Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6129/15.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
INSTALAÇÃO DE UMA RAMPA AMOVÍVEL DE ACESSO PARA PESSOAS PARA MOBILIDADE CONDICIONADA
Nº do Documento: RP201706206129/15.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 773, FLS.179-183)
Área Temática: .
Sumário: I – Se na acção não é impugnado qualquer acto assumido pelo Administrador do Condomínio no exercício das suas funções (com o elenco do artº 1436º CCiv), se não é impugnada nenhuma deliberação da Assembleia de Condóminos e se a acção não se reporta apenas a actos de administração ou fruição das partes comuns, visando inovações de cuja procedência pode resultar a oneração da propriedade e da posse dos condóminos sobre as partes comuns, a legitimidade para contraditar o pedido da Autora cabe a todos e cada um dos condóminos, em litisconsórcio necessário, e não ao Condomínio, representado pelo Administrador.
II – Independentemente de outras circunstâncias, as inovações nas partes comuns dependem da aprovação da maioria dos condóminos, nos termos do artº 1425º nº1 CCiv, e contra esse direito potestativo da maioria dos condóminos de aprovar/não aprovar a inovação nas partes comuns, a Autora, ainda que condómina, nada pode fazer ou obstar.
III – A interpretação extensiva do disposto no artº 1425º nº3 al.a) CCiv, se se pode aceitar para os arrendatários habitacionais, ou mesmo para trabalhadores que exerçam a respectiva actividade profissional na fracção predial em causa com carácter de estabilidade, não cabe no caso de se tratar de uma condição para o futuro exercício de uma actividade profissional (ainda que ligada à saúde), sendo o arrendamento uma res inter alios acta para o condomínio, e não assumindo qualquer carácter de indispensabilidade para a genérica prestação de cuidados de saúde.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 6129/15.3T8VNG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 16/3/2017.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo comum nº6129/15.3T8VNG, da Comarca do Porto, Instância Central (Vª Nª de Gaia).
Autora – B…, Lda.
Réus – Condomínio do prédio C… (Corpo I), Condomínio do prédio C… (Corpo II), D…, E… e mulher F…, G… e mulher H…, I… e marido J…, K…, L… e mulher M…, O…, P… e mulher Q…, entretanto substituída, por intervenção principal, por S…, T…s e mulher U…, V…, X…, Y…, Z… e mulher AB…, AC… e mulher AD…, AE… e mulher AF…, entretanto habilitados nas pessoas de AC… e AG…, AH… e mulher AI…, AJ… e marido AK…, AL…, AM…, NA… e marido AO….
Pedido
- Que se declare que a Autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;
- que sejam os Réus condenados a reconhecerem o direito de ser instalada uma rampa amovível de acesso para pessoas com mobilidade condicionada no logradouro do edifício da Rua …, nºs … a …, …, Vila Nova de Gaia;
- que seja a Autora autorizada a instalar essa rampa amovível de acesso para pessoas com mobilidade condicionada, no lado direito do logradouro frontal do prédio, atento a quem olha da Rua … para o edifício e numa largura de cerca de 2,40 metros, conforme desenhos constantes do artigo 29.º da petição inicial;
- que sejam os Réus condenados a pagarem à Autora a quantia mensal de €450, pelos danos que esta sofre enquanto não estiver autorizada a instalar a rampa de acesso, acrescida dos juros legais.
Tese da Autora
É dona de uma fracção autónoma no condomínio Corpo I, atrás identificado.
Pretende arrendar a sua fracção para a actividade de clínica médica.
A clínica a instalar exige rampa de acesso até ao logradouro do edifício.
Os condomínios RR. vêm-se opondo à referida instalação.
Tese do Réu
Impugna motivadamente a tese dos AA. – a rampa prejudica os condóminos porque reduz os lugares de estacionamento do edifício, para além de inexistir autorização da maioria necessária de condóminos.
Saneador-Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo” foram, em primeiro lugar, julgados partes ilegítimas, e absolvidos da instância, os “Condomínios” Corpo I e Corpo II.
Em julgamento de mérito, foi a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.
Conclusões do Recurso de Apelação do Autor
1. O Tribunal a quo não apreciou os factos alegados na p.i., designadamente quanto ao contrato promessa de arrendamento e sua conversão em definitivo após a instalação da rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada; A instalação das rampa de acesso pela recorrente com todos os custos a seu cargo; que não é suprimido qualquer lugar de estacionamento aos condóminos, nem há quaisquer danos para estes; que, na data da construção do edifício não era obrigatória a instalação de acessibilidades a pessoas com mobilidade condicionada e actualmente já é obrigatória; que o contrato prometido de arrendamento era para a actividade de clínica médica; e que a recorrente procurou sensibilizar os condóminos quanto à instalação da pretendida rampa de acesso , pelo que se verifica ter havido nulidade da douta sentença proferida, por erro de julgamento ou omissão de pronúncia.
2. A douta sentença julgou incorrectamente o facto dado por provado em 4), porquanto, pelo menos dois dos condóminos pronunciaram-se a favor do acesso pretendido pela recorrente e não foi a totalidade dos condóminos que se opôs à construção da rampa de acesso a pessoas de mobilidade condicionada.
3. Houve também, com todo o respeito, julgamento incorrecto na douta fundamentação e enquadramento jurídico que faz parte da também douta sentença, porquanto o Meritíssimo Juiz a quo conferiu direito absoluto ao direito de propriedade face a outros direitos de valor superior e com aquele conflituam e, no entender da ora recorrente há que assegurar às pessoas de mobilidade reduzida ou condicionada as acessibilidades condignas e especificadas designadamente no Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto.
4. O Decreto-Lei nº 163/2006 referido, é de aplicação obrigatória para os edifícios construídos a partir da data da sua publicação, tendo os edifícios antigos que se adaptar, dispondo o prazo máximo de 10 anos. A douta sentença não teve esta legislação em consideração, fazendo errado julgamento jurídico. Não teve também em consideração a interpretação extensiva desta lei de forma a poder abarcar a situação trazida aos autos de forma a possibilitar à recorrente a utilização plena da propriedade. Sem a devida adaptação, a recorrente não poderá fazer uma utilização plena da propriedade, uma vez que a actividade em causa, clínica, exige a existência de acesso para pessoas com mobilidade reduzida, direito superior que se deverá sobrepor.
5. O Código Civil é entendido como lei geral, face ao previsto no Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto, que é lei especial e por isso se sobreporá àquele. Esta situação não foi tomada em consideração pela douta sentença proferida, havendo julgamento juridicamente incorrecto, sempre com todo o respeito. Além disso, mesmo que a douta sentença não tivesse previsto que o referido decreto-lei constitui lei especial, sempre a douta sentença deveria ter interpretado o disposto no nº3 do artº 1 425º do CC extensivamente e tal não foi feito, devendo considerar a legitimidade e a legalidade por parte da recorrente em poder construir a expensas suas a rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada.
6. Os RR Condomínios (Corpo I e Corpo II) são parte legítima na acção, porquanto, em primeira linha são eles próprios obrigados a instalar as acessibilidades para pessoas com mobilidade condicionada, pelo que, por maioria de razão são também partes nos presentes autos, errando a doutra sentença ao considerá-las partes ilegítimas.
7. A douta sentença violou, entre o mais, o disposto nos artigos 1425º, nº 3 do Código Civil; 410º e ss. do Código Processo Civil; 615º do Código Processo Civil e Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto.

Por contra-alegações, os RR. contestantes sustentam a confirmação da sentença recorrida.
Factos Provados
1). O edifício prédio sito na Rua …, n.º … a …, com Corpo I e Corpo II, …, …, Vila Nova de Gaia, encontra-se registado na 2.ª C. R. P. de V. N. de Gaia sob o n.º 442/19860106 com propriedade horizontal constituída com data de registo de 27/07/1981 com as seguintes frações:
«A» - permilagem 35,5;
«B» - permilagem 24;
«C» - permilagem 21,5
«D» - permilagem 21,5;
«E» - permilagem 21.5;
«F» - permilagem 61;
«G» - permilagem 51;
«H» - permilagem 51;
«I» - permilagem 51;
«J» - permilagem 61;
«L» - permilagem 51;
«M» - permilagem 51;
«N» - permilagem 51;
«O» - permilagem 61;
«P» - permilagem 51;
«Q» - permilagem 51;
«R» - permilagem 51;
«S» - permilagem 66;
«T» - permilagem 56;
«U» - permilagem 56;
«V» - permilagem 56, sendo zona comum a todas as frações um logradouro com 347,10 m2 de área, tudo conforme fls. 24, 25 e 144 a 158.
2). Os Réus são condóminos do referido imóvel com exceção de AG….
3). A propriedade da fração autónoma designada pela letra «C» correspondente ao r/c dto. do Corpo I do edifício acima referido, destinado a estabelecimento comercial, está inscrita a favor da Autora na 2.ª C. R. P. de V. N. G. sob o nº 442/19860106-C com data de registo de 19/08/1992 – fls. 26 e 145-.
4). A maioria dos condóminos, em percentagem superior a 2/3, opõem-se à construção, a mando da Autora, de rampa amovível de acesso para pessoas com mobilidade condicionada no logradouro do edifício acima referido, no lado direito do logradouro frontal do prédio, atento a quem olha da Rua … para o edifício e numa largura de cerca de 2,40 metros (redacção adoptada nesta instância – cf. fundamentação infra).
5). A Autora tem pago as quotas de condomínio.
Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso são, em substância, as seguintes:
- Saber se os RR. Condomínios são partes legítimas pois, em primeira linha, são eles próprios obrigados a instalar as acessibilidades para pessoas com mobilidade condicionada.
- Saber se a sentença julgou incorrectamente o facto dado por provado em 4), porquanto, pelo menos dois dos condóminos pronunciaram-se a favor do acesso pretendido pela recorrente (não foi a totalidade dos condóminos que se opôs à construção da rampa de acesso a pessoas de mobilidade condicionada).
- Saber se o Tribunal a quo não apreciou todos os factos alegados na p.i., designadamente quanto ao contrato promessa de arrendamento e sua conversão em definitivo após a instalação da rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada; a instalação das rampas de acesso pela recorrente com todos os custos a seu cargo; que não é suprimido qualquer lugar de estacionamento aos condóminos, nem há quaisquer danos para estes; que, na data da construção do edifício não era obrigatória a instalação de acessibilidades a pessoas com mobilidade condicionada e actualmente já é obrigatória; que o contrato prometido de arrendamento era para a actividade de clínica médica; e que a recorrente procurou sensibilizar os condóminos quanto à instalação da pretendida rampa de acesso, e respectivas consequências para a nulidade da sentença, por erro de julgamento ou omissão de pronúncia.
- Saber se não cabia conferir direito absoluto ao direito de propriedade face a outros direitos de valor superior e com aquele conflituam, designadamente, quanto às pessoas de mobilidade reduzida ou condicionada, o direito a acessibilidades condignas e especificadas designadamente no Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto.
- Saber se os edifícios antigos devem adaptar-se, num prazo máximo de 10 anos, às normas do Decreto-Lei nº 163/2006. Saber ainda se o Código Civil é entendido como lei geral, face ao previsto no Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto, que é lei especial e por isso se sobreporá àquele.
- Saber se, sem a referida adaptação, a Recorrente não poderá fazer utilização plena da sua propriedade, uma vez que a actividade prevista, clínica, exige a existência de acesso para pessoas com mobilidade reduzida.
- Saber se a sentença deveria ter interpretado o disposto no nº3 do artº 1 425º do CC extensivamente, como tal considerando a legitimidade e a legalidade da recorrente ao construir a expensas suas a rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada.
Apreciemos então a matéria do recurso.
I
Começando pela (i)legitimidade dos Condomínios Réus.
Como é sabido, por força do disposto pelo critério supletivo do artº 26º nº3 CPCiv, são titulares da relação material controvertida os sujeitos da mesma, tal como é configurada pelo Autor.
A presente acção visa fazer valer o direito a instalar uma rampa de acesso a uma fracção predial, para pessoas com mobilidade condicionada, rampa essa a desenvolver-se em espaço comum de logradouro do edifício (e subsequente indemnização por danos provenientes do atraso na instalação da rampa).
Trata-se assim de fazer valer o direito a uma inovação em parte comum do condomínio, em geral regulada pelo disposto no artº 1425º CCiv.
O condomínio faz coexistir, num mesmo edifício, propriedades distintas e individualizadas, com a compropriedade de outros elementos forçosamente comuns – Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, 2ª ed., pg. 397.
Como órgãos representativos e deliberativos do Condomínio, a lei distingue a Assembleia de Condóminos e o Administrador.
O Condomínio em si constitui apenas uma realidade de facto, sem personalidade jurídica, mas com personalidade judiciária, designadamente quanto às acções que se inserem nos poderes do Administrador, quem, dessa forma e no âmbito desses seus referidos poderes, representa o Condomínio (artº 12º al.e) CPCiv).
Os poderes do administrador encontram-se elencados no Código Civil a propósito da legitimidade processual do administrador – como parte passiva, pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, excepto se tais acções colocarem em causa a propriedade ou a posse dos bens comuns (e salvo a atribuição de poderes especiais pela Assembleia) – é o que dispõe o artº 1437º nºs 2 e 3 CCiv (a propósito, cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pg. 456 – ainda com interesse o Ac.S.T.J. 16/12/99 Bol.492/408, relatado pelo Consº Pinto Monteiro, com extensa doutrina citada em apoio).
Igualmente se vem entendendo que o Condomínio, representado pelo Administrador, cabe ser demandado nas acções de impugnação das deliberações da Assembleia de Condóminos – artº 1433º nº6 CCiv e Profs. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Anotado, 1º, 1999, pg. 21.
Ora, no caso dos autos não apenas não é impugnado qualquer acto assumido pelo Administrador no exercício das suas funções (com o elenco do artº 1436º CCiv), como não é impugnada nenhuma deliberação da assembleia de condóminos e, mais ainda, a acção não se reporta apenas a actos de administração ou fruição das partes comuns, podendo da respectiva procedência resultar a oneração da extensão da propriedade e da posse dos condóminos sobre as referidas partes comuns.
Neste sentido, a legitimidade para contraditar o pedido da Autora cabia tão só a todos e cada um dos condóminos, em litisconsórcio necessário, não podendo, de uma acção proposta contra o Condomínio, representado pelo Administrador, resultar caso julgado para com os Condóminos, quanto à afectação ou à oneração do direito de propriedade de qualquer dos condóminos sobre as partes comuns.
Foi assim adequadamente decidida a questão da ilegitimidade processual dos demandados Condomínios.
II
Prosseguem as doutas alegações, invocando que a sentença julgou incorrectamente o facto dado por provado em 4) – (“todos os Réus se opõem à construção, a mando da Autora, de rampa amovível de acesso para pessoas com mobilidade condicionada no logradouro do edifício acima referido, no lado direito do logradouro frontal do prédio, atento a quem olha da Rua … para o edifício e numa largura de cerca de 2,40 metros”), porquanto, pelo menos dois dos condóminos pronunciaram-se a favor do acesso pretendido pela recorrente (não foi a totalidade dos condóminos que se opôs à construção da rampa de acesso a pessoas de mobilidade condicionada).
Tem aqui razão a Apelante, no sentido de que o facto que se encontra admitido por acordo é o de que “a maioria dos condóminos, em percentagem superior a 2/3, opõem-se à construção da rampa de acesso” – artº 30º da Contestação.
Como assim, é o facto assim admitido que deve passar a constar do elenco dos provados, conforme demos já nota supra.
III
Dizem as doutas alegações que o Tribunal a quo não apreciou todos os factos alegados, designadamente quanto ao contrato promessa de arrendamento e sua conversão em definitivo após a instalação da rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada; a instalação das rampas de acesso pela recorrente com todos os custos a seu cargo; que não é suprimido qualquer lugar de estacionamento aos condóminos, nem há quaisquer danos para estes; que, na data da construção do edifício não era obrigatória a instalação de acessibilidades a pessoas com mobilidade condicionada e actualmente já é obrigatória; que o contrato prometido de arrendamento era para a actividade de clínica médica; e que a recorrente procurou sensibilizar os condóminos quanto à instalação da pretendida rampa de acesso, e respectivas consequências para a nulidade da sentença, por erro de julgamento ou omissão de pronúncia.
Em primeiro lugar, não nos parece acertada, salvo o devido respeito, a crítica feita à sentença recorrida, a qual passou em revista todos esses itens, pese embora de forma não favorável à pretensão da Autora.
Não existe assim qualquer espécie de omissão de pronúncia na sentença recorrida.
A construção de uma rampa de acesso sobre um logradouro comum cabe indiscutivelmente no conceito de “inovação” nas partes comuns, do artº 1425º CCiv.
Ora, independentemente dos compromissos contratuais da Autora (que só a ela responsabilizam, não já os condóminos), independentemente da existência ou da inexistência de prejuízo para a utilização que do logradouro é feita pelos condóminos, a verdade é que as inovações nas partes comuns dependem da aprovação da maioria dos condóminos, nos termos do artº 1425º nº1 CCiv, aprovação essa que, pelo visto, ainda não aconteceu.
E contra esse direito potestativo da maioria dos condóminos de aprovar/não aprovar a inovação nas partes comuns, a Autora, ainda que condómina, nada pode fazer ou obstar.
Diga-se ainda que as normas do D-L nº163/2006 de 8 de Agosto, aprovando o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, pese embora preverem a adaptação dos edifícios de construção anterior a 22/8/97, num prazo de 10 anos, às regras de acessibilidade previstas no diploma (artº 9º) se aplicam apenas às relações entre a administração, no que respeita à aprovação e à construção de edifícios, e os particulares, com óbvia exclusão das relações entre particulares regidas pelo Código Civil – a administração deverá assim possuir meios que conduzam à realização do desiderato legal, meios esses que não passam, ou não podem ser decisivos, para uma decisão judicial dirimindo conflito entre privados.
IV
Saber agora se não cabia conferir direito absoluto ao direito de propriedade face a outros direitos de valor superior e com aquele conflituam, designadamente, quanto às pessoas de mobilidade reduzida ou condicionada, o direito a acessibilidades condignas e especificadas designadamente no Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto.
A matéria da ponderação de direitos consta de diversas decisões judiciais que se exprimiram sobre a instalação, em partes comuns dos prédios, de acessos especiais para pessoas com mobilidade diminuída.
A polémica é assim anterior à vigência da Lei nº 32/2012 de 14/8, que introduziu um nóvel nº3 ao artº 1425º CCiv, do seguinte teor:
“No caso de um dos membros do respectivo agregado familiar ser uma pessoa com mobilidade condicionada, qualquer condómino pode, mediante prévia comunicação nesse sentido ao administrador e observando as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, efectuar as seguintes inovações: a) Colocação de rampas de acesso (…)”.
Ou seja, se, na actualidade, a instalação de rampas de acesso em benefício dos condóminos, enquanto inovação, não depende da autorização dos demais condóminos, observados os condicionantes legais, por aplicação directa da norma legal, assim não era antes da vigência dessa norma.
E assim, socorreram-se os tribunais do disposto no artº 335º nºs 1 e 2 CCiv para afirmar que, em diversas situações concretas (a avaliar caso a caso), podem os tribunais moderar ou comprimir o exercício de um direito de cariz patrimonial, em face dos direitos de personalidade dos condóminos ou arrendatários do edifício – nessa decorrência, podem os tribunais ponderar a indispensabilidade ou o elevado relevo de uma estrutura de acesso à fracção ou locado, em face da fraca interferência negativa que a estrutura causa na utilização das partes comuns – cf., a esse propósito, o que se discorreu no Ac.S.T.J. 26/2/2015 Col.I/134, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes.
Mas, como adequadamente já salientou a douta sentença recorrida, o confronto a efectuar no processo não é entre direitos de natureza diferente.
Ambos revestem a natureza de direitos de carácter patrimonial, seja do lado do condomínio (quanto à soberana disposição sobre as partes comuns), seja do lado da Autora condómina (proprietária de fracção e economicamente interessada na execução de determinada promessa e na celebração de um arrendamento), seja ainda do lado da potencial arrendatária, “profissional”, que visa o exercício de uma actividade económica, que não apenas não se confunde com uma absoluta necessidade de um habitante da fracção ou de um trabalhador da mesma, como pode ainda ser exercida noutro local, sem que se coloque a questão da afectação de uma propriedade comum.
Parece-nos claro, com o devido respeito, que os compromissos contratuais assumidos pela Autora, em matéria de arrendamento da sua fracção, são, para os Réus condóminos, verdadeira res inter alios acta, insusceptível de afectar a respectiva posição de condóminos e proprietários de fracções e os direitos daí decorrentes.
Esta matéria em nada contende com a utilização plena da propriedade da Apelante, que é constituída pela respectiva fracção predial, contendendo antes com a utilização que o condomínio faz das respectivas partes comuns, e que deve ser resolvido por apelo ao disposto no artº 1425º CCiv.
A interpretação extensiva do disposto no artº 1425º nº3 al.a) CCiv, já citado, se se pode conceber e aceitar para arrendatários habitacionais, ou mesmo para trabalhadores que exerçam a respectiva actividade profissional na fracção predial em causa com carácter de estabilidade, como assinalado na douta sentença recorrida, não cabe como condição para o exercício de uma actividade profissional ligada à saúde, no arrendamento de uma fracção, pois esse futuro arrendamento é, como assinalámos, uma res inter alios acta para o condomínio, não assumindo o arrendamento de uma certa e determinada fracção qualquer carácter de indispensabilidade para a prestação de cuidados de saúde.
Tudo visto, impõe-se a confirmação da douta sentença recorrida.
Resumindo a fundamentação:
I – Se na acção não é impugnado qualquer acto assumido pelo Administrador do Condomínio no exercício das suas funções (com o elenco do artº 1436º CCiv), se não é impugnada nenhuma deliberação da Assembleia de Condóminos e se a acção não se reporta apenas a actos de administração ou fruição das partes comuns, visando inovações de cuja procedência pode resultar a oneração da propriedade e da posse dos condóminos sobre as partes comuns, a legitimidade para contraditar o pedido da Autora cabe a todos e cada um dos condóminos, em litisconsórcio necessário, e não ao Condomínio, representado pelo Administrador.
II – Independentemente de outras circunstâncias, as inovações nas partes comuns dependem da aprovação da maioria dos condóminos, nos termos do artº 1425º nº1 CCiv, e contra esse direito potestativo da maioria dos condóminos de aprovar/não aprovar a inovação nas partes comuns, a Autora, ainda que condómina, nada pode fazer ou obstar.
III – A interpretação extensiva do disposto no artº 1425º nº3 al.a) CCiv, se se pode aceitar para os arrendatários habitacionais, ou mesmo para trabalhadores que exerçam a respectiva actividade profissional na fracção predial em causa com carácter de estabilidade, não cabe no caso de se tratar de uma condição para o futuro exercício de uma actividade profissional (ainda que ligada à saúde), sendo o arrendamento uma res inter alios acta para o condomínio, e não assumindo qualquer carácter de indispensabilidade para a genérica prestação de cuidados de saúde.
Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Autora e, em consequência, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 20/6/2017
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença