Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2272/13.1TBVFR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
SENTENÇA DE VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP201412172272/13.1TBVFR-B.P1
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
II - A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n° 2272/13.1TBVFR-B.P1
Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira 4° Juízo Cível

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
Nos autos acima epigrafados foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o disposto no art.º 233.°, n.º 2, b), do CIRE, com o encerramento do processo, extinguem-se os processos em que se conheça da verificação de créditos, como sucede com esta instância, pelo que nada mais há a ordenar nestes autos, por força dos efeitos do encerramento determinado no processo principal.”

B…, credor impugnante, interpôs recurso, concluindo:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a extinção da instância do processo de verificação de créditos como consequência do encerramento do processo de insolvência em face da homologação do plano de insolvência transitada em julgado (arts. 230.°, n.º 1, b) e 233.°, n.º 2, b), ambos do CIRE, despacho com o qual o Recorrente não se pode conformar.
2. Nos presentes autos, o Recorrente reclamou créditos emergentes do seu contrato de trabalho no montante total de € 8.777,15 (oito mil, setecentos e setenta e sete euros e quinze cêntimos), do qual o Sr. Administrador da Insolvência apenas reconheceu a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
3. Inconformado, o Recorrente, ao abrigo do art. 130.° do CIRE, impugnou, a 16 de Agosto de 2013, a lista de créditos definitiva, pugnando pelo reconhecimento total do seu crédito.
4. A 5 de Setembro de 2013, o Tribunal determinou que o apenso de verificação de créditos deveria "ser de novo concluso após ser proferida decisão acerca da deliberação submetida à apreciação dos credores em Assembleia de Credores no passado dia 1 de Julho de 2013” [Assembleia de Credores para Apreciação do Relatório, em que foi determinado que o Sr. Administrador da Insolvência iria apresentar proposta de plano de insolvência].
5. Veio, então, a ser aprovado plano de insolvência, devidamente homologado por sentença transitada em julgado, na sequência do que se determinou o encerramento do processo de insolvência em consonância com o disposto no art. 230.°, n.º 1, aI. b) do CIRE.
6. Quando notificado do despacho de encerramento do processo de insolvência, o Recorrente requereu o prosseguimento dos autos de verificação de créditos.
Sucede que, e não obstante,
7. Atento o encerramento do processo e sustentando-se no art. 233.°, n.º 2, aI. b) do CIRE, o Tribunal a quo veio a determinar a extinção da instância dos presentes autos de verificação de créditos.
Vejamos,
8. O Decreto-lei n.º 220/2004, de 18 de Agosto alterou, no que interessa para o caso sub judice, a redação dos artigos 209.°, números 2 e 3 e do 233.°, n.º 2, b).
9. No que diz respeito ao art. 209.°, passou a permitir-se que a assembleia de credores se pudesse reunir para aprovação de plano de insolvência logo após o termo do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos, ou seja, antes de ter sido proferida sentença de verificação de créditos (cfr. o seu n.º 2), em prol do favorecimento das perspetivas de recuperação das empresas, acautelando-se, por outro lado, os efeitos da eventual procedência dos recursos interpostos dessa sentença (cfr. o seu n.º 3).
10. Em consequência, foi alterada a redação do art. 233.°, n.º 2, b), que teve a acuidade de consagrar duas exceções à regra da extinção do processo de verificação de créditos com o encerramento do processo principal: (1ª) quando já tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos; (2.a) quando o encerramento do processo decorra da aprovação de um plano de insolvência.
11. O que não pode deixar de se concluir, mau grado a actual redação não prime pela clareza, dado ter entrelinhado "tal excepção "encerramento por aprovação do plano de insolvência" no meio da primeira excepção aí anteriormente consagrada, entre "ter já sido proferida a sentença de verificação de créditos prevista no art. 140°" e "caso em que os recursos prosseguem até final (...) não poderá de deixar se atribuir algum sentido útil à entrelinhada excepção respeitante ao "encerramento decorrente da aprovação do pleno" uma vez que na hipótese de ter sido proferida sentença de verificação de créditos o respectivo prosseguimento já se encontrava assegurado pela primeira excepção constante de tal alínea, o aditamento introduzido só pode ter o significado de com o mesmo. se pretender a continuação do processo de verificação (ou de acção ulterior de créditos) até à decisão final. Interpretação que melhor se compagina com os efeitos que à sentença de verificação são atribuídos no caso de aprovação de um plano de insolvência." (dr. Acórdão deste Venerando Tribunal, de 28.04.2014, processo n.º 2609/11.8TBPDL-K.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora,
12. Se até 2004 não era possível a aprovação de um plano de insolvência sem que a verificação e graduação de créditos se encontrasse fixada, a razão de agilização do processo na origem da alteração do texto legal expendida não pode ter significado uma causa extintiva dessas ações.
13. Aliás, a introdução da referida segunda exceção à extinção dos apensos reflete precisamente o interesse que o legislador teve no prosseguimento da verificação de créditos até final.
14. E compreende-se que assim seja, uma vez que a aprovação do plano de insolvência em nada prejudica, inutiliza ou impossibilita o conhecimento do objeto da ação, sendo inegável o interesse para o credor no prosseguimento dos mesmos.
15. Conforme já se pronunciou este Venerando Tribunal, no já referenciado Acórdão, só a prolação da sentença de verificação de créditos assegura ao Recorrente a certeza de que obterá pagamento no âmbito do plano homologado, permitindo-lhe ter título executivo quanto à totalidade do seu crédito, concorrendo, assim, para a estabilização do passivo do devedor, protegendo-o, igualmente, o seu direito como credor, que é definitivamente afetado pelo plano de insolvência, atento os efeitos do mesmo, e que, só por via deste meio judicial podem ser defendidos.
16. Ademais, é o próprio CIRE que pressupõe o prosseguimento do apenso da verificação dos créditos, atenta a redação do art. 209.°, n.º 3, o qual, ficaria esvaziado de sentido útil se se entendesse que a homologação do plano de insolvência acarretaria automaticamente a extinção da instância de verificação e graduação de créditos.
17. No mesmo sentido, pronunciaram-se já, e a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos deste Venerando Tribunal de 06.02.2014, processo n.º 106/11.0TBAMM-B.P1, Relator Leonel Serôdio, de 15.10.2013, processo n.º 1881/12.0TBPNF.P1, Relator Maria João Areias e de 29.11.2001, processo n.º 241/09.5TYVNG-A.P1, Relator Fernando Samões.
Por outro lado,
18. Entendimento diverso redundaria, então, na atribuição ao Administrador da Insolvência da competência para apreciar e julgar questões litigiosas submetidas pelas partes ao Tribunal, o que, de todo, foi a intenção do legislador, nem poderia ser atento o direito à tutela jurisdicional efetiva consagrada no art. 202.º da Constituição da República Portuguesa.
Acresce ainda que,
19. As referidas alterações legislativas não podem ser vistas como apanágio para não dar, pura e simplesmente, prosseguimento aos autos da verificação de créditos, como se passou no caso sub judice, sempre inviabilizando que, à data da assembleia de aprovação do plano de insolvência, tivesse sido proferida sentença de verificação de créditos.
Por último,
20. Mesmo que se entendesse que, para o prosseguimento dos autos, seria exigível que o credor assim o requeresse no prazo de 30 dias após o encerramento do processo de insolvência (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.04.2013, disponível em www.dgsi.pt), tal foi, inclusivamente, requerido pelo aqui Recorrente.
21. Por tudo quanto vai dito, e salvo o devido respeito, dúvidas não podem restar que mal andou o Tribunal a quo.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho posto em crise, substituindo-o por outro que determine o prosseguimento dos autos de verificação de créditos até final.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se o encerramento do processo após a decisão homologatória do plano de insolvência determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos, como foi entendido no despacho recorrido, ou não, como defende a Apelante.

II – Fundamentação de facto.
Para a decisão do recurso releva toda a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito.
No caso foi decidido que, como o processo principal foi declarado encerrado na sequência da homologação de um plano de insolvência, tal encerramento acarreta a extinção da instância dos processos de verificação de créditos uma vez que ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos no respectivo apenso (art. 233º, nº 2, al. b) do CIRE).
Contra este entendimento se insurge o Apelante, sustentando que a homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.
Vejamos.
Segundo o artigo 277º al. e) do NCPC (correspondente ao artigo 287.º, al. e) do CPC de 1961) a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Tal acontece quando, em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 367-373
Distinguem assim duas causas: “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. (vide Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, pág. 555).
Comanda o art.º 230.º do CIRE:
“1- Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:
a)…
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste; …
2- A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante.”
Dispõe ainda o art. 233.º, n.º 2, al. b) do CIRE que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina “a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.
Esta alínea tem a redacção dada pelo DL n.º 200/2004, de 18/8, que lhe aditou outra excepção à extinção da instância contemplando a hipótese em que o encerramento do processo decorra da “aprovação do plano de insolvência”.
E este aditamento está em conjugação com a alteração efectuada pelo mesmo Decreto-Lei ao n.º 2 do art.º 209.º do CIRE, tornando possível a aprovação de um plano de insolvência sem estar previamente proferida sentença de verificação, embora já com o prazo de reclamação esgotado e as impugnações deduzidas.
Numa análise literal do mencionado preceito, sobretudo da parte final que se manteve intacta, e invocando a falta de esclarecimentos por parte do legislador, há quem defenda a não aplicação da estatuição ali prevista aos autos de verificação de créditos de forma a impossibilitar a sua continuação até à decisão final, como é o caso de Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, págs. 772 a 773, quando dizem: “no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”.
Entendemos que não pode ser esta a interpretação da lei.
A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
Não sendo muito nítida a redacção desta alínea, decorrente do aditamento daquela excepção e da manutenção da parte restante, não há dúvida que o legislador quis consagrar e consagrou a referida excepção. E, tendo consagrado tal excepção, alguma utilidade deve ter, tanto mais que temos de presumir que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil). Não será pela manutenção da anterior redacção relativa à outra excepção que quis inviabilizar a aplicação da segunda excepção que acabara de consagrar. E não alterou a estatuição, certamente por a julgar desnecessária por partir do pressuposto de que a regra normal de extinção da instância é o julgamento. Deste modo, temos de concluir que, ao consagrar a referida excepção, quis-se a continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final. Tal continuação impõe-se sobretudo nos casos de impugnação à lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência, havendo uma certa analogia com a situação ali prevista de interposição de recurso da sentença de verificação.
Por outro lado, do citado art.º 230.º resulta que o encerramento do processo de insolvência não opera automaticamente após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência. Para além da correspondente decisão judicial a declarar o encerramento do processo, terá a mesma de ser notificada aos credores e ser objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º (vide Ac. da Relação do Porto, Proc. nº 241/09.5TYVNG-A.P1, de 29/11/2011, in www.dgsi.pt).
Não há, pois, razão para se considerar verificada qualquer causa de extinção da instância, seja por impossibilidade seja por inutilidade superveniente da lide.

Conclusão.
I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
II - A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.
Pelo exposto, delibera-se-se julgar procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento destes autos de verificação de créditos, com a subsequente tramitação legal.
Custas a final.

Porto, 17 de Dezembro de 2014
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho