Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1362/14.8PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201710111362/14.8PJPRT.P1
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 49, FLS.184-189)
Área Temática: .
Sumário: Não é imputável ao arguido o não pagamento da multa – que deu origem ao despacho que a converteu em prisão subsidiária – porque: o arguido está em cumprimento de pena de prisão, aplicada em outro processo, desde data anterior, não lhe são conhecidos bens e não aufere rendimentos enquanto preso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 1362/14.8PJPRT.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
1.1. No processo n.º 1362/14.8PJPRT.P1 da Comarca do Porto, Instância Local, Secção de Pequena Criminalidade, J3, foi proferida decisão determinando que o condenado B… cumprisse sessenta dias de prisão subsidiária, por conversão da pena de noventa dias multa que lhe fora aplicada.
A referida decisão transitou em julgado em 08-07-2016.
Alegando não ter condições económicas, o arguido/condenado requereu a suspensão da execução da prisão subsidiária.
Através do despacho (ora) recorrido, a referida pretensão foi indeferida.
1.2. Inconformado com o indeferimento da pretendida suspensão da execução da prisão subsidiária, o arguido/condenado recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, terminado a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Vem o presente recurso interposto, do Douto Despacho, proferido em 20/02/2017 pelo Insigne Tribunal a quo, que decidiu não suspender a execução da pena de prisão subsidiária por não pagamento de multa.
2. Por falta de pagamento da multa, o recorrente foi condenado a pena de prisão subsidiária.
3. E tal sucedeu, sem mais, após o tribunal ter tomado conhecimento, a 14 de março de 2016, que o arguido não tinha bens susceptíveis de penhora que suportassem o pagamento da multa.
4. Tal decisão do Tribunal a quo, realizada nestes termos, mostra uma violação do disposto no art. 49º, nº3 do Código Penal.
5. Acresce que, segundo o citado art. 49º, nº3 do Código Penal, a conversão da pena de multa, em pena de prisão subsidiária, só tem lugar se estiverem reunidos 3 pressupostos: a pena de multa não ter sido substituída por pena de trabalho; a pena de multa não ter sido paga nem voluntariamente, nem coercivamente, isto é, não ter sido executada; e o incumprimento da pena de multa ter sido culposo.
6. O Tribunal andou mal quando determinou a conversão da pena de multa por pena de prisão subsidiária imediatamente após o conhecimento da incapacidade por parte do arguido de proceder ao pagamento voluntário e coercivo do valor da pena de multa aplicada.
7. As provas que o arguido apresentou, mostravam em clara evidência que o mesmo não tinha meios económicos de cumprir a pena de multa que inicialmente lhe tinha sido aplicada.
8. O Tribunal a quo desprezou o teor da documentação apresentada pelo arguido, de onde se apura que desde a sentença condenatória até data em que foi convertida a multa em prisão, o arguido não adquiriu bens ou rendimentos que lhe permitam proceder ao pagamento da pena de multa à qual foi condenado.
9. O Tribunal conhecia dos circunstancialismos presentes no caso sub judice, e ignorando-os em absoluto, aplica a pena de prisão subsidiária quando a pena que este julgava adequada e suficiente era a pena de multa.
10. Isto leva a que, irremediavelmente, se acabe por sancionar alguém com pena de prisão, não por ser essa a reação penal necessária e adequada para punir o ilícito praticado, mas por falta de meios para satisfazer a sanção pecuniária aplicada.
11. Mais ainda, é de todos consabido que apenas existe prisão por dívidas em casos especiais, como é o caso de dívidas de pensão alimentícia, e nunca poderá ser aplicada em casos como este.
12. E, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 19-05-15, Proc.1388/08.0GFSTB, “admitir o cumprimento da prisão (efectiva) por falta de capacidade económica e financeira do agente de um crime para solver a multa, não se mostra consentâneo com o incumprimento da pena principal de multa que pretende constituir uma solução equilibrada para um problema jurídico e social”.
13. Entende o Recorrente que ao ser substituída a multa por pena de prisão, a execução da mesma devia ser suspensa, de acordo com o art. 49º, nº3 do Código Penal.
14. Refere o nº 3 do art. 49º do Código Penal, que “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos…”
15. Inexiste culpa no incumprimento da pena de multa.
16. Aquando da determinação da pena de multa, o Tribunal já conhecia da situação de reclusão do arguido em Estabelecimento Prisional, e conhecia que o arguido não tinha quaisquer bens.
17. Nenhum facto superveniente ocorreu na vida do recorrente que tornasse incobrável a pena de multa, pelo que não se lhe pode imputar qualquer culpa pelo incumprimento.
18. O seu comportamento não se consubstancia num juízo de censura ético-jurídica.
19. O Tribunal incorreu em erro de direito ao indeferir a suspensão da prisão subsidiária, ao considerar inverificado o circunstancialismo previsto no art. 49º nº 3 do Código Penal.
20. O Tribunal a quo também ignorou, em absoluto, que o condenado por crime de furto já se encontrava, à data da sentença condenatória, a cumprir pena privativa de liberdade, mesmo assim, optou pela aplicação da pena de multa.
21. Neste sentido, refere o douto Acórdão da Relação do Porto, de 07/03/2012, “o não pagamento de multa, aplicada em substituição de uma pena de prisão, não é imputável ao condenado que está preso na data em que tal multa lhe é aplicada e se mantém preso quando se determina o cumprimento da prisão assim substituída”.
22. Como se alegou, o não pagamento da multa, porque o recorrente se encontra a cumprir pena de prisão por outros crimes praticados, que não têm qualquer relação com o crime de furto em que foi condenado, não lhe pode ser imputado.
23. A suspensão da execução da pena de prisão subsidiária por um período de um a três anos cumpre a finalidade da punição.
24. Se é verdade que o recorrente se encontra privado da sua liberdade neste momento, também é certo que está prestes a ver extinta a sua pena por cumprimento, pelo que a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária permitiria a sua socialização em liberdade.
25. Tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19-05-2015, Proc.1388/08.0GFSTB-B.E1, não obsta à suspensão da pena de prisão subsidiária o facto de o requerente dela estar a cumprir pena por outro crime.
26. Como se referiu o douto despacho aqui em crise violou, entre outros, o disposto no art.49º, nº3 do Código Penal.”
1.3. Respondeu o MP junto do Tribunal “a quo”, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1. A decisão recorrida não enferma de qualquer vício, mormente não violou o disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal.
2. Dispõe o artigo 49º, n.º 1, do Código Penal que: “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que ao crime não fosse punível com prisão, não se aplicando para o efeito, o limite de mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41º.”
3. Já o artigo 49º, n.º 3, do Código Penal refere que: “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem a pena é declarada extinta.”
4. O arguido foi notificado da guia para pagamento da pena de multa, cfr. fls. 132 e 136, não tendo procedido ao pagamento voluntário da mesma e não tendo peticionado o pagamento da mesma em prestações, ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
5. Em 6 de abril de 2016 o arguido veio peticionar que a pena de prisão subsidiária que lhe fosse aplicada, ficasse suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal, uma vez que se encontra preso, não possui rendimentos e somente prevê ser restituído à liberdade em 23 de abril de 2017, cfr. fls. 154 e 155.
6. Como fundamento para corroborar o por si alegado o arguido peticiona que o T.E.P. do Porto informe do termo previsível da pena que cumpre nos autos de processo 13741/11.8TDPRT, cfr. fls. 167 a 169.
7. Resulta do teor do certificado de registo criminal do arguido a fls. 203 e 204 que o mesmo cumpre pena de prisão efetiva nos autos de processo 13741/11.8TDPRT, porquanto a pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada foi revogada, determinando-se o cumprimento de um ano e nove meses de prisão efetiva, tendo tal decisão transitado em julgado em 30 de junho de 2015.
8. Mais, a fls. 207 do aludido certificado de registo criminal, por efeito de decisão de cúmulo jurídico proferida no processo 844/12.0PPPRT foi o arguido condenado na pena única de dois anos e nove meses de prisão efetiva, tendo a aludida decisão transitado em julgado em 4 de julho de 2016.
9. A fls. 223 e 224 verificamos que o último registo que o arguido possui no I.S.S. data de 1 de julho de 1997.
10. A situação de reclusão ao arguido é-lhe imputada, uma vez que foi por factos pelo próprio praticados que foi condenado.
11. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de maio de 2017, processo 262/05.7PIPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt: “ Imputar é atribuir alguma coisa a alguém. N a terminologia Penal, imputabilidade é a possibilidade de se atribuir a uma pessoa a prática de um acto ilícito e de o responsabilizar pelo mesmo. No art.º 49, n.º 3, do C.P, confere-se ao condenado o ónus de “provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável”, isto é, não lhe é atribuível. Ora, para além de o condenado aqui não ter desenvolvido tal actividade processual, a sua situação de reclusão em cumprimento de pena, que o recorrente aponta como causa da impossibilidade do cumprimento da multa, é-lhe atribuível, uma vez que deriva da prática de factos ilícitos, culposos, tipificados como crime. Foi o condenado que se colocou na impossibilidade de exercer alguma actividade remunerada que lhe permitisse pagar a pena de multa substitutiva da pena de prisão aplicada. Acrescente-se que essa mesma situação de prisão em cumprimento de pena é incompatível com a imperativa subordinação da suspensão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, incluída na previsão do art.º 49. n.º 3.”
12. Pese embora no aludido Acórdão a situação em análise se reporte a uma pena de prisão, que foi substituída em pena de multa e que foi determinado o cumprimento da pena de prisão, atento o não pagamento da pena de multa, os argumentos aí aplicados são convocáveis para o presente caso.
13. O arguido encontra-se preso e não procedeu ao pagamento da pena de multa, argumentando que a sua impossibilidade de pagamento se deve ao facto de se encontrar preso.
14. Como se refere no Acórdão citado tal é-lhe imputável.
15. Considerando-se o não pagamento como imputável ao arguido, não pode o mesmo ver suspensa na sua execução a pena de prisão subsidiária que lhe foi aplicada.
16. Nestes termos, negando-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirmando-se a decisão proferida, far-se-á a habitual e costumada Justiça.”.
1.5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, ainda que com fundamentação um pouco diversa da constante da respectiva motivação.
1.6. Deu-se cumprimento ao disposto no art 417º, 2 do CPP.
1.7. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):
“Por sentença, transitada em julgado no dia 13/01/2016, o arguido B… foi condenado como autor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º, n. º1, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos.
O arguido não procedeu ao pagamento da multa. Não lhe são conhecidos bens susceptíveis de penhora.
Por decisão, transitada em julgado no dia 08/07/2016, foi determinado o cumprimento de sessenta dias de prisão subsidiária.
Alegando não ter condições económicas, o arguido veio requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária.
Procedeu-se à respectiva audição.
No essencial, referiu que está privado da liberdade e não tem proventos que lhe permitam liquidar a pena de multa.
O Ministério Público que o não pagamento da pena de multa, promoveu o indeferimento da pretensão ou, caso assim não se entenda, que a execução seja suspensa pelo prazo de um ano, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta.
Notificado, o arguido referiu que o não pagamento não lhe é imputável e, consequentemente, que deve ser suspensa a execução da pena de prisão subsidiária.
Isto posto:
Importa, pois, decidir se é de suspender a pena de prisão subsidiária:
Preceitua o art. 49º, n.º 3 do Código Penal que: "se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro."
É pressuposto da suspensão da execução da pena subsidiária que o verificado não pagamento da multa aconteça por motivo não imputável ao arguido. É esta circunstância - a não imputabilidade do não pagamento ao devedor, que constitui a condição real da verificação da dita suspensão.
O termo «imputável», usado na norma do citado preceito aponta para a formulação de um juízo sobre a «culpa» do condenado no não pagamento da multa. A «culpa» consiste no juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pg. 316). Quando se ajuíza a «culpa», mais do que a correcta formulação de bons princípios, importa a ponderação do caso concreto, com todas as variáveis conhecidas do julgador -cfr, a propósito, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/05/2014, processo n.º 355/12.4GCBRG-A.G1, Relator Dr. Tomé Branco, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
A norma citada impõe, pois, que se apure se o não pagamento da multa por banda do arguido aconteceu em virtude de uma conduta voluntária e consciente do mesmo. Só assim se pode asseverar que o não pagamento lhe é imputável.
De salientar que, ope legis, o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo não querido do arguido sobre este recai. Não é ao Tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova, mas sim ao arguido.
A expressão legal "se o condenado provar..." não deixa qualquer dúvida interpretativa. E assim é, porque estando o arguido obrigado ao cumprimento do sentenciado, está ele em condições, em melhores condições, de não só alegar porque não satisfaz o quantitativo da multa, como de oferecer provas justificativas dessa alegação. Não significa isto afirmar-se a existência de uma distribuição do ónus da prova, mas sim a constatação de um dever de colaboração do arguido no sentido do apuramento de uma situação que o afecta" - cfr, a propósito, o decidido no citado Acórdão.
É com estes pressupostos que se deverá apreciar a conduta do arguido. Pois bem.
Não se mostrou viável a cobrança coerciva da multa dada a comprovada situação de inexistência de bens penhoráveis.
O arguido está em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional, pelo menos, desde o dia 25/07 /2015 (em data anterior ao trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos), inicialmente no âmbito da condenação sofrida no processo n.º13741/11.8TDPRT da Instância Central - 1.ª Secção Criminal J4 - fls. 96 - e, agora, no âmbito da condenação sofrida no processo n.º844/12.0PPPRT - decisão cumulatória (dois anos e nove meses de prisão) - fls. 197 e 207.
Não lhe são conhecidos bens e, pelo menos, desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, não aufere quaisquer rendimentos. No Estabelecimento Prisional não tem ocupação laboral remunerada não frequenta qualquer acção de formação (fls. 215, 221, 223, 224, 225). No Estabelecimento Prisional não diligenciou para obter proventos (exercendo actividade laboral remunerada).
Como é manifesto, a privação da liberdade com consequente impossibilidade de auferir rendimentos para liquidar a pena de multa só ao mesmo é imputável (conduta voluntária e consciente do arguido). Foi o arguido que cometeu os factos que determinaram as respectivas condenações (devendo abster-se de os praticar), com consequente reclusão e, por força da privação da liberdade, que deu causa à respectiva perda de capacidade de ganho! No Estabelecimento Prisional pode exercer ocupação laboral remunerada desde que o peticione. Não alegou nem provou que já o fez.
Cumpre apelar, ainda, à natureza e finalidade da suspensão de execução da pena, enquanto meio de reacção jurídico-penal, cuja finalidade político criminal se reconduz à socialização em liberdade. Tal finalidade socializadora deve ser atendida em sede de decisão que decrete a suspensão.
No caso, para além do não pagamento resultar de actos imputáveis ao arguido, nos termos referidos, considerada a situação de reclusão do arguido - em cumprimento de pena - (estando, assim, prejudicada a aludida socialização em liberdade), afigura-se-nos que a suspensão da execução da pena de prisão não realiza, de todo, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo exposto, não suspendo a execução da prisão subsidiária já determinada. Notifique.
Nos termos da Circular n.º3j2013, do Conselho Superior da Magistratura, dê conhecimento do que antecede ao respectivo Estabelecimento Prisional.
Notifique o arguido para, no prazo de cinco dias, informar se sofreu medidas processuais ou penas, estas últimas no estrangeiro, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 80.º e 82.º do Código Penal e, na positiva, para indicar o processo e o Tribunal onde pende.
O arguido pode evitar a todo o tempo a execução da pena subsidiária, mediante o pagamento da multa a que foi condenado - art. 49.º, n.º2, do Código Penal.
Consigno que a cada dia de prisão ou fracção corresponde a quantia de oito euros e vinte e cinco cêntimos e que o montante da multa é de quatrocentos e noventa e cinco euros.
Notifique.
Após trânsito:
Caso o arguido não venha indicar ter sofrido medidas de processuais ou penas a considerar nos termos aludidos supra nem liquidar o montante devido a título de pena de multa - no todo ou em parte - (art. 49.º, n.º2, do Código Penal), informe o TEP que interessa o cumprimento da pena de sessenta dias de prisão subsidiária.
Remeta certidão de fls. 172 a 173 e do que antecede, com nota de trânsito.”
2.2. Matéria de direito
É objecto do presente recurso o despacho que decidiu não suspender a execução da pena de prisão subsidiária aplicada ao condenado B… (sessenta dias de prisão subsidiária, por conversão da pena de noventa dias multa), nos termos do n.º 3 do artigo 49º do C. Penal.
Antes de analisar a questão, deve desde logo referir-se que a decisão que converteu a pena de multa não paga (90 dias) em prisão subsidiária (60 dias), já transitou em julgado.
Está portanto apenas em causa apreciar o despacho que entendeu não se verificarem os pressupostos de suspensão da execução da pena de 60 dias de prisão subsidiária. Daí que toda a argumentação do recorrente, insurgindo-se contra a decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, seja manifestamente improcedente, por se dirigir a um despacho já transitado em julgado.
Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, o despacho recorrido entendeu que não se verificavam os respectivos requisitos e daí que não tenha suspendido a prisão subsidiária. Para tanto, sublinhou que, nos termos do art. 49º, 3 do C.P, é pressuposto da suspensão da execução do cumprimento da prisão subsidiária “que o verificado não pagamento aconteça por motivo não imputável ao arguido” e que, no caso, o arguido não fez prova dessa verificação.
Vejamos.
É verdade que, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 49º do C. Penal, "se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro."
No entanto, os factos a que o despacho recorrido atendeu, para fundamentar a não suspensão, são a nosso ver bastantes para se considerar verificado o requisito legalmente imposto, ou seja, para se considerar provado que o não pagamento da multa não é imputável ao arguido.
E não lhe é imputável, desde logo, porque o arguido está em cumprimento de pena de prisão (aplicada noutro processo) desde data anterior à do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos (está a cumprir pena desde 25-07-2015). A pena ora aplicada ao arguido ocorreu assim (como consta de fls. 122) numa ocasião em que o mesmo estava a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional C….
Não lhe é ainda imputável porque se deu como provado que não lhe são conhecidos bens (“não se mostrou viável a cobrança coerciva da multa, dada a comprovada situação de inexistência de bens penhoráveis”) e, desde o trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, o arguido não aufere rendimentos.
E também não procede o argumento (de algum modo aflorado no despacho recorrido) de que a prisão que neste momento o arguido sofre lhe é imputável, uma vez que tal não invalida a precária situação económica em que o mesmo se encontra. De resto, o art. 49º, n.º 3 do C. Penal apenas impõe como pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o condenado prove que “a razão do não pagamento lhe não é imputável”. Ou seja, a lei refere-se à razão do não pagamento da multa (inimputabilidade do não pagamento), sem qualquer referência à culpa do condenado para essa situação.
Finalmente, não é concludente o argumento do despacho recorrido, apelando à natureza e finalidades da suspensão da execução da pena, para daí chegar à conclusão de que a suspensão da execução da pena “não realiza, de todo, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. A inconcludência deste argumento decorre da análise do próprio texto do art. 49º, 3 do C. Penal, nada dizendo (em comparação com o art. 50º, 1 do C.P) quanto à necessidade de ponderação das finalidades da punição.
Em resumo, podemos concluir o seguinte: arguido/condenado está preso desde data anterior à da presente condenação; não tem quaisquer bens ou rendimentos e, enquanto preso, não auferiu rendimentos. Esta situação económica e financeira do arguido é, sem dúvida, a causa (“a razão”) do não pagamento da multa.
Ora, a culpa é sempre aferida em função da possibilidade de o agente poder agir de outra maneira. Como decorre do disposto no art. 15º do C. Penal, age com negligência quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso, está obrigado e é capaz. Ser capaz significa (para além de ser imputável) que o comportamento exigível esteja na disponibilidade do agente. Inerente a toda a ideia de culpa está sempre a possibilidade de (o agente) poder agir de outro modo. Assim, e no caso, o facto de o arguido não ter qualquer capacidade económica para pagar a multa seja, sem dúvida alguma, não ter possibilidade de agir de outra maneira. Daí que se imponha a conclusão de que “a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável”, nos termos previstos no n.º 3 do art. 49 do C. Penal.
Nestes termos, e por se considerar verificado o requisito do n.º 3 do art. 49º do C.P, concede-se provimento ao recurso, nos termos acima expostos e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que suspenda a execução da pena de 60 dias de prisão subsidiária (por conversão da pena de 90 dias multa), pelo prazo de um ano, devendo ainda o tribunal “a quo” fixar os deveres ou regras de conduta de natureza não económica a que a referida suspensão fica subordinada.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que suspenda a execução da pena de 60 dias de prisão subsidiária (por conversão da pena de 90 dias multa), pelo prazo de um ano, aplicada ao arguido/recorrente B…, devendo ainda o tribunal “a quo” fixar os deveres ou regras de conduta de natureza não económica a que a referida suspensão fica subordinada.
Sem custas.

Porto, 11/10/2017
Élia São Pedro
Donas Botto