Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/11.6GFPNF.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE FURTO
DECLARAÇÕES DOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
PROVA INDIRECTA
Nº do Documento: RP20150701425/11.6GFPNF.P2
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Do disposto nos artigos 357º, nº 1 e 3, e 356º, nº 7, do Código de Processo Penal resulta que os órgãos de polícia criminal não podem ser inquiridos sobre o que tenham ouvido dizer ao arguido quando não seja este a solicitá-lo. E, para este efeito, o regime é o mesmo tratando-se de depoimento reduzido a auto ou de “conversa informal”, antes ou depois da constituição formal como arguido ou da abertura formal do inquérito.
II - A simples detenção dos objetos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo artigo 203º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr425/11.6GFPNF.P2

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O arguido B… veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este que o condenou, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, f), do Código Penal, na pena de vinte e oito meses de prisão, suspensa na sue execução por igual período, com regime de prova

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«1º - Proferida, no presente processo, uma primeira sentença condenatória do arguido ora recorrente, este interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, que no seu douto Acórdão constante de fls. 197 a 204 dos autos, declarou nula a sentença, por insuficiências na fundamentação, determinado o suprimentos daquelas insuficiências. O tribunal de primeira instância determinou a reabertura da audiência de julgamento, da qual não resultaram quaisquer novos elementos de prova, com exceção da avaliação do veículo em causa (mini-mota) e da pesagem do mesmo, mandadas realizar pelo tribunal de primeira instância. A verdade, porém, é que o tribunal a quo manteve praticamente in totum a sentença anteriormente proferida, quer em relação aos factos que julgou provados, quer em relação à fundamentação, quer em relação à decisão, pelo que o presente recurso assenta nas mesmas alegações que fundamentaram o primeiro recurso.
2ª - O tribunal a quo condenou o arguido ora recorrente sem que tivesse sido produzida, em sede de audiência de julgamento, qualquer prova efetiva e objetiva de que este participou, juntamente com o arguido C…, nos factos constantes da acusação.
3ª - Designadamente, nenhuma prova foi produzida de que, no dia 19 de Dezembro de 2011, cerca das 14 horas ou em qualquer outro momento do dia, em Penafiel, na …, em … ou em …, …, o arguido B… tenha entrado, juntamente com o arguido C…, no espaço adjacente ao estaleiro do ofendido D…, de lá tendo retirado uma minimota, cor de laranja, com o motor nº ………….. que aí se encontrava estacionada, minimota que desta forma fizeram coisa de ambos.
4ª - O princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não permite ao julgador decidir com base numa apreciação inteiramente arbitrária e subjetiva da prova, pois a constituição e a lei, à qual o juiz se encontra estritamente vinculado, exigem-lhe que assente (e fundamente) a sua convicção em factos objetivos que tenham sido colhidos na prova legalmente produzida, de acordo com as regras da lógica formal.
5ª - No caso sub judice o tribunal a quo julgou unicamente com base na sua convicção subjetiva, violando princípios e regras estabelecidos no código de processo penal quanto à valoração das provas e atribuindo validade a provas meramente circunstanciais.
6ª – O tribunal a quo violou o disposto no artigo 345º, nº4 do Código de Processo Penal, que determina que não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a depor, e o disposto no artigo 129º, nº1, do Código de Processo Penal, que preceitua que, quando o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor, mas se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova,
7ª – Quando, apesar do arguido ora recorrente e da testemunha E… terem afirmado na audiência de julgamento que, na data indicada na acusação, o arguido B… não se encontrava nem no local indicado na acusação, nem no local que a sentença indica (corrigindo a acusação), mas sim a trabalhar no Marco de Canaveses, ficou convencido do contrário (!?);
8ª – E quando, apesar do arguido C…, que foi intercetado pelo guarda que o deteve - testemunha G… - quando conduzia o veículo alegadamente furtado, ter optado por permanecer em silêncio durante o julgamento, o depoimento feito pelo referido guarda de que aquele arguido lhe disse, logo após a sua detenção, que o seu amigo B… também tinha participado no alegado furto, lhe permitiu formar a sua convicção de que assim aconteceu efetivamente.
9ª - O tribunal a quo formou ainda a sua convicção da culpabilidade do arguido B… tendo em consideração o facto do guarda G… ter afirmado no seu depoimento que este arguido lhe confessou a sua participação nos factos constantes da acusação, em flagrante violação do disposto no nº1 do artigo 355º do Código de Processo Penal, que estabelece que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
10ª - Para além do que acima se alegou, a sentença proferida afirma que o tribunal a quo formou também a sua convicção num conjunto de factos que, sendo meramente circunstanciais, não constituem elementos de prova suficientemente sólidos para sustentarem a condenação do arguido B…:
i) Que a postura da testemunha E… apresentou-se como extremamente pormenorizada na questão da confirmação de que o seu companheiro B… estaria a trabalhar, mas que disse ao mesmo “que nem queria saber do assunto”, levando o Tribunal a concluir que esta testemunha bem sabia o que o seu companheiro esteve a fazer (!?);
ii) Que o facto do arguido ter ido trabalhar no dia em questão em nada impede que tenha praticado os factos, até facilita o seu cometimento por parte do arguido B… que, enquanto eletricista, ao que parece trabalha no exterior, nomeadamente na via pública, o que lhe permitiria percecionar o veículo em causa. (!?);
iii) Que a mota em causa se apresenta como um veículo pesado, com cerca de 82 kg, pelo que muito complicado seria içá-la acima de um muro de 2,50m, sem que o fizessem duas pessoas em conjugação de esforços, sob pena de desafiar as regras da experiência comum.
11ª - Alicerçar nos factos acima referidos a convicção do tribunal na culpabilidade do arguido constitui uma violação do “sacrossanto” princípio da presunção da inocência, previsto no nº2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, por força do qual o arguido não precisa de provar a sua inocência e o juiz, em caso de dúvida sobre a matéria da acusação, deve absolver o arguido.
12ª - O presente recurso tem, pois, por fundamento, um erro notório do tribunal a quo na apreciação da prova produzida, nos termos da alínea c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, com violação dos disposições legais e da disposição constitucional acima citadas, pois a prova produzida jamais poderia ser considerada suficiente para julgar provados os factos listados na parte II das presentes alegações em relação ao arguido B…, que, por essa razão, deveria ter sido absolvido.
13ª – Não tanto pelo alegado, como pelo doutamente suprido, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida do Tribunal Judicial de Penafiel e decidindo-se no sentido da absolvição do arguido ora recorrente.»

O arguido C… também interpôs recurso dessa sentença, que o condenou, pela prática do mesmo crime, na pena de duzentos e vinte dias de multa, à taxa diária de sete euros.

São as seguintes as conclusões deste recurso:
«I) O Tribunal a quo condenou o arguido C… sem que tivesse sido produzida, em sede de audiência de julgamento, qualquer prova efectiva e objectiva de que este tenha participado, juntamente com o arguido B…, nos factos constantes da acusação.
II) Nomeadamente, nenhuma prova foi produzida de que no dia 19 de Dezembro de 2011, a hora não apurada, em …, …, em Penafiel, o arguido C… tenha entrado juntamente com o arguido B… no espaço adjacente ao estaleiro do ofendido D…, tendo de lá retirado uma mini-mota, côr de laranja, com o motor n.º ………….. que aí se encontrava estacionada, mini-mota que desta forma fizeram coisa de ambos.
III) No que ao aqui Recorrente diz respeito, a Meritíssima Juíz formou a convicção da culpabilidade do arguido (C…), unicamente, no depoimento da testemunha G…, ou seja, pelo facto de a referida testemunha ter interceptado o arguido a conduzir o veículo furtado e pelo mesmo em conversa com a testemunha ter assumido, naquele momento, a sua participação nos factos.
IV) Pois, nenhum outro elemento probatório existe que prove que o arguido C… praticou os factos pelos quais foi condenado. Senão vejamos:
V) As demais testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento (D… e E…), não presenciaram os factos;
VI) E o arguido B…, em sede de audiência de julgamento, negou a prática dos mesmos, tendo o arguido C… se remetido ao silêncio.
VII) Assim, a testemunha G… só adquiriu a certeza de que havia sido o arguido C… que praticou os factos, por este lhe ter “dito”.
VIII) Todavia, é nosso entendimento, que o depoimento da testemunha G… apreciado de acordo com as regras de razoabilidade, experiência e bom senso, não é por si só suficiente para estabelecer a convicção do Tribunal no sentido de se provar que o arguido foi co-autor da prática do crime de furto.
IX) Assim o busílis da questão reside em saber se, o facto do arguido ter na sua posse, ou seja, estar a conduzir a mini-mota furtada e ter dito em conversa com o elemento da GNR que seria um dos autores do furto é suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade de que foi co-autor do furto. E, como todo o respeito por opinião contrária, consideramos que não!
- Do valor probatório do que o arguido C… disse à testemunha G… (elemento da GNR), quando foi interceptado e questionado sobre os factos consubstanciadores do crime de furto.
X) O que o arguido (C…) disse à testemunha G… quando foi interceptado na posse da referida mini-mota, apenas prova que ele disse aquilo que a testemunha lhe ouviu dizer nesse local e nesse momento, mas esse depoimento da testemunha não prova que o arguido tenha praticado o crime de furto que o mesmo em “conversa” lhe disse ter praticado.
XI) Desde logo, porque a afirmação de tais “verbalizações”, exigem um percurso probatório que não pode passar pela promoção do “dito” a “confessado”, ou seja, bastarmo-nos com as palavras ditas pelo arguido a uma testemunha e fazer operar sobre elas (e apenas sobre elas) as regras da experiência comum é elevá-las à categoria de confissão e isto está obviamente vedado ao Tribunal.
XII) Em primeiro lugar, pela própria natureza do “dito”, e pelas cautelas que o efeito confessório é rodeado pela ordem jurídica.
XIII) Em segundo lugar, porque aceitar o “verbalizado” como equiparado a “confissão” é inviabilizar direitos, designadamente o direito ao silêncio e refira-se que o arguido (C…), em obediência ao direito ao silêncio, que lhe assiste, não prestou declarações em sede de audiência de julgamento.
XIV) A decisão de que ora se recorre não deixa de configurar a validação de uma “confissão” realizada perante uma testemunha (militar da GNR), sem que a mesma venha a ser confirmada, integralmente e sem reservas, no local próprio, a audiência de julgamento, e perante a entidade competente, o magistrado judicial.
XV) A testemunha G… não pode saber (pelo simples relato do arguido), se a factualidade que lhe foi contada é ou não verdadeira, se ocorreu ou não realmente, ele apenas sabe que o arguido lhe disse que “aquilo” aconteceu, mas não sabe se “aquilo” realmente aconteceu.
XVI) O Tribunal recorrido valoriza as declarações da testemunha G… até às últimas consequências, ou seja, não só considera que as mesmas provam que existiu uma conversa entre o arguido (C…) e a testemunha, como também considera que as mesmas demonstram de forma absolutamente determinante (só com o apoio das regras da experiência comum) que os factos relatados na altura pelo arguido são verdadeiros.
XVII) Todavia, não é possível, nem sequer admissível considerar provado, só com o apelo às regras da experiência comum, que o arguido praticou os factos de que vem acusado apenas porque ele admitiu a uma testemunha a sua participação nos factos.
XVIII) Pois, é mais que razoável a dúvida de que possa ter sido outro o autor do furto e que o objecto deste possa ter vindo posteriormente a entrar na posse do arguido C… (eventualmente, até através da prática de um crime de receptação).
XIX) Desta feita, o simples facto de o arguido C… estar na posse do objecto furtado quando foi interceptado pela testemunha G… (elemento da GNR) ainda que conjugado com aquilo que ele transmitiu à testemunha, naquele momento, desacompanhado de qualquer outro elemento de prova, não permite induzir a forma como o objecto furtado (mini-mota) foi por ele obtida, nem que ele o obteve nas condições requeridas pelo art. 203.º, do Código Penal.
XX) Para além do supra exposto, refere a sentença recorrida que o Tribunal a quo formou também a sua convicção num conjunto de facto que, sendo meramente circunstanciais, não constituem elementos de prova suficientemente sólidos para sustentarem a condenação do arguido C….
XXI) Como é o caso, por exemplo, de na sentença que ora se recorre estar referido que sendo a mota em causa um veículo pesado (com 82kg), muito complicado seria iça-la acima de um muro de 2,50m, sem que o fizessem duas pessoas em conjugação de esforços, sob pena de desafiar as regras da experiência comum.
XXII) Como é sabido, o princípio da livre apreciação da prova, não permite ao juiz decidir com base numa apreciação inteiramente arbitrária e subjectiva da prova, pois a constituição e lei, à qual o julgador se encontra estritamente vinculado, exigem-lhe que assente e fundamente a sua convicção em factos objectivos que tenham sido colhidos na prova legalmente produzida (cfr. ar. 127.º, do C.P.P.).
XXIII) Por todo exposto, é evidente que o Tribunal a quo julgou unicamente com base na sua convicção subjectiva, violando assim princípios e regras estabelecidas no código de processo penal quanto à valoração das provas e atribuindo excessiva validade a provas meramente circunstanciais.
XXIV) Outro princípio estruturante do processo penal é o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade, na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (art. 32.º, n.º 2, da CRP) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo.
XXV) A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, pois a Meritíssima Juiz considerou ser suficiente o depoimento prestado pela testemunha G… apreciado de acordo com regras de razoabilidade, experiência e bom senso para dar como provado a prática do crime de furto pelo arguido C… sendo manifesto que não tinha outros elementos de prova.
XXVI) O Tribunal a quo violou assim os artigos 410.º, n.º 2, alínea c), 61.º, n.º 1, alínea d), ambos do C.P.P. e artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
XXVII) Ora, tendo em conta que não existe qualquer outra prova de que foi o arguido C… que praticou o crime de furto pelo qual foi condenado e tendo em conta o Princípio in dubio pro reo, outra alternativa não restará que não seja, a de julgar procedente o presente recurso e absolver o arguido da prática do crime em que foi condenado.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tais motivações, pugnando pelo não provimento de ambos os recursos.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento de ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, a de saber se não poderá ser valorado o depoimento da testemunha G…, agente da G.N.R., depoimento em que se baseou a condenação dos arguidos; e se, não podendo ser valorado tal depoimento, a restante prova produzida não permite sustentar essa condenação, impondo-se a absolvição destes.

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
II – Fundamentação
A De Facto
1 – Factos Provados
1 - No dia 19 de Dezembro de 2011, a hora não apurada, em …, …, em Penafiel, os arguidos entraram no espaço adjacente ao estaleiro do ofendido D…, de lá tendo retirado um mini-mota, côr de laranja, com o motor nº ………….. que aí se encontrava estacionada, mino mota que desta forma fizeram coisa de ambos.2 - Os arguidos, para entrarem no referido espaço, tiveram de passar por cima do muro que rodeia todo o estaleiro, tendo o mesmo cerca de 2,50m de altura.
3 - A mini-mota pesa 82 kg e valia, à data dos factos, um valor não concretamente apurado, mas não inferior a 250 euros.
4 - Os arguidos, actuando em conjugação de esforços e comunhão de vontades, agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5 - Os arguidos sabiam que a mini-mota não lhes pertencia. Porém, ao retirá-la como descrito, quiseram fazê-la, como fizeram, coisa de ambos, bem sabendo que agiam sem o consentimento e contra a vontade do seu legítimo proprietário.
6 - Os arguidos tinham igualmente consciência e sabiam que ao transpor o muro do estaleiro do ofendido e ao entrar no espaço adjacente ao mesmo para de lá retirarem a mini-mota invadiam, como invadiram, sem consentimento de quem de direito, um espaço fechado cujo carácter alheio e reservado se encontrava perfeitamente identificado através da existência do referido muro.
Mais se provou:
7 - O arguido B… trabalha como eletricista para dois patrões, H…, Lda, com sede em … e I…, auferindo um rendimento não concretamente apurado, mas não inferior a 500,00 euros mensais.
8 - Vive com uma companheira, que recebe cerca de 30 euros de rendimento mínimo.
9 - Têm uma filha de 4 anos de idade.
10 - Este arguido já respondeu em Juízo pela de três crimes de condução sem carta, dois crimes de furto qualificado e ainda crime de furto de uso de veículo, tendo sido condenado em penas de multa e uma pena de prisão, cuja execução lhe foi declarada suspensa pelo período de 2 anos.
11 - Desconhecem-se anteriores condenações em Juízo ao arguido C…, constando do seu certificado do registo criminal junto aos autos que as não tem.

2 – Factos não provados
Não ficaram por provar quaisquer factos da acusação com interesse para a boa decisão da causa e relacionados com o objecto da mesma.
Não se provaram quaisquer factos relativos à condição económica ou social do arguido C…, uma vez que o mesmo não prestou declarações em sede de audiência de julgamento.
*
3 – Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto provada e não provada com base na prova produzida em julgamento, apreciada de acordo com regras de razoabilidade, experiência e bom senso.
Os factos essenciais consubstanciadores da prática do delito por parte dos arguidos, resultaram provados pela conjugação de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, muito particularmente o da testemunha G… e inclusivamente o do próprio arguido B….
Na verdade, o depoimento deste arguido, que se tentou “posicionar” no Marco de Canaveses a trabalhar, teve exactamente a virtualidade de convencer o Tribunal que praticou os factos, devidamente conjugado com o depoimento da testemunha G… e da sua companheira, E….
Da soma destes três depoimentos, ficou o Tribunal sem quaisquer dúvidas que os arguidos tiverem a intervenção apurada nos factos, considerando que o veículo foi encontrado a ser conduzido pelo arguido C…, que ao momento logo assumiu à testemunha G… a sua participação nos factos e a do seu amigo B….
Seguidamente apurou-se que o arguido C… telefonou ao arguido C…, que igualmente confessou de imediato a sua conduta à testemunha G….
Para além de tudo isto, a postura da testemunha E… apresentou-se como extremamente pormenorizada na questão da confirmação de que o seu companheiro B… estaria a trabalhar, mas que disse ao mesmo “que nem queria saber do assunto”, levando o Tribunal a concluir que esta testemunha bem sabia o que o seu companheiro esteve a fazer.
O facto do arguido ter ido trabalhar no dia em questão em nada impede que tenha praticado os factos, até facilita o seu cometimento por parte do arguido B… que, enquanto eletricista, ao que parece trabalha no exterior, nomeadamente na via pública, o que lhe permitiria percepcionar o veículo em causa.
Em suma, o depoimento que ao Tribunal fez crer que foram os arguidos quem retirou a mota causa alicerçou-se, no essencial, no depoimento da testemunha G…, ao que se somaram todas as demais declarações e circunstâncias do caso.
A testemunha E…, apesar de não ter afirmado a conduta do arguido, seu companheiro, apresentou-se de tal modo comprometido que teve a virtualidade de coadjuvar o depoimento do guarda G….
Acresce por fim, que a mota em causa se apresenta como um veículo pesado, com 82 kg, pelo que muito complicado seria içá-la acima de um muro de 2,50m, sem que o fizessem duas pessoas em conjugação de esforços, sob pena de desafiar as regras da experiência comum.
Relativamente às demais circunstâncias do local, nada mais se apurou a não ser as dimensões do muro, já referidas, com base nas declarações do próprio ofendido.
No que concerne ao peso e valor do veículo, o Tribunal baseou-se no teor do relatório pericial das fls. 222/223 e 234, não impugnado por nenhum dos sujeitos processuais.
Relativamente às condições económicas do arguido B… valeu o declarado por si, na falta de outros meios de prova.
O arguido C…, tendo-se remetido ao silêncio, em nada contribuiu para a descoberta da verdade.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal formou a sua convicção através dos respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.
(…)»

IV – Cumpre decidir.
Vêm ambos os arguidos alegar que não poderá ser valorado o depoimento da testemunha G…, agente da G.N.R., depoimento em que se baseou a condenação deles, e que, não podendo ser valorado tal depoimento, a restante prova produzida não permite sustentar essa condenação.
Vejamos.
A respeito do que a testemunha em questão, agente da G.N.R. ouviu dizer ao arguido C…, há que considerar o seguinte.
Deve entender-se que está sujeito a livre valoração o depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, sem necessidade de cumprimento do disposto no artigo 129º, nº 1, do Código de Processo Penal. Neste sentido se pronuncia, de forma aprofundada, Carlos Adérito Teixeira em «Depoimento Indirecto e Arguido: Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova» (in Revista do CEJ, 1º semestre de 2005, nº 2, pgs. 158 a 176), concluindo que tais declarações estão sujeitas a livre valoração, o que não contraria nem o direito ao silêncio do arguido, nem o princípio do contraditório. E neste sentido pronunciam-se também o acórdão do Tribunal Constitucional nº 440/99 (in www.tribunalconstitucional.pt) e os acórdãos desta Relação de 7 de fevereiro de 2007, proc. nº 0645315, relatado por Custódio Silva; de 4 de julho de 2007, proc. nº 0647256, relatado por António Gama, de 24 de setembro de 2008, proc. nº 0843469, relatado por António Gama, e de 23 de outubro de 2013, proc. nº 200/08.5GACPV, relatado por Pedro Vaz Pato; assim como o acórdão da Relação de Guimarães de 25 de maio de 2009, proc. nº 359/09, relatado por Anselmo Lopes (todos estes in www.dgsi.pt).
Há que considerar, porém, o regime especial aplicável a declarações de testemunhas órgãos de polícia criminal.
Do disposto nos artigos 357º, nº 1 e 3, e 356º, nº 7, do Código de Processo Penal resulta que os órgãos de polícia criminal não podem ser inquiridos sobre o que tenham ouvido dizer ao arguido quando não seja este a solicitar essa inquirição. E, para este efeito, o regime é o mesmo tratando-se de depoimento reduzido a auto ou de “conversa informal”, antes ou depois da constituição formal como arguido ou da abertura formal do inquérito (a ratio do preceito aplica-se em qualquer destas situações; se assim não fosse, poder-se-ia «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta»).
Assim, não poderá ser valorado o depoimento da testemunha G… sobre o que ouviu dizer a qualquer dos arguidos, quer o arguido C…, que não prestou declarações em audiência, quer o arguido B…, que as prestou.
Por outro lado, como é jurisprudência unânime, os agentes policiais que intervenham na investigação podem depor sobre factos de que possuam conhecimento direto obtido por meio diferente das declarações do arguido (ver, neste sentido, entre outros, os acórdão do S.T.J. de 24 de fevereiro de 1993, in C.J.-S.T.J., 1993, I, pg. 202; de 11 de dezembro de 1996, in B.M.J. nº 462, pgs. 299 e segs; de 25 de setembro de 1997, in B.M.J. nº 469, pg. 351; de 20 de novembro de 2002, in C.J.-S.T.J., III, pg. 252; de 22 de abril de 2004, in C.J.-S.T.J., II, pg. 145).
Há que considerar, também, que a prova dos factos não tem de ser direta, pode ser indireta. Como se refere, entre outros no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2010, proc. nº 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (sum. in www.dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).»
Poderia, por isso, considerar-se relevante o simples facto de o arguido C… ter sido encontrado na posse do veículo furtado. Esse facto poderia, por si só, valer como prova de que ele tenha praticado o furto em questão.
Há que considerar, porém, o seguinte.
Afirma o acórdão da Relação de Guimarães de 19 de janeiro de 2009, processo nº 2025/08-2, relatado por Cruz Bucho (in www.dgsi.pt.): «A simples detenção dos objectos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo artigo 203º do Código Penal.
A experiência ensina que o arguido sempre poderia ter entrado na posse das coisas furtadas por as ter recebido de um terceiro sem ter tido qualquer participação no furto.
Neste caso, como a jurisprudência espanhola vem reiteradamente afirmando, a autoria do furto não é mais do que uma das várias hipóteses possíveis a qual, para além de ser a mais prejudicial para o arguido, carece da segurança exigida pela observância do princípio in dubio pro reo».
Neste sentido, e em situações semelhantes, podem ver-se, igualmente, entre outros, os acórdãos desta Relação de 11 de janeiro de 2012, proc. nº 136/06.4, de 16 de janeiro de 2013, proc. nº 4/02.9, e de 23 de outubro de 2013, proc. nº 2020/10.8PBMTS relatados por Pedro Vaz Pato e acessíveis in www.dgsi.pt.
Assim, o facto de o arguido C… ter sido encontrado na posse do veículo furtado não será, por si só, suficiente para sustentar a sua condenação.
Todas as restantes considerações tecidas na douta sentença recorrida, a respeito da falta de credibilidade das declarações do arguido B… e da testemunha E…, sua companheira, (sendo que nenhum deles admitiu a prática do crime pelos arguidos), e do peso do veículo furtado (que seria incompatível com a prática do crime apenas por uma pessoa), não permitem, por si, sustentar a condenação de qualquer dos arguidos. Essas considerações permitiriam apenas reforçar os indícios decorrentes do depoimento da testemunha G… sobre o que ouviu aos arguidos, esse sim, decisivo, mas que não pode ser valorado, pelas razões indicadas.
Assim deve ser dado provimento aos recursos.

Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento aos recursos interpostos e em absolver os arguidos C… e B… do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, f), do Código Penal, por que vêm acusados.

Notifique

Porto, 01/07/2015
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo