Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4167/15.5T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
Nº do Documento: RP201612154167/15.5T8OAZ.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 80, FLS.03-07)
Área Temática: .
Sumário: I - Na alínea a) do nº 3 do art. 17º - F do CIRE, para efeitos de aprovação do Plano de recuperação do devedor, o legislador referiu-se expressamente aos votos emitidos, enquanto que na alínea b) o legislador prescreveu que para o plano se considerar aprovado se mostra necessário que o mesmo recolha, pelo menos, votos favoráveis de credores que representem mais de metade da totalidade dos votos relacionados na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório.
II - Para os efeitos da referida alínea b), apenas se podem contabilizar os votos favoráveis emitidos, sendo exigido que estes ascendam a mais de 50% dos créditos com direito a voto, não podendo entrar neste cômputo os votos de abstenção (as abstenções) emitidos.
III - A aprovação do Plano e subsequente homologação judicial constitui violação não negligenciável de regras procedimentais, que implica a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do artigo 215º do CIRE, sendo essa actuação jurisdicional legalmente vinculada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 4167/15.5T8OAZ.P1
Relator: Ataíde das Neves
Ex.mos Desembargadores Adjuntos:
Amaral Ferreira; Deolinda Varão

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização em que é devedora B…, L.da e credores a C… e outros, sendo Administrador Judicial Provisório (AJP) D…, após a decisão quanto às impugnações de créditos apresentadas, foi por aquele AJP apresentada a lista definitiva de credores, com a relação dos créditos reconhecidos e o quadro de votação final (cfr. req. Fls. 289 a 293.

Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho (constante de fls. 294):
“Submetido a votação o plano de revitalização junto aos presentes autos, foi o mesmo votado nos termos indicados pelo Ex.mo AJP a fls. 289, reunindo os votos favoráveis a percentagem de 55,07 € da totalidade dos votos emitidos.
Face ao exposto, considerando a expressão percentual de tais sentidos de voto, o plano de revitalização relativo à devedora “B…, Lda” encontra-se aprovado (cfr. art. 17º - F, nº 3 al. b) do CIRE).
Notifique e publicite, nos termos do disposto no art. 213º do CIRE, ex vi art. 17º F, nº 5 do mesmo diploma.
Decorridos que sejam dez dias após a publicação, conclua os autos para efeitos de prolação de sentença homologatória (ou não homologatória), nos termos do art. 17º - F nº 5, 214 e 215º, todos do CIRE.”

Face a tal despacho, veio a C… solicitar que o tribunal “ se digne esclarecer se o plano apresentado nos autos reuniu 55,07€ da totalidade dos votos emitidos, ou se antes recolheu 55,07€ da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.”

A fls. 308 foi proferido o seguinte despacho:
“Informe a C… que dos 66,57% dos credores que votaram, 55,07€ votaram a favor (e tinham direito de voto) pelo que se nos afigura que o plano estará efectivamente aprovado como se declarou.
Envie cópia de fls. 289/293, informação [do AJP] que serviu se base à prolação do despacho de aprovação.
Os autos aguardarão por 5 dias que a C… esclareça se mantém interesse na apreciação do recurso interposto”

Declarando a C… que mantém o interesse no recurso apresentado, veio a ser proferia a seguinte sentença:

“Atendendo a que se nos afigura que o plano foi aprovado (já que a credora C… não atende à ressalva prevista na última parte da al. b) do nº 3 do artigo 17º - F, relativa às abstenções) cabe receber o recurso interposto.

Por ser legalmente admissível, ter o recorrente legitimidade e estar em tempo, admito o recurso interposto pela C…, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – artigo 14º, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.

Organize apenso do qual conste certidão das peças indicadas pela recorrente.
Após, subam esses autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto – artigo 641º do Código de Processo Civil.

SENTENÇA
Nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização da devedora “B…, S.A”, por decisão de 14/03/2016 (fls. 294 e referª 90580366) foi aprovado o plano de revitalização apresentado já que o mesmo reuniu os votos favoráveis de 55,07% dos votos emitidos.
Tal decisão foi publicada no portal Citius em 15/03/2016.
Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer actos ou medidas que devem preceder a homologação (artigo 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa aplicável ex vi artigo 17º-F nº5 in fine do mesmo diploma).
Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer credor (artigo 216º do CIRE aplicável ex vi artigo 17º- F nº 5 in fine do CIRE).
Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no artigo 17º - F nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, deverá o plano de revitalização ser homologado.
Pelo exposto:
Homologo por sentença, nos termos do artigo 17º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização da devedora “B…, S.A.” com o NIPC ………, com sede na …, …, Espinho, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o mesmo número.

A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artigo 17º-F, nº 6 do CIRE.

Inconformada com tal decisão, dela veio a C… apelar para este Tribunal da Relação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1. Aproximando-se o prazo final para negociações, o Sr. Administrador Judicial Provisório remeteu aos credores o plano de recuperação elaborado, a fim de o mesmo ser votado dentro do período por si estabelecido.
2. Concluída a votação, o Sr. Administrador Judicial Provisório remeteu aos autos um quadro discriminativo dessa mesma votação, donde consta que 10 (dez) credores exercerem o seu direito de voto,
3. 3 (três) deles em sentido desfavorável à aprovação do plano de recuperação em causa.
4. Nos termos do disposto no art. 17º-F, nº3 do CIRE, o plano considera-se aprovado se:
a) Tendo sido votado por mais de um terço da totalidade dos créditos relacionados na lista a que aludem os n.os 3 e 4 do art. 17º - D do CIRE, reunir os votos favoráveis de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ou
b) Recolher votos favoráveis de mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados e com direito de voto.
5. No caso concreto, em face do quadro elaborado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, constata-se que foram emitidos votos num total (de € 605.135,31) superior a 66% da totalidade dos créditos reconhecidos, assim tendo sido cumprido o requisito atinente ao quórum constitutivo.
6. Dentre os votantes, emitiram votos desfavoráveis à aprovação do plano de recuperação credores com um total de € 271.913,02 (duzentos e setenta e um mil novecentos e treze euros e dois cêntimos) de créditos e 44,94% dos votos,
7. Donde, manifestamente, em face do universo dos votantes, o plano não obteve mais de dois terços de votos favoráveis.
8. Por seu turno, foram emitidos votos favoráveis à aprovação do plano de recuperação em crise num total de € 333.222,29 (trezentos e trinta e três mil duzentos e vinte e dois euros e vinte e nove cêntimos), correspondentes a 36,47% da totalidade dos créditos relacionados na lista elaborada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório.
9. Assim sendo, como de facto é, jamais poderia o plano em questão considerar-se aprovado, na medida em que não recolheu votos favoráveis de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, nem votos favoráveis de credores representativos de mais de metade da totalidade dos créditos com direito de voto.
10. Em completa contradição com o exposto, o tribunal a quo considerou o plano aprovado e, seguidamente, homologou-o.
11. Não pode, contudo, a recorrente conformar-se com essa decisão de homologação.
12. De facto, prescreve o art. 215º do CIRE – para que remete o art. 17º - F nº5 do mesmo diploma – que deve ser oficiosamente recusada a homologação de plano em caso de violação não negligenciável de regras procedimentais.
13. Ora, a aprovação e posterior homologação de um plano que nem sequer recolheu a maioria necessária de votos favoráveis constituem, a nosso ver, claras violações não negligenciáveis de regras procedimentais,
14. Pois que não pode homologar-se um plano e, assim, impor-se os seus termos aos credores que, na sua maioria, se opuseram à sua aprovação!
15. Note-se que o Meritíssimo Juiz a quo, no momento em que proferiu a decisão de homologação, esclareceu ainda considerar o plano aprovado e referiu que a aqui recorrente (que igualmente interpôs recurso do despacho de aprovação, o qual se acha pendente) não atendeu à parte final da alínea b) do nº 3 do art. 17º F do CIRE, relativa Às abstenções.
16. S.m.o., cremos não lhe assistir razão, até porque uma tal interpretação retiraria todo o sentido a essa norma, resultando no absurdo de, em qualquer dos casos, isto é, tanto na previsão da aliena a) como na da alínea b) daquele nº3 do art. 17º-F do CIRE, apenas se dever atender à totalidade dos votos emitidos.
17. Seguramente não foi isso que o legislador pretendeu, na medida em que, claramente, na alínea a) pretendeu fazer depender a maioria dos votos favoráveis por referência, apenas, à totalidade dos votos emitidos e, na alínea b), expressamente consagrou o universo da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.
18. As expressões empregues em casa uma daquelas alíneas são perfeitamente distintas e reportam-se a realidades claramente diferentes, não nos parecendo possível que o legislador se tivesse expressado tão deficientemente a ponto de, afinal, querer em qualquer dos casos referir-se somente à totalidade dos votos emitidos.
19. Nessa conformidade, a decisão de homologação do plano de recuperação apresentado é violadora do disposto nos mencionados artigos 17º- F, nº3 e 215º do CIRE,
20. Devendo, assim, ser revogada e substituída por outra que recuse a homologação do plano de recuperação em questão, por não ter sido o mesmo aprovado pela maioria dos credores, e, nessa sequência, ordene ao Sr. Administrador Judicial Provisório que emita o parecer a que se reporta o art. 17º-G, nº4 do mesmo diploma legal.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso proceder, com as legais consequências
e com vista à realização da JUSTIÇA!

A recorrida B…, L.da veio contra-alegar, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

O que nos cumpre apreciar é se em face dos elementos consignados na relação de créditos Reconhecidos e ante o quadro de votação final apresentados pelo AJP, pode o plano apresentado e votado naqueles termos merecer homologação.
Vejamos:
Na parte final da apresentação feita pelo AJP consta a seguinte tabela, pela qual nos vamos seguir:

Total Créditos (com direito a voto) – Euros ------------- 909.979,69 €
Total de Credores que não votaram -------- 303.844,38 € ----- 33,43%
Total abstenção ------------------------------- 303.844,38 € ------- 33,43%
Total Votos recebidos – Quórum (art. 212º do CIRE) – 605.135,31 € ------------- 66,57%
Total de Votos sem abstenção (art. 212º do CIRE) ---- 605.135,31 €

TOTAL DE VOTOS A FAVOR ----------------- 333.222,29 € ------ 55,07%
TOTAL VOTOS CONTRA -------------------- 271.913,02 € ------- 44,93%

Ora, será em face deste quadro, que retrata o total dos créditos, os votantes e os não votantes, as abstenções e não abstenções, votos a Favor e Votos contra e as respectivas percentagens, que deveremos ponderar se o Plano merece a homologação proferia e recorrida.

Vejamos:
Dispõe o art. 17º nº 3 – F do CIRE que se considera aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4
do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como
tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”
Ora, tendo em conta aquela tabela apresentada pelo AJP e efectuando as devidas operações aritméticas, temos que no caso vertente o plano foi votado por 66,57% dos créditos (sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva), num total de € 605.135,31 (seiscentos e cinco mil cento e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos), pelo que se mostra preenchido o requisito referente ao quórum constitutivo.

Dentre os credores que optaram por exercer o seu direito de voto, três – C…, E… e F…, S.A. – votaram contra a sua aprovação, num total de € 271.913,02 (duzentos e setenta e um mil novecentos e treze euros e dois cêntimos), representando estes 44,93% dos votantes.
Tal significa que o Plano não colheu “o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos” (605.135,31 €), pois estes dois terços equivaleriam a 403.420,88 €.
Não está, assim, preenchia a alínea a) supra transcrita.

Vejamos agora se os requisitos da alínea b) estão cumpridos:
Os votos favoráveis ascenderam a € 333.222,29 (trezentos e trinta e três mil duzentos e vinte e dois euros e vinte e nove cêntimos), o que equivale a 36,47% da totalidade dos créditos relacionados na lista elaborada pelo AJP.
O que significa que o plano de recuperação apresentado não foi aprovado pela maioria necessária dos credores, que se cifraria em 454.989,80 €, correspondente a mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (909.979,69 €).

Do exposto resulta que o Plano não poderia ser aprovado os termos em que foi.
Na decisão recorrida considerou o tribunal que a credora C… não atendeu à ressalva prevista na última parte da al. b) do nº 3 do artigo 17º - F, relativa às abstenções).
Terá o tribunal recorrido considerado que no cômputo dos votos contabilizáveis para os efeitos da al. b) do nº 3 do art. 17º do CIRE devem ser integradas apenas os votantes, ou sejam os votos concretamente exercidos (605.135,31 € - 66,57%), e não a totalidade dos créditos com direito a voto (909.979,69 €).

Daí que tenha considerado que “dos 66,57% dos credores que votaram, 55,07€ votaram a favor (e tinham direito de voto)”, assim considerando preenchidos os requisitos daquela alínea b).

Ora, salvo o devido respeito por outra opinião, as abstenções não podem ser contabilizadas para efeitos daquela alínea b), pois que não valem para o cômputo dos (50%) votos favoráveis que a mesma exige.
Tal alínea b) reporta-se ao “voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto” e não a votos favoráveis e abstenções, cujo cômputo global ascenda a mais de metade daqueles mesmos créditos.
De facto, tal como bem refere a apelante, na alínea a) do nº 3 do art. 17º - F do CIRE, o legislador expressamente se referiu aos votos emitidos, enquanto que na alínea b) o legislador prescreveu que para o plano se considerar aprovado se mostra necessário que o mesmo recolha, pelo menos, votos favoráveis de credores que representem mais de metade da totalidade dos votos relacionados na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório.
Apenas se podendo contabilizar para o efeito os votos favoráveis emitidos, sendo exigido que estes ascendam a mais de 50% dos créditos com direito a voto, não podendo entrar neste cômputo os votos de abstenção (as abstenções) emitidos.
Procedimento este que o Tribunal recorrido não teve, considerando também as abstenções para efeito da contabilização dos votos à luz da dita al. b).
Estamos aliás em crer que o legislado rejeita frontalmente esse mesmo procedimento, quando na parte final no normativo em apreço sublinha que em tal cômputo de mais de metade de votos favoráveis, “não se consideram como tal as abstenções”.
Ou seja, apara a contabilização dos votos á luz da al. b) do nº 3 do art. 17º - F do CIRE, sempre haverá que tomar como ponto de partida a totalidade dos créditos com direito de voto, e não apenas a totalidade dos votos emitidos, como fez o Tribunal recorrido, nestes incluindo as abstenções.
Daí que na al. a) do nº 3 do art. 17º do CIRE o legislador tenha referido a “totalidade dos votos emitidos”, enquanto que na al. b) tenha referido a “totalidade dos créditos relacionados com direito de voto”.
Haverá assim que concluir que o Plano apresentado, embora aprovado nos termos em que foi, não poderá merecer homologação, mas sim recusa.
Tendo o plano de recuperação sido aprovado nos termos em que foi, cabia seguidamente ao juiz decidir se devia homologar ou recusar o plano no prazo de 10 dias subsequente à sua recepção, aplicando-se, para o efeito e com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos arts. 215º e 216º, sendo que a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (cfr. art. 17º-F, nºs 5 e 6 do CIRE).
Sabido é que a intervenção do juiz neste processo é muito restrita, pode o mesmo, contudo, recusar oficiosamente a homologação do plano no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando algum dos credores demonstre, em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano; b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência (cfr. arts. 215º e 216º do CIRE).
No que concerne à recusa oficiosa de homologação do plano, a que se reporta o art. 215º, o juiz deve aqui circunscrever a sua actuação aos casos de violação grave, não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, o que excluirá as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados.[1]
Tal significa que sempre que a violação detectada pelo tribunal for negligenciável, então a mesma não pode justificar a recusa de homologação do plano.
Sucede que a lei não define o que deva considerar-se violação negligenciável. São, na sequência do que já se referiu, as violações irrelevantes para o curso do processo. São aquelas que não interferem na boa decisão da causa, devendo, para tal efeito, fazer-se apelo ao critério previsto no art. 195º do Cód. do Proc. Civil.
Ou seja, uma determinada violação não será negligenciável quando possa influir no exame ou na decisão da causa, sendo que a decisão a tomar neste domínio sempre deverá ser feita caso a caso.
Esta regra – que circunscreve a relevância das violações de regras legais aos casos em que estas não sejam negligenciáveis – aplica-se tanto às regras procedimentais como às normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
Na verdade, não existe motivo que justifique que a violação irrelevante de uma norma substantiva possa determinar a recusa de homologação do plano, mas que tal já não se verifique quando se trate da violação de uma norma procedimental.
Os dois tipos de normas devem, para estes efeitos, ser colocados em situação de paridade.
Normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, onde se englobarão as regras que disciplinam as negociações a desenvolver entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e a votação do plano, tal como as que se referem ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado.
Já as normas relativas ao conteúdo do plano são todas aquelas que respeitam à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.[2]
Donde se conclui que, o tribunal deve recusar a homologação, designadamente, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do acordo, artigo 215.º, nº 1.
Segundo o nº5 do artigo 17º-F do CIRE, “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (…) aplicando, com as necessárias, adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.”
Determina, por sua vez, o artigo 215º, nº 1 do mesmo diploma legal, em conformidade com o citado dispositivo, que “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano [de recuperação] aprovado [pelos credores] no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…”.
Resulta deste normativo, que um dos fundamentos que deve justificar a recusa oficiosa da homologação do plano de recuperação consiste na “violação não negligenciável das regras procedimentais”.
Como reconhecem Carvalho Fernandes e João Labareda[3], “a lei não define (…) o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta”.
Mas não se demitem, todavia, aqueles autores da tarefa de encontrar resposta para o preenchimento daquele conceito normativo.
E deste modo concluem: “…tudo o que respeita à preparação e apresentação de propostas, bem como às diligências tendentes à sua aprovação, consubstancia-se em actos ou formalidades do próprio processo e com expressão nele. De modo que, bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adopção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual (...), a violação da lei, activa ou passivamente, comporte sempre uma nulidade processual.
Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores (...) é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
Aqui chegados, parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no artº 201º, do CPC. O que importa é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger - nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta - tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”[4].
Ou, como defende o acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.2013[5], “para apreciar da natureza negligenciável ou não dos vícios procedimentais e de conteúdo verificados, importará se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger.
Se a verificação de um ou outro vício procedimental, sem grande repercussão na aprovação do plano de revitalização, deve ser considerado negligenciável na medida em que nenhuma ou pouca repercussão negativa tem nas negociações ou votação, já assim não se poderá considerar se forem vários os vícios verificados, violando, de forma grave, o princípio da legalidade e do contraditório, e com manifesta repercussão naquela”.
No caso em debate, tendo sido homologado o plano ao abrigo do art. 17º-F nº 3 al. b) do CIRE, sem que o condicionalismo percentual de votos nele imposto se verifique, foi, de forma grave, violado um imperativo legal que não dispensa o quórum deliberativo ali inscrito.
Concluindo-se, como se impõe, face às razões apontadas, pela existência de “violação não negligenciável de regras procedimentais”, não tendo aplicação para a omissão das formalidades assinaladas as consequências previstas no artigo 195º do NCPC para as nulidades processuais, mas antes a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do artigo 215º do CIRE, e sendo essa actuação jurisdicional legalmente vinculada[6], deve ser revogada a sentença que homologou o plano de recuperação da devedora, substituindo-se por outra que recuse essa homologação, assim devendo proceder a apelação.
Em conclusão, na procedência da apelação, haverá que revogar a decisão recorrida, que se substitui por decisão de não homologação do Plano de revitalização, em consequência da sua não aprovação pela maioria dos credores, imposta nos termos da al. b) do nº 3 do art. 17º - F do CIRE.
Em face da não homologação do Plano, deverá o Ilustre AJP emitir o parecer a que se reporta o art. 17º - G nº 4 do CIRE.

Sumário nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:
1 - Na alínea a) do nº 3 do art. 17º - F do CIRE, para efeitos de aprovação do Plano de recuperação do devedor, o legislador referiu-se expressamente aos votos emitidos, enquanto que na alínea b) o legislador prescreveu que para o plano se considerar aprovado se mostra necessário que o mesmo recolha, pelo menos, votos favoráveis de credores que representem mais de metade da totalidade dos votos relacionados na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório.
2 - Para os efeitos da referida alínea b), apenas se podem contabilizar os votos favoráveis emitidos, sendo exigido que estes ascendam a mais de 50% dos créditos com direito a voto, não podendo entrar neste cômputo os votos de abstenção (as abstenções) emitidos.
3 - A aprovação do Plano e subsequente homologação judicial constitui violação não negligenciável de regras procedimentais, que implica a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do artigo 215º do CIRE, sendo essa actuação jurisdicional legalmente vinculada.

DECISÃO
Por todo o exposto, nos presentes autos de apelação em que é apelante a C… e apelada B…, L.da, Acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, a qual se substitui por sentença não homologatória do Plano de recuperação da devedora.
Em face da não homologação do Plano, deverá o Ilustre AJP emitir o parecer a que se reporta o art. 17º - G nº 4 do CIRE.
Custas pela apelada, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.

Porto, 15 Dez. 2016
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
__________
[1] Cfr. Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 3ª ed., pág. 305.
[2] Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Diniz, “PER – O processo especial de revitalização”, Coimbra Editora, 2014, págs. 142/4 e Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE Anotado”, 2ª ed., págs. 825/7.
[3] Código de Insolvência e da Recuperação e Empresas Anotado”, reimpressão, Quid Juiris Sociedade Editora”, págs. 713, 714.
[4] Neste sentido também o ARG de 16.01.2014, processo nº 1609/13.8TBBRG.G1, www.dgsi.pt.
[5] Processo nº 1995/12.7TYLSB-A.L1-7, www.dgsi.pt.
[6] ARG de 16.01.2014, já citado.