Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
849/17.5T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Nº do Documento: RP20180927849/17.5T8FLG.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 144, FLS 254-259)
Área Temática: .
Legislação Nacional: DL Nº 446/85
Sumário: I - O artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável a cláusulas contratuais não negociadas, dispõe que se «consideram excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo».
II - A obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 849/17.5T8FLG.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo Local Cível de Felgueiras – Juiz 2

SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
........................................................................
........................................................................
........................................................................

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B... intentou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo comum, contra C... – SUCURSAL EM PORTUGAL, pedindo a condenação desta a reembolsá-la da quantia de 5.191,33 €, referente a prestações de seguro que pagou após a morte de D..., bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, acrescida dos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a liquidar junto do Banco E... as restantes prestações vincendas.
Fundamentou o seu pedido, em síntese, no facto de a ré, que se assumiu seguradora responsável pela cobertura dos valores em dívida em caso de morte do mutuário D..., se recusar a reembolsar as prestações que aquela tem vindo a pagar desde a morte do seu filho D..., apesar de a autora, única herdeira deste, tal ter reclamado diversas vezes, bem como a liquidar o valor do empréstimo junto do Banco E..., invocando a existência de cláusula contratual geral que exclui a sua responsabilidade, sendo certo que tanto o falecido D... como a autora desconheciam essa limitação ao seu direito, pois a referida cláusula limitativa nunca lhes foi comunicada pela ré ou pelos seus agentes/intermediários, sendo o falecido um mero aderente do contrato em que a mesma está inserida.
Regularmente citada, veio a ré apresentar a sua contestação, confirmando a existência do contrato de seguro adiantado pela autora, mas referindo a existência de uma cláusula de exclusão da sua responsabilidade, relacionada com o suicídio do segurado no período de dois anos subsequente à outorga do contrato, que foi explicada ao segurado, não obstante tal dever de esclarecimento não caber à ré seguradora mas sim ao tomador do seguro, o Banco E..., concluindo pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.
Saneado, condensado e instruído o processo, realizou-se audiência de discussão e julgamento, após a qual foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Inconformada, veio a autora interpor recurso, que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntou as respectivas alegações.
A ré contra-alegou.
Foram dispensados os vistos.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1.FACTOS
Provados
a) Em 22/07/2014, foi celebrado entre D..., a Autora e F..., na qualidade de mutuários, e o Banco E..., SA, na qualidade de entidade financiadora, um contrato de financiamento automóvel para aquisição do veículo da marca Audi, modelo ... e com a matrícula ..-ON-.., no montante de 23.651,52 €.
b) Como contrapartida do empréstimo, os mutuários comprometeram-se a efectuar o pagamento do valor mutuado em 108 prestações, mensais e sucessivas no valor de 341,43 €, prestações que totalizavam, na data da celebração do contrato, o valor de 36.874,44 €.
c) Para garantia do cumprimento do contrato de financiamento automóvel, foi aceite a adesão de D... ao contrato de seguro de grupo, celebrado entre a C..., na qualidade de seguradora, e o Banco E..., na qualidade de tomador de seguro, titulado pela apólice n.º .......-...
d) Com a adesão ao contrato de seguro, D... passou a figurar como pessoa segura.
e) Pelo contrato de seguro referido em c), a Ré garante como coberturas os riscos de morte e de incapacidade absoluta e definitiva da pessoa segura.
f) A cláusula 11.1 das condições da apólice de seguro relativa ao plano de protecção financeira do crédito automóvel do Banco E..., referente às exclusões da cobertura em caso de morte, sob a epígrafe “exclusões”, tem a seguinte exclusão:
“11.1. h) O suicídio durante os primeiros dois anos a contar da data de adesão da Pessoa Segura”
g) D... aderiu ao contrato de seguro em 22/07/2014.
h) D... faleceu a 11/07/2016, tendo como causa de morte “asfixia por enforcamento” protagonizado pela própria vítima.
i) Foi disponibilizado a D... o teor do contrato de seguro referido em c).
j) Durante a vigência do contrato de seguro, não foi colocada à Ré qualquer questão ou pedido de esclarecimento sobre as condições do seguro.
k) A Autora, o seu marido e D... apuseram a sua assinatura no documento das condições particulares do crédito, na qual declararam expressamente:
“(…) ter tomado conhecimento e aceitar plenamente as condições contratuais da Apólice N.º .......-.. (Vida 1 titular com cobertura de morte e incapacidade absoluta e definitiva) da C... – Sucursal em Portugal, que me foram entregues em anexo ao presente contrato nesta data, assim como as informações comunicadas pelo Banco E... na sua qualidade de Mediador do presente contrato de seguro.”
l) O valor da prestação mensal referido em b) incluía o valor mensal devido pelo seguro de vida referido em c).
m) Até ao mês de Junho de 2016, D... procedeu ao pagamento de 22 prestações e prémios de seguro.
n) Após a morte do mutuário, o crédito referido em a) continuou a ser pago.
Não provados
1 - A autora e o falecido D... tinham conhecimento da cláusula referida em f).
2 - Após a morte de D..., a A. e o seu marido (entretanto falecido) continuaram a liquidar os montantes mensais de 344,43 €.
*
2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
a) O filho da A aderiu a um contrato pré-clausulado;
b) Não foi informado das suas cláusulas;
c) Pelo que qualquer erro/lapso/falha do tomador de seguro nessa comunicação das cláusulas terá de ser dirimido no âmbito das relações entre Seguradora e Tomador, não podendo ser a mesma oposta ao aderente — neste caso, à Autora.
d) Apesar de também impender sobre o Banco, enquanto tomador de seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do Dec-Lei nº 446/85. Estamos perante obrigações distintas, que decorrem de preceitos legais também eles distintos, como não poderia deixar de ser.
e) Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26 de Julho - artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril (com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342.° do Código Civil.
f) O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora, e em que o Banco tomador apenas assume o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações entretanto introduzidas pelos Decretos-Lei 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 07 de Julho).
g) E apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do DL 446/85.
h) O contrato de seguro, conforme resulta da documentação junta (bem como dos factos dados como provados) e é aceite pelas partes, foi celebrado com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que o segurado (filho da A.) se limitou a aceitar (não tendo o filho da A. qualquer participação na discussão do clausulado do mesmo contrato de seguro, ao qual se limitou a aderir, como também se pode ler nos factos provados).
i) Estamos, pois, no domínio das cláusulas contratuais gerais, cujo regime se encontra fixado no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 220/95, de 31 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.° 249/99, de 7 de Julho.
j) O contrato celebrado pela seguradora e pelo banco constitui um contrato de adesão, claramente sujeito ao regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
k) Sendo que, o facto de o Banco tomador não ter sido demandado nos autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.
l) Dispõe o artigo 1°, no seu n.° 1, do DL 446/85, (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31.8, e pelo DL 249/99, de 7.7) que são cláusulas contratuais gerais aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a, respectivamente, subscrever ou aceitar. E no seu n.° 2 prescreve que o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, acrescentando o seu n.° 3 que incumbe àquele que pretende prevalecer-se do seu conteúdo provar que aquela resultou de negociação prévia entre as partes.
m) Nos termos do art.° 5° n.° 1 do mesmo diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, comunicação esta que deve ser realizada de modo adequado para que se torne possível o seu conhecimento por quem use de comum diligência (n.° 2 do mesmo preceito). Acrescenta o n.° 3 desse artigo 5° que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais.
n) Não se desconhece a norma inserta no art.° 4°, n°1, do DL 176/95, segundo a qual nos seguros de grupo, cabe ao tomador do seguro prestar aos segurados as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro.
o) Porém, a falta de cumprimento dessa obrigação por parte do Banco Réu não é oponível à A. e ao filho D... falecido, que para ela não contribuiu nem foi consultado na celebração do dito contrato de seguro de grupo (tendo aliás sido dado como não provado que a A. e o falecido D...r tinham conhecimento da clausula referida em f) dos factos provados).
p) Trata-se, assim, de questão a resolver em sede própria, no domínio das relações entre as a Ré Seguradora e o Banco E... e não entre a Ré Seguradora e a A..
q) Perante a autora, não tendo a ré seguradora cumprido o aludido dever, acarreta que se considerem excluídas do contrato as referidas cláusulas gerais, no que toca à exclusão invocada (art.° 8°).
r) Pois, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé — art.° 227° do Código Civil — sendo ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites por ela impostos, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito — art.° 334° do mesmo diploma.
s) Há que não esquecer que actualmente (como ocorreu no caso concreto), os Bancos beneficiários desses seguros, “agindo como intermediário das seguradoras, no âmbito do fenómeno que designou de “bancassurance” e que definiu como «ligação e colaboração entre Bancos e Companhias de Seguros, para desenvolver sinergias e economias de sistema, já sentidas, ictu oculi, na produção- comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam, e depósitos a prazo), “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários, incluindo o crédito bancário concedido para financiar o prémio único do contrato de seguro de vida ...) ou mesmo “produtos” diversificados (...), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos como que esmagam a pessoa individual entre dois “elefantes” (no sentido de que se tratam de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro). Deste modo, dúvidas não restam em como a Ré Seguradora terá de responder perante a Autora (face aos factos dados como provados e não provados) pela falta de informação e comunicação, por parte do Banco Tomador.
t) Mas quais são as consequências da violação deste dever?
u) Deve considerar-se que a omissão do dever de comunicação não gera a nulidade da cláusula mas sim a sua inexistência. Na verdade, acompanhando o Ac. do STJ de 11.4.2000, podemos afirmar que tanto «a omissão desse dever (quando alegada tenha sido)» como «a não satisfação desse ónus não tornam nula a cláusula mas inexistente» na medida em que se «deve considerar como excluída daquele concreto contrato (art. 8 a) e b) do Dec. Lei 446/85; se a lei não determinasse a sua exclusão do respectivo contrato singular a sanção seria a da sua inoponibilidade ao segurado e não a da nulidade)».
v) A solução assim enunciada é a que melhor salvaguarda os interesses em jogo, ponderando, fundamentalmente, a necessidade de protecção do segurado aderente e é a mais consentânea com os ditames da boa fé [no sentido que propugnamos vejam-se os acs. da R.G. de 27/03/2008, proc. no 369/08.1 (Relatora: Raquel Rego) e de 06/04/2010, processo 646/05.OTBAMR.G1 (Relator: Costa Fernandes), da R.P. de 11/09/2008, proc. no 0834361 (Relator: Fernando Baptista), de 01/02/2010, proc. n° 3405/06.0TBVC (Anabela Luna de Carvalho), de 12/04/2010, proc. n°1443/04.6TBGbM.P1 (Relator: Sousa Lameira), da R.C. de 11/03/2008, proc. n° 434/04.1 TBVNO.C1 (Relatora: Graça Santos Silva). A nível do STJ vão neste sentido os acs. de 29/04/2010, proc. no 5477/8TVLSB.L1.51 (Relator: Azevedo Ramos) e de 27/05/2010, proc. 976/06.4TBOAZ.P1.51 (Relator: Oliveira Vasconcelos).
w) O contexto em que foi elaborado o Dec. Lei 176/95 de 26/07 e a razão de ser da lei recai unicamente no aumento da protecção do consumidor e das garantias de transparência, que indicam claramente a funcionalização da relação jurídica entre o Banco e a Seguradora à protecção dos interesses da parte mais fraca do contrato, conforme resulta do Preâmbulo do diploma (DL n.º 176/95, de 26-07), que afirma «A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora».
x) A prossecução deste objectivo implica necessariamente um reforço da protecção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não pode considerar-se o DL n.º 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga.
y) Foi celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um financiamento automóvel, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, terá de convocar-se para a resolução do litígio o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95, de 31/08 e Dec. Lei 249/9 de 07/07.
z) O art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 26/07 (com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 60/2004 de 22 de Março) tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc;
aa) A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades.
bb) O certo é que consta da matéria de facto dada como NÃO PROVADA que “A A. e o falecido D... tinham conhecimento da cláusula referida em f).
cc) Assim, não se tendo provado a comunicação da cláusula referida em f) dos factos provados relativa à exclusão do suicídio quando cometido durante os primeiros dois anos a contar da adesão da pessoa segura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4º do Dec. Lei 176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro.
dd) Pelo que, se impõe que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ante os supra invocados motivos, seja substituída por outra que consagre o supra referido, devendo a Ré ser condenada tal como alegado na petição inicial.
ee) Desta forma, ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art°s. 1°, 5°, 8° e 9° do DL 446/85 de 25.10, o art° 227°, 334º do Código Civil e o art° 4° do Dec-Lei n° 176/95 de 26.07, dos quais fez uma errada interpretação e / ou aplicação.
*
3. DISCUSSÃO
O presente recurso cinge-se à discussão da questão conexa com o alcance dos deveres de comunicação e de informação impostos pelos artigos 5º e 6º do DL nº 446/85 no que concerne às condições do Contrato de Seguro de Vida Grupo. Mais concretamente, ao saber se tais deveres perante o segurado se impõem não só ao tomador do seguro como também ao segurador.
Dispõe o artigo 5º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, sob a epígrafe “comunicação”: «1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las; 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência; 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».
E o artigo 6º, sob a epígrafe “dever de informação”: «1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique; 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».
Sendo que, nos termos do artigo 8º do mesmo diploma, «consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo».
Está nos autos dado como não provado que a autora e o falecido D... tivessem conhecimento da cláusula que excluía a responsabilidade da seguradora no caso de morte por suicídio durante os primeiros dois anos a contar da data de adesão da pessoa segura. Assim, atenta a natureza do contrato e o ónus da prova que sobre a ré impenderia, nos termos do referido nº 3 do artigo 5º, teria de se considerar não cumprido aquele dever, consequentemente se excluindo do contrato a cláusula que afastava a sua aplicação no caso de morte por suicídio do segurado até dois anos a contar da data de adesão da pessoa segura.
Entende, no entanto, a sentença recorrida que, nos seguros de grupo, as obrigações de comunicação e de informação recaem sobre a tomadora do seguro e não sobre a seguradora. Louva-se para tal na jurisprudência dos acórdãos do STJ de 12 de Outubro de 2010 (Sebastião Póvoas) e de 14 de Abril de 2015 (Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt. Ao que acrescentaríamos o acórdão do STJ de 21.02.1013 (Silva Gonçalves), ibidem. O argumento que essencialmente se esgrime é o de que o DL nº 176/95, de 26 de Julho, bem como o actual DL nº 72/2008, de 16 de Abril, estabelece disciplina diferente do regime geral previsto no DL nº 446/85. Assim, existindo lei especial para os contratos de seguro, não haveria que lançar mão do regime geral consagrado neste diploma.
No último dos arestos aludidos, há um voto de vencido, do senhor conselheiro Pires da Rosa. Sucinto mas expressivo – “uma coisa é a sua exclusão - que se verifica - outra a responsabilidade perante a seguradora do tomador de seguro - o Banco G... - por não cumprir o dever de informação”. Efectivamente, aquela jurisprudência incorre quanto a nós em evidente equívoco. O preceito do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, e do actual artigo 78º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, instituído pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril, não colide com o regime do DL nº 446/85, quanto à obrigação de informação. Na verdade, o seu alcance restringe-se às relações entre o segurador e o tomador.
Como decorre claramente do preâmbulo daquele primitivo diploma, em trecho cujas implicações não parecem ter sido correctamente apreendidas – “Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal. Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações”. Posto o que, não podemos duvidar de que o dever de informação impende sobre a seguradora. Simplesmente, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, clarificaram-se os direitos e obrigações. Nas relações entre estes, como é óbvio. Pelo que, entendida necessariamente com esse restrito âmbito, a obrigação que recaía sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora” nunca poderia implicar uma conexa dispensa de tal dever de informação da seguradora para com o segurado, a este validamente oponível por aquela.
Tal preceito veio a ser revogado pelo artigo 6º do DL nº 72/2008, de 16 de Abril. Que todavia consagrou norma equivalente no artigo 78º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro que instituiu, no seu Capítulo VII, relativo ao Seguro de Grupo - «o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador».
Destacaremos a observação constante do acórdão do STJ de 14 de Abril de 2014 (Clara Sottomayor), in dgsi.pt, de que “a intenção do legislador, dada a particular vulnerabilidade do aderente, não pode deixar de ter sido a de reforçar o dever de informação de uma das partes do contrato de seguro de grupo – o Banco – e não a de dispensar a seguradora de um dever que, de qualquer forma, já resultava dos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 e do princípio da boa fé consagrado nos artigos 227.º, 239.º e 762.º, n.º 2, do CC”. Doutro passo fazendo ressaltar que “a classificação de uma norma como norma especial não é um dado apriorístico, mas pressupõe uma prévia interpretação da mesma, de acordo com os cânones de interpretação fixados na lei (artigo 9.º do Código Civil)”. Sendo que “a prossecução deste objectivo implica necessariamente um reforço da protecção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não podemos considerar o DL n.º 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum; até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga; estaríamos, então, apenas perante duas leis especiais em relação ao regime geral dos contratos e cuja interpretação e aplicação deve ser harmonizada, sem que nenhuma delas afaste a outra”. Acertadamente concluindo que “o acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato individual, aplicando-se o DL 446/85, de 25/10, para regular as relações entre o segurado e a seguradora”.
Com este entendimento, que temos por adequado, além da jurisprudência já aludida, os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 11.09.2008 (Fernando Batista) – “embora, numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, vir a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado” - e do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.03.2009 (Catarina Manso) – “tendo o Banco, tomador do seguro se limitado a entregar ao segurado o boletim de adesão, a culpa de falta de informação cabe-lhe a ele e às seguradoras que se foram sucedendo”, ambos in dgsi.pt. E, mais recentemente, ibidem, os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 27 de Fevereiro de 2014 (por nós relatado), do STJ de 29 de Novembro de 2016 (Fonseca Ramos) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Janeiro de 2018 (Raquel Tavares). Ver todavia em sentido contrário, ainda ibidem, além dos citados na sentença recorrida, os acórdãos desta Relação do Porto de 31.01.2007 (Amaral Ferreira) e do STJ de 22.01.2009 (Custódio Montes).
Por tudo o exposto, concluiremos que a exclusão da cláusula do contrato em apreço por omissão do dever de informação tem eficácia que se estende também à seguradora, desse modo se impondo a procedência da pretensão da autora e recorrente.
III
DISPOSITIVO
Na procedência do recurso, condena-se a ré a reembolsar a autora da quantia de 5.191,33 €, referente a prestações de seguro que após a morte de D... e até à propositura da acção pagou, mais as vincendas e pagas até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas dos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação da ré até efectivo e integral pagamento, bem como a liquidar junto do Banco E... as restantes prestações vincendas.
Custas pela ré e recorrida, nas duas instâncias - artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 27 de Setembro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires