Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3521/15.7T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
REJEIÇÃO LIMINAR
Nº do Documento: RP201602183521/15.7T8AVR.P1
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 51, FLS.171-179)
Área Temática: .
Sumário: No processo especial de revitalização, o juiz, ao proferir o despacho a que se refere a segunda parte da alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º-C do CIRE, não tem que verificar a existência dos requisitos materiais de que depende o recurso a tal procedimento, indagando se a recuperação do devedor é ou não viável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3521/15.7T8AVR.P1
Comarca de Aveiro
Aveiro – Inst. Central – 1ª Secção Comércio – J1

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2º Adjunto: Des. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. “B…, Ldª”, NIPC ………, com sede na Rua…, veio, nos termos dos artigos 1º, nº2, e 17º-A a 17º-I do CIRE, requerer processo especial de revitalização, alegando, para o efeito, que se encontra numa situação económica difícil, que se reflecte em sérias dificuldades em cumprir pontualmente as suas obrigações, tendo já reduzido o seu quadro de pessoal, mantendo ao seu serviço três trabalhadores, tendo ainda a decorrer contra si diversos processos de execução, não conseguindo obter crédito.
Refere que as receitas que gerava com a sua actividade têm vindo a diminuir desde 2011, em consequência do aumento do IVA e da diminuição do poder de compra da sua clientela, à semelhança do que ocorre com outros operadores do sector da restauração.
Sustentando que a solução que melhor protege os interesses dos seus credores e trabalhadores é a sua manutenção em funcionamento, defendendo ter condições para gerar resultados de exploração positivos, declara obrigar-se, no prazo legal previsto no artigo 17º-C do CIRE, à elaboração e apresentação de um plano para a sua recuperação e saneamento do passivo.
Manifesta a sua vontade em encetar negociações com os seus credores – a quem comunicou as suas dificuldades de liquidez e de cumprimento pontual das suas obrigações -, que conduzam à sua revitalização, sendo acompanhada nesse propósito pela sua credora C…, Ldª.
Finda, pedindo, designadamente, que se iniciem as diligências processuais conducentes à sua recuperação, nomeando-se, para o efeito, administrador provisório, cujo nome sugere.
Na sequência do determinado no despacho de fls. 94, veio a requerente juntar relação actualizada dos seus credores, montante dos seus créditos e datas de vencimento e garantias prestadas, extracto da conta …….. em relação ao credor C…, Ldª, e relação de bens/imobilizado.
Seguidamente – a fls. 115 a 118 – foi proferido despacho judicial a rejeitar “o pedido de apresentação a processo especial de revitalização por ausência do requisito material de que depende nos termos do art. 17º-A, nº 1 do CIRE, por encontrar-se a devedora em atual situação de insolvência”.
2. Inconformada com essa decisão, dela veio a requerente interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. O despacho de fls. que indeferiu o requerimento de PER de fls. deve ser revogado, por ser contra legem.
2. O PER foi instituído pela Lei nº 16/2012, de 6.02, na sequência da assinatura, pelo Governo da República, do Memorando de Entendimento com a Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), tendo sido gizado (legislativamente) como um mecanismo tendente à rápida revitalização de devedores, de forma a diminuir a tendência, acentuada pela crise financeira e económica, de rápida degradação do tecido empresarial, com destruição de emprego e perda de riqueza.
3. No âmbito dos trabalhos preparatórios que antecederam a publicação da Lei nº 16/2012, foi discutida a possibilidade de exigir ao devedor a prévia certificação da recuperabilidade do devedor, por TOC ou ROC (em caso de sociedades obrigadas a fiscalização, v.g., sociedades anónimas), conforme referem FÁTIMA REIS SILVA, in “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, 2014, pág. 18, e NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS, in “PER – O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, 2014, págs. 16 e 17.
4. Possibilidade essa que não vingou, bastando, para impulsionar o PER, a junção da declaração conjunta prevista no nº 2 do artigo 17º-A do CIRE.
5. O legislador estabeleceu, expressis verbis, que o julgador se deve pronunciar imediatamente, nomeando o administrador judicial provisório, cf. al. a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE.
6. A letra da lei, os antecedentes históricos e a motivação subjacente à publicação do PER são uma tríade que não pode deixar de ser tida em conta na definição do perímetro interpretativo dos poderes conferidos ao Juiz, nos termos da al. a) do no 3 do artigo 17º-A do CIRE, no que refere à decisão de (não) admissão do PER.
7. A esse propósito, NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS referem que “(...) compreende-se que assim seja. Obrigar a uma análise técnica para que o próprio processo se iniciasse seria matá-lo à partida. Por isso, nos termos do no 2 do artigo 17º-A, qualquer devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, e que esteja munido da declaração prevista no nº 1 do artigo 17º-C, pode dar início ao PER.” (ob.cit., pág. 16).
8. Mais assertivamente, referem os ditos Autores que “Não compete ao juiz, aquando da recepção do pedido, fazer uma análise preliminar sobre se tais condições estão ou não reunidas.”, recordando os mesmos que tal solução já era praticada no tempo do CPEREF (artigo 25º), reforçando o apontado argumento histórico, Recenseando ainda os referidos Autores um acervo jurisprudencial relevante em abono dessa tese, que aqui, por remissão para essa conhecida obra, damos por reproduzido (ob. cit. pág. 17).
9. Quanto à extensão do poder de controlo liminar da legalidade do requerimento do PER por parte do Juiz, FÁTIMA REIS SILVA, ob. cit, pág. 19, sustenta que “(...) à partida, no PER, o juiz não tem forma de apreciar se a situação da devedora corresponde a qualquer das enunciadas. A devedora tem o dever de atestar que se encontra em situação difícil ou insolvência iminente e em condições de se recuperar e, a final, em caso de não ser obtido ou não ser homologado o acordo, o administrador judicial provisório é que ajuizará, disso informando o tribunal”.
10. Refere a Autora em causa que “Várias razões alinham nesse sentido: o juiz não tem possibilidade, no curto prazo que a lei lhe comete para proferir o despacho inicial (de imediato, nos termos do artº 17º-C, nº 3, al. a) do CIRE) de aferir pela consulta dos documentos previstos no art.º 24º se a situação da empresa é, efetivamente, de insolvência iminente ou de situação económia difícil ou, pelo contrário, de insolvência atual, até porque se trata de um juízo técnico complexo e concreto que, recorde-se, o mesmo juiz faz em processo de insolvência rodeado de contraditório, meios de prova, alguns vinculados, um sistema de presunções e várias regras legais (...)”, ob. cit, pág. 20 (sublinhado e negrito nossos).
11. Em resumo, “(...) serão os credores e o mercado a fazer o juízo decisivo, aprovando o plano, caso em que, maioritariamente, estarão de acordo pela recuperabilidade ou rejeitando o mesmo, caso em que tal ónus passa para o Administrador Judicial Provisório, a quem competirá avaliar e transmitir aos autos a situação” (ob. cit., pág. 20).
12. Também a Autora em causa dá conta da posição já assumida, a esse respeito, pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) e pelo Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), respectivamente de 15.11.2012 e 16.05.2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Alinhando pelo mesmo diapasão, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, in “O Processo Especial de Revitalização”, 2015, Almedina, pág. 24, refere que “Trata-se de um processo urgente (a expressão “de imediato” confere-lhe um carácter urgentíssimo), pelo que o controlo dos pressupostos materiais será feito posteriormente (no despacho de homologação, ou em momento anterior, se o administrador judicial provisório suscitar a questão perante o juiz).”
14. Assim, pese embora a definição do âmbito subjectivo do PER se restringir textualmente a devedores em situação económica difícil ou insolvência (meramente) iminente – cf. artigo 17º-A, nº 1, do CIRE –, o que não se ignora,
15. A pergunta que se coloca é: quando pode o Tribunal fazer esse controlo de “legitimidade substantiva”? Pode fazê-lo logo quando o devedor surge a requerer o PER?
16. Efectivamente, é doutrinal e jurisprudencialmente reconhecido que o Juiz pode rejeitar inicialmente o PER. Nomeadamente em casos de “manifesta inviabilidade”.
17. Mas o que deve entender-se por “manifesta inviabilidade” (i.e., por pretensão “manifestamente improcedente”, como decorre da al. a) do nº 1 do artigo 27º do CIRE, aplicável por remissão)? Será que a mesma compreende o juízo valorativo prévio a respeito da situação económica do devedor? Sobretudo quando em causa está um processo urgente, e o exercício de um direito reconhecido aos devedores?
18. Cremos que não.
19. Ver, nesse sentido, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, ob. cit,. pág. 24, e FÁTIMA REIS SILVA, ob. cit., págs. 26 e 27.
20. A Jurisprudência tem vindo a elasticar a noção de “manifesta inviabilidade”.
21. É o que resultará dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 10.07.2013 e de 5.05.2015 (este último citado e parcialmente transcrito no douto despacho recorrido de fls.).
22. Se é avisado o entendimento segundo o qual o poder de controlo de legalidade do recurso ao PER, por parte do Juiz, existe logo aquando da prolacção do despacho liminar, e que não se se reduz ao controlo meramente formal a que aludia o Ac. do TRP de 15.11.2012, não se relegando apenas para a fase de apreciação do plano (ou antes, por iniciativa do administrador judicial provisório),
23. Parece-nos não ser menos rigoroso afiançar que tal controlo ainda não chegará à apreciação das condições económicas e financeiras do requerente do PER. I.e., à verificação de uma situação de insolvência actual, por oposição à insolvência meramente iminente ou situação económica difícil.
24. Com efeito, no douto Acórdão do TRC de 5.05.2015, referido no despacho de fls., os Srs. Juízes Desembargadores debatem-se com a (i)legalidade do PER suscitada aquando da homologação do plano, lucubrando, em teoria, sobre os poderes do Juiz quanto à sindicabilidade da recuperabilidade do devedor.
25. Mas não mais que isso.
26. Com efeito, a excepcionalidade a que se reporta o douto Ac. do TRC, em tese, não pode obnubilar o mais que é ali exarado, nomeadamente o alerta que o TRC faz quanto ao risco de os documentos juntos pelo próprio devedor (cf. artigo 24º do CIRE) – no que se incluem as contas dos últimos 3 exercícios – não legitimarem um juízo seguro a respeito da actualidade da putativa situação de insolvência do requerente.
27. Prudência, aliás, expressamente sublinhada por FÁTIMA REIS SILVA, que, cf. supra referido, enfatiza os riscos de uma análise económica e financeira feita a montante, sem os contributos que o próprio desenrolar do processo pode proporcionar (v.g, do administrador judicial provisório e dos seus pareceres, e dos credores intervenientes no processo negocial).
28. Assim, a geometria da noção de “manifesta inviabilidade” compreenderá ainda, por ex., os casos em que o devedor já se apresentara anteriormente à insolvência, ainda que sem êxito, ou já fizera uso de mecanismos processuais que prevêm o reconhecimento prévio dessa situação.
29. É esse o exemplo que ressalta do douto Acórdão do TRC de 10.07.2013 (cf. www.dgsi.pt).
30. Todavia, no exemplo que aqui nos traz, tal não se verifica.
31.Diferentemente, a Sr.a Juiz “a quo” limitou-se a extender o conceito de “manifesta inviabilidade”, o que fez para lá dos limites legais, e mesmo para lá dos limites já traçados pela Jurisprudência. E, alargando o perímetro do controlo de legalidade inicial estabelecido pela Lei – conjugando o disposto no artigo 17º-C, nº 3, com o previsto no artigo 27º,ambos do CIRE –, o Tribunal entrou pelas contas do devedor dentro, formulando um juízo que, com o devido respeito, não lhe cabia fazer.
32. Em consequência disso, o Tribunal “a quo” tolheu um direito processual legalmente conferido à requerente, que é o de se submeter a um procedimento de revitalização empresarial.
33. Fê-lo sem as garantias de contraditório mínimas, proferindo uma decisão surpresa (fora, portanto, do ambiente propício para a análise de questões tão relevantes, como bem salienta FÁTIMA REIS SILVA, v. supra)!
34. Razão pela qual deve o despacho ser revogado, e substituído por decisão que admita liminarmente o PER, ordenando o prosseguimento dos seus ulteriores termos, com todas as legais consequências.
Termos em que, e melhores de Direito, deve dar-se provimento ao recurso de apelação ora interposto, revogando-se o douto despacho de fls. de rejeição liminar do presente PER, prolatado em 6.11.2015, substituindo- se a decisão revogada por outra que admita liminarmente o PER, prosseguindo o mesmo os termos processuais subsequentes, tudo com as legais consequências e em conformidade com as conclusões.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar da admissibilidade legal de indeferimento liminar de processo especial de revitalização com fundamento no facto de não se verificarem os requisitos materiais de que depende o recurso a tal procedimento.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
É relevante à apreciação do objecto do recurso o constante do relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Lei nº 16/2012, de 20/4 veio aditar um Capítulo II ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto, no qual, aglutinados nos artigos 17º-A a 17º-I, prevê e disciplina o designado “Processo Especial de Revitalização”.
A sua origem emana do programa “Revitalizar”, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, propondo-se constituir solução no âmbito da reestruturação empresarial, permitindo a revitalização de empresas em situação económica difícil, mas ainda com viabilidade.
De acordo com o nº 1 do primeiro daqueles apontados preceitos, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
Pode a ele recorrer qualquer devedor que “…mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação” – nº2 do mencionado normativo.
Como a própria designação aponta, o processo especial de revitalização consiste num instrumento processual, de índole marcadamente extrajudicial e negocial, criado num contexto económico reconhecidamente problemático, para ser colocado à disposição de todos aqueles que se confrontem com uma situação económica difícil ou na iminência de situação de insolvência, mas ainda passível de recuperação, visando, com a interacção dos seus credores, uma solução negocial que, evitando a concretização da situação efectiva de insolvência do devedor, consiga promover a sua reabilitação.
Para Fátima Reis Silva[1], “os traços característicos deste procedimento especial são a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor.
A celeridade enquanto traço essencial e condição de eficácia surge consagrado não só pela regra do art.º 17.º-A, n.º 3 (o processo especial de revitalização tem carácter urgente), como pelos prazos e organização do próprio procedimento [...].
A consensualidade porque a finalidade do procedimento é possibilitar a negociação entre o devedor e os seus credores, sujeitando-os a algumas regras para o procedimento, orientações para a negociação (Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10) e consequências quando reunidos os pressupostos previstos.
Iniciativa do devedor porque a ele, e apenas a ele, cabe o desencadear deste específico procedimento, com exclusão de todos os demais legitimados para pedir a sua declaração de insolvência.
Estes traços específicos do regime explicam-no, justificam muitas das suas regras e integram as demais regras aplicáveis em função das lacunas do regime próprio. O legislador optou por consagrar uma tramitação escassa em regras, deixando ao intérprete a tarefa de integrar as lacunas, mas sempre de acordo com estas características”.
Segundo o acórdão da Relação de Coimbra de 12.03.2013[2], trata-se de “um processo que visa possibilitar a revitalização rápida e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”[...]., não se tratando de “ressuscitar o já insolvente”, mas sim de “reanimar a que conserva ainda um sopro de vida, sendo necessário insuflar-lhe oxigénio indispensável para que se reactive e reerga”[...].
Refere o acórdão da Relação de Lisboa de 09.05.2013[3] que “o processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril tem por fim a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa e cuja eficácia pressupõe a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo para a generalidade dos credores”, adiantando o mesmo aresto que “a regra é a de privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor”.
E segundo o acórdão da Relação de Coimbra de 24.09.2013[4], “ o processo especial de revitalização, representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor, tratando-se de um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual”.
Também é esse o entendimento do citado acórdão da Relação de Lisboa de 09.05.2013 quando, referindo-se àquele instrumento processual, sustenta: “ [...] privilegiou o controlo pelos credores da conduta do devedor e do seu administrador (sendo a falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestada susceptível de gerar responsabilidade civil - cfr. nº11 do citado art. 17º-D), restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual.
Daí ter reservado a intervenção do juiz à sindicância da justeza da instauração do processo especial de revitalização, ou melhor dizendo, à verificação da situação de facto do devedor (estar o mesmo “comprovadamente” numa das situações previstas no nº2 do art. 1º do CIRE) e das condições necessárias para a sua recuperação (cfr. arts. 17º-A, 17º-B e 17º-C, nº3, al. a) e nº4); à decisão de impugnações de reclamações de créditos; ao julgamento da acção referida no nº 11 do citado art. 17º-D; ao controlo do cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de recuperação por forma a assegurar a legalidade do acordo alcançado pelos intervenientes (cfr. art. 17º-F, nºs 3 e 5) ou à declaração de insolvência após a conclusão do “processo negocial”, sem a aprovação de qualquer plano de recuperação ( cfr. art. 17º-G)”.
Já assim o defendia igualmente o mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 12.03.2013: “tratando-se, como se afirmou, de um processo de pendor marcadamente extrajudicial, ao juiz está cometida neste PER a prática de escassos actos: o primeiro é a nomeação de administrador judicial provisório, na sequência da comunicação efectuada pelo devedor e da verificação do cumprimento das formalidades legalmente prescritas para o efeito [artigo 17.º-C, n.ºs, 1 a 3, alínea a)][...]; depois, a decisão de impugnações de reclamações de créditos (artigo 17.º-D; seguidamente, quando as negociações chegam à elaboração de um plano de recuperação, o juiz decide se deve homologar o referido plano ou recusar a sua homologação (artigo 17.º-F, n.ºs 3 e 5); e finalmente, quando no processo não se chegue à aprovação de um plano de recuperação, e o mesmo seja encerrado, cabe ao juiz a declaração de insolvência do devedor, quando seja o caso (artigo 17.º-G)”.
Estabelece o nº 3 do artigo 17º-C do CIRE que “Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos:
a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações;
[...]”.
A expressão com que se inicia o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE – “caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C...” – pressupõe que essa nomeação possa não ocorrer logo de imediato, ou nem sequer ocorrer. O que nos remete para a discussão acerca da possibilidade de o juiz proferir despacho liminar, que não o de mera nomeação do administrador judicial provisório, e, existindo tal possibilidade, qual a natureza e alcance desse despacho.
O devedor deve apresentar-se ao tribunal competente acompanhado da declaração de recuperabilidade prevista no artigo 17º-A, manifestando vontade de encetar negociações com os seus credores, acompanhado de, pelo menos, um deles, tudo documentado por declaração escrita e com os elementos previstos no artigo 24º do CIRE – nºs 1 e 2, b) do artigo 17º-C do mesmo diploma legal.
Não se achando expressamente previstas as consequências processuais para a falta de junção de um ou mais daqueles elementos, essa lacuna terá de ser suprida através da aplicação das regras relativas ao requerimento inicial de insolvência. Ao processo de revitalização, como processo especial que é, aplicam-se, em primeiro lugar, as sua próprias normas, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, ou seja, as demais normas do CIRE, e, sempre que tal se revele necessário, as regras do Código de Processo Civil, nos termos do artigo 17º do CIRE.
Neste contexto, faltando elemento que o devedor esteja obrigado a juntar para que o processo possa prosseguir, com a nomeação do administrador judicial provisório, designadamente alguns dos previstos no artigo 23º e 24º do CIRE, pode/deve o juiz no despacho liminar, ao invés de proceder imediatamente àquela nomeação, formular convite ao aperfeiçoamento, para que, em prazo fixado para o efeito, o devedor junte os elementos em falta.
A essa faculdade recorreu, de resto, a Sr.ª Juiz do processo ao proferir o despacho de fls. 94.
Sendo também omisso o complexo normativo que disciplina o processo especial de revitalização quanto à figura do despacho de indeferimento liminar, tem sido debatido na doutrina e na jurisprudência essa admissibilidade, ganhando consistência o entendimento de que deve ser proferido despacho liminar de indeferimento quando, por razões formais, o processo não reúna as condições necessárias ao seu prosseguimento, designadamente, por falta dos documentos referidos no nº 1 do artigo 24º do CIRE[5].
Defende Fátima Reis Silva[6] que “quando a parte não especifique ou não junte algum ou algum dos pressupostos ou documentos essências, mesmo após concessão de prazo para o efeito, o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento do PER, também nos termos do art.º 27º do CIRE.
Na falta de qualquer dos elementos previstos como de junção necessária, eventualmente haverá que ponderar, quanto aos elementos do art.º 24º, a sua importância (como se faz nos casos de apresentação à insolvência ponderando quais os que impedem a prolação de sentença e quais os que podem ser ordenados juntar na própria sentença, atenta a previsão do art.º 36º, n.º, al. f) do CIRE) reservando o indeferimento liminar para os considerados essenciais.
Existe, pelo menos, mais um caso em que se afigura possível o indeferimento liminar, quando a devedora se encontre já em situação actual de insolvência declarada judicialmente, independentemente do trânsito em julgado da decisão”.
Poderá o juiz ir mais além nessa sindicância, averiguando, designadamente, se se verificam os requisitos materiais de que depende o referido procedimento?
Fátima Reis Silva, limitando os casos de indeferimento liminar às situações atrás mencionadas, parece não admitir tal possibilidade, sustentando que, recebida a “comunicação” a alude o artigo 17º-C do CIRE, deve o tribunal, de imediato, nomear administrador judicial provisório.
Refere a mesma autora[7]: “Apenas o próprio devedor pode iniciar qualquer das duas modalidades (17º-C, nº1 e 17º-I, nº1) e em ambas tem de juntar declaração escrita na qual atesta que reúne as condições necessárias para a sua recuperação – nº 2 do art.º 17º-A.
Anota-se que, na versão inicial colocada em discussão pública do projecto-lei, a certificação da recuperabilidade estava cometida a técnico oficial de contas ou revisor oficial de contas em empresas sujeitas a revisão. A norma foi alterada na proposta de lei que veio a ser aprovada, passando a exigir-se apenas a certificação do devedor.
Tratando-se de uma faculdade, se o devedor se encontrar em situação de insolvência eminente, a apresentação a PER não pode, mais tarde e se for o caso, deixar de se valorar como equivalente ao cumprimento do dever de apresentação à insolvência, para os efeitos previstos nos art.ºs 18º e 186º, nº3, al. a) do CIRE”.
E mais adiante: “Deixando de lado a discussão que não poderá deixar de se travar acerca da relevância deste art.º 17º-B para a delimitação dos conceitos de insolvência actual e iminente no próprio CIRE[…] assinala-se que, à partida, no PER, o juiz não tem forma de apreciar se a situação da devedora corresponde a qualquer das enunciadas. A devedora tem o dever de atestar que se encontra em situação difícil ou insolvência iminente e em condições de se recuperar e, a final, em caso de não ser obtido ou não ser homologado o acordo, o administrador judicial provisório é que ajuizará, disso informando o tribunal.
Várias razões se alinham nesse sentido: o juiz não tem possibilidade, no curto prazo que a lei lhe comete para proferir o despacho inicial (de imediato, nos termos do art.º 17º-C , nº3, al. a) do CIRE) de aferir pela consulta dos documentos previstos no art.º 24º se a situação da empresa é, efectivamente, de insolvência iminente ou de situação económica difícil ou, pelo contrário, de insolvência actual, até porque se trata de um juízo técnico complexo e concreto que, recorde-se, o mesmo juiz faz em processo de insolvência rodeado de contraditório, meios de prova, alguns vinculados, um sistema de presunções e várias regras legais (art.ºs 3º, 20º, 30º e 35º do CIRE, entre outros); e, na verdade, serão os credores e o mercado a fazer o juízo decisivo, aprovando o plano, caso em que, maioritariamente, estarão de acordo pela recuperabilidade ou rejeitando o mesmo, caso em que tal ónus passa para o Administrador Judicial Provisório a quem competirá avaliar e transmitir aos autos a situação”[8].
Também o acórdão da Relação de Guimarães de 16.05.2013[9] advoga o mesmo entendimento: “...não é no momento do despacho liminar que o Juiz terá de averiguar em profundidade qual a verdadeira situação da requerente.
À lei basta que a requerente o certifique.
Após o despacho e a notificação dos credores, e com o prosseguimento do processo, tanto podem as negociações chegar à elaboração de um plano de recuperação, (e o juiz decide se deve homologar o referido plano ou recusar a sua homologação) - (artigo 17.º-F, n.ºs 3 e 5 – ou, quando no processo não se chegue à aprovação de um plano de recuperação, e o mesmo seja encerrado, cabe ao juiz a declaração de insolvência do devedor, quando seja o caso (artigo 17.º-G).
Assim, não compete ao Juiz a quem é comunicada a pretensão do devedor averiguar (liminarmente) se materialmente se verificam os requisitos previstos no artigo 17º B, bastando que o devedor declare e ateste que se encontra numa situação económica difícil, e invoque os pressupostos referidos na lei para dar início ao processo”, posição que já encontrava eco no anterior acórdão desta Relação e Secção de 15.11.2012[10].
Extrai-se, com efeito, deste acórdão: “ressalvadas as hipóteses, fatalmente admissíveis, de ostensivo e incontornável indeferimento liminar, não existe a possibilidade contrária e temida, ou seja, a de o juiz não nomear administrador, designadamente porque apreciou o pressuposto material de que depende o processo e decidiu que ele não se verifica ou é invocado abusivamente e, por isso, não merece ser atendido e devem inviabilizar-se, sem mais, os actos subsequentes.
Aquele pressuposto é atestado, “comprovado”, pelo devedor e pelo credor ou credores que com ele assinem a declaração escrita, mas o controlo de mérito só tem lugar extrajudicialmente, pelos credores e no âmbito das negociações prosseguidas em tal sede, sob a orientação do administrador judicial provisório (nºs 8 e 9 do artº 17º-E), que apreciarão a bondade da pretensão, a lisura da conduta do devedor e a sua conformidade aos princípios a que é devida obediência (nºs 6 e 10), podendo, então sim, mas nos termos do nº. 11, desencadear-se acção de responsabilidade”.
A natureza e os fins prosseguidos pelo processo especial de revitalização, conjugados com os seus antecedentes históricos e com a própria literalidade do artigo 17º-C do CIRE apontam para a insindicância liminar dos requisitos materiais de que depende o recurso àquele instrumento procedimental.
A natureza urgente do processo em causa e os fins que visa acautelar não se compadecem com a formulação de um juízo inicial acerca da concreta situação económica de quem a ele recorre no pressuposto, declarado, de que, apesar de se achar em situação económica difícil, a sua recuperação é ainda possível.
Num quadro empresarial, “situação económica difícil”, “insolvência iminente” ou “insolvência actual” são conceitos de difícil delimitação concreta, com margens de aproximação tal que, muitas vezes, torna árdua, senão impossível, a tarefa da definição das respectivas fronteiras. Por isso, assegurar-se, em exame liminar, sem contraditório e sem apoio técnico, que uma empresa se encontra já em situação de insolvência, sem viabilidade de recuperação, poderá desembocar numa conclusão precipitada e destituída de fundamento.
Apostando o processo especial de revitalização na recuperação dos agentes económicos, concedendo-lhes a lei a iniciativa de desencadearem os mecanismos legais criados especificamente com essa finalidade, seria claramente desaconselhável que esse objectivo fosse, logo no início desse procedimento, inviabilizado pela formulação de um juízo que poderia revelar-se temerário ou mesmo precipitado.
Poderão os defensores de entendimento contrário objectar com os riscos que essa ausência de sindicância prévia poderia representar por deixar caminho aberto para quem, querendo prevalecer-se abusivamente dos efeitos do processo de revitalização, a ele recorre infundadamente.
Trata-se, todavia, de uma falsa questão.
Os riscos de um tal comportamento abusivo poder ocorrer num processo de revitalização serão equivalentes aos riscos associados a qualquer procedimento de outra natureza.
Além disso, como contrapartida da ampla liberdade concedida ao devedor para recorrer ao referido mecanismo processual, e como corolário da auto-responsabilidade inerente a esse recurso, prevê a lei – artigo 17º-D, nº 11 do CIRE – a responsabilidade civil, daquele devedor e, tratando-se de pessoa colectiva, do seu administrador, de direito ou de facto, em caso de violação de obrigações especialmente ligadas ao processo e causadoras de prejuízos dos seus credores, a apurar em processo autónomo.
E se num momento inicial a lei tem por suficiente que o devedor certifique que se acha em situação económica difícil ou em de insolvência iminente para o desencadear do processo especial de revitalização, mas que a sua recuperação é viável, tal não significa que nos subsequentes trâmites do processo não se proceda a uma mais aturada avaliação da sua real situação económica.
Essa avaliação cabe, em primeira linha, aos credores, que a ela procederão no decurso do processo negocial, que culminará com a aprovação do plano de recuperação, ou com o encerramento do processo negocial, sem essa aprovação, por o devedor ou a maioria dos credores prevista no nº 3 do artigo 17º-F antecipadamente concluírem não ser o acordo possível, ou quando se mostre ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D.
O encerramento do processo negocial sem acordo acarretará a extinção dos efeitos do processo de revitalização, no caso de o devedor ainda não se encontrar em insolvência, mas achando-se o mesmo nessa situação, aquele encerramento ditará a sua insolvência, que deverá ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados da recepção pelo tribunal da comunicação a que alude o nº 1 do artigo 17º-G.
E se aos credores incumbe, nos moldes expostos, a avaliação da situação económica do devedor e a conclusão sobre a viabilidade ou inviabilidade da sua recuperação, dada a dominante natureza extrajudicial do processo de revitalização, o controlo judicial não deixa de se manifestar, sobretudo em aspectos cruciais como a homologação, ou recusa da mesma, do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor.
Assim, não só não se justifica um juízo preliminar sobre os requisitos materiais de que depende o recurso ao processo especial de revitalização, como não deve o mesmo ser emitido, pois tal subverteria a natureza do referido processo e comprometeria os fins que prossegue.
Não nos merece, por isso, concordância a decisão recorrida que, ao invés de determinar as diligências necessárias ao prosseguimento do processo especial de revitalização, com nomeação imediata do administrador judicial provisório, indeferiu liminarmente o pedido formulado pelo requerente.
De resto, nem sequer o acórdão da Relação de Coimbra de 05.05.2015[11], em que a decisão impugnada se ampara para sustentar o indeferimento liminar, consente uma admissibilidade, tão abrangente e linear, de sindicância dos pressupostos materiais de que depende o recurso ao processo de revitalização. Como nele se escreve: “...normalmente, não é no momento do despacho liminar que o juiz terá condições para se pronunciar sobre a situação do requerente: apesar de tal declaração não ser adequada a demonstrar a situação económica difícil ou a insolvência eminente do devedor e de ao juiz não ser dada a efectiva possibilidade de controlar a verificação de um ou de outro destes pressupostos, o certo é que basta a apresentação daquela declaração e a comunicação, pelo devedor, de que pretende encetar negociações para que o processo seja, necessariamente, aberto, devendo o juiz nomear, de imediato, administrador judicial provisório [...]. Por outro lado, os documentos que o devedor deve remeter ao tribunal – relação dos credores e das acções e execuções pendentes, documento de explicitação da sua actividade e das contas anuais relativas aos três últimos exercícios, etc. – também não são aptos para comprovar tais pressupostos, sendo certo, de resto, que a sua remessa para o tribunal pode ocorrer depois de o processo já se ter iniciado e de o juiz proferir aquele despacho (arts 24º nº 1 e 17º-C nº 3 b) do CIRE) [...].
O que não significa que, excepcionalmente, logo aquando do despacho liminar, o juiz não possa deparar com situações de falta de verificação dos pressupostos legais ou de evidente insolvência actual e, muito menos, que se lhe não imponha «(…) um nível mínimo de controlo(…) sendo possível o indeferimento liminar em caso de insolvência atual comprovada» [...]”.
Tal situação poderia ocorrer como na retratada no acórdão da mesma Relação de 10.07.2013[12], perante a inevitabilidade do juízo sobre a inviabilidade de recuperação do devedor que, três meses antes, havia requerido a sua insolvência, alegando que era a mesma actual e real, sem existir no processo de revitalização, entretanto por ele requerido, justificação para a alteração da posição/pretensão neste formulada, situação que não apresenta qualquer similitude com a que se configura nos autos onde foi proferida a decisão aqui escrutinada.
Procede, consequentemente, a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento do processo especial de revitalização requerido, designadamente com a imediata nomeação do administrador judicial provisório.
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Síntese conclusiva:
- No processo especial de revitalização, o juiz, ao proferir o despacho a que se refere a segunda parte da alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º-C do CIRE, não tem que verificar a existência dos requisitos materiais de que depende o recurso a tal procedimento, indagando se a recuperação do devedor é ou não viável.
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, devendo o procedimento requerido pela apelante prosseguir os seus trâmites legais, com imediata nomeação de administrador judicial provisório.
Custas: a determinar a final.

Porto, 18 de Fevereiro de 2016
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
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[1] “Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, págs. 16, 17,
[2] Processo nº 6070/12.1TBLRA-A.C1, www.dgsi.pt.
[3] Processo nº 1008/12.9TYLSB.L1-8, www.dgsi.pt.
[4] Processo nº 995/12.1TBVNO-C.C1, www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 16.12.2015, processo nº 2112/15.7T8STS.P1, www.dgsi.pt.
[6] Obra citada, págs. 26, 27.
[7] Obra citada, págs. 18, 19.
[8] Cfr., em idêntico sentido, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis [“PER – O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, 2014, págs. 16 e 17], que, referindo-se às condições necessárias à recuperação da empresa, que o devedor que recorra a este instrumento procedimental deve atestar, categoricamente afirmam que “não compete ao juiz, aquando da recepção do pedido fazer uma análise preliminar sobre se tais condições estão reunidas”, o que, fazem notar, já sucedia no âmbito de aplicação do CPEREF.
[9] Processo nº 284/13.4TBEPS-A.G1, www.dgsi.pt.
[10] Processo nº 1457/12.2TJPRT-A.P1, www.dgsi.pt.
[11] Processo nº 996/15.8T8CRA-A.C1, www.dgsi.pt.
[12] Processo nº 754/13.4TBLRA.C1, www.dgsi.pt.