Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
123/17.7GBETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
LEI NOVA
AUDIÊNCIA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP20180228123/17.7GBETR.P1
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º9/2018, FLS.48-50)
Área Temática: .
Sumário: Proferida sentença antes da entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23/8, atenta a norma transitória expressa no artº 12º de tal lei, o arguido condenado em prisão por dias livres deve requerer, após o trânsito em julgado, a abertura da audiência para ser ponderada nova pena de substituição não privativa da liberdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes que integram a 1ª Secção Criminal deste Tribunal
1 Relatório
Nos autos 123/17.7GBETR.P1 que correram os seus teremos na Comarca de Aveiro, Tribunal de Estarreja, Juízo de competência genérica Juiz 1, foi proferida sentença que decidiu condenar o arguido B… pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº1, e 69º nº1, al. a), ambos do Código Penal,
- na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída por prisão por dias livres que se fixou em 54 (cinquenta e quatro) períodos com a duração cada de 36 (trinta e seis) horas, com entrada no estabelecimento prisional às 09h00m de sábado e saída às 21h00m de domingo, com início no 10º dia seguinte ao do trânsito da presente decisão.
- na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 22 (vinte e dois) meses.
Não conformado, veio o arguido interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 73 dos autos, concluindo nos seguintes termos:
III. Conclusões:
1. O dolo não se pode deduzir apenas da circunstância de ter sido ultrapassado um determinado grau de alcoolemia.
2. Os factos que constam do elenco da factualidade dada como provada, por si, não são suficientes para se concluir por uma conduta dolosa do recorrente.
3. O grau de alcoolemia não permite determinar se a conduta do recorrente é dolosa ou negligente.
4. Não havendo prova dos factos que nos permitam concluir pelo carácter doloso da conduta do recorrente, esta deverá ter-se tão-somente como negligente.
5. A culpa e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor e contra o recorrente, ajustam-se à aplicação ao recorrente de uma pena de prisão suspensa na sua execução.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância, tendo pugnado pela rejeição do recurso por manifesta improcedência.
Neste Tribunal o Digno Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foram os autos aos vistos, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
Resultam provados nos autos os seguintes factos:
Factos Provados:
1. No dia 23 de Maio de 2017, pelas 17:25m, o arguido tripulou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo …, matrícula .. - .. - JC, na rua …, freguesia de …, concelho de Estarreja, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,38 g/l.
2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção concretizada de tripular aquele veículo na via pública influenciado pelo álcool, ciente de que o não poderia fazer no estado de embriaguez em que se achava e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
3. Aquando da fiscalização pela GNR no momento indicado em 1., o arguido adoptou uma postura colaborante.
4. O arguido tinha estado em casa de um primo, com quem e onde ingeriu bebidas alcoólicas, tendo-se depois dirigido ao supermercado C…, de onde vinha quando foi fiscalizado e quando pretendia dirigir-se para casa.
5. O arguido reside em casa própria com a mãe, que está acamada e com uma irmã, reformada.
6. Dedica-se à agricultura de subsistência e a trabalhos esporádicos na construção civil.
7. É o único elemento do agregado familiar com carta de condução.
8. Confessou os factos.
9. O arguido foi condenado nos:
a. Processo nº 413/04.9GCETR, por sentença transitada em julgado em 23.11.2004, pela prática, em 06.11.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses.
b. Processo nº 6/09.4GCETR, por sentença transitada em julgado em 13.2.2009, pela prática, em 04.01.2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses.
c. Processo nº 533/13.9PAOVR, por sentença transitada em julgado em 23.6.2014, pela prática, em 08.09.2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano.
d. Processo nº 105/15.3T9ETR, por sentença transitada em julgado em 27.5.2016, pela prática, em 28.10.2014, de um crime de violação de imposições, proibições 4 meses de prisão, substituídos pela prestação e trabalho a favor da comunidade.
e. Processo nº 417/14.3GBETR, por sentença transitada em julgado em 04.03.2015, pela prática, em 29.10.2014, de um crime condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, sujeita a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 18 meses.
f. Processo nº 462/15.1GCETR, por sentença transitada em julgado em 21.12.2015, pela prática, em 29.10.2015, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições na pena de 8 meses de prisão suspensa por um ano sujeita a acompanhamento pela DGRSP e à prestação de 200 horas de TFC.
***
Ora, atentas as conclusões do recorrente, sendo estas que balizam o objecto do recurso, as únicas questões que importa apreciar e decidir são o saber se o arguido agiu com dolo ou com negligência e a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.

Vejamos então.
Insurge-se o recorrente quanto à tipificação como dolosa da conduta do arguido.
Como sabe o recorrente, a fixação da motivação do comportamento do agente resulta dos factos provados, factos materiais que, uma vez fixados, permitirão retirar ilações quanto à determinação psicológica na sua verificação.
Entende o mesmo que os factos assentes permitem igualmente a conclusão relativa à negligência do comportamento.
Na verdade, e como bem refere na sua motivação recurso, o cariz negligente ou doloso da conduta não pode resultar do grau de alcoolemia apresentado pelo agente, havendo que atentar em todo o circunstancialismo em que ocorreu a conduta do mesmo.
Ora, no caso, e tal qual resulta da factualidade assente, o recorrente foi surpreendido a conduzir em estado de embriaguez, tendo sido julgado e condenado, quatro vezes, sendo esta a quinta vez.
Acreditamos que a sujeição do arguido a julgamento, pelo menos nas 4 vezes em que a condução de veiculo automóvel em estado de embriaguez foi o motivo, terá deixado algumas memórias no mesmo, sendo do seu conhecimento que a ingestão de bebidas alcoólicas e a condução de veículos automóveis seriam comportamentos incompatíveis e, susceptíveis de preencherem uma conduta ilícita tipificada como crime.
Será então de acreditar que o recorrente, quando no dia 23 de Maio de 2017, ingeriu bebidas alcoólicas terá configurado a possibilidade de não poder de seguida conduzir veículos automóveis.
Quando decidiu tomar os comandos do veiculo matrícula .. - .. - JC e com ele percorrer uma via pública estava o recorrente perfeitamente esclarecido quanto ao carácter proibido da sua conduta, sendo tal comportamento objecto de determinação pretendida pelo mesmo, aceite e desejada, pelo que a sua conduta haverá sempre de ser qualificada como dolosa e não negligente, como agora pretende, pelo que, e nesta parte, improcede o recurso.
Veio ainda o recorrente insurgir-se quanto à fixação da pena de prisão por dias livres fixada em substituição da pena de 9 meses de prisão, tudo nos termos do disposto no artigo 45º do CP., pugnando pela suspensão da sua execução.
Ora, com a entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23 de Agosto (sendo a data de entrada em vigor o dia 23 de Novembro de 2017), foi revogado o artigo 45º na parte em que consagrava a prisão por dias livres.
A sentença agora em recurso foi proferida antes dessa data, pelo que haverá de ter em atenção o disposto no artigo 12º da mencionada lei que dispõe:
Disposição transitória
1 - O condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que:
a) A prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou
b) A prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.
2 - À prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode aplicar-se o regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.
3 - Para efeito do disposto nos números anteriores, cada período correspondente a um fim de semana equivale a cinco dias de prisão contínua.
Significa isto que o recorrente, e após transito da sentença, pode, se assim o entender, requerer a abertura da audiência para ser ponderada nova pena de substituição não privativa da liberdade.
Seja como for, e tal iniciativa será sempre do recorrente, o que importa agora verificar é se a pena de 9 meses de prisão que lhe foi fixada poderia ter sido suspensa na sua execução.
O art° 50. n° 1. do Código Penal estatui que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Não deixa de ser preocupante, em sede de prognose de um juízo favorável, quanto ao comportamento futuro do arguido, o facto de já anteriormente ter beneficiado de suspensões de execução da pena, e que, como resulta dos seus antecedentes criminais, não ter o mesmo assimilado convenientemente o desvalor da sua conduta, tendo persistindo na sua repetição.
Nada nos autos nos permite concluir que “desta vez” será diferente, não deixando de impressionar os seus antecedentes criminais que contam já com 6 condenações, sendo 4 por crime de igual natureza e 2 por crimes conexos.
Não será possível assim fazer qualquer juízo de prognose favorável, pelo que, entendemos, que a pena de 9 meses de prisão não poderá ser suspensa na sua execução.
3 Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e consequentemente mantém-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 uc’s.

Porto, 28 de Fevereiro de 2018
Raúl Esteves
Vítor Morgado