Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
43/20.8T8MLD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP2022040543/20.8T8MLD.P1
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE/DECISÃO REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - À luz da atual redação do n.º 5 do art.º 281.º do CP Civil, deve entender-se que apenas se deve declarar extinta a instância, com fundamento na deserção, no caso de se mostrarem preenchidos os seguintes requisitos, cumulativos: paragem do processo por falta de impulso processual das partes; duração superior a seis meses e a circunstância da paragem ser imputável às partes a título de negligência.
II - A apreciação da negligência ou do grau de diligência revelado pela parte, deve ser feita em face dos dados conferidos pelo processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 43/20.8T8MLD.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo de Competência Genérica da Mealhada


SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA e mulher BB, residentes em na ... – 3960 ... - Suiça, e domicilio em Portugal, na Rua ... - Quinta..., da freguesia ... da Mealhada e Comarca de Aveiro: intentaram ação declarativa de condenação com processo comum contra CC, divorciada, residente no ..., ... e HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DD, NIF ..., e ainda, EE, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, com residência na Residencial ... – Lar ... –Rua .../... – ... ..., da freguesia ... da Mealhada, pedindo que ser declarada pelo tribunal a existência das doações que identificam, posteriores à partilha efetuada pelo casal doador EE e DD, à ré CC, como aliás, esta já o confessara, e condená-la a reconhecer que a herança do casal, é credora do montante de €37.669,00 (trinta e sete mil seiscentos e sessenta e nove euros) ou outra quantia que seja mais justa, e condenar a mesma também a reconhecer que recebeu tal importância, e nos termos do Art.476º do C.P.C.
Contestou a Ré CC, pugnando pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.
Em 7-09-2020, por acompanhamento dos autos de Inventário 404/12.6TBMLD, o tribunal constatou que a co-Ré EE, também demandada na qualidade de cabeça de casal da Ré Herança aberta por óbito de DD falecera a 02 de março de 2020.
Em consequência, determinou de imediato que: “Por força do preceituado no artigo 269º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil declara-se suspensa a presente instância.
Notifique.”
Após ter dado oportunidade ás partes para se pronunciarem sobre a eventual deserção da instância, por os Autores não terem promovido nos autos a habilitação de herdeiros da falecida Ré, de modo a fazer cessar a suspensão, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, vieram os Autores dizer em síntese, que consideraram não ser necessária a habilitação dos herdeiros porquanto nos autos de inventário n.º 404/12.6TBMLD foi proferido despacho no qual se entendeu não ser necessária a habilitação dos herdeiros da interessada falecida, sendo que os autos estão interligados, sendo do conhecimento do tribunal o teor de tal despacho. Terminam pugnando que seja considerada desnecessária a habilitação dos herdeiros ou caso assim não se entenda que seja relevada a sua falta e ordenada a sua imediata habilitação de herdeiros.
Veio o tribunal a proferir o seguinte despacho, datado de 6.1.2022:
“A questão que se impõe apreciar e decidir traduz-se em saber se deve ou não ser declarada deserta a presente instância, por falta de impulso processual dos Autores, com a consequente extinção da mesma:
Estes autos de Ação de Processo Comum, após a notícia do decesso da Ré EE, foram declarados suspensos nos termos do disposto no artigo 269/1 alínea a) do Código de Processo Civil.
Tal declaração foi devidamente notificada às partes no dia 15.10.2020.
Sucede que os Autores, decorrido mais de um ano, não promoveram nos autos a habilitação de herdeiros da falecida Ré, de modo a fazer cessar a suspensão.
Foram os autores notificados para, querendo, se pronunciarem acerca da extinção destes autos por deserção, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC.
Vieram os Autores pronunciarem nos termos do requerimento que antecede alegando, em síntese, que consideraram não ser necessária a habilitação dos herdeiros porquanto nos autos de inventário n.º 404/12.6TBMLD foi proferido despacho no qual se entendeu não ser necessária a habilitação dos herdeiros da interessada falecida, sendo que os autos estão interligados, sendo do conhecimento do tribunal o teor de tal despacho. Terminam pugnando que seja considerada desnecessária a habilitação dos herdeiros ou caso assim não se entenda que seja relevada a sua falta e ordenada a sua imediata habilitação de herdeiros.
Apreciando os argumentos deduzidos pelos autores verifica-se que estes autos estão motivados pelo facto de as partes, interessados nos autos de inventário n.º 404/12.6T8MLD, terem sido remetidas para os meios comuns para dirimir o objeto destes autos. Acontece que a cada um dos referidos processos, sendo este comum e aquele especial, são aplicadas normas processuais diferentes, não sendo causas dependentes.
Posto isto, a decisão proferida nos autos de inventário, no sentido de que não é necessário proceder à habilitação dos herdeiros da falecida interessada, não tem qualquer influência na tramitação processual destes autos, que seguem a forma comum. Tanto que, ao se saber nestes autos da notícia do decesso da Ré, a instância foi declarada suspensa.
Ora, nos termos do disposto no artigo 276/1 a) do CPC essa suspensão apenas poderá cessar quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, o que não sucedeu.
Como se sabe, a deserção é uma das formas legalmente previstas que conduz à extinção da instância (artº. 277º, al. c), do CPC).
Essa figura processual emana da paralisação do processo, em consequência da inatividade (processual) das partes, não cabendo ao tribunal ordenar a imediata habilitação dos herdeiros, como requerem os Autores.
Resulta dos autos que o processo se encontra parado, por falta de impulso processual das partes, há mais de 6 meses, e que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se ficou a dever à negligência dos Autores, que foram imprevidentes, pelo não andamento do processo.
Destarte, julga-se verificada a deserção da presente instância, e, em consequência, declara-se a extinção da presente instância, devendo o pagamento das custas processuais ficar a cargo dos Autores.
Notifique.”
Inconformados, AA, e mulher BB, interpuseram o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a) – Os recorrentes já tiveram oportunidade de na sua audição de 17/11/2021, oferecer as suas razões que julgam demonstrativas de que no atual regime processual, o princípio de economia processual justifica a continuação desta ação ordenada.
b) – Na verdade o Tribunal ao ter conhecimento de que a cabeça-de-casal no Processo de Inventário tinha falecido no dia 02/03/2020, oficiosamente, nestes autos, apenas pura e simplesmente suspendeu a instância, pois além do mais, proclamou “por força do preceitual no art.º 269º nº 1 alínea a) do Código Processo Civil, declara-se suspensa a presente instância.”
c) – Esta decisão, foi assim declarada depois de ter sido levada ao conhecimento do Inventário tal falecimento, mas no mesmo fora, de facto, dispensado a habilitação de herdeiros, o que levou os recorrentes, a pensar que, a mesma coisa, se devia passar nos presentes autos, uma vez que não FF se compreende a dualidade de critérios, pois não conhecem nenhuma norma, que imponha tal descriminação.
d) – Por esta razão os recorrentes através do seu patrono ficaram a aguardar que os autos avançassem, uma vez que não se determinou expressamente que a suspensão fosse provocada pela necessidade de efetuar a habilitação, e da norma do artº 269º do C.P.C., não resulta que a suspensão da instância se destina pura e simplesmente a habilitação de herdeiros.
e) – E o princípio da economia processual, entretanto entrado em vigor na ordem jurídica processual que nos reger, opõe-se a que neste caso seja decretada a deserção da instância por falta de habilitação de herdeiros, que de facto não fora ordenada, e, por isso o art. 277º, al. c) conjugado com o artº 269º, ambos do C.P.C., não impõem, neste caso, tal aplicação.
f) – E este princípio de economia processual, tem a sua consagração nas normas do artº 6º e 647º do C.P.C., e por isso, fora violado além do mais o nº 2 deste artigo porque determina:
“2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”
g) – Por outro lado, atualmente qualquer norma que permita julgar extinta a instância pela deserção, tem de ser considerada inconstitucional, por violação de princípio da economia processual consagrada nos artigos 13º, 18º, e 20º da constituição da República, a qual se argui para todos os efeitos legais.
Face ao exposto, deve ser recebido o presente recurso e em consequência revogada a decisão subjudice, e ordenar-se em conformidade com o pedido, tudo o que seja necessário para o regular prosseguimento dos autos no alcance da sua finalidade.”
CC, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
“a) A presente decisão encontra-se bem decidida, bem fundamentada conforme é de Lei, não ferindo qualquer norma de direito objetivo ou direito substantivo;
b) Devendo, por esse facto manter-se;
c) Resulta dos autos que o processo se encontra parado, por falta de impulso processual das partes, há mais de 6 meses, e que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se ficou a dever à negligência dos Autores, que foram imprevidentes, pelo não andamento do processo.
d) Resulta dos autos que após a notícia do decesso da Ré EE, foram declarados suspensos nos termos do disposto no artigo 269/1 alínea a) do Código de Processo Civil.
e) Resulta dos autos que tal declaração foi devidamente notificada às partes no dia 15.10.2020.
f) Resulta que que os Autores, decorrido mais de um ano, não promoveram nos autos a habilitação de herdeiros da falecida Ré, de modo a fazer cessar a suspensão.
g) Foram os autores notificados para, querendo, se pronunciarem acerca da extinção destes autos por deserção, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC.
h) Notificados não promoveram a habilitação de herdeiros mas tão só “que consideraram não ser necessária a habilitação dos herdeiros porquanto nos autos de inventário n.º 404/12.6TBMLD foi proferido despacho no qual se entendeu não ser necessária a habilitação dos herdeiros da interessada falecida, sendo que os autos estão interligados, sendo do conhecimento do tribunal o teor de tal despacho.”
i) Ora, tratando-se de processos diferentes, com tramitações diferentes sendo este comum e o processo de inventário especial, são aplicadas normas processuais diferentes, não sendo causas dependentes.
j) Pelo que, a decisão recorrida não deve merecer qualquer reparo.”
Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.

II - OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a questão decidenda consiste em saber se é de manter ou não a decisão que extinguiu a instância por deserção.

III - FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no relatório.

IV - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Defendem os Apelantes que nos autos de inventário n.º 404/12.6TBMLD onde foi dado conhecimento do falecimento da cabeça-de-casal, (aqui Ré) foi dispensada a habilitação de herdeiros, o que levou os recorrentes, a pensar que, a mesma coisa, se deveria passar nos presentes autos, dizendo não compreender a dualidade de critérios, numa e noutra decisão.
Que os recorrentes, através do seu patrono, ficaram a aguardar que os autos avançassem, uma vez que não se determinou expressamente que a suspensão fosse provocada pela necessidade de efetuar a habilitação, e da norma do artº 269º do C.P.C., não resulta que a suspensão da instância se destina pura e simplesmente a habilitação de herdeiros.
Se é certo que decorrido mais de um ano, do conhecimento do óbito, não promoveram nos autos a habilitação de herdeiros da falecida Ré, de modo a fazer cessar a suspensão, tal ocorreu apenas porque não foram notificados para promoveram a habilitação de herdeiros e porque consideraram não ser necessária a habilitação dos herdeiros porquanto nos autos de inventário n.º 404/12.6TBMLD foi proferido despacho no qual se entendeu não ser necessária a habilitação dos herdeiros da interessada falecida, sendo que os autos estão interligados, sendo do conhecimento do tribunal o teor de tal despacho.
Vejamos se lhes assiste razão.
A instância é a relação jurídica processual e inicia-se com a propositura da ação (cfr. art. 259º nº 1 do C.P.C.).
Nas expressivas palavas de Lebre de Freitas,[1] “Com a proposição da ação constitui-se a instância (art. 259º nº 1), como relação jurídica entre o autor (solicitante da providência jurisdicional) e o tribunal (a quem a solicitação é dirigida). O ato de proposição produz efeitos em face do réu, com a citação (art. 259º nº 2), ato mediante o qual a relação jurídica se converte de bilateral em triangular e se torna em princípio estável (art. 260º). O termo instância traduz, a partir daqui, a ideia de relação, por natureza dinâmica, existente entre cada uma das partes e o tribunal, bem como entre as próprias partes na pendência da causa, isto é até que ocorra alguma das causas de extinção previstas no art. 277º.”
Uma das formas de extinção da instância, prevista no elenco das causas indicadas do art. 277º do C.P.C., é a deserção (cfr. alínea c).
Com efeito estabelece o art. 281º nº 1 do Código de processo Civil a regra de que a instância se extingue, “quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual das partes há mais de 6 meses.”
Cabendo-lhe iniciar a instância, o autor mantém disponibilidade sobre a mesma. Cabe-lhe assim o poder de desistir da instância, assim como lhe cabe desistir do pedido se assim o entender.
A desistência da instância consiste na declaração expressa da parte de querer renunciar á ação proposta, mas sem renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer. A desistência da instância faz por isso cessar o processo, sem contudo extinguir o direito do existente.
É um ato unilateral, que apenas depende da aceitação do réu, se este já tiver tido intervenção no processo com oferecimento da contestação (cfr. art. 286º nº 1 do CPC).
Trata de uma manifestação do princípio do dispositivo.
Porém no caso em apreço, está em causa uma situação diferente, em que a instância se extingue contra a vontade dos Autores, que são confrontados com uma situação e deserção.
Dispõe o artigo 281.º do CPC, que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
(…)
4 – A deserção é julgada no tribunal em que se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator”.
O art. 281º do CPC fundamenta a extinção quando esteja em causa um ato ou atividade dependente da iniciativa do Autor, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação os sucessores.
O atual Código de Processo Civil, para além de ter reduzido significativamente o prazo de deserção da instância, eliminou a figura da interrupção da instância, substituindo-a pela figura da deserção, passando esta a depender do decurso do prazo de seis meses sem impulso do processo e da negligência da parte onerada com esse impulso e sendo exigível a prolação de um despacho judicial que declare a deserção da instância – artigo 281º, n.ºs 1 e 4, do novo CPC.
Por conseguinte, à luz desta norma legal são hoje pressupostos do decretamento da deserção da instância:
- a paragem do processo por mais de seis meses, por ter sido omitida a necessária prática do ato de que dependia o seu prosseguimento (respeitante ao próprio processo, ou a incidente de que dependia o prosseguimento da ação principal);
- ser essa omissão devida à negligência da parte que tinha o ónus da sua prática, isto é, dever o ato ser praticado por si - e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro - , e ter a sua omissão um carácter censurável.
Com efeito, de acordo com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, [2] afirma-se no recente acórdão desta Relação 8.9.2020[3] que “a deserção da instância, tal como prevista no artº 281º nº 1 CPC pressupõe a verificação cumulativa de duas exigências: uma de natureza objetiva (falta de impulso processual das partes maxime do autor, para o prosseguimento da instância) e outra de natureza subjetiva (inércia causada por negligência). Este último requisito subjetivo deve ser interpretado no sentido de apenas fazer relevar a paragem imposta pelo cumprimento de um ónus, a omissão de um dever que impeça o normal prosseguimento dos autos. É o caso do falecimento das partes, sem que se promova a habilitação dos sucessores (…)”.
Quanto ao último requisito subjetivo, o mesmo deve ser interpretado no sentido de apenas fazer relevar a paragem imposta pelo cumprimento de um ónus, a omissão de um dever que impeça o normal prosseguimento dos autos.
É o caso do falecimento das partes, sem que se promova a habilitação dos sucessores, é o caso da renúncia ao mandato conferido pelo autor (nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado) ou é o caso da falta de comprovação do registo da ação, quando este registo constitua ónus do autor.
No caso em apreço existiu, tal como os Autores desde logo reconhecem, uma efetiva omissão das partes, relativamente á suspensão da instância, por falecimento da Ré, sem que os Autores tenham promovido a habilitação dos seus sucessores, situação que faria cessar a suspensão da instância nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 276º do CPC.
Uma coisa é o comportamento omissivo dos autores, outra é a imputação do mesmo aos autores a titulo de negligencia, o que vale dizer que é preciso saber se ao não intentarem o incidente de habilitação e herdeiros, os autores omitiram a diligência que deles era exigível.
A “negligência das partes” pressupõe uma efetiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objetiva suscetível de abranger a mera paralisação.
Acontece que a apreciação da negligência ou do grau de diligência revelado pela parte, deve ser feita em face dos dados conferidos pelo processo.[4]
Ora, o instituto da deserção da instância tem ínsita uma natureza de sancionatória relativamente à parte que, devendo impulsionar o processo, não o faz, sanção que encontra justificação princípio da autoresponsabilidade das partes, mas também no interesse público de não duração indefinida dos processos judiciais.
Daí que, e a nosso ver, tal como defendem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[5], é necessário que, antes de ser declarado o efeito extintivo da instância decorrente da deserção, o juiz sinalize, por despacho, ser aquela a consequência da omissão de algum ato processual, isto em decorrência dos princípios da gestão e cooperação processual e do dever de prevenção do dano emergente.
Com efeito, o fim normal do processo é é que este culmine com uma decisão de mérito que ponha cobro á situação submetida á apreciação do Tribunal.
Esse efeito é impedido com a extinção da instância.
Face á gravidade da sanção aplicável (extinção da instância contra a vontade da parte), é também esta a solução que defendemos por aplicação do princípio da cooperação estabelecido no artigo 7º do CPC.
Não descuramos que seja à parte onerada com o impulso processual que incumbe, como manifestação do princípio da sua autoresponsabilidade processual, impulsionar o processo, removendo atempadamente a causa que justificou a suspensão, mesmo que o despacho não a alerte para as consequências de assim não atuar atempadamente, isto é antes de se esgotar a prazo da deserção.
Porém, constituindo a cooperação uma responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, com destaque para juiz a quem incumbe o dever de dirigir o processo, caber-lhe á alertar as partes para a sanção/cominação da falta de remoção da causa de suspensão da instância, após o decurso do curto prazo ora em vigor.
No caso em apreciação, resulta dos próprios autos a suspensão dos mesmos por ocorrência do óbito da Ré.
O despacho é porém omisso quanto á necessidade dos autores promoverem a habilitação de herdeiros da falecida, tão pouco da cominação estabelecida no art. 281º nº 1 do CPC.
Acresce que tal como o despacho recorrido reconhece, nos autos de inventário n.º 404/12.6T8MLD, onde se remeteu os interessados para os meios comuns, de que esta ação é um reflexo, foi proferida decisão, no sentido de que não era necessário aí proceder à habilitação dos herdeiros da falecida interessada.
É certo que, tal como se afirma no despacho, a cada um dos referidos processos, sendo este comum e aquele especial, são aplicadas normas processuais diferentes, não sendo ainda causas dependentes.
Reconhecemos porém que, não tendo o despacho que decretou a suspensão da instância, alertado para a obrigação dos autores de promoverem a habilitação de herdeiros e a cominação da falta de atuação nesse sentido, possa ter gerado alguma “confusão” nos autores.
Tendo-se o Tribunal limitado a comunicar às partes, na sequência de notícia do óbito da Ré, que, nos termos do artigo 269º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil declarava suspensa a instância, quando no processo conexo dispensou expressamente a necessidade da promoção de habilitação de herdeiros, é de equacionar como justificável, em face de despacho expresso em processo judicial com este conexo, no sentido da desnecessidade da habilitação de herdeiros que as partes não tenham tido a possibilidade de compreender o objeto de tal despacho e, principalmente, que a paragem do processo por tempo superior a seis meses importaria a extinção da instância.
Assim sendo, nestas circunstâncias, entendemos não haver prova bastante nos autos de que a inércia das partes em promover o andamento do processo lhes seja imputável a título de negligência, para os fins previstos no art.º 281.º, n.º 1 e 3, do CP Civil, devendo por conseguinte ser revogado o despacho recorrido.
Apesar de não ser pacífica esta questão, a nível doutrinal e jurisprudencial, porque entendemos que o despacho de deserção da instância tem efeitos constitutivos, pois, cria um efeito jurídico através de um juízo autónomo fundado na previsão legal, dependendo pois da emissão de despacho judicial [6], com a sua revogação, deverão ser os autores admitidos a deduzir o incidente de habilitação de Herdeiros.

V - DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da relação em julgar procedente o recurso e em consequência revogar o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos.

Custas pela Apelada.

Porto, 5 de abril de 2022
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
________________
[1] In Introdução ao Processo Civil, pg 160.
[2] São exemplos os Acs. S.T.J. 3/10/2019, pº 1980/14.4TBVDL.L1.S1, relatado pela Consª Mª Rosa Tching, e de 2/5/2019, pº 1598/15.4T8GMR.G1.S1, relatado pelo Consº Bernardo Domingos, este último também publicado na Col.II/57, e de 5/7/2018, pº 105415/12.2YIPRT.P1.S1, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes (jurisprudência citada no identificado acórdão do TRP).
[3] Proferido no Processo nº 541/14.2TVPRT.P1sendo Relator o então Juiz Desembargador Vieira e Cunha.
[4] Ver António Abrantes dos Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luiz Filipe de Sousa, in CPC anotado, vol I, Almedina, pg. 330.
[5] In CPC anotado, vol I, 1º ed.pg 555 e ss.
[6] Neste sentido Isabel Alexandre, loc cit p. 556.