (ART.º 211.º, 4, DAQUELE DIPLOMA LEGAL), TAL DESCONTO PODE SER SUBSTITUÍDO POR DEPÓSITO DE TÍTULOS OU POR GARANTIA BANCÁRIA OU SEGURO CAUÇÃO, NOS MESMOS TERMOS QUE A CAUÇÃO;
13.ª – A ESTE TÍTULO, E PARA SUBSTITUIR DESCONTOS DE 5% FEITOS PELA APELANTE NOS PAGAMENTOS PARCIAIS, DURANTE A EXECUÇÃO DOS TRABALHOS, FEITOS AO CONSÓRCIO, FORAM PRESTADAS A FAVOR DA APELANTE, PELO BANCO APELADO, AS TRÊS SEGUINTES GARANTIAS BANCÁRIAS:
a. – garantia bancária n.º …-..-……., de 8 de junho de 2009, no montante de €30.000,00:
b. – garantia bancária n.º …-..-……., de 15 de janeiro de 2010, no montante de €29.250,94; e
c. – garantia bancária n.º ..-..-…….., de 21 de julho de 2012, no montante de €30.000,00.
14.ª – TODAS AQUELAS GARANTIAS FORAM SOLICITADAS À APELADA PELA CONSORCIADA E…, S. A.”, COMO SE VIU, CHEFE EXTERNO DO CONSÓRCIO, E FORAM CONSTITUÍDAS SEM PRAZO E À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO, E NOS DEMAIS TERMOS QUE DOS SEUS TEXTOS CONSTAM;
15.ª – ORA, O CONSÓRCIO EMPREITEIRO NÃO CUMPRIU AS OBRIGAÇÕES QUE PARA ELE DECORRIAM DO CONTRATO DE EMPREITADA NEM, SEQUER, CONCLUIU OS TRABALHOS FOSSE QUANDO FOSSE, PORQUE, INVOCANDO RAZÕES DE NATUREZA TÉCNICA E FINANCEIRA, CONFESSOU-SE INDISPONÍVEL PARA CONCLUIR A OBRA,
16.ª – O QUE LEVOU A QUE O CONSÓRCIO EMPREITEIRO E A APELANTE TIVESSEM, POR ACORDO, RESOLVIDO O CONTRATO, POR ESCRITO DE 12 DE AGOSTO DE 2011;
17.ª – PORÉM, TAMBÉM O CONSÓRCIO EMPREITEIRO NÃO CUMPRIU AS OBRIGAÇÕES QUE PARA ELE RESULTAVAM DESSE ACORDO DE RESCISÃO CONTRATUAL, ONDE, NA RESPETIVA CLÁUSULA 7.ª, N.º 3, ALIÁS, JÁ SE PREVIA O SEGUINTE: “3 – Em qualquer situação, a B… reserva desde já o direito de acionar a garantia bancária prestada pelos SEGUNDOS OUTORGANTES no âmbito da “AR....... – Empreitada de Execução do Intercetor de B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B8…, B9…, e B10…”.
18.ª – NA VERDADE, O ATRASO DO CONSÓRCIO NA EXECUÇÃO DA OBRA E O SEU ABANDONO COM ELA INACABADA CAUSARAM GRANDES PREJUÍZOS À APELANTE QUE, ENTRE OUTRAS DESPESAS (FISCALIZAÇÃO, REPARAÇÕES E SUBSTITUIÇÕES DE TRABALHOS MAL EXECUTADOS, POR EXEMPLO) TEVE DE CONTRATAR COM TERCEIROS O ACABAMENTO DA OBRA A QUEM TEVE DE PAGAR TAIS SERVIÇOS;
19.ª – POR ISSO QUE, AINDA NOS TERMOS CONTRATUAIS E LEGAIS, TEVE A APELANTE, DEPOIS DE INTERPELADAS, SEM ÊXITO, AS EMPRESAS CONSTITUINTES DO CONSÓRCIO, DE ACIONAR AS GARANTIAS QUE TINHA EM SEU PODER PARA, AINDA QUE SÓ PARCIALMENTE, VER REPARADOS OS SEUS PREJUÍZOS CAUSADOS POR AQUELAS EMPRESAS;
17.ª – AS GARANTIAS PRINCIPAIS FORAM, DE PRONTO, PAGAS PELO BANCO GARANTE QUE, NESSE CASO, NÃO ERA O BANCO DA APELADA;
18.ª – MAS A APELADA, POR SUA VEZ, RECUSOU ENTREGAR À APELANTE OS VALORES DAS AJUIZADAS GARANTIAS COM O ARGUMENTO DE QUE AS MESMAS SÓ COBRIAM AS OBRIGAÇÕES DA ORDENANTE INDIVIDUAL “E…, S. A.”, E NÃO AS OBRIGAÇÕES DE QUALQUER CONSÓRCIO OU DE QUALQUER OUTRA EMPRESA QUE COM A ORDENANTE ESTIVESSE CONSORCIADA;
19.ª – A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, APESAR DE ESTAREM JUNTOS AOS AUTOS CÓPIAS DOS CONTRATOS DE EMPREITADA E DE CONSÓRCIO BEM COMO CÓPIAS DAS GARANTIAS QUE NOS AUTOS SE DISCUTEM, E AINDA CÓPIAS DAS PROPOSTAS DE GARANTIA DIRIGIDAS À APELADA PELA CHEFE DO CONSÓRCIO, ONDE SE IDENTIFICAM, QUER O CONTRATO DE EMPREITADA QUER O DESTINO DAS GARANTIAS PEDIDAS,
20.ª – SUBSTITUIR, GARANTINDO-O, O VALOR LEGALMENTE RETIDO NOS PAGAMENTOS PARCIAIS FEITOS PELA APELANTE AO CONSÓRCIO,
21.ª – ENTENDEU QUE, COMO DO TEXTO DAS GARANTIAS NÃO CONSTA A EXISTÊNCIA DO CONSÓRCIO, AS MESMAS NÃO COBREM O RISCO DO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR PARTE DA OUTRA CONSORCIADA, A “F…, S. A.”;
22.ª – PELO QUE, CONCLUIU QUE É LEGÍTIMA A RECUSA DA APELADA EM ENTREGAR À APELANTE AS IMPORTÂNCIAS TITULADAS PELAS IDENTIFICADAS GARANTIAS,
23.ª – MAIS ENTENDENDO QUE, POR ISSO, O ACIONAMENTO DAS GARANTIAS PELA APELANTE CONFIGURA UMA SITUAÇÃO DE EVIDENTE FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL, CONSUBSTANCIANDO A PRETENSÃO DA APELANTE UM EXERCÍCIO ABUSIVO DO SEU DIREITO AO PAGAMENTO AUTOMÁTICO, POR CONTRARIEDADE DO FIM ECONÓMICO DO DIREITO; ORA,
24.ª – A APELANTE FOI TOTALMENTE ALHEIA AO NEGÓCIO ENTRE A CONSORCIADA E A APELADA, NÃO INTERVINDO NELE, POR QUALQUER FORMA;
25.ª – COMO SE VIU, POR FORÇA DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PASSIVA QUE VIGORA ENTRE AS CONSORCIADAS, QUE TAL CLAUSULARAM NO SEU CONTRATO DE CONSÓRCIO, TODAS AS OBRIGAÇÕES QUE PARA ELAS RESULTAVAM DO CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS QUE CELEBRARAM COM A APELANTE SÃO PRÓPRIAS DE CADA UM DAS CONSORCIADAS,
26.ª – ISTO É, TODAS ESSAS OBRIGAÇÕES SÃO PRÓPRIAS DA CONSORCIADA “E…, S. A.”, SENDO, PARA EFEITOS DE RESPONSABILIDADE FACE AO DONO DA OBRA, INDIFERENTE A QUEM PERTENCE, EM CADA CASO, A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL DE CADA CONSORCIADA;
27.ª – POR ISSO, A APELADA AO DECLARAR NOS TEXTOS DAS GARANTIAS QUE SE OBRIGAVA A PAGAR AS IMPORTÂNCIAS GARANTIDAS, À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO, SEM QUE A APELANTE TIVESSE DE JUSTIFICAR O PEDIDO E SEM QUE PUDESSE INVOCAR EM SEU BENEFÍCIO QUAISQUER MEIOS DE DEFESA DO ORDENADOR, ESTAVA A GARANTIR O CUMPRIMENTO DE TODAS AS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS DAQUELA CONSORCIADA,
28.ª – POIS MESMO QUE AS OBRIGAÇÕES RESULTASSEM DE FACTO IMPUTADO À OUTRA CONSORCIADA, INDIVIDUALMENTE, PELO MECANISMO DA SOLIDARIEDADE PASSIVA O CUMPRIMENTO DESSAS OBRIGAÇÕES IMPÕE-SE SEMPRE À CONSORCIADA ORDENANTE;
29.ª – DE RESTO, E MERGULHANDO NO CASO CONCRETO, À CHEFE DO CONSÓRCIO É QUE COMPETIA RECEBER OS PAGAMENTOS DA APELANTE E REPARTIR O DINHEIRO PELAS CONSORCIADAS;
30.ª – FOI ELA QUEM, POR OUTRO LADO, ENTREGOU À APELANTE AS GARANTIAS PARA RECEBER, COMO RECEBEU, EM TROCA, AS QUANTIAS LEGALMENTE RETIDAS PELA APELANTE!
31.ª – ACRESCE QUE, MESMO QUE ISTO NÃO FOSSE ASSIM, COMO É, A APELADA QUE, NO FUNDO, PASSA A IDEIA DE QUE VERIA AUMENTAR O SEU RISCO SE VISSE AS GARANTIAS COBRIR AS RESPONSABILIDADES DA OUTRA CONSORCIADA, TAMBÉM AÍ NÃO TEM RAZÃO;
32.ª – NA VERDADE, QUEM OUTORGOU AS PROPOSTAS DE GARANTIA BANCÁRIA FORAM DOIS ADMINISTRADORES SENDO QUE UM DELES, SR. G…, É O ADMINISTRADOR, TAMBÉM DA CONSORCIADA “F…, S. A.”;
33.ª – COMO PARA EMITIR AS GARANTIAS A APELADA EXIGIU DAS PESSOAS DA ORDENANTE QUE SUBSCREVESSEM UMA LIVRANÇA A FAVOR DO BANCO, COMO CONTRAGARANTIA,
34.ª – ISSO SIGNIFICA QUE A APELADA FICOU, A TÍTULO DE CONTRAGARANTIA, COM A POSSIBILIDADE DE FAZER RESPONDER O PATRIMÓNIO DAQUELE SR. G…,
35.ª – CONTRAGARANTIA QUE SERIA A QUE FICARIA SE AS PROPOSTAS DE GARANTIA BANCÁRIA TAMBÉM FOSSEM SUBSCRITAS PELO MESMO SENHOR NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE LEGAL DA CONSORCIADA “F…, S. A.”;
36.ª – DAÍ QUE, SOB O PONTO DE VISTA DO RISCO DA OPERAÇÃO O BANCO APELADO EM NADA O VIU AGRAVADO PELA CIRCUNSTÂNCIA DE AS GARANTIAS COBRIREM AS RESPONSABILIDADES DO CONSÓRCIO OU DA OUTRA CONSORCIADA,
37.ª – SENDO CERTO QUE AS RESPONSABILIDADES DA OUTRA CONSORCIADA, PELO MECANISMO DA SOLIDARIEDADE PASSIVA, SÃO, TAMBÉM PRÓPRIAS DA ORDENANTE “E…, S. A.”;
38.ª – FINALMENTE, SEGUNDO A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COMO SE VIU, O ACIONAMENTO DAS GARANTIAS POR PARTE DA APELANTE CONFIGURA UM EXERCÍCIO ABUSIVO DO SEU DIREITO, POR CONTRARIEDADE AO FIM ECONÓMICO DESSE DIREITO;
39.ª – TODAVIA, APESAR DE RECONHECER O DIREITO DA APELANTE – PARA HAVER ABUSO DE DIREITO É IMPRESCINDÍVEL QUE EXISTA O DIREITO –, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NÃO INDICA, NEM DEU COMO PROVADO, FACTOS OU CIRCUNSTÂNCIAS IMPUTADOS À APELANTE QUE PUDESSEM CONDUZIR A SEMELHANTE CONCLUSÃO, SENDO OMISSA A TAL RESPEITO;
40.ª – PELO CONTRÁRIO, O QUE DECORRE DOS FACTOS APURADOS E DA SUA SIGNIFICÂNCIA É QUE A APELANTE EM TROCA DAS GARANTIAS ENTREGOU O DINHEIRO LEGALMENTE RETIDO À CHEFE DO CONSÓRCIO, A E…, QUE O RECEBEU E LHE DEU O DESTINO QUE ENTENDEU;
41.º - E, PELOS VISTOS, A SEGUIR-SE A ORIENTAÇÃO DA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, A FINAL, A APELANTE TERIA ERA DE FICAR SEM O DINHEIRO E SEM AS GARANTIAS, ENQUANTO A ORDENANTE SE LOCUPLETAVA À SUA CUSTA COM A APELADA A ”SACUDIR A ÁGUA DO CAPOTE”, PERDOE-SE O PLEBEÍSMO;
42.ª – DECIDINDO, COMO DECIDIU, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA VIOLOU, DESIGNADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 512.º E 334.º, DO CÓDIGO CIVIL, E 112.º, 113.º E 114.º, DO RJEOP APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 59/99, DE 2 DE MARÇO.
O R. veio apresentar contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 n.º 2 in fine:
- da (i)legitimidade do garante em recusar a entrega do valor titulado pelas garantias bancárias
III. Fundamentos de Facto
Não tendo sido impugnada a matéria de facto e não havendo lugar a qualquer alteração da mesma, de acordo com o disposto no art.º 663.º n.º 6 do C.P.C. remete-se para a decisão do tribunal de 1ª instância, que considerou assentes os seguintes factos, que se reproduzem, com interesse para a decisão da causa:
1) A Autora, concessionária de serviço público, foi constituída pelo Decreto-Lei nº 41/2010, de 29-04, mediante a fusão das sociedades “H…, S.A.”, “I…, S.A.” e “D…, S.A.”.
2) Os direitos e obrigações destas últimas sociedades, após a sua extinção por fusão, transmitiram-se para a Autora, com efeitos a partir de 4 de Junho de 2010.
3) A sociedade “D…, S.A.” tinha como objecto social exclusivo a exploração e gestão da Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do …., que lhe foi concessionada pelo Estado.
4) Incluía-se no seu objecto social a construção, extensão, reparação, renovação, manutenção e melhoria das obras e equipamentos necessários para o desenvolvimento do seu objecto social principal.
5) Neste último âmbito das suas competências, encontrava-se, entre outras, a da contratação da execução de determinadas obras públicas que permitissem o cumprimento do objecto da concessão.
6) Nessa qualidade de concessionária de serviço público, a sociedade “D…, S.A.” celebrou, em 11/03/2009, com as sociedades E…, S.A. e F…, S.A., associadas em consórcio, o contrato de empreitada corporizado no documento junto a fls. 56 a 69 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
7) Este contrato teve por objecto a execução, pelo adjudicatário (as duas sociedades atrás referidas, associadas em consórcio), da empreitada denominada “AR ....... – Empreitada de Execução do Interceptor de B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… e B10…”, no âmbito do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do ….
8) O preço total a pagar pelo Primeiro Outorgante (D…, S.A.) ao Adjudicatário, pela empreitada objecto do referido contrato, foi fixado em € 2.370.037,46, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
9) As partes contratantes fizeram consignar no contrato (cláusula 2ª) que lhe seriam aplicáveis as cláusulas do contrato e o estabelecido em todos os documentos que dele fazem parte integrante e, ainda, o DL nº 55/99, de 02-03 (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, que à data vigorava).
10) De acordo com o nº 5 da cláusula 9ª do contrato, “em todo e qualquer pagamento efectuado ao ADJUDICATÁRIO, por força deste CONTRATO, será deduzida a importância equivalente a 5% para garantia do contrato, em reforço da caução” (nos termos do nº 1 da mesma cláusula, o Adjudicatário já havia prestado duas cauções para garantia do exacto e pontual cumprimento das obrigações assumidas no contrato).
11) Contudo, o empreiteiro/adjudicatário podia substituir tais deduções nos pagamentos mediante a prestação de caução de montante equivalente (nomeadamente, através de garantia bancária).
12) Assim, no decurso da execução dos trabalhos e a fim de substituir as retenções que a Dona da Obra fazia nos pagamentos ao Adjudicatário, para reforço da caução, foram prestadas a favor da Autora, pelo banco Réu, as seguintes garantias bancárias:
A) GARANTIA BANCÁRIA Nº …-..-……. (de 08/06/2009): “O Banco C…, S.A., (…) presta a favor da D…, S.A., garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de EUR 30.000,00 (Trinta Mil Euros), correspondente a
5%, excluindo o IVA, destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que E…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a D…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a "AR ....... – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCEPTOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… E B10…", regulado nos termos da legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março). O Banco obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação da D…, S.A. sem que esta tenha de justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que E…, S.A., assume com a celebração do respectivo contrato. O Banco deve pagar aquela quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que o pagamento seja realizado, contar-se-ão juros moratórios à taxa mais elevada praticada pelo Banco para as operações activas, sem prejuízo de execução imediata da divida assumida por este. A presente garantia bancária autónoma não pode em qualquer circunstância ser denunciada, mantendo-se em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº59/99, de 2 de Março).
B) GARANTIA BANCÁRIA Nº …-..-……. (de 15/01/2010): “O Banco C…, S.A., (…) presta a favor da D…, S.A., garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de EUR 29.250,94 (Vinte e Nove Mil Duzentos e Cinquenta Euros e Noventa e Quatro Cêntimos), correspondente a 5% de Décimos na Empreitada abaixo mencionada, excluindo o IVA, destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que E…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a D…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a "AR ....... – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCEPTOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… E B10…", regulado nos termos da legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março). O Banco obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação da D…, S.A. sem que esta tenha de justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que E…, S.A., assume com a celebração do respectivo contrato. O Banco deve pagar aquela quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que o pagamento seja realizado, contar-se-ão juros moratórios à taxa mais elevada praticada pelo Banco para as operações activas, sem prejuízo de execução imediata da divida assumida por este. A presente garantia bancária autónoma não pode em qualquer circunstância ser denunciada, mantendo-se em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março).
C) GARANTIA BANCÁRIA Nº …-..-……. (de 21/07/2010): “O Banco C…, S.A., (…) presta a favor da B…, S.A., garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de EUR 30.000,00 (trinta Mil Euros), correspondente a 5% de Décimos na Empreitada abaixo mencionada, excluindo o IVA, destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que E…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a B…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a Empreitada "AR ....... – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCEPTOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… E B10…", regulado nos termos da legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março). O Banco obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação da B…, S.A. sem que esta tenha de justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que E…, S.A., assume com a celebração do respectivo contrato. O Banco deve pagar aquela quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que o pagamento seja realizado, contar-se-ão juros moratórios à taxa mais elevada praticada pelo Banco para as operações activas, sem prejuízo de execução imediata da divida assumida por este. A presente garantia bancária autónoma não pode em qualquer circunstância ser denunciada, mantendo-se em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº59/99, de 2 de Março).
13) A emissão da garantia atrás identificada sob a alínea A) (garantia bancária nº …-..-……., de 08/06/2009) foi solicitada ao Réu pela sociedade E…, S.A., nos termos que constam do documento junto a fls. 155 a 157 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
14) A emissão da garantia atrás identificada sob a alínea B) (garantia bancária nº …-..-……., de 15/01/2010) foi solicitada ao Réu pela sociedade E…, S.A., nos termos que constam do documento junto a fls. 158 a 161 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
15) A emissão da garantia atrás identificada sob a alínea C) (garantia bancária nº …-..-……., de 21/07/2010) foi solicitada ao Réu pela sociedade E…, S.A., nos termos que constam do documento junto a fls. 162 a 165 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
16) As sociedades E…, S.A. e F…, S.A. celebraram, em 10/03/2009, o “Contrato de Consórcio” corporizado no documento junto a fls. 28 a 33 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
17) As partes contratantes fixaram como objecto do contrato “definir as contribuições, as atribuições, as relações, as responsabilidades e os meios das consorciadas, durante a execução da empreitada de AR ....... – EXECUÇÃO DO INTERCEPTOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… E B10…” (cláusula 3ª).
18) De acordo com a cláusula 6ª do contrato, a chefia do consórcio seria exercida pela E…, S.A..
19) De acordo com as cláusulas 9ª e 10º do contrato, a contribuição da consorciada E…, S.A. é de 75% e da consorciada F…, S.A. de 25%, obrigando-se cada uma delas a executar os trabalhos correspondentes á sua contribuição.
20) A cláusula 13ª do contrato trata da “Responsabilidade”, nos seguintes termos:
1 - Das Consorciadas perante o Dono da Obra:
a) Qualquer das Consorciadas é responsável pelo integral cumprimento do contrato
celebrado por ambas com o Dono da Obra. No caso do Dono da Obra aplicar multas por atraso na execução, estabelece-se o seguinte regime:
- As multas serão pagas pela Consorciada faltosa;
- Se não for possível determinar atempadamente a faltosa ou a medida de repartição da falta, as multas serão pagas pelas Consorciadas na percentagem das suas contribuições de acordo com a cláusula 9ª até que o Conselho de Administração, Orientação e Fiscalização ou o Tribunal Arbitral decidam o diferendo.
2 - Das Consorciadas entre si:
a) Cada consorciada é responsável pelos atrasos ou imperfeições que se cometerem durante a execução da obra e obriga-se a recuperá-los ou a repará-los por si ou expensas suas;
b) Nenhuma Consorciada durante a execução da obra, pode assumir obrigações perante o Dono da Obra, sem acordo da outra;
c) Durante a execução da obra, cada Consorciada é responsável perante a outra por todos os prejuízos que causar por si ou pelos seus representantes, trabalhadores ou fornecedores, à outra associada, seus representantes, trabalhadores, fornecedores ou às suas prestações;
3 - Das Consorciadas perante terceiros:
Cada Consorciada suportará toda a responsabilidade pelos prejuízos que a qualquer título causar a terceiros durante a execução da sua prestação.
21) A cláusula 15º do contrato estabelece que “são receitas do Consórcio fundamentalmente os pagamentos efectuados pelo Dono da Obra” (nº 1) e que “a totalidade das receitas do Consórcio é distribuída pelas Consorciadas, de acordo com os trabalhos efectivamente pagos” (nº 2).
22) A Autora remeteu ao Réu, que a recebeu, a carta, datada de 24/01/2012, que constitui o documento junto a fls. 40 e 41 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), pela qual solicitou o pagamento imediato das quantias tituladas pelas três garantias bancárias acima identificadas.
23) Em anexo a esta carta, a Autora enviou diversos documentos, entre eles as cinco facturas que constituem os documentos juntos a fls. 87 a 91 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), todas emitidas pela Autora e dirigidas à sociedade F…, S.A., datadas, respectivamente, de 15/11/2011, 15/11/2011, 15/11/2011, 22/11/2011 e 22/11/2011.
24) Em resposta à referida carta, o Réu remeteu à Autora, que a recebeu, a carta, datada de 16/02/2012, que constitui o documento junto a fl. 42 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), pela qual declarou ter dúvidas quanto à legitimidade dos pedidos formulados (por não serem fundados em dívidas da responsabilidade da sua cliente – E…, S.A. –, mas de uma terceira sociedade) e ficar a aguardar esclarecimentos da Autora sobre o fundamento do pedido de pagamento.
25) Em resposta à carta do Réu, a Autora remeteu ao Réu, que a recebeu, a carta, datada de 01/03/2012, que constitui o documento junto a fls. 44 e 45 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), pela qual reiterou a solicitação de pagamento imediato das quantias tituladas pelas três garantias bancárias acima identificadas.
26) E em resposta à carta da Autora, o Réu remeteu à Autora, que a recebeu, a carta, datada de 20/03/2012, que constitui o documento junto a fl. 46 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), pela qual manteve o que já afirmado na carta de 16/02/2012.
27) Por sentença proferida, em 05/07/2011 (com trânsito em julgado em 22/08/2011), no âmbito do Processo nº 509/11.0TYVNG, do 3º Juízo Cível do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, a sociedade E…, S.A. foi declarada insolvente, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
28) A autora B…, S.A. não reclamou qualquer crédito no mencionado processo de insolvência.
29) Em obediência à cláusula 9ª, nº 1, do “Contrato de Empreitada”, foram prestadas a favor da sociedade D…, S.A. as seguintes garantias bancárias (cujo teor consta dos documentos juntos a fls. 131 e 132 dos autos e é aqui dado como reproduzido):
- Garantia Bancária n.º …….., emitida pelo BANCO J…, S.A., em
15 de Janeiro de 2009, no valor de € 59.250,94, “destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que a firma F…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a D…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a “AR ...... – Empreitada de Execução do Interceptor de B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… e B10…””;
- Garantia Bancária n.º …….., emitida pelo BANCO J…, S.A., em
30 de Dezembro de 2008, no valor de € 59.250,94, “destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que a firma E…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a D…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a “AR ....... – Empreitada de Execução do Interceptor de B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… e B10…””.
IV. Razões de Direito
- da (i)legitimidade do garante em recusar a entrega do valor titulado pelas garantias bancárias
Decidiu a sentença recorrida não haver fundamento para o accionamento das garantias bancárias em questão por parte da A., com o que a mesma não se conforma, por entender que o banco R. está obrigado a pagar-lhe, enquanto beneficiária das mesmas, os valores que são objecto das garantias constituídas.
Considera a A. que as garantias assumidas pelo R. foram para garantia do cumprimento do contrato de empreitada celebrado com as sociedades E…, S.A. e F…, S.A., não podendo por isso a R. deixar de pagar os valores garantidos, quando interpelada pela beneficiária para o efeito. Já o R. alega que as garantias visavam apenas cobrir as responsabilidades da sociedade E…, S.A. individualmente considerada e não as de qualquer consórcio, delas estando excluídas as obrigações da sociedade F…, S.A.
Não oferece dúvidas às partes, nem ofereceu ao tribunal a quo, em face dos factos que resultaram provados, que estamos perante contratos de garantia bancária autónoma, que foram celebrados entre a Sociedade E…, S.A. e o Banco R. e de que é beneficiária a A., importando delimitar o âmbito e objecto de tais contratos, no que se centra o litígio.
A propósito deste tipo contratual, dizem-nos Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in. Garantias Especiais das Obrigações, pág. 121, que a garantia autónoma surge como necessidade, resultante das relações comerciais internacionais, porque a entidade garantida não queria ficar dependente das regras específicas de cada país sobre a fiança, a par da exigência de garantias mais sólidas por parte dos parceiros negociais. Surge assim uma figura nova e autónoma da fiança, associada às práticas comerciais, que se traduz num negócio jurídico atípico, produto da liberdade contratual e da autonomia privada, mais eficaz e célere que a fiança.
Sem regulamentação própria na nossa ordem jurídica, este contrato é considerado quer ao nível da doutrina, quer da jurisprudência.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2014, proferido no proc. n.º 526/12.3TBPVZ-A.P1.S1, in. www.dgsi.pt qualifica o contrato de garantia autónoma como: “um negócio atípico, inominado, que o princípio da liberdade contratual – art. 405º do Código Civil – admite, porque não violador das normas abertas dos art. 280º e 294º do Código Civil.”
Por seu turno, ensina-nos Galvão Telles, in. revista “O Direito”, ano 120, pág. 275 que: “A garantia autónoma é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.”
A obrigação do garante funda-se exclusivamente no contrato de garantia que celebra, assumindo com o mesmo uma obrigação própria perante o beneficiário, pelo que não pode invocar qualquer questão subjacente ao negócio base, o que revela a característica de autonomia deste contrato.
De entre as garantias autónomas, surge com especificidade a chamada garantia on first demand que se traduz numa promessa de pagamento à primeira solicitação, ou seja, o garante, quando interpelado pelo credor beneficiário terá de pagar a quantia garantida sem discussão e sem que possa suscitar qualquer excepção. Diz-se por isso que, além de autónoma, em relação ao negócio base, esta garantia é automática. Esta garantia pode ainda ser com ou sem justificação documental, consoante as partes acordem que o credor tenha de justificar documentalmente o pedido ao garante, ou prescindam de tal justificação; tal não se confunde porém com a permissão de qualquer avaliação sobre o incumprimento contratual do negócio base.
A questão está então em saber se na garantia bancária à primeira solicitação, há alguma circunstância que possa legitimar a recusa da prestação por parte do garante, quando é interpelado para cumprir por parte do beneficiário.
A respeito da recusa do cumprimento, dizem-nos Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, pág. 140, op.cit.: “A recusa do cumprimento será, contudo, lícita, sempre que o garante possa opor ao credor beneficiário, que reclama o pagamento da garantia, excepções ao cumprimento. O garante poderá opor ao beneficiário as excepções que resultem directamente do contrato de garantia. (…) Para além das excepções derivadas do próprio contrato de garantia (…) terá de se aceitar a existência de um limite, cuja violação implicaria um desrespeito de princípios basilares da ordem jurídica portuguesa.”
Importa pois distinguir as excepções que se referem ao próprio contrato de garantia, daquelas que respeitam ao negócio base. Como qualquer outro contrato, também a garantia bancária tem pressupostos que, não estando preenchidos, obstam à sua execução, daí que quanto às excepções que se referem ao próprio contrato de garantia não haja qualquer limitação imposta às partes em invocá-las. Estão em causa, por exemplo, situações como a validade do contrato de garantia ou a caducidade da obrigação. A limitação põe-se relativamente à faculdade do garante suscitar excepções contratuais relativamente ao negócio base, no qual não é parte - estas excepções não podem ser invocadas pelo garante quando é interpelado para cumprir, atenta a característica da autonomia inerente ao contrato de garantia, relativamente ao negócio subjacente.
A excepção a esta regra, verificar-se-á apenas se estiverem em causa princípios fundamentais da nossa ordem jurídica. Tem vindo a ser comumente aceite, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que estão nesta circunstância situações de fraude à lei ou de manifesto abuso de direito, que constituem um limite à autonomia das garantias autónomas. A este propósito, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2010, in. www.dgsi.pt, o excerto que se transcreve: “Também se tem por incontroverso que a autonomia da garantia se não sobrepõe à eventualidade de má fé ou abuso de direito (fraude, como refere a recorrente) por parte do beneficiário da garantia (…) É claro que esta fraude – que, em direito positivo português, se reconduz à figura do abuso de direito, previsto e sancionado no artigo 334º do Código Civil –, aceite como meio de defesa do garante, é a que “resulta da ausência de direito do beneficiário tendo em conta o contrato base” (a expressão é de Mónica Jardim, op. cit., pág. 301), seja, por exemplo, porque este foi declarado inválido por sentença com trânsito em julgado, seja porque o garante dispõe de prova líquida de que o incumprimento alegado não se verificou. E que, repete-se, tem de ser evidente, clamorosa e manifesta (citado artigo 334º), de tal forma que ignorá-la, em nome da autonomia da garantia, ofenderia princípios fundamentais da ordem jurídica.”
Tendo por base estes ensinamentos, importa agora reportarmo-nos à situação concreta.
No caso, não há dúvida de que o negócio base que esteve na origem da prestação das garantias bancárias, foi o contrato de empreitada celebrado em 11/03/2009, entre a D…, S.A. e as sociedades E…, S.A. e F…, S.A., associadas em consórcio. Tal contrato teve por objecto a execução, pelo adjudicatário- as duas sociedades atrás referidas, associadas em consórcio- da empreitada denominada “AR ....... – Empreitada de Execução do Interceptor de B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… e B10…”, no âmbito do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do …, sendo identificado no texto das garantias.
As partes contratantes fizeram consignar, na cláusula 2ª do contrato de empreitada, que lhe seriam aplicáveis as cláusulas do contrato e o estabelecido em todos os documentos que dele fazem parte integrante e, ainda, o DL nº 55/99, de 02-03 (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, que à data vigorava). Mais foi acordado na cláusula 9ª n.º 5 do contrato, “em todo e qualquer pagamento efectuado ao ADJUDICATÁRIO, por força deste CONTRATO, será deduzida a importância equivalente a 5% para garantia do contrato, em reforço da caução”, podendo o empreiteiro/adjudicatário substituir tais deduções nos pagamentos mediante a prestação de caução de montante equivalente, nomeadamente, através de garantia bancária. Foi no seguimento do aqui estipulado e a fim de substituir as retenções que a Dona da Obra fazia nos pagamentos ao Adjudicatário, para reforço da caução, que foram prestadas a favor da A., pelo banco R. as garantias bancárias em questão.
De acordo com o art.º 1.º do Decreto Lei n.º 231/81 de 28 de Julho, o contrato de consórcio é aquele “pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectivos previstos no artigo seguinte.”
A concertação da actividade a que as partes se obrigam, determina, naturalmente, uma colaboração entre elas, mas a actividade de cada uma é exercida de forma individual. O consórcio não tem personalidade jurídica, nem autonomia patrimonial, excluindo o art.º 20º n.º 1 do diploma mencionado a constituição de fundos comuns, embora os membros do consórcio possam acordar na repartição dos lucros e perdas gerados pela actividade- art.º 4.º n.º 1, 16.º e 17.º. A falta de personalidade jurídica e de autonomia patrimonial do consórcio determina que o consórcio não pode ser titular de direitos e de obrigações, pertencendo estes aos consortes.
De considerar ainda, o que dispõe o art.º 19.º n.º 1 e n.º 3 do Decreto Lei referido, no sentido de afastar qualquer presunção de solidariedade activa ou passiva entre os consortes, determinando que eventuais obrigações indemnizatórias fundadas em responsabilidade civil apenas afectam o consorte responsável. Contudo, as partes têm liberdade para estabelecer um regime de responsabilidade solidária, dispondo apenas a lei que a mesma não se presume. No caso em presença, foi isso que as partes fizeram quando, na cláusula 13ª n.º 1 do contrato, a propósito da responsabilidade das Consorciadas para com o dono da obra, acordam que “qualquer das Consorciadas é responsável pelo integral cumprimento do contrato celebrado com o Dono da Obra.”
Em face deste acordo, qualquer uma das duas sociedades consortes assumiu-se como responsável pelo integral cumprimento do contrato de empreitada celebrado, tendo sido contratualmente estabelecido o regime de solidariedade das obrigações.
Conforme o disposto na cláusula 9ª n.º 5 do contrato de empreitada, verifica-se que, para a Dona da Obra beneficiária das garantias bancárias, estas deveriam ter por objecto o montante da caução correspondente à percentagem de 5% dos pagamentos não retidos, visando a garantia do integral cumprimento do contrato de empreitada, pelo qual ambas as sociedades consortes se responsabilizaram solidariamente. Como se referiu é este contrato de empreitada que está na base das garantias contratadas com o Banco R.
A questão está em saber se foi isso que foi proposto e contratado entre a sociedade E…, S.A. e o Banco R., de forma a verificar-se se a interpelação para pagamento, da beneficiária ao Banco, encontra cobertura nas garantias contratadas, o que o Banco recusa. Para isso torna-se essencial perceber o que foi acordado, no sentido de determinar a vinculação do Banco R. com as garantias em causa. Por outras palavras, importa saber o âmbito das responsabilidades assumidas pelo garante nos contrato celebrados.
Em caso de dúvida, há que proceder à interpretação da declaração negocial.
Temos então de nos socorrer das regras de interpretação e integração dos negócios jurídicos, que constam dos art.º 236.º a 238.º do C.Civil, no sentido de melhor avaliar os contratos de garantia celebrados e corporizados nos documentos juntos aos autos.
A propósito do sentido normal da declaração dispõe o art.º 236.º do C.Civil:
“1- A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2- Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
O acordo firmado entre as partes foi contemplado e expresso nos documentos que constituem as garantias bancárias de 08/06/2009, 15/01/210 e 21/07/2010, juntos aos autos a fls. 155 a 165 e cujo teor consta do ponto 12 dos factos provados.
Atentas as características deste contrato, que fundado na liberdade contratual permite às partes integrarem nos mesmos as cláusulas que considerem relevantes, desde que não contrárias a normas legais imperativas, já se vê que o texto da garantia é essencial para que se possa determinar a forma e a medida em que as partes se obrigam.
Tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2010, no Proc. 458/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt : “… cumpre ter presente que, não obstante não se tratar de um negócio formal, a interpretação literal reveste-se de particular relevância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, máxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação.
O contrato de garantia bancária há-de reger-se, em primeira linha, pelas estipulações acordadas pelas partes, ponderando as condições que constam do próprio documento escrito que o formaliza.
Ensinam-nos Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, pág. 153, em anotação ao artº 238.º, que: “não há sentido possível que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser relativamente a matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (nº 2).
Avaliando o teor dos textos que titulam as três garantias bancárias, deles consta: “O Banco C…, S.A., (…) presta a favor da D…, S.A., garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de EUR (…), correspondente a 5%, excluindo o IVA, destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que E…, S.A. (…) assumirá no contrato que com ela a D…, S.A. vai outorgar e que tem por objecto a "AR ....... – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCEPTOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B11…, B8…, B9… e B10…", regulado nos termos da legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março). O Banco obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação da D…, S.A. sem que esta tenha de justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que E…, S.A., assume com a celebração do respectivo contrato. O Banco deve pagar aquela quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que o pagamento seja realizado, contar-se-ão juros moratórios à taxa mais elevada praticada pelo Banco para as operações activas, sem prejuízo de execução imediata da divida assumida por este. A presente garantia bancária autónoma não pode em qualquer circunstância ser denunciada, mantendo-se em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março).
Se olharmos para os documentos que titulam as garantias bancárias em questão, deles decorre que o Banco R. assume a garantia pelo cumprimento das obrigações que para a sociedade E…, S.A. decorrem do contrato de empreitada celebrado - destinando-se a garantir o bom cumprimento das obrigações que a E… assumiu naquele contrato. Estas obrigações, não oferece dúvidas, implicam uma responsabilização não só pelo cumprimento da prestação que lhe cabe realizar enquanto consorte, mas pelo bom cumprimento do contrato de empreitada no seu todo, em face da solidariedade acordada.
No texto das garantias é identificado o contrato de empreitada de obra pública, fazendo-se menção expressa ao Decreto Lei 55/99 de 2 de Março (RJEOP); o risco de cobertura aí explicitado é o bom e integral cumprimento das obrigações que a sociedade E…, S.A. assumirá em tal contrato. Por seu turno, a cláusula de pagamento automático, tal como refere a sentença recorrida, surge bem evidenciada no texto da garantia- o Banco obriga-se a pagar a quantia à primeira solicitação sem que tenha de ser justificado o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada ou com o cumprimento das obrigações que a E…, S.A. assume com a celebração do respectivo contrato.
Não pode assim acompanhar-se o entendimento sufragado pelo tribunal a quo, no sentido de que de tal texto decorre, que apenas está garantida a obrigação da sociedade E…, S.A. pelo cumprimento da prestação de actividade a que se obrigou, no âmbito do contrato de empreitada, individualmente considerada – a letra dos contratos de garantia não permite uma tal limitação, nem foi apenas a isso que a sociedade E…, S.A. se obrigou naquele contrato de empreitada, na medida em que assumiu a obrigação pelo bom cumprimento do contrato no seu todo. É certo que, no texto da garantia não é feita alusão ao consórcio empreiteiro, de qualquer modo, a responsabilidade da Sociedade E…, S.A. assumida no âmbito do contrato de empreitada celebrado e ali identificado, é pelo bom cumprimento do contrato de forma globalmente considerado, atenta a responsabilidade solidária assumida pelos dois consortes. Não evidencia o texto das garantias que a obrigação garantida está limitada às responsabilidades emergentes do incumprimento da prestação da sociedade E…, S.A. no contrato de empreitada, antes dele consta a garantia das obrigações assumidas por esta sociedade no contrato de empreitada identificado.
A responsabilidade desta sociedade individualmente considerada, que está em causa, é pelo bom cumprimento do contrato de empreitada no qual é parte. Embora dos documentos que titulam os contratos de garantia em questão não resulte directamente a existência de um consórcio empreiteiro, a verdade é que deles decorre expressamente, por um lado, que o risco assumido pelo Banco R. foi o das obrigações que para a sociedade E…, S.A. resultam do contrato de empreitada celebrado e, por outro lado, que as mesmas têm como medida 5% do valor devido, para garantir o bom cumprimento do contrato. Não se estranha também o facto de ter sido esta sociedade que propôs e contratou a emissão das garantias, já que esta era a chefe do consórcio externo constituído pelas duas empresas e o consórcio não dispõe de personalidade jurídica, não podendo por isso contratar directamente.
Por outro lado, o Banco podia e devia, numa situação de declaratário normal, contar com tal sentido da declaração, na medida em que sabia que as garantias lhe estavam a ser pedidas por uma sociedade empreiteira que, por força do contrato de empreitada celebrado estava obrigada a prestar garantia a favor da dono da obra, dando a possibilidade à mesma de accionar o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, pelo incumprimento das obrigações assumidas por aquela sociedade no contrato celebrado, contrato esse que foi devidamente identificado, não se tendo apurado se foi ou não entregue cópia do mesmo ao garante.
Refira-se ainda que não pode falar-se em agravamento do risco por parte do Banco. Isso não se verifica, uma vez que o que a garantia visou foi as responsabilidades assumidas pela sociedade E…, S.A. no contrato celebrado e estas foram as do bom cumprimento do contrato, no seu todo, por força do acordado regime da responsabilidade solidária, sendo certo que era para esse fim que a quantia de 5% do valor podia ser retida e substituída por caução ou garantia bancária. Tratava-se, como ficou provado de um consórcio externo de responsabilidade solidária passiva.
Não pode dizer-se que, ao accionar a garantia, a beneficiário está a pedir mais do que o cumprimento das obrigações da sociedade E… individualmente considerada, já que, como se viu, esta se obrigou com o bom cumprimento do contrato de empreitada.
Quanto à questão de terem sido remetidas ao banco facturas, relativas ao incumprimento do contrato, emitidas em nome da outra sociedade consorte, tal não pode assumir qualquer significado, face aos termos das garantias contratadas e à sua autonomia face ao negócio base. Por um lado, não foi acordado que a beneficiário tivesse de justificar documentalmente, ou de outra forma, o incumprimento do contrato de empreitada, tratando-se como se viu de uma garantia bancária à primeira solicitação que não permite que sejam invocadas excepções que se prendem com o incumprimento do contrato base; por outro lado, o facto de ter sido a outra consorte a incumprir a sua prestação, não significa que a E… não tenha incumprido também, já que assumiu contratualmente a obrigação pelo bom cumprimento do contrato de empreitada no seu todo.
A interpretação de que as garantias prestadas abrangem só a responsabilidade da sociedade E…, S.A. pelo incumprimento da sua prestação no contrato de empreitada e não as obrigações que para si decorrem do incumprimento do contrato, não tem correspondência no texto dos documentos que constituem as garantias bancárias, de onde não resulta qualquer limitação à responsabilidade daquela - antes ali se refere expressamente as obrigações que para aquela decorrem do incumprimento do contrato de empreitada, pelo qual a mesma é responsável, independentemente do facto de tal responsabilidade poder ter origem no regime de solidariedade acordado. Além do mais, já se vê que outra garantia não serviria à dona da obra, já que a sua correspondência é feita com a percentagem do valor da empreitada que o mesmo tem de reter, para assegurar o bom cumprimento do contrato, como é aliás obrigação legal.
Como nos diz Galvão Teles, pág. 275, op.cit.: “A garantia não poderá ser invocada pelo beneficiário senão em conformidade com os seus próprios termos. O banco só tem de pagar o que consta do título de garantia e em harmonia com o teor respectivo. Mas, desde que o beneficiário respeite esse teor e reclame o que à face do título de garantia é devido, o banco não tem outro remédio senão pagar: deve pagar ao primeiro pedido, imediatamente, sem discussão”.
Tudo aponta, de forma decisiva, para o facto de que as partes, ao contratarem as garantias bancárias autónomas, visaram com as mesmas assegurar todas as obrigações da sociedade E…, S.A., decorrentes do contrato de empreitada celebrado, o que consta do texto das garantias. Não obstante o incumprimento do contrato possa ter sido determinado, num primeiro momento, pela outra sociedade consorte, num segundo momento é também imputável à E…, S.A., sendo esta também por ele responsável, em face da responsabilidade solidária passiva contratada. A interpelação da A. à R. para cumprir encontra fundamento no próprio texto das garantias, respeitando o seu teor.
Já as questões relativas ao incumprimento do contrato de empreitada, constituem excepções quanto ao negócio que esteve subjacente à contratação das garantias bancárias, que o garante não pode suscitar quando accionado pelo beneficiário para cumprir, como se viu a propósito do regime deste contrato. Não podemos esquecer que a função deste contrato de garantia autónoma é precisamente a de possibilitar uma satisfação célere e sem controvérsia do interesse do beneficiário.
Não se adere por isso ao considerado pela sentença recorrida, no sentido de que a interpelação da A., enquanto beneficiária das garantias, não tem cabimento no crédito das mesmas, carecendo de fundamento material, ainda mais de forma evidente, consubstanciando um exercício abusivo do seu direito, nos termos do art.º 334.º C.Civil, que legitima a recusa do Banco em efectuar o pagamento.
Conclui-se, pelo exposto, que estando em causa garantias bancárias constituídas sem prazo e à primeira solicitação, não podia o Banco recusar-se a pagar os montantes garantidos, designadamente pelos motivos que, patentemente, se referem à execução ou incumprimento do contrato de empreitada que esteve na base da sua emissão.
Importa ainda saber se o Banco está desobrigado do cumprimento das garantias, por impossibilidade de sub-rogação, o que o mesmo suscita na contestação apresentada e reitera, a título subsidiário, nas contra-alegações de recurso que apresenta.
Alega o R. que sempre a acção teria que ser julgada improcedente, atento o disposto no art.º 653.º do C.Civil, pelo facto da ordenadora das garantias ter sido declarada insolvente e a A. não ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência, ficando assim o R. impedido de se subrogar no seu crédito e assim recuperar o seu valor, tendo havido uma inércia por parte da A. que desobriga o R. do pagamento.
O art.º 653.º do C.Civil com a epígrafe “liberação por impossibilidade de sub-rogação” vem previsto no Código Civil na subsecção relativa à extinção da fiança, dispondo que: “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.”
Vejamos, em primeiro lugar, da aplicabilidade desta norma especial, prevista expressamente para o contrato de fiança, aos contratos de garantia bancária autónoma.
Conforme se referiu, o contrato de garantia autónoma não é objecto de regulamentação legal. Temos assim de nos socorrer, naquilo em que a vontade das partes não foi expressa, das normas gerais dos negócios jurídicos e dos contratos em geral, previstas no código civil, podendo ainda ser consideradas as normas que regulamentam contrato típicos semelhantes, desde que vão encontro das características do próprio contrato.
A este propósito, dizem-nos Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, pág. 136, op.cit. que: “Tendo em conta a similitude já indicada com a fiança, justifica-se a aplicação das regras estabelecidas em sede deste instituto em tudo o que não colida com a autonomia que caracteriza a garantia bancária.
A garantia autónoma individualizou-se relativamente à fiança, com regras próprias que decorrem da autonomia da obrigação assumida pelo garante, que é uma obrigação própria, independente do negócio base que está na sua origem, precisamente por força da sua função no âmbito das relações comerciais – constituir uma garantia eficaz e célere. Se como semelhança entre as duas figuras encontramos, não só a sua natureza contratual, mas também a sua função de garantia, com referência a um outro negócio, já a principal distinção entre elas reside no caracter acessório da fiança, face à relação principal, em contraponto com a autonomia da garantia bancária em relação ao negócio base, que impede o garante de invocar excepções que se prendem com a obrigação garantida.
Não oferece dúvidas de que, com o pagamento, se extingue a obrigação do devedor garantido para com o credor, nos termos do art.º 767.º do C.Civil, ficando o garante sub-rogado nos direitos do credor beneficiário, de acordo com o disposto no art.º 592.º do C.Civil.
Tal não significa, porém, que se apliquem ao contrato de garantia bancária as normas relativas à extinção da fiança, designadamente a norma especial que constitui o art.º 653.º do C.Civil, que prevê a extinção da fiança quando houver impossibilidade de sub-rogação por facto do credor.
Aliás, os tribunais têm vindo a entender que tal norma não é susceptível de aplicação analógica ao contrato de garantia bancária, com fundamento precisamente no facto de, contrariamente à fiança, a garantia bancária não ter natureza acessória relativamente à obrigação garantida- neste sentido, pronunciaram-se já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/1993, in. BMJ 423- 483 e também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/03/2006, in. www.dgsi.pt quanto à impossibilidade de aplicação analógica de tal norma aos contratos de garantia bancária autónoma.
Enquanto, no contrato de fiança, a obrigação do fiador é uma obrigação acessória da obrigação garantida- art.º 627.º n.º 2 do C.Civil, mediante a qual o fiador assume o cumprimento de uma obrigação alheia; no caso da garantia bancária, o garante assume uma obrigação própria, autónoma, de proceder à entrega de uma determinada quantia quando interpelado para o efeito, com um objecto diferente daquele que resulta do negócio base, o qual não pode sequer discutir com o beneficiário.
Considera-se por isso que, embora as partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual, pudessem ter previsto no contrato de garantia bancária a possibilidade da extinção da mesma com o fundamento previsto no art.º 653.º do C.Civil, desonerando o banco garante da sua obrigação, quando por facto do credor não pudesse ficar sub-rogado nos direitos que a este competem, não o tendo feito não há lugar à aplicabilidade de tal norma, por não poder dizer-se que há uma omissão de regulamentação do contrato a este respeito, nem razões justificativas do recurso à mesma, atenta a sua especialidade.
Pelo que fica exposto, já se vê que não pode concluir-se pela liberação do garante por extinção das garantias, pelo que o pedido formulado pela A. quanto à condenação do Banco R. a efectuar o pagamento dos valores titulados pelas garantias bancárias em questão, num total de € 89.250,94, tem de proceder.
Verificando-se o incumprimento do Banco R. o mesmo está obrigado a indemnizar a A. pelos prejuízos causados, nos termos do disposto no art.º 804.º e 805.º n.º 1 e 806.º do C.Civil, que no caso correspondem aos juros de mora sobre o capital em dívida, a contabilizar desde a data da interpelação, até integral pagamento.
A A. contabiliza os juros que peticiona à taxa de 16%, com fundamento no facto de ser a taxa praticada pelo Banco R. nas suas operações activas, à data da interpelação. Não tem, no entanto, suporte legal a aplicação de tal taxa de juro, apenas pelo facto de ser a taxa praticada pelo Banco. A taxa de juro devida é a taxa legal estabelecida para os créditos de que são titulares empresas comercias, nos termos do art.º 102.º do C.Comercial.
Por tudo o que fica exposto, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por outra que condena o R. a pagar à A. a quantia de € 89.250,94 que corresponde ao montante titulado pelas garantias bancárias, acrescido de juros de mora à taxa de juro comercial, desde 24/01/2012, até integral pagamento.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela A., revogando-se a decisão recorrida e condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 89.250,94 (oitenta e nove mil duzentos e cinquenta euros e noventa e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa de juro comercial, desde 24/01/2012, até integral pagamento.
Custas pelo Recorrido.
Notifique.
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Porto, 21 de Janeiro de 2016
Inês Moura
Teles de Menezes
Mário Fernandes