Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
805/18.6T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
DIREITO DE VOTO
VOTAÇÃO
Nº do Documento: RP20181105805/18.6T8STS.P1
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 683, FLS 259-264)
Área Temática: .
Sumário: I – Ao abrigo do processo especial para acordo de pagamento, em perfeita simetria com o que sucede para as empresas, o devedor que não seja titular de empresa passa a dispor de um meio pré-insolvencial e tendencialmente extrajudicial que poderá permitir evitar o estado de insolvência e a consequente verificação e declaração desse estado.
II – No processo especial para acordo de pagamento a votação decorre por escrito, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório que os abre em conjunto com o devedor, que elaborará um documento com o resultado da votação que remeterá de imediato ao tribunal.
III – O apuramento da votação pressupõe a prévia definição de quem tem direito de voto e do número de votos conferidos a cada credor com direito a voto, sendo aplicável o disposto no art.º 73.º do CIRE, com as necessárias adaptações e na parte que não é afastada pelo regime próprio do processo especial para acordo de pagamento.
IV – Sendo um processo tendencialmente extrajudicial em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, da informalidade e da eficácia, competirá ao administrador judicial provisório a fixação do número de votos conferidos aos créditos sob condição suspensiva, sempre com a especificação das razões que fundamentam essa tomada de decisão, nos termos do n.º4 do art.º 73.º do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário do acórdão proferido no processo nº 805/18.6T8STS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 03 de março de 2018, no Juízo de Comércio de Santo Tirso, B... e C... intentaram processo especial para acordo de pagamento, comunicando que pretendiam dar início às negociações conducentes à sua recuperação e requerendo que seja proferido despacho a nomear administrador judicial provisório, indicando para o efeito o Sr. Dr. D....
Em 06 de março de 2018 proferiu-se despacho a nomear a pessoa indicada pelos autores como Administrador Judicial Provisório, sendo essa decisão publicitada nos termos legais.
Em 09 de março de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado pelo tribunal veio declarar que aceitava as funções.
Em 03 de abril de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório requereu a junção aos autos da lista provisória de créditos.
Em 05 de abril de 2018, B... e C... impugnaram a lista provisória de créditos, requerendo que seja reconhecido, sob condição da futura reversão, o crédito no montante global de € 57.068,71, a favor da Direção de Finanças do Porto e também sob condição de futura reversão, o crédito no montante de € 163.750,44, a favor do Instituto da Segurança Social.
Em 10 de abril de 2018, E..., SA impugnou a lista provisória de créditos requerendo que o crédito que lhe foi reconhecido sob condição suspensiva seja reconhecido incondicionado.
Por despacho proferida em 11 de abril de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório foi notificado para em cinco dias se pronunciar sobre as impugnações deduzidas contra a lista provisória de créditos e em 17 de abril de 2018 veio responder pronunciando-se no sentido da procedência das impugnações.
Em 19 de abril de 2018 proferiu-se despacho a julgar procedentes as impugnações deduzidas contra a lista provisória de créditos.
Em 11 de junho de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio juntar aos autos acordo prévio de prorrogação do prazo das negociações.
Em 11 de julho de 2018, B... e C... requereram a junção aos autos da sua proposta de plano de recuperação e em 13 de julho de 2018, por terem constatado um lapso relativamente a um crédito da E..., SA, requereram a junção aos autos de proposta de plano atualizada.
Em 23 de julho de 2017, E..., SA, após voto desfavorável ao plano de pagamentos apresentado pelos devedores, requereu a não homologação do plano em virtude de pretenderem imputar o pagamento das suas dívidas a um terceiro que não é o titular da dívida, nem é parte nestes autos, e por outro lado, a Fazenda Nacional, o Instituto de Segurança Social e F..., SA viram os seus créditos graduados sob condição, não ressaltando dos autos que os mesmos tenham requerido direito de voto e que essa pretensão tenha sido judicialmente deferida.
B... e C... vieram requerer a homologação do plano referindo que no caso de incumprimento da devedora sua filha à E..., SA, os devedores assumirão o pagamento nas mesmas condições da devedora originária.
Em 24 de julho de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio informar que o plano apresentado pelos devedores foi aprovado pelos credores[1], requerendo, em consequência, a homologação de tal acordo.
Em 26 de julho de 2018 foi proferida a seguinte decisão:
Nos termos do disposto no art.º. 222º-F, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total
dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os
n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos
votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Ora, nos termos do art. 73.º, n.º 1, do C.I.R.E. “Os créditos conferem um voto por cada euro ou fracção se já estiverem reconhecidos por decisão definitiva proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ou em acção de verificação ulterior, ou se, cumulativamente:
a) O credor já os tiver reclamado no processo, ou, se não estiver já esgotado o prazo fixado na sentença para as reclamações de créditos, os reclamar na própria assembleia, para efeito apenas da participação na reunião;
b) Não forem objecto de impugnação na assembleia por parte do administrador da insolvência ou de algum credor com direito de voto.
Por sua vez estatui o n.º 2 desse normativo que “o número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição”, prevendo o n.º 4 que “a pedido do interessado pode o juiz conferir votos a créditos impugnados, fixando a quantidade respectiva, com ponderação de todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente da probabilidade da existência, do montante e da natureza subordinada do crédito, e ainda, tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade da verificação da condição”.
No caso concreto, o Sr. AJP apresentou lista provisória de credores na qual reconheceu os seguintes créditos:
- G... – crédito comum no valor de €1.000,00;
- E... – Créditos comuns no valor de €152.173,28 e um crédito comum sob condição no valor de €6.821,96
- Direção de Finanças – crédito privilegiado no valor de €114.34 e crédito comum no valor de €694,59
- Instituto de Segurança Social – crédito privilegiado no valor de €397,95
- F... – crédito comum no valor de €2.717,70 e comum sob condição no valor de €508,36.
Os devedores deduziram impugnação pedindo que fosse reconhecido ao Serviço de finanças um crédito no valor de €57.068,71 sob condição.
E pediram que fosse reconhecido ao Instituto de Segurança social um crédito no valor de 163.750,44 sob condição.
A E... deduzir também impugnação pedindo que o crédito que lhe foi reconhecido sob condição deixe de ser reconhecido condicionalmente.
As impugnações em causa foram julgadas procedentes por decisão de 19/4/2018.
Assim, podemos concluir que os créditos reconhecidos nos autos são os seguintes:
- G... – crédito comum no valor de €1.000,00;
- E... – Créditos comuns no valor de €158.995,24
- Direção de Finanças – crédito privilegiado no valor de €114.34, crédito comum no valor de €694,59 e crédito sob condição no valor de 57.068,71.
- Instituto de Segurança Social – crédito privilegiado no valor de €397,95 e crédito no valor de 163.750,44 sob condição.
- F... – crédito comum no valor de €2.717,70 e comum sob condição no valor de €508,36.
Os credores Direção de Finanças, Instituto de Segurança Social e F... não requereram direito de voto quanto aos créditos que lhes foram reconhecidos sob condição.
A verdade é que o Sr. AJP veio aos autos dizer que efetuou um juízo de probabilidade de verificação dos créditos condicionais, tendo considerado os respetivos votos na proporção de 75%.
Salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, não se nos afigura que o Sr. AJP esteja legitimado a fazer esse juízo de probabilidade uma vez que o que a lei prevê é que os credores condicionais requeiram ao tribunal o número de votos e que este é fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição.
Do atrás exposto, resulta, assim, que tendo votado o plano apresentado a E..., a Direção de Finanças, o Instituto de Segurança Social e F... e não tendo estes últimos requerido que lhes fossem fixados número de votos quanto aos créditos reconhecidos condicionalmente o quórum deliberativo é o seguinte:
- E... – Créditos comuns no valor de €158.995,24
- Direção de Finanças – crédito privilegiado no valor de €114.34, crédito comum no valor de €694,59.
- Instituto de Segurança Social – crédito privilegiado no valor de €397,95
- F... – crédito comum no valor de €2.717,70
num total de €162.919,82.
Ora, a E... votou contra o plano apresentado e a Direção de Finanças, o Instituto de Segurança Social e F... votaram contra.
Totalizando os créditos comuns dos credores que votaram favoravelmente o valor de €3.924,58 concluímos que, ao contrário do que refere o Sr. AJP, o plano apresentado não se encontra aprovado.
Ante o exposto, conclui este tribunal não ser possível homologar o plano apresentado.
Decisão:
Face ao exposto, não homologo o plano de revitalização apresentado pelos devedores B... e C....
Valor da causa: €30.000,01 – art. 301.º do C.I.R.E.
Custas pelos devedores, nos termos do artigo 17º-F, nº 7, do CIRE.
Notifique, registe e publicite – artigo 17.º-F, n.º 6, do C.I.R.E., sendo o Sr. AJP para, em 10 dias, apresentar o parecer a que alude o art. 222.º-G, n.º 4, do C.I.R.E.
Em 03 de agosto de 2018, o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou parecer no sentido de ser declarada a insolvência dos devedores.
Em 04 de agosto de 2018, inconformados com a decisão preferida em 26 de julho de 2018, B... e C... interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A)O presente recurso circunscreve-se à legitimidade (ou não), por parte do Administrador Judicial Provisório, em fixar o direito de voto nos créditos sob condição, no âmbito de um processo especial de revitalização e/ou para acordo de pagamento.
B)O Meritíssimo Juiz “a quo” entendeu que “Salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, não se nos afigura que o Sr. AJP esteja legitimado a fazer esse juízo de probabilidade uma vez que o que a lei prevê é que os credores condicionais requeiram ao tribunal o número de votos e que este é fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição”.
C) Contrariamente, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.04.2015 relativo ao processo nº 1128/13.2TBBJA.E1, pesquisável em www.dgsi.pt, dispõe que “Tendo em consideração que o processo especial de revitalização consiste num processo negocial extrajudicial, cujo objectivo principal assenta na recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação, está vedado ao Tribunal sindicar as negociações extrajudiciais e os procedimentos adoptados pelo Sr. Administrador Judicial Provisório junto dos credores”
D) Mais referindo que “tendo o processo especial de revitalização um processo negocial extrajudicial, em que só em situações pontuais e expressamente previstas, o Tribunal é chamado a intervir e a tomar posição, nada obsta que seja o Administrador Judicial Provisório a fixar o número de votos aos créditos sob condição, não só porque é ele que detém todos os elementos necessários para o efeito e que participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos – sendo-lhe inclusivamente remetidos os votos dos credores para que os abra em conjunto com o devedor e elabore um documento com o resultado da votação (artºs 17º-D, nº. 9 e 17º- F, nº. 4 do CIRE) – como também inexiste qualquer normativo legal no capítulo referente ao processo especial de revitalização (Capítulo II) que determine a aplicação do disposto no artº. 73º, nºs 2 e 4 do CIRE, contrariamente ao que sucede com outras disposições legais.
E) Num processo negocial extrajudicial como o presente, é inaplicável o disposto nos artigos 73º nºs 2 e 4 do CIRE, pelo que compete e tem legitimidade o Sr. Administrador Judicial Provisório para proceder à fixação do valor dos créditos sob condição conforme se verificou “in casu”.
F) A proposta de plano de recuperação, conforme resulta da acta da votação junta a estes autos, encontra-se devidamente aprovada, pelo que mal esteve o Meritíssimo Juiz “a quo” ao ter entendimento contrário.
G) O teor da Douta Sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 72º nºs 2 e 4 e 222º F nº 3 do CIRE.
Em 28 de agosto de 2018, a E..., SA contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, com o acordo dos restantes membros do colectivo, atenta a natureza estritamente jurídica da questão decidenda e a sua relativa simplicidade, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
As questões a decidir resumem-se a saber se o Sr. Administrador Judicial Provisório em processo especial para acordo de pagamento tem competência para fixar a percentagem de votos correspondentes a créditos sob condição suspensiva e se o pode fazer oficiosamente.
3. Fundamentos de facto
Os factos necessários e pertinentes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório desta decisão e não se enunciam nesta sede por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
Em processo especial para acordo de pagamento, o Sr. Administrador Judicial Provisório tem competência para fixar a percentagem de votos correspondentes a créditos sob condição suspensiva e pode fazê-lo oficiosamente?
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida, citando em abono da sua pretensão o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de março de 2015[2], proferido no processo nº 1128/13.2TBBLA.E1, acessível na base de dados da DGSI.
Ao invés, a recorrida E..., SA pugna pela confirmação da decisão recorrida, não só pelas razões nela vertidas, mas também porque nenhum dos credores condicionais requereu que lhes fossem conferidos votos, citando em abono desta última vertente da sua argumentação, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de novembro de 2014, proferido no processo nº 1999/13.2TYLSB.L1, também acessível na base de dados da DGSI.
Cumpre apreciar e decidir.
O processo especial para acordo de pagamento foi introduzido no Código dos Processos Especiais da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3] pelo decreto-lei nº 79/2017, de 30 de junho.
Apesar da loquacidade[4] do preâmbulo do decreto-lei nº 79/2017, de 30 de junho, parece relativamente seguro que esta inovação surgiu em reação a alguma doutrina e à maioria da jurisprudência dos tribunais superiores que entendia, fundadamente segundo cremos, que o Processo Especial de Revitalização tinha um domínio subjetivo de aplicação restrito às empresas.
Por força desta inovação, em perfeita simetria com o que sucede para as empresas[5], o devedor pessoa singular que não seja titular de empresa[6], passa a dispor de um meio pré-insolvencial e tendencialmente extrajudicial que poderá permitir evitar o estado de insolvência[7] e a consequente declaração e verificação desse estado[8].
Tal como processo especial de revitalização, o processo especial para acordo de pagamento tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas previstas no presente Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza[9] (vejam-se os artigos 17º-A, nº 3 e 222º-A, nº 3, ambos do CIRE).
Tanto no processo especial de revitalização como no processo especial para acordo de pagamento inexiste para o administrador judicial provisório previsão legal de caráter geral similar à do artigo 55º do CIRE relativamente ao administrador de insolvência.
À semelhança do que em sede de medidas cautelares no âmbito do processo de insolvência e onde vem prevista a figura do administrador judicial provisório com poderes exclusivos para a administração do património do devedor ou para assistir o devedor nessa administração (artigos 31º, nº 2 e 33º, ambos do CIRE), tanto no processo especial de revitalização como no processo especial para acordo de pagamento, a nomeação de administrador judicial provisório envolve o impedimento do devedor de praticar atos de especial relevo, tal como previsto, respetivamente, nos artigos 17º-E, nº 2 e 222º-E, nº 2 ambos do CIRE.
Expostas estas linhas gerais, situemo-nos agora na fase processual em que surge a questão decidenda e que é a que se abre com a conclusão das negociações, com aprovação do acordo de pagamento, sem unanimidade.
A aprovação do acordo de pagamento na sequência da conclusão das negociações pode ser unânime (artigo 222º-F, nº 1, do CIRE) ou não (artigo 222º-F, nº 2, do CIRE), caso este em que o acordo é remetido ao tribunal e publicitado a fim de que, no prazo de dez dias, qualquer interessado poder pedir a não homologação do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215º e 216º, com as devidas adaptações.
De acordo com o previsto no artigo 215º do CIRE, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência, na hipótese do acordo de pagamento, na eventualidade de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do acordo ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
No processo especial para acordo de pagamento a votação decorre por escrito, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório que os abre em conjunto com o devedor, elaborando um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal (artigo 222º-F, nº 4, do CIRE).
O apuramento da votação pressupõe a prévia definição de quem tem direito de voto e do número de votos conferidos a cada credor com direito a voto, afigurando-se-nos aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 73º do CIRE.
De acordo com o nº 2, do artigo 73º do CIRE, o “número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição”. Esta previsão legal compreende-se no processo especial de insolvência que é por natureza um processo judicial.
Contudo, afigura-se-nos que num processo extrajudicial em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, informalidade e eficácia, afigura-se-nos que esta previsão deve ser adaptada ao figurino próprio deste processo especial, competindo a fixação do número de votos conferidos aos créditos sob condição suspensiva ao administrador judicial provisório, sempre com especificação das razões que fundamentam a decisão tomada nos termos do disposto na parte final do nº 4, do artigo 73º do CIRE a fim de, sendo caso disso, poder ser oportunamente sindicada esta decisão.
Além disso, por paridade com o que sucede no processo de insolvência, atendendo ao previsto no nº 4, do artigo 73º do CIRE que se acaba de citar e ao princípio geral do pedido, condição de imparcialidade dos órgãos decisores e por isso integrante das exigências do processo equitativo constitucionalmente consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a fixação por parte do administrador judicial provisório do número de votos que cabem aos créditos subordinados a condição suspensiva dependerá sempre de pedido adrede formulado pelo credor em causa[10], ao contrário do que sucede relativamente aos créditos impugnados por força do disposto no corpo do nº 3 do artigo 222º-F, do CIRE[11].
No caso dos autos, o Sr. Administrador Judicial Provisório procedeu oficiosamente à fixação do número de votos que cabiam aos créditos subordinados a condição suspensiva, sendo estes essenciais para apuramento de uma maioria de votantes favorável ao acordo de pagamento proposto pelos devedores.
De facto, sem os votos dos credores com créditos subordinados a condição suspensiva, mesmo com uma redução de 25% relativamente ao seu valor numérico, os votos favoráveis ao acordo reduzem-se a € 3.924,58 (€ 114,34 + € 694,59 + 397,95 + € 2.717,70 = € 3.924,58), sendo a totalidade dos votos emitidos de € 162.919,82 (€ 3.924,58 + € 158.995,24 = € 162.919,82[12]).
Neste circunstancialismo, tendo a E..., SA, com um crédito no montante de € 158.995,24, votado contra a aprovação do acordo de pagamento, é manifesto que não foi recolhido o voto favorável de mais de dois terços dos votos emitidos e que exigiria que tivessem votado favoravelmente o acordo de pagamento créditos que tivessem votos que excedessem o valor de € 108.613,21 (alínea a) do nº 3, do artigo 222º-F, do CIRE) e nem tão-pouco foi recolhido o voto favorável de credores representativos de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, o que exigiria votos favoráveis representativos de valor superior a € 81.959,91 (alínea b) do nº 3, do artigo 222º-F, do CIRE).
Assim, ainda que com razões não inteiramente coincidentes com as aduzidas na decisão recorrida, há que concluir que o acordo proposto não se pode ter por aprovado com a maioria legalmente exigida.
Como já se viu, nos termos do disposto no artigo 215º do CIRE, “[o] juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Na senda de Carvalho Fernandes e João Labareda[13], “são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.
As regras sobre a aprovação do acordo de pagamento e sobre as maiorias exigíveis são claramente normas de interesse público que se destinam a exigir um comprometimento no acordo votado de credores representativos de um patamar mínimo de capital, para que se possa dar luz verde à almejada resolução positiva da situação de pré-insolvência do devedor. Só nesses casos legalmente previstos, o legislador entendeu que a proposta de acordo era merecedora de se considerar aprovada e poder servir de esteio seguro à projetada saída da situação económica difícil ou de insolvência iminente, com a concomitante satisfação dos direitos dos credores.
Assim, tudo visto e sopesado, tendo também em conta que nem sequer se pode afirmar que a maioria legalmente exigida não foi atingida por valores insignificantes, antes pelo contrário, deve confirmar-se a decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade dos devedores pois que decaíram na sua pretensão de acordo de pagamento (artigos 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 222º-F, nº 9, do CIRE).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B... e C... e, em consequência, ainda que com base em fundamentos jurídicos não totalmente coincidentes, confirmam a decisão recorrida proferida em 26 de julho de 2018.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de doze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 05 de novembro de 2018
Carlos Gil
Carlos Querido
Correia Pinto
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[1] Da documentação anexa resulta que os votos escritos créditos condicionais de F..., SA, da Direção de Finanças do Porto e do Instituto de Segurança Social, IP foram considerados na proporção de 75%.
[2] Na verdade, por ostensivo lapso, os recorrentes alegam que o acórdão citado foi proferido em 26 de abril de 2015.
[3] Doravante citado pelo acrónimo CIRE.
[4] Loquacidade ou quiçá mais precisamente ambiguidade, como se extrai do seguinte trecho que se refere a esta inovação legislativa nos seguintes termos: “Apostou-se na credibilização do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação, reforçou-se a transparência e a credibilização do regime e desenhou-se um PER dirigido às empresas, sem abandonar o formato para as pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes.
[5] Recorde-se para o direito insolvencial empresa é toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica (artigo 5º do CIRE)
[6] E não só como esclarece Catarina Serra in Lições de Direito de Insolvência, Almedina 2018, páginas 583 e 584.
[7] Para a pessoa singular que, além do mais, não tivesse sido titular de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, o CIRE previa o plano de pagamento aos credores que não evitava a declaração de insolvência, ainda que de caráter restrito e que com a homologação do plano de pagamento e a declaração de insolvência determinava logo o encerramento do processo (artigo 259º, nº 1 e 4, do CIRE).
[8] Por isso, com as necessárias cautelas, a doutrina e a jurisprudência produzidas a propósito do processo especial de revitalização poderão ser relevadas em sede de processo especial para acordo de pagamento.
[9] Problemática é a definição de qual é a natureza destes processos, já que não se divisa no CIRE qualquer norma que defina essa natureza, como sucede, por exemplo, no Código de Processo Civil, no Título XV que se refere aos processos de jurisdição voluntária. No entanto, atendendo ao conteúdo e aos princípios da Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de outubro, parece lícito concluir que se pretendia aludir à natureza extrajudicial destes procedimentos.
[10] Neste sentido, no domínio do processo de insolvência, veja-se Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, Lisboa 2015, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, página 389 e 390, anotação 5. Na jurisprudência, neste mesmo sentido, relativamente ao processo especial de revitalização, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de novembro de 2014, proferido no processo nº 1999/13.2TYLSB.L1, acessível na base de dados da DGSI.
[11] Este desvio ao princípio geral do pedido relativamente aos créditos impugnados que também se verifica no processo de revitalização (veja-se o artigo 17º-F, corpo do nº 5, do CIRE) compreende-se, segundo cremos, pelo facto de já existir um litígio carente de resolução e desencadeado pelos respectivos interessados, funcionando o desvio ao princípio do pedido como uma antecipação cautelar dos efeitos que se produzirão com a decisão final das impugnações.
[12] Não computamos como na decisão recorrida os votos relativos a créditos subordinados a condição suspensiva como votos contra pois que, a nosso ver, o nº 2, do artigo 211º do CIRE não se refere a tais créditos, mas antes aos casos em que o voto é emitido com reservas ou condições e que, em termos gerais (artigo 233º do Código Civil) conduzem à rejeição da proposta de acordo (a propósito veja-se a obra antes citada, página 771, anotação 9).
[13] Na obra antes citada, página 782, anotação 5.