Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3006/05.0TBGDM.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RP201702133006/05.0TBGDM.P3
Data do Acordão: 02/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 643, FLS. 291-302)
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade por litigância de má fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual razão pela qual os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento, daí que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória.
II - O artigo 543.º do Código de Processo Civil prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos.
III - Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
IV - A quantia paga a título de honorários pela parte com direito a indemnização pode sempre ser reduzida, ao abrigo do prudente arbítrio do juiz (artigo 543.º, nº 3 do CPCivil).
V - Os honorários de advogado devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os factores mais relevantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3006/05.0TBGDM.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Gondomar-Inst. Local-Secção Cível-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
I- A responsabilidade por litigância de má fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual razão pela qual os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento, daí que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória.
II- O artigo 543.º do Código de Processo Civil prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos.
III - Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
IV - A quantia paga a título de honorários pela parte com direito a indemnização pode sempre ser reduzida, ao abrigo do prudente arbítrio do juiz (artigo 543.º, nº 3 do CPCivil).
V - Os honorários de advogado devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os factores mais relevantes.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
O autor B… requereu a fls. 170 dos autos a condenação das rés como litigantes de má-fé e, por consequência, no pagamento de multa e indemnização ao autor em montante nunca inferior a € 2.500,00 cada uma.
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Posteriormente foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação do Porto (fls. 1251), nos termos da qual C…, na qualidade de sócio e gerente da ré D…, Ld.ª e E…, na qualidade de representante legal da ré F…, Ld.ª, foram condenados como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e indemnização, ordenando a notificação das partes nos termos e para os efeitos previstos no artigo 457.º, n.º 2 do CPC.
Cumprida a ordenada notificação, o autor B… veio apresentar nota de honorários no valor global de € 23.062,50 (€ 18.750,00, acrescido de IVA).
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Foi apresentada oposição, pugnando pela improcedência do requerido, pelo autor alegando, em síntese, que: o autor perdeu e sempre perderia a acção intentada; discordando do valor apresentando pelo autor na nota de honorários; recordando que o autor também foi condenado como litigante de má-fé; em Setembro de 2012 as partes decidiram por cobro a todos os processos, tendo-se o autor comprometido a desistir de todos os processos. Em violação do acordado o autor interpôs recurso de agravo da decisão que absolveu as rés do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
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Afinal foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o presente incidente e decidiu:
- fixar em € 3.000,00 o valor devido por C…, na qualidade de sócio e gerente da ré D…, Ld.ª; acrescido da percentagem devida a título de IVA;
- fixar em € 3.000,00 o montante devido por E…, na qualidade de representante legal da ré F…, Ld.ª; acrescido da percentagem devida a título de IVA.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
A - Cinge-se o presente recurso, à parte, da mui douta sentença, que veio a fixar em € 3.000,00, acrescido de IVA, como quantia a pagar por cada um dos Recorridos, ao Recorrente, a título de indemnização por litigância de má fé, contra o peticionado pelo Recorrente, que apresentou nota de honorários emitida pelo seu mandatário judicial, no valor global de € 23.062,50 (€ 18.750,00, acrescido de IVA), concretizando assim, o montante da indemnização;
B - Resultaram provados, entre outros, os seguintes factos: 1) Os Recorridos foram condenados, como litigantes de má fé, no pagamento de indemnização ao Recorrente; 2) O mandatário judicial do Recorrente, praticou os actos e diligências, melhor enumerados no ponto F) dos factos provados, que contabilizaram 250 horas, à razão de € 75,00/hora, o que ascende à quantia de € 18.750,00 (valor sem IVA);
C - Dúvidas não restam que o Tribunal a quo condenou os Recorridos no pagamento das despesas efectuadas pelo Recorrente, total ou parcialmente, em consequência da má fé (cfr. Fls. 16 da sentença) e que deu como provada a nota de honorários apresentada pelo Recorrente;
D - Tal nota de honorários foi objecto de Laudo, por parte da Ordem dos Advogados, que conclui da seguinte forma: “... atenta a importância do patrocínio, a dificuldade e urgência do assunto, o tempo despendido, o grau de criatividade intelectual da sua prestação e o resultado obtido, somos de parecer que deve ser concedido laudo favorável aos honorários apresentados pelo Requerido, no montante de € 18.750,00 (dezoito mil setecentos e cinquenta euros), ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor”;
E - Impunha-se pois, ao Tribunal recorrido, adequar a sua decisão de fixação do quantum indemnizatório, conforme dispõe o art. 543.º do C.P.C., de acordo com o qual, a indemnização pode consistir no reembolso das despesas, incluindo os honorários dos mandatários, com base no Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, para este efeito;
F - Tal porquanto foi feita prova pelo Recorrente, como lhe competia, que o valor dos honorários apresentados pelo seu mandatário judicial, correspondem aos serviços prestados pelo mesmo, no âmbito do presente processo;
G - Bem como, pelo facto do referido Laudo, ter por característica o esclarecimento, com elevado grau, da razoabilidade e adequação o valor a atribuir a título de honorários pelos serviços por aquele prestados, mostrando-se assim de valor particular resultante da especial qualificação de quem o emite;
H - Acresce que, de acordo com o disposto no art. 542.º do C.P.C., na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do que litiga de má fé e as despesas efectuadas pelos ofendidos, consequentes dos actos que caracterizam a má fé;
I - Ou seja, a indemnização prevista para a condenação pela litigância de má fé, visa punir o litigante, por forma a ressarcir o ofendido dos danos por ele sofridos, decorrentes dos factos que caracterizam a litigância de má fé, o que porém, não se vê reflectido na decisão recorrida;
J - Como resulta dos factos provados, na presente acção logo a partir do momento da contestação, isto é, aquando da primeira intervenção dos Recorridos, se iniciou a conduta de má fé destes, começando os mesmos, logo aí, por negar expressamente, um conjunto de factos que se provaram serem verdadeiros;
K - Estamos a falar de uma acção judicial, da qual obteve o A. ganho de causa, no que respeita aos Recorridos, que se iniciou no ano de 2005, ou seja, há mais de onze anos!!!, cuja delonga, em grande medida se deve, à posição processual daqueles, que se serviram de todos os meios e expedientes admissíveis e inadmissíveis, para atrasar o desfecho destes autos, muito embora sendo conhecedores da falsidade e da improcedência dos mesmos;
L - O grau de culpabilidade dos Recorridos é, claramente, elevado, mas não foi devidamente considerado na fixação do quantum indemnizatório, em manifesta violação do disposto nos arts. 542.º e 543.º do C.P.C., pelo que, deve pois a sentença ser alterada em conformidade;
M – Finalmente, a decisão recorrida falha na motivação e no critério usado pelo Tribunal para decidir pela concreta quantia de € 3.000,00, porquanto fá-lo sem especificar e fundamentar as razões de facto e de direito, verificadas e demonstradas, nos presentes autos, que justifiquem aquele concreto montante, devendo, também, nessa medida, ser a sentença recorrida alterada em conformidade.
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Devidamente notificadas contra-alegaram as Rés concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar decidir:
a)- saber se se encontra, ou não, correctamente fixado o quantum indemnizatório decorrente da litigância de má fé.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
A)- Nos presentes autos foi proferida sentença a 21-05-2010 (fls. 725 e ss), do seguinte teor: «B…, residente na Rua …, …, …, intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra G…, residente na Rua ..., ..., 2º frente, …, “D…, Lda.”, com sede na Rua …, ... a ..., … e “F…, Lda.”, com sede na Rua ..., ..., Maia, pedindo:-a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª ré, tendo por objecto os bens descritos em 7º da petição inicial;
Subsidiariamente,
-a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a 2ª e a terceira ré, tendo por objecto os bens descritos em 7º da petição inicial;
Subsidiariamente,
- a declaração de ineficácia, relativamente ao autor, do contrato de compra e venda celebrado entre a 2ª e a terceira ré, tendo por objecto os bens descritos em 7º da petição inicial.
(…)
A ré G… (1ª ré) contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e excepcionando a prescrição do direito do autor à anulação da venda por si feita à segunda ré. A ré “D…, Lda.” (2ª ré) contestou, invocando a caducidade do direito do autor à anulação da venda feita pela primeira à segunda ré. (…)
O autor respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.
(…)
Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O autor e a ré G… foram casados entre si, vigorando na pendência desse casamento o regime da comunhão geral de bens, estando actualmente divorciados (A) dos factos assentes);
2. A ré “D…, Lda.” dedica-se à actividade tipográfica, sendo seu único sócio um dos filhos do extinto casal, C… (B) dos factos assentes);
3. A ré “F…, Lda.” tem por objecto a comercialização de equipamentos gráficos, sendo um dos seus sócios gerentes E…, filho de uma irmã da ré G… e, portanto, seu sobrinho e primo do representante legal da ré “D…, Lda.” (C) dos factos assentes);
4. no processo de inventário para partilha dos bens do autor e primeira ré esta apresentou uma reclamação no sentido de serem excluídos da relação de bens apresentada, por estarem em excesso, os seguintes bens: (…)
5. … alegando que esses tinham sido vendidos em 2 de Janeiro de 2003 à ré “D…, Lda.”, e fazendo junção a esses autos de um contrato de compra e venda sobre as referidas máquinas e equipamento gráfico, no valor de € 8.870,00, datado de 02/01/2003, em que figura como vendedora a ré G… e compradora a D… (E) dos factos assentes);
6. por falta de pagamento de rendas, o autor moveu contra a ré D… uma acção de despejo e, depois, uma execução, nomeando à penhora todos os bens que constituíssem o recheio do locado (F) dos factos assentes);
7. entre outros bens, foram penhorados pela Solicitadora de Execução designada, como pertencentes àquela sociedade, os enumerados em D), que constituíam parte do património comum do autor e da ré G… (G) dos factos assentes);
8. em oposição à execução, a ré D… veio opor-se à penhora daqueles bens, alegando que os mesmos foram vendidos em 14 e 17 de Fevereiro de 2005 à sociedade aqui terceira ré (H) dos factos assentes);
9. o sócio gerente da segunda ré constituiu com o seu cônjuge uma outra sociedade comercial, por quotas, a qual tem a designação de “H…, Lda.” (I) dos factos assentes);
10. o autor tinha uma sociedade comercial pior quotas de que eram sócios ele, a ré G… e os filhos do casal I…, J… e C…, designada “L…, Lda.”, com sede na Rua …, …/…, em …, Gondomar (J) dos factos assentes);
11. por deliberação de 27/09/2002, registada na Conservatória em 30/09/2002, o autor foi designado gerente da ré “D…, Lda.” e em 08/04/2003 foi registada na Conservatória a cessação de tais funções, por destituição datada de 28/03/2003 (resposta ao quesito 1º);
12. o autor nunca foi ouvido nem consentiu a venda dos bens referidos em D) (resposta ao quesito 3º);
13. ao tempo da acção referida em F), a segunda ré encontrava-se estabelecida em parte de um prédio pertencente ao património comum do autor e da ré G… (resposta ao quesito 5º);
14. sentenciado o despejo, a ré D… começou por não pagar as rendas peticionadas nos autos referidos em F), tendo o autor e aquela ré procedido à novação dessa dívida e transacção quanto ao seu pagamento, tudo no âmbito do processo de insolvência nº 505/06.0TYVNG, que correu termos pelo 1º juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia (resposta ao quesito 6º);
15. era do conhecimento da ré “F…” a acção de despejo e a execução para pagamento de quantia certa movidas contra a ré “D…” (resposta ao quesito 8º);
16. o contrato de compra e venda de tais máquinas celebrado entre a 2ª e 3ª rés não passou de uma manobra para que a 2ª ré se pudesse eximir ao cumprimento do seu débito para com o autor através da penhora de tais máquinas (resposta ao quesito 9º);
17. a terceira ré nunca chegou a levantar as máquinas (resposta ao quesito 11º);
18. as máquinas foram levadas para a sede da sociedade identificada em I), sita na Rua …, …, …, continuando C…, como gerente dessa nova sociedade, a laborar com parte das mesmas (resposta ao quesito 12º);
19. o autor decidiu dissolver a sociedade referida em J) (resposta ao quesito 13º);
20. tanto a ré como os restantes filhos acederam ao que o pai exigia e outorgaram a escritura de dissolução da sociedade comercial por quotas, tendo os bens desta passado a pertencer ao autor e à ré (resposta ao quesito 15º);
21. a ré G… vendeu à ré “D…” as máquinas descritas no documento de fls 30 e 31 (resposta ao quesito 19º);
22. a ré G… recebeu o respectivo pagamento (resposta ao quesito 20º);
23. a dissolução da sociedade referida em 13º ocorreu em 2002 (resposta ao quesito 22º);
24. o preço referido em E) seria pago pela segunda ré em seis prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 1.478,33 cada, o que foi cumprido, tendo a 1ª prestação sido paga em 02/04/2003, a 2ª em 30/04/2003, a 3ª em 30/05/2003, a 4ª em 01/07/2003, a 5ª em 05/01/2004 e a 6ª em 06/01/2004 (resposta ao quesito 23º);
25. desde que as adquiriu à primeira ré, a segunda ré utilizou tais máquinas no desempenho da sua actividade industrial com a convicção do exercício de um direito próprio (resposta ao quesito 24º);
26. as máquinas pertenceram á sociedade identificada em J) até à sua dissolução (resposta ao quesito 26º);
27. após a extinção da mencionada sociedade, e pese embora tais bens pertencessem ao casal, foi a aqui segunda ré que, por iniciativa do autor, os passou a deter e a utilizar na sua actividade (resposta ao quesito 27º);
28. após a diligência de penhora realizada em 07/03/2005 a terceira ré deduziu embargos de terceiro à penhora (resposta ao quesito 29º);
29. o sócio-gerente da segunda ré transportou as máquinas penhoradas para o local onde a sua actividade industrial passou, entretanto, a desenvolver-se (resposta ao quesito 34º);
30. e fê-lo com o conhecimento e anuência da terceira ré (resposta ao quesito 36º);
31. pelo menos em 07/07/2004 o autor teve conhecimento da compra e venda dos bens descritos em D), celebrada entre a primeira e a segunda rés (resposta ao quesito 38º).
(…)
Resta apreciar a conduta processual das partes.
Relativamente às 2ª e 3ª rés, impõe-se a audição dos seus legais representantes, sobre quem, em caso de condenação, recairá a obrigação de pagamento, nos termos previstos no artigo 458º do CPC.
(…)
No caso concreto, não se verifica nenhum dos pressupostos da litigância de má fé relativamente à primeira ré, tanto mais que será, na íntegra, absolvida do pedido, atenta a caducidade do direito que o autor pretendia exercer contra a mesma.
Concluímos assim pela falta de fundamento da qualificação da sua conduta como litigante de má fé.
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A 1ª ré peticionou a condenação do autor como litigante de má-fé.
O autor peticionou a anulação da compra e venda celebrada entre a 1ª e a 2ª ré, direito relativamente ao qual veio a ser julgada procedente a excepção de caducidade. Tal, por si só, não configura litigância de má-fé, tanto mais que a caducidade não é de conhecimento oficioso, pelo que poderia nem sequer ter sido invocada. No entanto, em sede de resposta à excepção da caducidade, negou que tivesse tido conhecimento da venda em data anterior à sua notificação no âmbito do processo de inventário para partilha dos bens do casal composto por si e pela 1ª ré (ocorrida em 25/02/2005, conforme alegado em 6º da petição inicial), alegando mesmo que, se assim fosse, teria de imediato intentado a presente acção (cfr artigos 13º e 24º da resposta à contestação).
Ora, conforme resulta da resposta ao artigo 38º da base instrutória, provou-se que pelo menos em 07/07/2004 o autor teve conhecimento da aludida venda. Verifica-se assim que alterou a verdade dos factos. Do exposto resulta que litigou com má fé, podendo afirmar-se que agiu dolosamente, pois não poderia ignorar a falsidade dos factos invocados em sede de resposta à contestação. (…)
Face a todo exposto, decide-se fixar em € 10 UC`s a multa devida.
No tocante à indemnização peticionada, o Tribunal não dispõe de elementos para a fixar, pelo que será determinada a notificação da 1ª ré nos termos previstos no artigo 457º/2 do CPC.
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Face ao exposto, decido:
- julgar procedente a excepção de caducidade relativa ao pedido de anulação da venda celebrada entre a 1ª e a 2ª rés e, em consequência, absolver a 1ª ré do pedido;
- declarar nulo o negócio de compra e venda celebrado entre a 2ª e 3ª rés relativo ás máquinas referidas em 4 dos factos provados;
- condenar o autor como litigante de má-fé, na multa de 10 UC`s (…)».
B) Interposto recurso da sentença pelo autor, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto a 30-06-2011 que julgou improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida “à excepção do valor da multa a aplicar ao autor por litigância de má-fé, que se fixa em 5 UC’s” (v. fls. 1066-1073).
C) Por requerimento de 13-09-2012 a ré G… veio “declarar que tendo chegado a acordo com o autor, nos vários processos judiciais que correram termos entre um e outro, prescinde do direito de vir a receber qualquer valor, de que o A. tenha sido condenado a título de litigância de má-fé, bem como custas de parte que lhe são devidas, renunciando consequentemente a tais direitos” (fls. 1135).
D) Por despacho de 11-04-2013 foi decidido absolver as 2.ª e 3.ª rés do pedido de condenação como litigantes de má-fé formulado pelo autor (fls. 1190).
E) Interposto recurso da decisão referida na alínea anterior, foi proferida decisão individual no Tribunal da Relação do Porto, além do mais, nos seguintes termos: “Do cotejo entre as alegações da contestação e os factos provados é evidente que se verifica ter a terceira ré alterado a verdade dos factos, mantendo um comportamento processual censurável, através do instituto da má-fé (…)” (fls. 1247).
“Do cotejo entre as alegações da contestação e os factos provados é evidente que se verifica ter a segunda ré alterado a verdade dos factos, mantendo um comportamento processual censurável, através do instituto da má-fé (…)” (fls. 1249).
“(…) Apurou-se que o contrato de compra e venda de tais máquinas celebrado entre a 2.ª e 3.ª rés–alegadamente datado de 14 e 17 de Fevereiro de 2005, não correspondeu a uma actuação lícita de livremente comprar e vender as máquinas, com o propósito de delas a terceira ré se utilizar, pois na verdade, não passou de uma manobra para que a 2.ª ré se pudesse eximir ao cumprimento do seu débito para com o autor através da penhora de tais máquinas.
É certo que estas rés alegam que com esta venda declarada nula por simulação não houve prejuízo para o autor, uma vez que o que este pretendia garantir com a penhora das máquinas era o pagamento das rendas em falta ao autor, mas que entretanto houve uma transacção no processo judicial respectivo e o montante exequendo está a ser pago, o que integra uma novação de dívida.
Mas não têm razão.
O ponto já foi decidido fundamentadamente na sentença proferida em 1.ª instância a pág. 734, linhas 12 até final da página, em moldes que concordamos.
(…)
A multa vai fixada em 5 UC para cada ré.
No tocante à indemnização peticionada, o Tribunal não dispõe de elementos para a fixar, pelo que será determinada a notificação das partes, nos termos previstos no artigo 457.º, n.º 2 do CPC” (v. fls. 1251 e ss).
F) Atos e diligências do Mandatário judicial do autor, praticados no âmbito dos presentes autos:
“Reuniões várias com o cliente
Estudo do processo
Elaboração da p.i.
Análise das várias contestações
Estudo, preparação e elaboração das respostas às contestações
Estudo e elaboração dos pedidos de litigância de má fé
Análise do despacho saneador
Elaboração da reclamação contra o despacho saneador
Elaboração do requerimento probatório
Análise de requerimentos vários apresentados pelas RR.
Elaboração de respostas várias aos requerimentos apresentados
Preparação da audiência de julgamento
Deslocação e presença nas (10) sessões de audiência de julgamento
Estudo com vista a obtenção de acordo
Contactos vários com os Colegas com vista a obtenção de acordo
Elaboração de requerimentos vários / suspensão instância
Preparação das alegações finais
Análise da resposta à matéria de facto
Análise depoimentos prestados na audiência
Análise da sentença
Elaboração do requerimento de interposição de recurso
Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso
Análise das alegações de recurso das RR.
Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Análise conta custas
Estudo e elaboração requerimento de 08-03-2013 (omissão decisão litigância de má fé)
Análise do requerimento de resposta de 18-03-2013
Análise do despacho de 11-04-2013
Elaboração do requerimento de interposição de recurso
Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso
Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Tudo contabilizou 250 horas, à razão de € 75,00/hora. (v. artigo 3.º do requerimento de fls. 1262–não impugnado);
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Factos não Provados
- artigos 18.º, 19.º da oposição;
- artigo 24.º da oposição- “em violação do acordado”; e “em face do que havia sido
acordado” até “palavra”.
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III. O DIREITO

Tal como supra se referiu é apenas uma a questão que cumpre apreciar e decidir:
a)- saber se se encontra, ou não, correctamente fixado o quantum indemnizatório decorrente da litigância de má fé.
Importa, desde logo, que se assinale que nos autos já foi proferido acórdão por esta Relação que decidiu condenar os legais representantes das rés como litigantes de má-fé em multa e indemnização, por conseguinte, a questão essencial, no que concerne à má-fé e bem assim a decisão de condenação em indemnização (não obstante sem fixação do seu quantitativo), já foi decidida e já transitou em julgado.
Portanto, o que restava para apreciar e decidir (coisa que o tribunal recorrido fez) era apenas o montante da indemnização a fixar, sendo que, o Autor recorrente peticionava a este nível, o montante dos honorários que terá de pagar ao seu mandatário judicial, ou seja, o valor de € 23.062,50.
Todavia, como resulta do já supra exposto, o tribunal recorrido veio fixar o peticionado montante indemnizatório da seguinte forma:
- em € 3.000,00 o valor devido por C… , na qualidade de sócio e gerente da ré D…, Ld.ª; acrescido da percentagem devida a título de IVA;
- em € 3.000,00 o montante devido por E…, na qualidade de representante legal da ré F…, Ld.ª; acrescido da percentagem devida a título de IVA.
Deste valor dissente o Autor recorrente alegando que o mesmo não está em conformidade com a matéria de facto provada, nem cumpre a função sancionatória atribuída pelo artigo 543.º do C.P.Civil.
Que dizer?
Estatui o artigo 542.º (art.º 456.º CPC 1961) do CPCivil sob a epígrafe
Responsabilidade no caso de má fé-Noção de má-fé” que:
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Por sua vez consigna o artigo 543.º do mesmo diploma legal sob a epígrafe “Conteúdo da indemnização” que:
1 - A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé.
2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
Resulta destes normativo que a litigância de má fé pode levar a aplicação ao litigante de duas sanções:
a)- multa;
b)- e uma indemnização à parte contrária.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada.
A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do nº 1 do artigo 543.º (antigo 457.º do CPC cuja redacção era exactamente igual) e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos, ou seja, e no dizer do Prof. Lebre de Freitas[1], apenas os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação do litigante de má fé.
Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b) do nº 1 do mesmo preceito, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante.
Antes, porém, de avançarmos na análise do caso concreto, cremos que se revela útil dizer-se que o recorte dogmático assumido pela responsabilidade processual e litigância de má fé assenta num princípio de natureza puramente processual: “princípio da cooperação” (artigo 7.º do CPCivil).
Em causa parecem, pois, não estar eventuais violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas a ofensa a posições de deveres processuais, ou seja, os artigos 542.º e ss. dizem apenas respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
De facto em nenhuma das alíneas do nº 2 do artigo 542.º atrás transcrito se indica uma qualquer situação em que na base da litigância de má fé esteja a ofensa, em si e por si, a um direito ou outra posição jurídica subjectiva concedida ou protegida pelo direito substantivo.
Trata-se sempre de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo, ou melhor dito de posições jurídicas tuteladas pelo direito substantivo.
Estamos, portanto, diante de uma responsabilidade com cunho próprio[2] que a distingue e separa-fazendo com que uma não interfira com a outra, podendo perfeitamente coexistir-da responsabilidade civil.
Dir-se-á, é certo, prever o artigo 543.º não apenas a possibilidade de reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a outra parte, mas também no ressarcimento dos prejuízos sofridos com consequência directa ou indirecta da má fé, podendo, pois, nessa medida a responsabilidade processual resultante dos artigo 542.º e seguintes ser entendida como um tipo específico mas também como uma norma cujo alcance colidiria ou atingiria também a própria responsabilidade civil.
Não é esse, contudo, claramente o alcance dos artigos 542.º e seguintes, a responsabilidade por litigância de má fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual, os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento.
Efectivamente, repare-se na circunstância de a lei estabelecer expressamente que na litigância de má fé o julgador optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante (artigo 543.º, nº 2 atrás transcrito), trata-se, portanto de uma indemnização sujeita a regras diversas das contidas nos artigo 562.º e ss. do CCivil destinadas a suprir o dano sentido pelo lesado. Ora, o critério da indemnização não é a medida desse dano, nem se procura reconstituir a situação que não existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, o padrão para a determinação do montante da indemnização consiste antes, e apenas, na conduta do litigante de má fé e, mesmo assim, o valor a pagar é deixado a uma opção mais ou menos discricionária do julgador.
Decorre, assim, do exposto que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória.
Aliás, tudo isto é, claramente confirmado pelo corpo do artigo 543.º, nº 1.
Com efeito, aí não se estabelece que o julgador deve arbitrar uma indemnização na qual, para além das despesas, estão compreendidos os restantes danos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da litigância de má fé, mas, antes que a indemnização pode consistir (sic) no reembolso das despesas ou no reembolso das despesas e na satisfação dos restantes prejuízos.
Significa, portanto, que a litigância de má fé se configura como um instituto em que o pretendido não é, ou não é predominantemente, o acautelar de posições privadas e particulares das partes mas sim um interesse público[3] de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça.
Postos estes breves considerandos desçamos novamente ao caso concreto dos autos.
Como emerge dos autos o Autor recorrente veio apresentar nota de honorários no valor global de € 23.062,50 (€ 18.750,00, acrescido de IVA) concretizando, assim, o montante da indemnização decorrente da litigância da má fé em que as Rés foram condenadas.
A questão que agora se coloca é se a indemnização tem de corresponder, de forma necessária, ao montante dos honorários que foram apresentados pelo Exº mandatário ao seu constituinte ora recorrente.
Respiguemos o que consta da lei: “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 3 do citado artigo 543.º) (negrito e sublinhados nossos).
São, portanto, coisas distintas, o âmbito da indemnização e o seu montante; aquele tem de ser a sentença a definir-lhe os contornos; este será decidido ou não pela sentença, consoante os elementos disponíveis. Não os havendo ou sendo insuficientes, impõe-se a respectiva recolha, que até poderá decorrer oficiosamente, para ser tomada, então, posição.
Assim o esclarece Alberto dos Reis[4]: “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio”.
Evidentemente que deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade.
Por conseguinte, apesar de a sentença ter correlacionado a indemnização com os honorários respeitantes a todo o processo, não é obrigatório que o seu montante seja igual ao efectivamente despendido àquele título como, aliás, resulta do nº 3 do artigo 543.º atrás transcrito.
E será que o quantitativo fixado pelo tribunal recorrido se mostra ajustado às circunstâncias do caso?
Refere a este propósito o recorrente que apesar da douta sentença recorrida não constar, no ponto F) dos factos provados, qualquer alusão ao laudo de honorários, elaborado pela Ordem dos Advogados, o mesmo é essencial para a prova de tais factos e, assim, para a boa decisão da causa, mais referindo que resultou de tal laudo de honorários, solicitado à Ordem dos Advogados, pelo Tribunal a quo, a seguinte conclusão: “(...) atenta a importância do patrocínio, a dificuldade e urgência do assunto, o tempo despendido, o grau de criatividade intelectual da sua prestação e o resultado obtido, somos de parecer que deve ser concedido laudo favorável aos honorários apresentados pelo Requerido, no montante de € 18.750,00 (dezoito mil setecentos e cinquenta euros), ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor” concluindo, assim, que fez prova que o valor dos honorários apresentados pelo seu mandatário judicial, correspondem aos serviços prestados pelo mesmo, no âmbito do presente processo.
Importa que se diga que, não obstante ao referido laudo não poder negar-se o valor particular resultante da especial qualificação de quem o emite, o mesmo está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
Atentemos, porém, antes de prosseguirmos, sobre os honorários dos advogados em geral.
O mandato-no caso dos advogados, é do mandato que se trata, definido pelo artigo 1157.º do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra-presume-se oneroso, quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, sendo que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na falta destas, pelos usos, e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (artigo 1158.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma).
No caso específico do mandato forense, prevê o n.º 3 do artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, que na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.
O critério, elucida o Senhor Doutor António Arnaut[5], corresponde, no geral, ao do artigo 65.º do anterior Estatuto (DL n.º 84/84, de 16 de Março), que apontava como princípio geral, a moderação, que se alcançava atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca.
Eliminou-se a referência às posses dos interessados (circunstância que, no entanto, se deve considerar integrada nos demais usos forenses), mas acrescentaram-se mais dois critérios complementares: o grau de criatividade intelectual e as responsabilidades assumidas.
A moderação, apesar de não plasmada, agora, na lei, continua a funcionar como factor de ponderação, por conduzir à justeza e adequação ao caso concreto, a um correcto ponto de equilíbrio, de modo que os honorários não sejam tão baixos que pareçam ridículos, nem tão altos que possam classificar-se de especulativos.[6]
No mesmo sentido, o Senhor Doutor Orlando Guedes da Costa[7] chama, todavia, a atenção para a circunstância de moderação não significar modéstia, mas apenas ausência de exagero.
No mais, parece desempenhar papel primordial o tempo gasto[8], que é para o António Arnaut o factor mais importante.
Orlando Guedes da Costa não valoriza sobremaneira nenhum dos critérios legais, advertindo, até, que os mesmos não são taxativos, mas meramente exemplificativos[9]; nessa medida, relevariam ainda, além de outros, o esforço e a urgência do serviço, expressamente considerados no Estatuto dos Solicitadores, a reputação do antagonista e a prestação do serviço fora do domicílio profissional ou em férias e fins de semanas. E, na esteira de Cunha Gonçalves, entende que o tempo gasto não é tanto o despendido no estudo do assunto, porque depende da ciência e da inteligência de quem presta o serviço, como o tempo em que o escritório do advogado, com custos fixos cada vez mais elevados, esteve na disponibilidade do cliente.[10]
A jurisprudência do nosso mais alto Tribunal tende a considerar preponderantes, tal como o Doutor António Arnaut, o tempo gasto e a dificuldade do assunto.
Assim decidiu o acórdão de 07.07.2009, que chamou em seu apoio outros arestos do mesmo Tribunal.[11]
E, também, o acórdão de 27.04.2006, que não deixou, todavia de assinalar, citando o acórdão de 13.01.2000 (proferido na Revista 1095/97, 7.ª secção) que, na fixação dos honorários, intervém um momento de discricionariedade, que se não confunde com discricionariedade administrativa, mas se insere num certo sentido civilístico em que deve imperar a boa fé que impregna toda a relação contratual, para além de que haverão de ser levados em conta os custos fixos, elevados, de um escritório de advogado, e, bem assim, os riscos da profissão liberal.
Considerando este núcleo fundamental, mas sem excluir os demais factores enunciados no artigo 105.º do EOA (importância do serviço prestado, dificuldade e urgência do assunto, grau de criatividade, resultado obtido, responsabilidades assumidas e usos profissionais), o que é que os autos demonstram relativamente ao ilustre mandatário do recorrente?
Reuniões várias com o cliente; Estudo do processo; Elaboração da p.i.; Análise das várias contestações; Estudo, preparação e elaboração das respostas às contestações; Estudo e elaboração dos pedidos de litigância de má fé; Análise do despacho saneador; Elaboração da reclamação contra o despacho saneador; Elaboração do requerimento probatório; Análise de requerimentos vários apresentados pelas RR; Elaboração de respostas várias aos requerimentos apresentados; Preparação da audiência de julgamento; Deslocação e presença nas (10) sessões de audiência de julgamento; Estudo com vista a obtenção de acordo; Contactos vários com os Colegas com vista a obtenção de acordo; Elaboração de requerimentos vários/suspensão instância; Preparação das alegações finais; Análise da resposta à matéria de facto; Análise depoimentos prestados na audiência; Análise da sentença; Elaboração do requerimento de interposição de recurso; Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso; Análise das alegações de recurso das RR; Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto; Análise conta custas; Estudo e elaboração requerimento de 08-03-2013 (omissão decisão litigância de má fé); Análise do requerimento de resposta de 18-03-2013; Análise do despacho de 11-04-2013; Elaboração do requerimento de interposição de recurso; Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso; Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto-Tudo contabilizou 250 horas, à razão de € 75,00/hora” [facto descrito em F) da fundamentação factual].
Perante este quadro factual, não parece constituírem exagero as cerca de 250 horas de trabalho que o Autor recorrente diz ter sido necessário ao seu mandatário para tratamento do litígio, tendo em conta como se refere no Laudo da ODA a dificuldade e urgência do assunto.
Dito de outro modo, os critérios de maior relevo na fixação dos honorários (tempo gasto e complexidade do assunto) têm, no caso, alcance muito significativo.
E outro tanto se diga do resultado obtido, que foi favorável, em parte, à pretensão do Autor.
Mas será que reflectem a justeza do caso concreto?
Só uma indagação mais ampla, com a qual o incidente previsto no n.º 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil se não compadece, poderia revelá-lo.
Importa, porém, sopesar que como bem se refere na decisão recorrida, no referido valor global apresentado pelo Autor recorrente, não poderá deixar de se atender a que a acção foi também proposta contra a 1.ª Ré.
Ora, nesta, o montante a fixar, deve restringir-se às despesas efectuadas, total ou parcialmente, em consequência da má-fé, não podendo abranger as despesas efectuadas pelo Autor que não sejam consequência da má-fé das rés.
Efectivamente, a acção judicial foi proposta também contra a 1.ª Ré, e nesse âmbito o autor foi até condenado como litigante de má-fé e tendo interposto o competente recurso foi mantida a decisão da 1.ª instância, à excepção do montante da multa aplicada e, nela, também o Autor pediu a condenação da 1.ª Ré como litigante de má-fé, o que foi considerado improcedente.
Como assim, outras despesas não podem ser imputadas-na sua totalidade-à actuação das 2.ª e 3.ª Rés, como sejam as respeitantes aos itens atrás transcritos.
Aqui chegados os € 23.062,50 de honorários, para uma acção de valor de € 8.870,00, apresentam, parece-nos, algum excesso.
Destarte, por apelo ao prudente arbítrio e à razoabilidade de que fala o n.º 3 do artigo 543.º e à nuance atrás referida quanto à 1ª Ré, entende-se ter sido correcta e justa a redução que o tribunal recorrido fez da verba de honorários apresentada pelo Autor recorrente, aproximando-a do valor da acção (valor dos equipamentos à data de 2005).
Por esta razão nenhuma censura nos merece a decisão recorrida.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo Autor recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedentes por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Autor recorrente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 13 de Fevereiro de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
__________
[1] In “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, pág. 200.
[2] Cfr. Menezes Cordeiro in “da Boa Fé no Direito Civil”, Tomo I, pág. 382.
[3] Neste sentido Menezes Cordeiro, ob. Citada, pág. 382.
[4] Obra citada, pág. 281.
[5] In “Iniciação à Advocacia”, 10.ª edição, página 151.
[6] Autor e obra citados na nota anterior.
[7] In “Direito Profissional do Advogado”, 6.ª edição, 2008, página 253.
[8] Que para Cunha Gonçalves, no entanto, é de somenos importância, o tempo de estudo, pelo menos, por depender da ciência e da inteligência do advogado-Tratado de Direito Civil, volume III, página 204.
[9] Neste aspecto, com a concordância do Senhor Doutor António Arnaut, ob. cit., página 154.
[10] Obra citada pag. 254.
[11] CJ/STJ, Ano VII, tomo II, página 19.