Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1017/11.5SJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE ROUBO
REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA
CRIME POSTERIOR
Nº do Documento: RP201805301017/11.5SJPRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º761, FLS.151-154)
Área Temática: .
Sumário: I – Na revogação da pena suspensa pela prática de crime posterior terá de ser apreciado o impacto do comportamento ulterior punido na viabilização das finalidades preventivas justificativas da aplicação da pena substitutiva.
II – A comunidade não pode confiar no comportamento do arguido condenado pela prática de um crime de roubo, face à condenação ulterior pela prática de um crime também ele gerador de efeitos socialmente interiorizados como nefastos (tráfico de estupefacientes), que não surge como facto isolado, acidental, no seu percurso existencial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº1017/11.5SJPRT.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B… veio interpor recurso da decisão proferida no processo comum colectivo, juízo central criminal do Porto – Juiz 6, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de dez meses de prisão que lhe havia sido aplicada.
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I.1. Decisão recorrida (que se transcreve parcialmente).
Por acórdão proferido nos presentes autos em 16.09.2014 (cfr. fls. 220-228), transitado em julgado em 16.10.2014, foi condenado o arguido B…, pelo cometimento de um crime de roubo simples, p. e p. pelos artigos 4º do Decreto – Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, 73º e 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dez meses de prisão que, ao abrigo dos artigos 50º e 53º do Código Penal, se suspendeu pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação com incidência na procura/manutenção de inserção laboral a tempo inteiro.
Por acórdão, transitado em julgado, no processo comum nº135/15.5PDPRT, que correu termos neste Juízo Central Criminal - Juiz 11- o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão efectiva pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, a) do dec. Lei n.º 15/93, de 22.01. Esta decisão transitou em julgado em 10.07.2017 (cfr. certidão de fls. 348-).
Os factos integradores deste ilícito ocorreram em 6 de Maio de 2015, em pleno período de suspensão da execução da pena.
O Digno Procurador da República (…) promoveu (…) a revogação da suspensão da pena aplicada ao condenado nestes autos.
(…) veio o arguido pronunciar-se no sentido de manutenção da suspensão, alegando, em suma: a revogação da pena de prisão suspensa na sua execução não é automática; se o percurso do arguido após a condenação dos presentes autos não foi incólume e irrepreensível, conseguiu retirar das suas condenações a mais elementar conclusão de que o crime não compensa; não tem processos pendentes; em sede de reclusão apresenta um comportamento adequado sendo reputado como um recluso cumpridor e sociável; encontrando-se a aguardar colocação laboral no interior do estabelecimento prisional bem como oportunidade de regressar a estudar.
Foram tomadas declarações ao arguido (…)
II. Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 56º do Código Penal o seguinte (…)
Resulta do disposto neste artigo que a condenação por crime doloso cometido durante o período da suspensão da execução da pena pode provocar a revogação daquela.
Mas tal não basta, tornando-se ainda necessário, que o cometimento de tal ilícito doloso revele que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem, por meio da mesma, ser alcançadas, isto é, que se frustre a esperança de que a referida suspensão seja suficiente para manter o condenado, no futuro, afastado da criminalidade (cfr. neste sentido o Ac. da Relação do Porto de 08.01.2003 - Rel. Desemb. Borges Martins - in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/).
Descendo ao caso dos autos, verificamos que o arguido, durante o período da suspensão da execução da pena aplicada nestes autos, cometeu um crime situado na área da média criminalidade (tráfico de estupefacientes de menor gravidade, punível com pena de prisão até cinco anos), vindo a ser condenado em pena de prisão efectiva – 1 ano e 8 meses de prisão.
Tudo ponderado, não obstante o alegado comportamento adequado em reclusão, designadamente o facto de se encontrar a estudar no EP, o apoio familiar de que beneficia, com visitas da companheira, dos irmãos e da filha, mas atenta a gravidade da reiteração criminosa, dado o momento em que se encontrava a suspensão da pena e a curta duração desta, o tipo e qualidade do ilícito cometido e a insistência em condutas ilícitas, afigura-se que as finalidades de prevenção que estavam na base da suspensão da pena aplicada nos presentes autos não puderam ser alcançadas.
III. Assim e ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, decido revogar a suspensão da execução da pena de dez meses de prisão em que B… foi condenado nestes autos.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem parcialmente).
III. Considerando que doutrina e jurisprudência aceitam pacificamente que não basta a prática de outro crime doloso para desde logo concluir que as finalidades que fundaram a suspensão da execução de uma pena foram defraudadas.
IV. Nestes casos torna-se necessário aferir se o juízo de prognose positiva que esteve na base da anterior condenação em pena de prisão suspensa na sua execução se deve ou não manter, dentro do quadro da factualidade e ilicitude espelhada nos factos que deram origem a essa anterior condenação.
V. Há portanto que averiguar quais as finalidades que estiveram na base da suspensão a execução da pena e se as mesmas saíram goradas com a prática daquele crime.
VI. Ponderação que não foi feita pelo Tribunal a quo pois que apenas fundamenta a revogação da pena nos presentes autos nas "gravidade da reiteração criminosa".
VII. Se é certo que a prática do novo crime implica a violação da prevenção especial negativa e de prevenção especial positiva, não é menos certo que o cumprimento das demais condições da suspensão permitem ao arguido a tão desejada integração social, fundamento futuro para uma conduta recta em sociedade.
VIII. A revogação da suspensão não é nem pode ser um castigo, uma sanção, mas um meio de competir à reinserção social, que já está sendo alcançada em liberdade, com um escolho no percurso, é certo.
IX. Ora, o Tribunal a quo, não ponderou as circunstâncias da prática de outro crime pelo recorrente, as condições em que foi cometido, a sua gravidade e a conduta global do arguido durante o período de suspensão e a pena aplicada pela prática do novo crime de modo a saber se as finalidades de suspensão estavam ou não a ser alcançadas.
X. Como não ponderou também se a prática desse novo crime afasta irremediavelmente (ou não) o juízo de prognose em que assentou a suspensão da pena.
XI. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao ter revogado a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos.
XII. E, se é certo que nem todas as finalidades de reinserção social e de não cometimento de idênticos ilícitos foram alcançadas, também é certo que toda a sua atitude global, demonstra respeito e interiorização das regras de convivência em sociedade e revela uma personalidade que pretende adaptar-se e reintegrar-se, tendo inclusivamente bons prognósticos de inserção profissional na construção civil.
XIII. Em face do exposto e por considerar que não estão irremediavelmente comprometidas as finalidades inerentes à suspensão da execução da pena, deveria o Tribunal a quo ter declaro extinta a pena aplicada ao ora recorrente pelo cumprimento, nos termos dos artigos 57.° do Código Penal e 475.° do Código do Processo Penal.
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I.3. Resposta do MºPº (contra motivação que se transcreve na parte final).
A prática de novo crime no decurso do período da suspensão é sempre revelador que uma das finalidades da punição não foi alcançada, não se conseguiu o afastamento do condenado da prática de novos crimes.
Porém, a revogação não ocorre de forma automática, importando indagar se, não obstante, a suspensão ainda se mostra apta a evitar que o condenado torne a delinquir.
Ou seja, há que averiguar se, com o cometimento de novo crime, ficou comprometido definitivamente, o necessário juízo de prognose favorável, em que a suspensão se baseou, ou se, pelo contrário, ainda é possível esperar fundamentadamente que daí para a frente o condenado se afaste da prática de outros crimes.
Depois desta decisão e no período de suspensão o arguido, cometeu mais um crime como melhor se concretiza no despacho recorrido:
Os factos integradores deste ilícito ocorreram em 6 de Maio de 2015, em pleno período de suspensão da execução da pena.
Nesta decisão foi apreciada a possibilidade de suspender a pena ao arguido e concluiu-se negativamente por não ser possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido uma vez que este para além da condenação dos autos já havia sofrido outra condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, a) do dec. Lei n.º 15/93, de 22.01.
É tudo isto que leva o tribunal a concluir que … não obstante o alegado comportamento adequado em reclusão, designadamente o facto de se encontrar a estudar no EP, o apoio familiar de que beneficia, com visitas da companheira, dos irmãos e da filha, mas atenta a gravidade da reiteração criminosa, dado o momento em que se encontrava a suspensão da pena e a curta duração desta, o tipo e qualidade do ilícito cometido e a insistência em condutas ilícitas, afigura-se que as finalidades de prevenção que estavam na base da suspensão da pena aplicada nos presentes autos não puderam ser alcançadas.
Na verdade, com o cometimento de novo crime, ficou comprometido definitivamente, o necessário juízo de prognose favorável, em que a suspensão se baseou e assim teria o tribunal que decidir pela revogação da suspensão.
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação (que se transcreve parcialmente)
Não há nenhuma razão para questionar a atualidade dos fundamentos da decisão de aplicação da referida pena de prisão efetiva - atinentes aos antecedentes criminais do arguido (que contavam já, designadamente, com uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de crime de tráfico de menor gravidade) mas também ao facto de o mesmo não ter inserção laboral estável nem meios de subsistência próprios - decisão essa que traduz o convencimento por parte do tribunal que assim decidiu de que não é possível a formulação de um juízo de prognose social favorável ao arguido.
Cremos, com efeito - em face do comportamento adotado pelo arguido no período de suspensão de execução da pena em apreço, cometendo novo crime pouco tempo depois do respetivo trânsito em julgado - que o mesmo patenteia falta de consciência da gravidade dos factos por que foi condenado, ausência de sentido de autocrítica e um sentimento de impunidade que sairia certamente reforçado caso se julgasse extinta a pena.
Tudo concorre, pois, no sentido de se dever considerar que o arguido incumpriu culposamente as condições de suspensão de execução da pena e que esse incumprimento é susceptível de infirmar já o juízo de prognose que estivera na base dessa decisão, o que não poderá deixar de levar a concluir que se mostra plenamente justificada a decretada revogação da suspensão e o efectivo cumprimento da pena de prisão aplicada..
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II. Objecto do recurso.
A questão suscitada pelo recorrente é simples: a inexistência dos pressupostos materiais da revogação da suspensão de execução da pena de prisão aplicada.
A suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da pena substitutiva aplicada não puderem, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56º, nº1, alínea b), do Código Penal).
Não cabe a este tribunal emitir uma nova deliberação de acordo com os seus pressupostos, assentes na racionalidade, linearidade e liberdade inerentes a uma nova decisão judicial. Terá de proceder, de acordo e limitado aos argumentos desconstrutivos expostos no recurso, à apreciação da justeza e adequação da decisão recorrrida.
Como pacificamente se encontra estabelecido na jurisprudência e doutrina, são as finalidades exclusivamente preventivas, de natureza geral e especial (de acordo com as definições de politica criminal adoptadas pelo legislador ordinário- artigos 70º e 40º, nº1, do Código Penal) que impõem (e, nesse sentido, justificam) a preferência pela aplicação de uma pena não privativa de liberdade (neste sentido, por todos e pela sua actualidade, Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pág,77). O juízo de adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão (e criação de um efeito intimidativo) àquelas finalidades através de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento ulterior do condenado.
Ao recorrente foi aplicada, preferencial e justificadamente, uma pena substitutiva da pena de prisão ( a pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução, pelo período de um ano, pela prática de um crime de roubo) com os seguintes fundamentos, constantes do acórdão condenatório:
“ (…) Considerando o já exposto em relação ao arguido, designadamente a sua juventude e necessidade de inserção laboral, afigura-se que a pena aplicada ao arguido poderá ser suspensa na sua execução, ao abrigo do disposto no artigo 50º, por se afigurar que a simples censura do facto e ameaça da sanção, desde que acompanhadas de regime de prova – nos termos do artigo 53º, n.º 3-, realizam de forma adequada as finalidades preventivas presentes no caso, sendo preferível ao Trabalho a Favor da Comunidade ou à substituição por multa, dada a maior pressão exercida sobre ele pelo regime da suspensão com regime de prova.(…)”
Em relação ao recorrente, em sede de fixação da pena concreta, havia sido considerado: “(…) As exigências de prevenção especial são medianas, dado o facto de o arguido ser muito jovem, ter uma condenação no seu CRC, embora por crime não muito grave e não ter integração laboral actual, mas não esquecendo o apoio familiar (…)”.
Por fim, relativamente às exigências de prevenção geral foi determinado: “(…) O crime de roubo, especialmente se cometido em grupo, provoca algum alarme social dado o sentimento de insegurança que a sua notícia causa na generalidade das pessoas (…)”.
Durante o período de cumprimento da pena substitutiva, cerca de 7 meses após o seu início, o arguido praticou um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, a) do dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, pelo qual foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão efectiva.
Nos termos legais referidos, tal condenação terá, para fundamentar a revogação da pena substitutiva, que comprometer as finalidades que estiveram presentes na sua aplicação, preferencial. Terá se ser apreciado o impacto do comportamento ulterior punido na viabilização das finalidades preventivas justificativas da aplicação da pena substitutiva.
O crime praticado pelo recorrente foi na modalidade de dolo directo e representa, no grau de ilicitude conferido pelo legislador penal, um crime de média criminalidade (factos descritos na decisão judicial recorrida).
A natureza dolosa do crime e sua modalidade, em contraste com aquela outra negligente, não constituindo essência ou, sequer, requisito na reapreciação da viabilidade da aposta comunitária na reinserção, em liberdade, do agente do crime (porque se refere a matéria quase exclusivamente da sua culpa), revela uma insensibilidade da capacidade cognitiva que interfere naquela outra que a comunidade confiou estar presente na sua representação intelectual (não poder praticar qualquer tipo legal de crime no período de suspensão da execução da pena).
Também o elemento volitivo do dolo do crime praticado durante o período de suspensão da execução da pena, puramente intencional, manifesta a ausência de qualquer efeito intimidativo da pena substitutiva aplicada.
O crime praticado não tem mesma natureza do da primeira condenação (não existe homotropia) sendo certo que a politropia não constitui, por si só, qualquer obstáculo à reformulação do juízo de viabilidade da suspensão da execução da pena.
Tal como também se refere na decisão recorrida, o crime foi praticado no âmbito do mais curto período de suspensão legalmente permitido (12 meses) e aproximadamente no meio da sua execução, o que revela uma patente incapacidade do recorrente em adequar o seu comportamento às mais essenciais regras que regulam e existência da comunidade e, neste segmento, aquelas que protegem bens jurídicos cuja violação mereceu, do legislador penal, a sua graduação (falamos da ilicitude) na área da média criminalidade. A comunidade não compreende que alguém, sujeito ao mais curto período de exigência comportamental (exigência de natureza universal, imposta a qualquer outro cidadão) cometa um crime localizado, temporalmente, no meio do mesmo e que atinja um bem jurídico com o grau de protecção conferido pelo legislador penal.
Por fim, o recorrente mantém a sua existência adstrita às mesmas variáveis verificadas à data da primeira condenação em pena substitutiva, com excepção da reclusão de que foi, entretanto, objecto. À data da condenação posterior continuava sem qualquer projecto de trabalho, subsistindo economicamente, para além do produto da venda de heroína e cocaína, da prestação social (RSI) da sua mãe e do rendimento de trabalho da sua namorada.
A comunidade não pode confiar no comportamento do recorrente, condenado pela prática de um crime de roubo (que provoca algum alarme social dado o sentimento de insegurança que a sua notícia causa na generalidade das pessoas), face à condenação ulterior pela prática de um crime também ele gerador de efeitos socialmente interiorizados como nefastos e que não surge como facto isolado, acidental, do percurso existencial do recorrente.
As circunstâncias e natureza do crime praticado inviabilizam o juízo originário de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do recorrente.
A decisão judicial é adequada, não assistindo razão ao recorrente.
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III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 3 UCs a taxa de justiça (artigo 513º, nº1, e Tabela III anexa ao RCP).
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Porto, 30 de Maio de 2018
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro