Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
64/14.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RP2016050264/14.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º239, FLS.298-301)
Área Temática: .
Sumário: A aplicação do factor 1.5 previsto no nº5 das Instruções gerais da TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10 – com fundamento na idade do sinistrado – não ofende o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 2. Na verdade, para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso 50 anos ou mais – é factor relevante, que «acresce» à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural. Tal entendimento não é irrazoável nem arbitrário por assentar em critérios objectivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº64/14.0T8AVR.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1364
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Nos presentes autos de acidente de trabalho, a correr termos na Comarca de Aveiro – Instância Central – 1ª Secção Trabalho – J1, em que é sinistrado B…, patrocinado pelo MP., e entidade responsável C… – Companhia de Seguros S.P.A., em 05.01.2016 foi proferida sentença onde se fixou a IPP em 44,847% [29,898x1,5] e, consequentemente, foi a Seguradora condenada a pagar ao sinistrado A) A pensão anual e vitalícia de € 2.197,50, cm efeitos desde 06.09.2014; B) € 866,02, a título de indemnização pelo período de ITP de 60% desde 23.05.2014 até 05.09.2014; C) € 180,00, a título de indemnização por despesas de transportes; D) Os juros de mora, à taxa legal, devidos desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.
A Ré seguradora, inconformada, veio recorrer, pedindo a revogação da decisão nos termos que indica nas conclusões do recurso, a saber:
1. A atribuição de uma bonificação de 1,5 prevista na segunda parte da al. a) do nº5 da TNI apenas em função da idade revela-se inconstitucional porque violadora do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
2. Tal diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, porque automática e mecânica, revela-se desprovida de justificação razoável segundo critérios objectivos ou de razoabilidade.
3. Nem mesmo se compreendendo o porquê de se atribuir tal diferenciação aos 50 anos e não em qualquer outra idade, tudo levando, necessariamente, e em situações concretas, a diferenciações de tratamento em situações manifestamente semelhantes.
4. Considerando-se a inconstitucionalidade da norma em causa, não deverá a mesma ser aplicada, pelo que deve ser proferida decisão que não aplicando o referido factor 1.5, atribua ao sinistrado uma IPP de 29,898%, condenando-se a recorrente em conformidade com essa IPP.
O sinistrado veio contra alegar defendendo a improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo:
5. Contrariamente à tese sustentada pela recorrente, o princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da CRP não se circunscreve ao princípio formal de que se deve dar tratamento igual ao que for essencialmente igual e tratamento diferente ao que for essencialmente diferente.
5. Na sentença recorrida ficou provado, além do mais, que o sinistrado, nascido em 07.06.1946, foi vítima de um acidente de trabalho no dia 05.06.2013 e teve alta médica em 05.09.2014, ficando afectado com IPP de 44,847% desde 06.09.2014.
6. Por outro lado, o sinistrado, já com 68 anos à data da alta, sofreu TCE e fractura do punho esquerdo e contusão do ombro esquerdo e «apresenta uma síndrome frontal relacionado com o traumatismo crâneo/encefálico sofrido» e «do ponto de vista ortopédico, carece de medicação de medicação analgésica e anti-inflamatória».
7. Por isso, o seu regresso ao posto de trabalho que ocupava antes do acidente torna-se mais penoso e exige dele maior esforço para desempenhar as respectivas funções de empregado de armazém e tarefeiro.
8. O factor 1,5 – em relação a sinistrado que tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor – está directamente ligado a maior penosidade e esforço que lhe é exigido para desempenho das funções inerentes ao posto que continuou a exercer após a alta médica, em resultado da IPP de que ficou portador, associada à idade de 50 anos ou mais anos.
9. Tal diferenciação positiva em relação aos sinistrados com menos de 50 anos mostra-se razoável, racional e objectivamente fundada, pois decorre também das regras biológicas e da experiência da vida, sendo razoável e notório que é mais difícil e penoso para um sinistrado com 50 anos ou mais, afectado com certa IPP, reocupar o posto de trabalho e exercer as funções que desempenhava antes do acidente, por comparação com outro sinistrado com igual IPP, mas com menos de 50 anos de idade.
10. Trata-se de legítima opção do legislador que decidiu bonificar o coeficiente geral de incapacidade do sinistrado portador de IPP, com idade igual ou superior a 50 anos que já não tenha beneficiado dessa bonificação, de forma razoável, racional e objectivamente fundada, por comparação com outros sinistrados com menos de 50 anos.
11. Por isso, tal diferenciação em função da idade do sinistrado não ofende o princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da CRP.
A Seguradora veio juntar aos autos um parecer elaborado D…, do qual constam as seguintes conclusões: A) A alínea a) do nº5 da TNI por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, ao prever a concessão de uma bonificação dos coeficientes de incapacidade previstos naquela Tabela, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factos 1,5, aos trabalhadores que tenham atingido a idade de 50 anos ou mais, por este simples facto, consagra uma solução manifestamente infundada, por irrazoável e desprovida de qualquer fundamentação racional, que se não encontra justificada por qualquer valor constitucionalmente relevante; B) Nestes termos, deve considerar-se que a diferenciação assim estabelecida entre aqueles trabalhadores e os demais (os que não tenham atingido 50 anos) é arbitrária, sendo por isso inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP; C) Há pois que concluir que os Tribunais não devem aplicar a referida bonificação aos coeficientes de incapacidade dos trabalhadores que tenham atingido a idade de 50 anos ou mais, apenas fazendo dela beneficiar os trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que se não possam reconverter em relação ao posto de trabalho.
Refere a Seguradora que por lapso, e apesar de ter feito referência no recurso ao dito parecer, não o juntou com as alegações/conclusões do mesmo. O MP foi notificado da junção do referido parecer e nada veio dizer.
Ao abrigo do nº2 do artigo 651º do CPC admite-se a junção do referido parecer.
Admitido o recurso cumpre decidir.
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II
Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. O Autor foi vítima de um acidente – queda, quando caminhava nas instalações da empresa – no dia 05.06.2013, em … – Ovar, quando trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização de E… Lda., com sede na referida localidade.
2. Teve alta médica em 05.09.2014.
3. Encontra-se afectado, em virtude do acidente, de IPP de 44,847%, desde 06.09.2014.
4. Auferia, aquando do acidente, a retribuição anual de € 7.000,00.
5. Nasceu em 07.06.1946.
6. Foi já indemnizado pelas incapacidades temporárias sofridas até à data da alta médica, com excepção do período de ITP de 60% desde 23.05.2014 até 05.09.2014.
7. Despendeu, em deslocações obrigatórias ao Tribunal e aos locais onde efectuou exames médicos, a quantia de € 180,00.
8. À data do sinistro, a entidade patronal tinha transferido para a Seguradora a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.
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III
Objecto do recurso.
Da inconstitucionalidade da segunda parte da al. a) do nº5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI) por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais constante do Anexo I ao DL. Nº352/2007 de 23.10.
Escreveu-se na sentença recorrida, no que respeita ao grau de IPP atribuído ao sinistrado, o seguinte: (…) “teve-se em consideração o resultado dos exames por junta médica realizados, vertidos nos autos de folhas 67 e seguintes e 74 e seguintes, mormente as considerações e conclusões aí expressas pela maioria dos Exmos. Peritos Médicos que neles intervieram, que se afiguram correctas no seu enquadramento, face à TNI e ajustadas aos elementos constantes do processo, nomeadamente à natureza e gravidade das sequelas, bem assim como à idade e profissão do sinistrado”(…).
No exame por Junta Médica a que se alude na sentença recorrida ficou a constar que o senhor Perito da Seguradora «considera inconstitucional o factor de bonificação de 1,5», sendo que tal factor foi aplicado ao sinistrado pelo seu perito e pelo perito do Tribunal.
A apelante apenas discorda da sentença na parte em que aplicou o factor 1.5 à IPP atribuída ao sinistrado invocando a sua inconstitucionalidade por ofensa do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP e na parte em que determina a aplicação do factor de bonificação aos sinistrados com 50 anos ou mais de idade. Que dizer?
O acidente que vitimou o sinistrado ocorreu em 05.06.2013. Ao caso é aplicável a Lei nº98/2009 de 04.09 (LAT) e a TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10 [este último diploma entrou em vigor no dia 23.01.2008]. O nº5 das Instruções gerais da TNI prescreve que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.
Segundo o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “ 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação social”.
O princípio da igualdade traduz-se na ideia da proibição do arbítrio, ou seja, «As medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente imprópria» – acórdão do Tribunal Constitucional de 23.04.1992, no BMJ, nº416, página 296 e seguintes.
Escreveu-se, também, no acórdão do Tribunal Constitucional nº409/1999 que “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio” (…).
No caso em apreço cumpre analisar se a Instrução prevista na al. a) no nº5 do Anexo I da TNI por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais – na parte aqui em análise – estabelece uma discriminação em razão da idade sem qualquer fundamento razoável.
Desde já se adianta não se verificar a ofensa do princípio da igualdade nos termos indicados pela apelante, sendo certo que a referida diferenciação – sinistrados com 50 anos ou mais e sinistrados com menos de 50 anos – assenta em critérios objectivamente razoáveis.
Na verdade, se do acidente de trabalho resultar para o sinistrado redução da capacidade de ganho – traduzida na atribuição de uma IPP – certo é que essa redução se torna «mais gravosa» quando ele tem 50 anos ou mais, já que as suas condições físicas/psíquicas pioram, com o decorrer da idade, e muito mais quando ele se acidentou – quando trabalhava – tendo ficado com a sua capacidade de trabalho reduzida.
Ou seja, o legislador laboral sendo conhecedor da realidade, e sendo sensível ao factor idade, equacionou o diferente tratamento justificado pela «avançada» idade do sinistrado em termos de «mercado do trabalho» e «capacidade de trabalho». Se a idade estabelecida deveria ser outra – que não a partir dos 50 anos – isso é questão que aqui não compete tratar por tal tarefa ser da exclusiva incumbência do legislador.
Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso 50 anos ou mais – é factor relevante, que «acresce» à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural. Tal entendimento não se nos afigura irrazoável nem arbitrário por assentar em critérios objectivos.
Deste modo, não se mostra violado o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP [no sentido aqui defendido é o acórdão desta Secção Social de 01.02.2016, publicado em www.dgsi.pt e também o acórdão de 18.04.2016 no qual a aqui relatora interveio como 2ª adjunta].
Por isso, não merece a sentença recorrida qualquer reparo ao ter fixado a IPP em 44,847% [29,898% x 1.5].
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 02.05.2016
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
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SUMÁRIO: 1. A aplicação do factor 1.5 previsto no nº5 das Instruções gerais da TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10 – com fundamento na idade do sinistrado – não ofende o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 2. Na verdade, para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso 50 anos ou mais – é factor relevante, que «acresce» à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural. Tal entendimento não é irrazoável nem arbitrário por assentar em critérios objectivos.

Fernanda Soares