Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2608/16.3T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARAVALHO
Descritores: TUTELA CONSTITUCIONAL
PARENTALIDADE
HORÁRIO DE TRABALHO FLEXÍVEL
Nº do Documento: RP201703022608/16.3T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 253, FLS.189-202)
Área Temática: .
Sumário: O CT/2009 deu concretização à tutela constitucional da parentalidade nos termos dos arts. 33º e segs, 127º, nº 3, e 212º, nº 2, sendo a própria Lei, no art. 56º daquele, que confere o direito, nos termos nele previstos, à atribuição de horário de trabalho flexível, o que, assim, não consubstancia violação dos direitos constitucionais do empregador à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, nem limitação ilícita aos seus poderes diretivos consagrados no art. 97º do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2608/16.3T8MTS.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 952)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, S.A., intentou a presente ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, contra C…, pretendendo que “seja reconhecida a existências do motivo justificativo a fim de a autora poder proferir a decisão sobre o pedido de atribuição de horário flexível efetuado pela ré”.
Para tanto alega que:
A Ré apresentou em 11.01.2016 um pedido no sentido de obter autorização para trabalhar no regime de horário de trabalho flexível, com entrada às 10h00 e saída às 20h30 de segunda-feira a domingo, sem prejuízo do regime de folgas praticado; a autora comunicou-lhe por carta de 22.01.2016 a intenção de recusa de tal pedido, tendo a ré respondido a 29.01.2016 mas sem se pronunciar sobre a proposta de passar a trabalhar em part-time, e que tendo requerido parecer prévio à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), o mesmo foi desfavorável à decisão de recusa da autora.
Como fundamento para a recusa da atribuição do horário flexível, alegou então a autora e agora reitera na petição inicial, em síntese que a loja onde a ré presta atividade tem horário de abertura entre as 10h e as 24h, que é constituída por uma equipa de 15 trabalhadores que integram as várias categorias de equipas existentes na loja, que o número de trabalhadores existentes no estabelecimento, a soma das respetivas cargas horárias e a forma como se encontram distribuídas e organizadas pelos diferentes turnos e equipas são essenciais para garantir o período de abertura da loja, de segunda-feira a domingo e o exercício de todas as tarefas da loja, inexistindo na secção de vendedores de homem um horário diurno de 40 horas semanais.

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes a ré contestou, alegando que nenhuma razão inultrapassável é apresentada pela autora para negar o horário solicitado, tanto mais que a ré passa grande parte do seu horário de trabalho no armazém e não na venda direta ao cliente, só indo á secção de homem normalmente para repor roupa, que demonstrou abertura para cumprir um horário das 12h às 21h, bem como ir para outra loja, mesmo de outra marca do grupo ou para outro Shopping, não tendo aceite a passagem a part-time porquanto sendo a única pessoa a ganhar para sustentar o seu filho não teria com o salário a receber condições de sobrevivência.

Proferido despacho saneador tabelar, dispensada a seleção da matéria de facto, fixado à ação o valor de €30.000,01, realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, decidiu não reconhecer a existência de motivo justificativo para a A. recusar a atribuição de horário flexível efetuada pela Ré.

Inconformada, a A. veio recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I – Existe motivo justificativo para a apelante poder proferir decisão sobre o pedido que lhe apresentou a apelada, no sentido de ser autorizada a trabalhar no regime de horário flexível.
II – O horário de abertura da loja onde a apelada exerce a sua atividade profissional é das 10h às 24 horas.
III – Para assegurar o funcionamento do aludido estabelecimento, dentro do referido horário de abertura (das 10h às 24 horas, a apelante dispõe de uma equipa composta por 15 (quinze) trabalhadores, que integram as várias equipas existentes na loja.
IV – As várias equipas existentes na loja são:
- 3 encarregados (com horários rotativos (das 10h às 15h e das 15h à 1h, organizados de forma a garantir a presença de, pelo menos um, na abertura do estabelecimento e outro no seu fecho (D…, E… e F...;
- 2 coordenadores com horário diurno semanal de 40 horas, das 10h às 15 horas (G… e H…);
- 6 vendedores da secção de senhora, todos a tempo parcial: N…, das 10h às 15h; I…, J… e K… das 20h à 1; L…, das 12h às 21 e M… das 15h à 1h.
- 2 vendedores da secção de homem, sendo um (a apelada) do horário noturno, de 40 horas semanais, e outro do horário diurno, 25 horas semanais, O…;
- 1 responsável da secção de homem, horário diurno, 40 horas semanais, das 10h às 20 horas, P…;
- 1 caixa central – horário noturno, 40 horas semanais, das 15h à 1 hora, Q….
V – Os horários são organizados de modo a que seja assegurada a presença de um maior número de trabalhadores na loja, nas horas e dias em que se verifica um maior volume de vendas, bem como nos dias de maior venda (sábado e domingo), tendo ainda como critério a racionalização de recursos humanos e distribuição de tarefas, de acordo com o número de horas orçamentadas para a loja.
VI – As horas de maior venda entre segunda a sexta-feira registam-se entre as 15 horas e as 22 horas.
VII – O Horário da apelada, é de 40 horas semanais, com entrada às 15h e saída à 1 hora e excecionalmente, à quinta-feira, das 16h à 1:00 hora, com folga fixa à quarta-feira e rotativa à sexta-feira, sábado ou ao domingo.
VIII – Se a apelante atribuísse à apelada o horário de trabalho por ela requerido, iria fazer com que houvesse um menor número de trabalhadores na loja nas horas em que se verifica um maior volume de vendas e houvesse um reforço de trabalhadores nas horas de menor venda, colocando em causa o normal funcionamento do estabelecimento.
IX – Obrigando à contratação de um trabalhador a tempo parcial, para cobrir o horário noturno da apelada entre as 20:30 e a 1hora, ou, então solicitar aos outros trabalhadores da loja a prestação de trabalho suplementar, o que levaria a um aumento substancial das horas orçamentadas mensalmente para aquela loja.
X – O que levaria a um aumento de custos avultados com pessoal, com reflexos na rentabilidade do estabelecimento.
XI – A atribuição do horário nos moldes requeridos pela apelada, colide com o direito da apelada ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial, plasmado nos artigos 61.º e 80.º, n.º 1, alínea c) da CRP, pondo em causa interesses imperiosos do funcionamento da empresa.
XII – Colocando, ainda, em causa o poder de direção da apelante, na medida em que lhe compete estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado (artigo 97.º do CT/2009).
XIII – A apelante ofereceu à apelada um horário de 25 horas semanais, com entrada às 15:00 e saída às 20:00 horas, de forma a permitir-lhe conciliar a sua vida profissional com a vida familiar, que a segunda não aceitou.
XIV – E tentou, ainda, uma troca de horários com dois trabalhadores do horário diurno (N… e O…), mas estes, por motivos também familiares, não aceitaram.
Pelo exposto, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se decisão diversa da recorrida sobre o mérito da presente ação, reconhecendo-se a existência do motivo justificativo para a ora apelante recusar a atribuição do horário flexível requerido pela apelada, (…)”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Tendo ficado provado o “mapa de vendas” por hora, na Loja da Recorrida, provou-se que no horário por esta solicitado o grupo de horas com maiores vendas estaria abrangido;
2. Provou-se, também, que se a este facto acrescer as 2 horas para a refeição, que no horário que faz incluem, sempre, horas de grandes vendas, o que não sucede de manhã (entre as 12h e as 14h, por exemplo) nenhum prejuízo advêm para a Recorrente;
3. Provando-se que existem 15 trabalhadores na Loja da Recorrente e que com o novo horário não era necessário contratar outro,
4. Provou-se que podia outro trabalhador que só faz manhã passasse a fazer o horário da Recorrida.
5. Nenhuma razão se provou que impeça a Recorrente de atribuir o horário solicitado à Recorrida.
6. Bem decidiu a Douta Sentença ao negar a pretensão da Recorrente.
Termos em que deve ser negado provimento ao Recurso e ser confirmada a Douta Sentença proferida, (…)”.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que não se deve conhecer do recurso apresentado por: nas conclusões, a Recorrente “limita-se a indicar as razões pelas quais entende que lhe devia ter sido reconhecida a existência dos motivos que alega para a recusa em causa, sem fazer qualquer crítica concreta à matéria de facto dada como provada”, pretendendo, “sem mais, uma decisão contrária àquela que que resultou da matéria de facto dada como provada, e que determinou o sentido da douta sentença”, não tendo as conclusões que a Recorrente retira “qualquer ponto de ligação com o que foi efectivamente dado como provado” na sentença recorrida, sendo que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC. Tal parecer, notificado às partes, não foi objeto de resposta.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
“1) A autora e a ré celebraram a 24/10/2008 um contrato de trabalho, através do qual a trabalhadora exerce as funções de 2ª caixeira na loja B… sita no Centro Comercial S…, em …, estado adstrita ao horário de trabalho das 15h à 1h e excepcionalmente, á quinta-feira, das 16h à 1h, com folga fixa à quarta-feira e rotativa à sexta-feira, sábado ou ao domingo.
2) A ré, por ter a seu cargo o seu filho menor, à data de 4 anos, apresentou um pedido à autora com a data de 08/01/2016 e recepcionada no dia 11/01/2016, no sentido de obter autorização para trabalhar no regime de horário de trabalho flexível, com entrada às 10h e saída às 20h30 de segunda-feira a domingo, sem prejuízo do regime de folgas praticado.
3) Por carta datada de 22/01/2016, a autora comunicou à ré que tencionava recusar atribuir-lhe o horário de trabalho requerido, tendo invocado, em síntese, os seguintes motivos:
i) a loja onde a trabalhadora presta atividade tem horário de abertura entre as 10h e as 24h;
ii) A loja é constituída por uma equipa de 15 trabalhadores que integram as várias categorias de equipas existentes na loja;
iii) o número de trabalhadores existentes no estabelecimento (15), a soma das respetivas cargas horárias e a forma como se encontram distribuídas e organizadas pelos diferentes turnos e equipas são essenciais para garantir o período de abertura da loja (10 às 24h), de segunda-feira a domingo e o exercício de todas as tarefas da loja;
iv) inexistindo na secção de vendedores de homem um horário diurno de 40 horas semanais.
4) A loja onde a ré presta a sua atividade profissional para a autora tem o horário de abertura entre as 10h e as 24h.
5) Para assegurar o funcionamento do seu estabelecimento dentro do aludido horário de abertura, a autora dispõe de uma equipa composta por quinze (15) trabalhadores os quais estão adstritos a horários de trabalho consoante a categoria profissional e a funções que desempenham.
6) Os referidos quinze trabalhadores exercem funções relativas à categoria profissional que detêm, designadamente encarregado de loja, coordenador, vendedor da secção de senhora, vendedor da secção de homem, responsável de secção homem e caixa central.
7) Na loja exercem funções como encarregados 3 trabalhadores os quais têm a responsabilidade entre outras, de exercer, funções de controlo e fiscalização nomeadamente, a supervisão de abertura de cofre, a preparação, abertura e fecho de caixa, a distribuição de tarefas pela equipa, a recepção de mercadoria que chega semanalmente nos camiões, o recrutamento e selecção de novos colaboradores, o acolhimento da formação inicial, a gestão e o controlo de orçamento de horas, o controlo das diferenças de stock, assegurar todos os procedimentos de loja, como abertura e fecho de loja, o controlo da equipa de limpeza e os horários de trabalho de toda a equipa da loja.
8) Tais encarregados têm horários rotativos de 40 horas semanais (das 10h às 15h e das 15h à 1h), organizados de forma a garantir a presença de, pelo menos, um na abertura e outro no fecho da loja, sem prejuízo de cada um deles gozar duas folgas semanais.
9) A equipa de encarregados é constituída por D…, E… e F… (tendo esta entretanto sido transferida para outra loja em Agosto de 2016).
10) Exercem ainda funções 2 coordenadores, cujas funções consistem em assegurar o cumprimento de todas as regras de merchandising, tais como, montagem de novas colecções, alteração de estruturas, adaptação de produto no caso de roturas de stock, entre outros.
11) Os coordenadores têm horário diurno de 40 horas semanais (das 10h às 15), sendo a equipa composta por G… e H….
12) Estão afetos à secção de senhoras 6 vendedores, cujas funções são, entre outras, a venda e atenção ao cliente, controlo de provadores, reposição de produto, organização de armazém, apoio na receção de mercadoria, registo de caixa.
13) Tais vendedores são distribuídos pelas seguintes cargas horárias:
- N… (part-time de 25 horas – horário diurno – das 10h às 15h);
- I… (part-time de 25 horas – horário noturno – das 20h à 1h);
- J… (part-time de 25 horas – horário noturno – das 20h à 1h);
- K… (part-time de 20 horas – horário noturno – das 21h à 1h);
- L…, que entretanto foi substituída por outra trabalhadora (part-time de 16 horas de fim-de-semana – horário intermédio – das 12h às 21h);
- T… (part-time de 16 horas de fim-de-semana – horário noturno – das 15h à 1h).
14) Estão afetos à secção de homem 2 vendedores, cujas funções são, entre outras, a venda e atenção ao cliente, controlo de provadores, reposição de produto, organização de armazém, apoio na receção de mercadoria, registo de caixa.
15) Tais vendedores estão distribuídos pelas seguintes cargas horárias:
- C…, aqui ré (40 horas – horário nocturno – das 15h à 1h);
- O… (part-time de 25 horas – horário diurno (das 10h ás 15h).
16) Na mesma secção há ainda um responsável da secção de homem, cujas funções são a venda e atenção ao cliente, controlo de provadores, reposição de produto, organização de armazém, apoio na receção de mercadoria, registo de caixa, assegurar o cumprimento de todas as regras de merchandising, tais como, montagem de novas colecções, alteração de estruturas, adaptação de produto no caso de roturas de stock, entre outros referentes à secção de Homem.
17) A função referida em 16) é exercida por P…, com horário diurno de 40 horas semanais (das 10h às 20h).
18) Na loja existe ainda um trabalhador com funções de caixa central cujas funções são o registo e atendimento na caixa central, supervisão e controlo de todas as operações de caixa, pedidos de material de escritório, organização de toda a parte administrativa da loja.
19) A função referida em 18) é exercida por Q…, com o horário nocturno de 40 horas semanais (das 15h à 1h).
20) Os horários são organizados de modo a que seja assegurada a presença de um maior número de trabalhadores na loja, nas horas e dias em que se verifica um maior volume de vendas, bem como nos dias de maior venda (sábado e domingo), tendo ainda como critério a racionalização de recursos humanos e distribuição de tarefas, de acordo com o número de horas orçamentadas para a loja.
21) As horas de maior venda entre segunda a sexta-feira registam-se entre as 15 horas e as 22h, conforme a distribuição que se segue:

22) Nos dias de receção de mercadorias, para reposição dos stocks na loja a autora tem necessidade de reforçar a presença de trabalhadores no estabelecimento.
23) A receção de mercadorias acontece à segunda e á quinta-feira antes da abertura da loja ao público.
24) Ao atribuir o horário pretendido pela ré, sem qualquer outra alteração, a autora iria reforçar o pessoal em parte das horas de menor venda e ter menos trabalhadores em parte das horas em que se verifica um maior volume de vendas e mais trabalho com a arrumação da mercadoria exposta e com os procedimentos relativos ao encerramento das caixas e da loja.
25) A autora colocou à consideração dos colegas da ré O… (secção homem – 25 horas diurno) e N… (secção senhora – 25 horas diurno) a proposta de trocarem os seus horários de diurnos para noturnos, o que nenhum deles aceitou.
26) A trabalhadora N… já passara de horário noturno para horário diurno, em Agosto de 2015, ao regressar da licença de maternidade, surgiu uma vaga para esse horário, por necessitar de prestar assistência aos filhos, ambos menores de 12 anos.
27) A autora ainda propôs à ré a atribuição de um horário diurno, a tempo parcial de 25 horas semanais, com entrada às 15h e saída às 20h mantendo as folgas atuais (folga fixa à quarta-feira e folgas rotativas à sexta-feira, sábado e domingo), permitindo a contratação de um trabalhador a tempo parcial que realizasse as restantes horas do horário, entre as 20h e a 1h.
28) A ré não aceitou tal proposta, pelo que a autora, em 03/02/2016 requereu um pedido de parecer prévio à sua intenção de recusa à CITE, juntando cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação da ré, tudo conforme fls. 21 a 36, cujo teor se dá por reproduzido.
29) A CITE em 03/03/2016 emitiu o parecer nº 89/CITE/2016, com o teor de fls. 37 a 41, cujo teor se reproduz, desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível.
30) Após a comunicação da autora à ré da sua intenção de recusar o pedido de atribuição de horário flexível, esta faltou ao trabalho nos dias 28/01/2016 a 03/02/2016, por incapacidade temporária devida a necessidade de assistência ao filho doente, de 08/02/2016 a 15/05/2016, por incapacidade temporária devida a necessidade de assistência ao filho doente, dia 21/02/2016, sem apresentar justificação, dia 22/02/2016 a 26/02/2016, por incapacidade temporária devida a necessidade de assistência ao filho doente, de 10/03/2016 a 16/03/2016, por incapacidade temporária devida a necessidade de assistência ao filho doente, dia 20/03/2016, sem apresentar justificação e de 21/03/2016 a 27/03/2016, por incapacidade temporária devida a doença natural.
31) A ré disponibilizou-se para aceitar um horário das 12h às 21h, bem como a sua transferência para outra loja, mesmo de outra marca do grupo, ou para outro Shopping, o que a autora não aceitou.
32) A ré passa grande parte do seu horário de trabalho no armazém e não na venda direta ao cliente, só indo à secção para repor roupa, ficando as vendas a cargo da J… e do I….
33) O filho da ré foi avaliado em Janeiro de 2016 na consulta de Psicologia Pediátrica do Hospital U…, por encaminhamento da sua pediatra do neuro desenvolvimento por apresentar atraso do desenvolvimento da linguagem, tendo revelado a presença de dificuldades significativas ao nível da linguagem expressiva e compreensiva, bem como dificuldades na motricidade fina e raciocínio prático, tendo sido recomendada a manutenção da terapia da fala e da terapia ocupacional, bem como um investimento na estimulação global das suas competências no contexto familiar, considerando a especialista que seria benéfico a existência de uma rotina familiar estável e previsível e de mais tempo passado com a mãe, para o que seria um contributo a progenitora ter um horário de trabalho fixo e diurno.
34) O filho da ré nasceu em 05/12/2011.
35) A ré é “mãe solteira” e vive em comunhão de mesa e habitação com o filho.”
Foi dada como não provada a seguinte factualidade:
“a) se a autora atribuísse à ré o horário por esta pretendido, para cobrir o exercício dos procedimentos de loja após as 20h, teria de contratar um outro trabalhador em part-time ou solicitar a realização de trabalho suplementar para assegurar as horas em falta do horário de trabalho da ré, o que colocaria em crise a gestão da loja da autora se o número de horas mensais para esta orçamentadas fosse ultrapassado.
b) a autora propôs aos colegas da ré O… e N… se aceitariam trocar o respetivo horário de trabalho com o da ré passando a 40 horas semanais e a regime noturno.
c) não é possível atribuir à ré o horário do trabalhador P… por as funções deste terem um caráter de responsabilidade que as funções da ré como vendedora não têm.
d) a atribuição á ré do horário requerido determinaria a alteração na gestão dos horários de trabalho das diversas equipas e a alteração na organização da gestão comercial, com graves repercussões nos custos de funcionamento do estabelecimento.
e) as ausências da ré referidas em 30) fizeram com que a autora se visse forçada a requerer trabalho suplementar e a pagar as referidas horas, excedendo o orçamento de horas mensais da loja nesses períodos.
f) a ré faltou ao trabalho nos dias 21/02/2016 e 20/03/2016 por não ter ninguém a quem deixar o seu filho nesses dias.”
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, e atentas as conclusões do recurso, a única questão em apreço consiste em saber se existe fundamento para a A/Recorrente recusar a atribuição, à Ré/Recorrida, do horário de trabalho flexível por esta requerido (das 10h00 às 20h30).

2. Previamente importa, contudo, referir o seguinte:
A fundamentar o recurso, alega a Recorrente, nas conclusões do recurso, que o horário com maiores vendas é o das 15h00 às 22h00 (nº 21 dos factos provados), pelo que a pretensão da Recorrida implica uma redução do número de trabalhadores nesse período e um reforço no período com menos vendas. E, daí, conclui que isso coloca em causa o normal funcionamento do estabelecimento e determina a necessidade de contratar um trabalhador a tempo parcial para cobrir o horário das 20h30 à 1h00 ou solicitar a prestação de trabalho suplementar aos trabalhadores e, por consequência, um aumento de custos.
E, nas alegações, sob a epígrafe “Dos concretos pontos da matéria de facto que a apelante considera incorretamente julgados pelo Meritíssimo Tribunal a quo”, refere que:
- dos nºs 4 a 24 dos factos provados a Mmª Juíza não poderia ter concluído que: o horário pretendido pela Recorrida não iria pôr em causa exigências imperiosas ligadas ao funcionamento do estabelecimento; a maior parte das horas de trabalho da Recorrida (10h00 às 20h00) iriam coincidir com as horas de maior volume de vendas (15h00 às 22h00), sendo a presença da A. imprescindível no período das 20h30 e as 24h00 para reforço do quadro de pessoal entre as 20h30 e as 22h00 e para execução de tarefas de arrumação e organização do armazém e reposição; o facto de a Recorrida exercer maioritariamente as suas tarefas no armazém não implicaria a exigência da sua presença no período de maiores vendas, sendo essencial a presença de um trabalhador no armazém para ir fazendo a reposição dos artigos, bem como para o arrumar e organizar de forma a preparar a sua abertura no dia seguinte conforme nº 24 dos factos provados; o nº 20 dos factos provados entra em contradição com a afirmação de que “não ficou demonstrado que se fosse necessário contratar outro trabalhador em “part-time” ou fosse necessário pagar trabalho suplementar, que tal colocaria em crise a gestão da loja da autora, caso fossem ultrapassadas as horas mensais orçamentadas, e que nem sequer ficou provado que a atribuição do horário dentro dos limites pretendidos pela apelada, teria graves repercussões nos custos financeiros do estabelecimento”, pois que desse nº 20 resulta claro que “bastará o desajustamento do horário de um trabalhador, para serem ultrapassadas as horas orçamentadas para os trabalhadores afetos à loja executarem as suas tarefas.”, já que “um deles, vai, necessariamente, implicar a imediata substituição por outro, ou através de uma contratação em “part-time” ou por prestação de trabalho suplementar, com os custos inerentes a estas situações.”.
Mais acrescenta que as funções de responsável de secção e de coordenado não se confundem, não se podendo equacionar a hipótese de trocar o horário do responsável pela secção de homem ou de um dos coordenadores pelo horário da Recorrida e a sustentar a sua pretensão invoca ainda os nºs 25, 26, 27 e 28 dos factos provados.

2.1. Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC/2013.
Em tal preceito dispõe-se que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”
O Recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deve pois: identificar os concretos pontos dessa decisão de que discorda; indicar o que, em seu entender, deveria ter sido decidido; indicar os concretos meios de prova que sustentam as alterações pretendidas.
Por outro lado, fundamentando-se a discordância em depoimentos que hajam sido gravados, deverá identificar as testemunhas por referência aos factos em cujos depoimentos sustenta a alteração, bem como dar cumprimento ao disposto no nº 2, al. a), do citado art. 640º.
De referir que, sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, o Recorrente deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, bem como o sentido das respostas que pretende. Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”
Já quanto à indicação quer dos meios de prova em que assenta a impugnação (e das concretas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais que sustentam a impugnação) poderão ter lugar no corpo das alegações na medida em que tal se prende com a fundamentação dessa impugnação.
E a norma é expressa e clara no sentido de que o incumprimento de tais requisitos é a rejeição da impugnação, dispondo o nº 2 do art. 9º do Cód. Civil que não pode, pelo intérprete, ser adotada interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao referido artigo – “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

2.2. Do que deixámos referido no precedente ponto III. 2), e embora tal não seja absolutamente claro, poderia parecer, designadamente tendo em conta a epígrafe “Dos concretos pontos da matéria de facto que a apelante considera incorretamente julgados pelo Meritíssimo Tribunal a quo” que consta do corpo alegatório, que a Recorrente pretenderia impugnar a decisão da matéria de facto.
Mas se era essa a sua pretensão, importa então referir que a Recorrente não deu cumprimento a nenhum dos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e nº 2, al. a), do CPC/2013.
Com efeito, nas conclusões não indica os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e as respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas (o que também não indica no corpo das alegações).
Por outro, da ata da audiência de discussão e julgamento, bem como da fundamentação da decisão da matéria de facto, decorre que sobre a factualidade dada como provada e não provada incidiu prova testemunhal na qual a Mmª Juíza se baseou para a decisão da matéria de facto que proferiu, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados. E, acresce, que a Recorrente não indica qualquer depoimento testemunhal, ou outro meio de prova, que levasse a eventual decisão diversa quanto aos factos (provados ou não provados), pelo que, consequentemente e no que se reporta à prova testemunha, também não dá cumprimento à al. a), do nº 2 do art. 640º.
Aliás, dos autos nem tão pouco resulta que a audiência de julgamento haja sido objeto de gravação: esta não foi pedida, nem ordenada e, da ata da audiência de julgamento, não resulta que os depoimentos hajam sido gravados. A falta de gravação da audiência de julgamento impede a alteração da decisão da matéria de facto pois que, tendo sobre ela incidido prova testemunhal, não dispõe a Relação dos meios probatórios produzidos e que a sustentaram por forma a poder avaliá-los.
Ou seja, quer por a prova testemunhal não haver sido gravada, quer por não ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e nº 2, al. a), do CPC/2013, não é possível a reapreciação da decisão da matéria de facto.
E, acrescente-se, a Recorrente apenas se socorre de mera argumentação que parte dos factos provados para, em seu entender, extrair outros factos e/ou conclusões, algumas das quais, aliás, atentam contra factos expressamente dados como não provados: é o caso, designadamente, do que alega nas als. IX) e X) das conclusões [IX – Obrigando à contratação de um trabalhador a tempo parcial, para cobrir o horário noturno da apelada entre as 20:30 e a 1hora, ou, então solicitar aos outros trabalhadores da loja a prestação de trabalho suplementar, o que levaria a um aumento substancial das horas orçamentadas mensalmente para aquela loja. X – O que levaria a um aumento de custos avultados com pessoal, com reflexos na rentabilidade do estabelecimento.], sendo que tais factos foram expressamente apreciados em sede de decisão da matéria de facto conforme consta da al. a) dos factos não provados [não se provou que: “a) se a autora atribuísse à ré o horário por esta pretendido, para cobrir o exercício dos procedimentos de loja após as 20h, teria de contratar um outro trabalhador em part-time ou solicitar a realização de trabalho suplementar para assegurar as horas em falta do horário de trabalho da ré, o que colocaria em crise a gestão da loja da autora se o número de horas mensais para esta orçamentadas fosse ultrapassado.].
E é também o caso do demais alegado no corpo das alegações, que contraria não apenas o constante da mencionada al. a) dos factos não provados, como também as als. c), d) e d) dos factos não provados [c) não é possível atribuir à ré o horário do trabalhador P… por as funções deste terem um caráter de responsabilidade que as funções da ré como vendedora não têm; d) a atribuição á ré do horário requerido determinaria a alteração na gestão dos horários de trabalho das diversas equipas e a alteração na organização da gestão comercial, com graves repercussões nos custos de funcionamento do estabelecimento; e) as ausências da ré referidas em 30) fizeram com que a autora se visse forçada a requerer trabalho suplementar e a pagar as referidas horas, excedendo o orçamento de horas mensais da loja nesses períodos.].
Resta, por fim, dizer que não existe qualquer contradição entre o nº 20 dos factos provados e as als. a) e d) dos factos não provados, como parece defender a Recorrente. Da circunstância dos “horários serem organizados de modo a que seja assegurada a presença de um maior número de trabalhadores na loja, nas horas e dias em que se verifica um maior volume de vendas, bem como nos dias de maior venda (sábado e domingo), tendo ainda como critério a racionalização de recursos humanos e distribuição de tarefas, de acordo com o número de horas orçamentadas para a loja” não decorre que a alteração do horário da Ré como por esta solicitado colocasse em causa o normal funcionamento do estabelecimento e a necessidade de contratação de um trabalhador a tempo parcial ou a realização de trabalho suplementar. Aliás, sobre esta questão pronunciou-se a 1ª instância que, e como referido, o deu como não provado, referindo ainda na fundamentação da decisão da matéria de facto que “Nenhum dos depoimentos permitiu, no entanto, a demonstração de que a alteração do horário pretendida pela ré resultaria na necessidade de contratar outro trabalhador, ou de a autora recorrer a trabalho suplementar, ou sequer de que a implementação da alteração acarretaria graves repercussões nos custos de funcionamento do estabelecimento porquanto não foram concretizados os custos da loja de funcionamento do estabelecimento, muito menos o eventual impacto financeiro de tal alteração que não pode sem mais considerar-se que coincidia com o custo do salário de outro trabalhador em part-time, ou com o “desperdício” de haver mais uma trabalhadora em períodos de menor vendas, tanto mais que do horário pretendido pela ré, pelo menos 6 horas coincidiriam com os períodos de maior movimento da loja (das 15h às 20h), que a hora de jantar da ré, que se apurou pelo depoimento da testemunha F… que era, por via de regra, das 20h às 22h ou em alternativa das 18h às 20h, sempre coincidia com os períodos de maior vendas (…). Por outro lado, nenhuma prova foi produzida sobre o modo como foi suprida a ausência da ré nos dias em que a mesma faltou ao trabalho, prova que estaria ao alcance da autora, designadamente apresentando comprovativo do trabalho suplementar nesses dias prestado, por meio de testemunhas que o tivessem prestado ou por meio dos recibos de vencimento que contivessem menção do pagamento das horas suplementares ou por meio do registo do trabalho suplementar.”.
Ou seja, e concluindo, se fosse, porventura, intenção da Recorrente a alteração da decisão da matéria de facto, é a mesma de rejeitar, em consequência do que não há que lhe introduzir qualquer alteração.

3. Se existe fundamento para a A/Recorrente recusar a atribuição, à Ré/Recorrida, do horário de trabalho flexível por esta requerido (das 10h00 às 20h30)

Argumenta a Recorrente, mas conclusões do recurso, que:
i) o horário com maiores vendas é o das 15h00 às 22h00 (nº 21 dos factos provados), pelo que a pretensão da Recorrida implica uma redução do número de trabalhadores nesse período e um reforço no período com menos vendas. E, daí, conclui que isso colca em causa o normal funcionamento do estabelecimento e determina a necessidade de contratar um trabalhador a tempo parcial para cobrir o horário das 20h30 à 1h00 ou solicitar a prestação de trabalho suplementar aos trabalhadores e, por consequência, um aumento de custos;
ii) ofereceu à Recorrida um horário a tempo parcial que ela recusou e tentou a troca com dois outros trabalhadores que não aceitaram;
iii) O pretendido pela Recorrida colide com o direito ao livre exercício da iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial (art. 61º e 80º nº 1 da CRP) e com os poderes da Recorrente de estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado (art. 97º do CT/2009).

3.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Está em causa nos presentes autos decidir se é justificada a recusa do regime de flexibilidade requerido pela ré.
No seu art. 56º, o Código do Trabalho concretizou os princípios constitucionais de protecção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, nas acepções constantes, respectivamente, dos arts. 59º, nº 1, al. b), 67º, nº 1 e 68º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, ao consagrar que “O trabalhador com filho menor de 12 anos, ou independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos”.
O exercício de tal direito e correspondente obrigação no que respeita à flexibilidade de horário, veio a ser regulamentado no art. 57º do mesmo Código e depende do reconhecimento pelo empregador, que apenas se lhe pode opor - considerando as razões que lhe estão na base, que se reconduzem afinal ao reconhecimento do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, a que igualmente aludem os art. 127º, nº 3 e 212º, nº 2, al. b) do Código do Trabalho - invocando exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável, conforme resulta do nº 2 da citada disposição legal.
Querendo exercer tal direito, o trabalhador deve solicitá-lo por escrito ao empregador, com a antecedência mínima de 30 dias e com os seguintes elementos: indicação do prazo previsto dentro do limite aplicável e declaração da qual conste que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação.
No caso dos autos, a ré invocou que tem um filho menor de 4 anos de idade, que é mãe solteira, pelo que o filho depende exclusivamente dela, que não indica prazo, requerendo que aquele regime vigore até que o filho complete 12 anos de idade, indicando ainda as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (entre as 10h00 e as 20h30), de segunda-feira a domingo, sem prejuízo do regime de folgas praticado, salientando que não pretendia horário fixo.
Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56º, nº 2 do C.T., aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o nº 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.
A ré no requerimento que dirigiu à autora cumpriu manifestamente aquilo que a lei lhe exige (a indicação dos elementos constantes do art. 57º, nº 1 do Código do Trabalho) deixando à autora, a determinação dos concretos horários a cumprir, ou seja, deixando intocado o poder de a autora, determinar dentro dos limites indicados o concreto horário a cumprir em cada momento (cfr. art. 212º, nº 1 do C.T.).
A organização dos horários, nomeadamente a definição dos intervalos de descanso e dos períodos de presença obrigatória, dentro dos limites pretendidos pela ré, não deixariam, pois, de pertencer à autora, mantendo esta a capacidade de “gerir” o horário da ré de acordo com as concretas necessidades da loja, concentrando os períodos de presença obrigatória nos períodos de maior atividade e de maior necessidade de presença de trabalhadores.
Já as objecções levantadas pela autora ao exercício pela ré do direito à flexibilidade de horário, não podem ser consideradas procedentes, porquanto, do ponto de vista do tribunal da matéria de facto provada não resultam demonstrado que o deferimento da pretensão da autora ponha em causa exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável.
É evidente a relevância dos interesses da autora de preservação da sua rentabilidade económica, bem como a necessidade, para o conseguir, de dispor dos seus trabalhadores, reforçando a presença de trabalhadores nos horários de maior vendas e de mais trabalho, bem como direito da autora de organizar o horário de trabalho dos seus trabalhadores de acordo com as suas necessidades. São constitucionalmente protegidos os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial (cfr. arts. 61º e 80º, nº 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa)
Tais interesses e direitos enfrentam porém, as restrições decorrentes dos direitos fundamentais dos trabalhadores como os supra referidos direitos à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade e paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, já que estes se sobrepõem àqueles quando em confronto e que estes só cedem perante aqueles, quando em presença de interesses imperiosos.
E só podem ser consideradas imperiosas as exigências extraordinárias, excecionais que não se confundem com a maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou sequer com a maior ou menor onerosidade para o empregador em função da gestão do seu quadro de pessoal.
Ora, não resulta da matéria de facto provada que os interesses que a ré pretende salvaguardar não possam ser satisfeitos apesar do reconhecimento à ré da flexibilidade de horário. Na verdade, atribuindo à ré um horário dentro dos limites por esta pretendidos, verifica-se que a maior parte das horas de trabalho da ré coincidiriam com as horas de maior volume de vendas do estabelecimento. Por outro lado, verifica-se também que o horário que até aqui vem sendo cumprido pela ré, inclui um intervalo para jantar de duas horas, o qual coincide sempre com as horas de maior volume de vendas e, nem por isso, há notícia nos autos de que tal seja impeditivo do cumprimento do intervalo, ou de que nesse período a autora sofra algum prejuízo incomportável decorrente da ausência da autora.
Ficou também demonstrado que a ré exerce maioritariamente funções no armazém, pelo que as suas tarefas não estão tão intimamente dependentes do volume de vendas como a dos vendedores que fazem atendimento direto ao cliente.
Também não ficou provado que a atribuição do horário pretendido pela ré implicasse a contratação de um outro trabalhador em part-time ou a prestação de trabalho suplementar pelos colegas.
Acresce que dos autos não resulta que o trabalhador que exerce funções como responsável da secção de homem não possa exercer as respetivas funções no horário noturno, ou que aquelas funções só possam ser exercidas no horário diurno. Importa ainda considerar que o responsável da secção tem como funções as mesmas que a ré e que as restantes funções que lhe estão atribuídas e que são funções de maior responsabilidade, nomeadamente assegurar o cumprimento de todas as regras de merchandising, tais como, montagem de novas colecções, alteração de estruturas, adaptação de produto no caso de roturas de stock, são também exercidas pelos coordenadores. Ora, sendo estes dois, e tendo ambos horários diurnos, pelo menos um deles sempre estará na loja, se não por vezes até os dois, não se vislumbrando, por não resultar dos autos, qual o interesse da autora em ter na loja em simultâneo se não três (2 coordenadores e o responsável da secção de homem), pelo menos dois trabalhadores (ou 2 coordenadores, ou 1 coordenador e 1 responsável da secção de homem) com as mesmas funções.
Tão pouco ficou demonstrado, se fosse necessário contratar outro trabalhador em part-time ou a prestação de trabalho suplementar, tal colocaria em crise a gestão da loja da autora, se fossem ultrapassadas as horas mensais orçamentadas. Sequer ficou provado que a atribuição do horário dentro dos limites pretendidos pela ré teria graves repercussões nos custos financeiros do estabelecimento.
A autora também não demonstrou que a ré não pudesse ser substituída, situação que se verificaria, por exemplo se a função da ré fosse uma função específica, para a qual fossem exigíveis habilitações ou características específicas que só a ré possuísse ou se só pudesse ser desempenhada a determinada hora.
Tudo para concluir que os obstáculos levantados pela autora à atribuição do horário dentro dos limites pretendidos pela ré, não são inultrapassáveis, não permitindo a matéria de facto apurada concluir que, no caso concreto, se verificam quaisquer exigências do funcionamento da autora com maior peso e como tal com direito a maior proteção, que o direito da ré à conciliação da sua vida profissional com a vida familiar.
Improcede, assim, a pretensão deduzida pela autora.”.

3.2. Estamos, no essencial, de acordo com as considerações tecidas na sentença recorrida, que faz correto enquadramento dos factos ao direito e que dá cabal resposta ao argumentado pela Recorrente, remetendo-se para essa fundamentação.
Entendemos, assim, ser apenas de tecer umas breves considerações adicionais.
No que se reporta à argumentação sintetizada na al. i), já sobre ela nos pronunciámos no ponto III.2.2. para aí se remetendo. Apenas se frisa que as considerações tecidas pela Recorrente assentam em factualidade que foi dada como não provada, argumentação que, assim, é improcedente.
Quanto ao argumentado e sintetizado na al. ii), a circunstância da Ré ter recusado o horário de trabalho a tempo parcial não constitui obstáculo à sua pretensão, nem fundamento para a A. recusar o horário flexível por aquela pretendido. A passagem da Ré a horário a tempo parcial é uma possibilidade que a lei lhe confere, mas que não lha impõe, nem o recurso à faculdade da flexibilidade de horário legalmente conferida está condicionada às situações em que o empregador não faculte a possibilidade do trabalho a tempo parcial, o que bem se compreende tendo em conta que este determina uma redução da retribuição, pelo que, só com o acordo do trabalhador será possível.
E realça-se, por outro lado, que a Ré também se disponibilizou para, em alternativa ao horário requerido, praticar o das 12h00 às 21h00, com o que, no que se reporta ao período de maior fluxo de vendas (até às 22h00) apenas restaria uma hora, o que não foi aceite pela A.
Notamos também que do nº 21 dos factos provados resulta que o fluxo de vendas entre as 23h00 e as 24h00 nem é superior ao que se verifica às 10h00 e 11h00.
Acresce dizer que a recusa, por outros dois trabalhadores, de troca de horário não constitui, só por si, motivo justificativo de recusa ao pedido da A.
Por fim, quanto aos direitos constitucionais à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, invocados pela Recorrente, a sentença recorrida dá resposta cabal a tal argumentação, sendo que, a tais direitos são também oponíveis os direitos, também tutelados constitucionalmente, à conciliação entre a atividade profissional e familiar (art. 50º, nº 1, al. b)), o direito à família e proteção da vida familiar (art. 67º, nº 1) e, especificamente, o disposto no art. 68º, nºs 1 e 4, todos da CRP, dispondo este nº 4 que “a lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar”. Por sua vez, o CT deu concretização à tutela da parentalidade nos termos dos arts. 33º e segs, 127º, nº 3, e 212º, nº 2, realçando-se, no que especificamente concerne ao caso em apreço, o art. 56º e sendo a própria lei que, nessa medida e tendo ainda em conta que salvaguarda os poderes do empregador nos termos do nº 2 desse preceito, estabelece uma limitação aos seus poderes diretivos consagrados no art. 97º do CT.
Daí que, e tendo em conta o mais alegado na sentença recorrida, não se verifique a violação dos direitos constitucionais e do art. 97º do CT invocados pela Recorrente.
Assim sendo, e sem necessidade de considerações adicionais, improcedem as conclusões do recurso.
***.
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 02.03.2017
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes