Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
43/12.1GCOVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: TRANSCRIÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RP2015050643/12.1GCOVR-A.P1
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A condenação em pena de prisão substituída por pena suspensa integra o conceito de pena não privativa da liberdade do artº 17º1 DL 57/98 de 18/8.
II - O juízo de prognose para a suspensão da pena não coincide com o juízo a formular para os fins do artº 17º1 da Lei 57/98.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 43/12.1GCOVR-A.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo comum (tribunal singular) n.º 43/12.1GCOVR-A.P1 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia-Inst.Local –Secção Criminal J4 o arguido B… por requerimento de fls.56ss solicitou ao Tribunal “a) a não transcrição da presente condenação do arguido no respectivo registo criminal; e b) a não comunicação da sentença à entidade empregadora do arguido.”
O Exmº Srº Juiz proferiu despacho em que indeferiu o requerido nos seguintes termos: (transcrição)
(…)
2. De harmonia com o preceituado no artº 17,º nº1 da Lei nº57/98, de 18 de Agosto, “Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar, na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º deste diploma”.
Da leitura conjugada das normas vertidas no artigo 11 nº2 –“Nos casos em que, por força da lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 12.°, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer" e no artigo 12.°, n.º 2 e) do citado diploma" Os certificados referidos no número anterior não podem conter informação relativa, tratando-se de pessoa singular a condenações de delinquentes primários em pena não superior a seis meses de prisão ou em pena equivalente.
No caso vertente, cumpre ter em conta que o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 132, n.º2,j), 143, nº1 e 145, n.°1, a) e n.º 2 do C.Penal numa pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Independentemente de se discutir a natureza da pena que aqui lhe foi irrogada, a verdade é que o arguido não era delinquente primário, uma vez que havia já sido condenado na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática, em Março de 2010, de um crime de coacção agravada p.p. pelo artigo 154, nº1 e 155, nº1 a) do C.Penal.
Na sentença proferida nestes autos consignou-se, designadamente, o seguinte:
" O arguido assume uma postura de vitimização perante os factos de que é o único responsável, não possui qualquer autocrítica da sua conduta e mostrou uma total falta de arrependimento. (...) Convém ter presente ainda que o arguido já havia praticado crime de natureza semelhante tendo praticado parte dos factos aqui em causa no período da vigência da suspensão da execução da pena de prisão aplicada por força daquele, o que não deixa de revelar uma maior indiferença à pena aplicada, uma maior insusceptibilidade de ser por ela influenciado, um indíce de culpa mais grave e também de maiores exigências de socialização”.
Em face deste cenário, forçoso se toma concluir que estamos bem longe de poder afirmar que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes por parte do arguido.
Tal juízo de prognose desfavorável ao arguido conduz ao naufrágio da pretensão por este deduzida no sentido de impedir a transcrição da sentença no Certificado de Registo Criminal.
E o mesmo se diga da peticionada não comunicação da mesma à entidade empregadora, dado que tal iria impedir a produção de um efeito decretado na sentença, a qual, condicionando a suspensão da execução da pena de prisão infligida ao arguido a um regime de prova em que uma das condições é a não prestação pelo arguido de serviços profissionais que tenham como local de exercício efectivo a freguesia da área das residências da assistente e do local de trabalho desta, implica, tal como expressamente nela ordenado (cfr fls.499) a tomada de conhecimento por parte da entidade empregadora de tal condição.
Improcede, assim na sua totalidade, o requerido
(…)
*
Inconformado, o arguido interpôs recurso, no qual retira da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)

I – DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 17.º DA LEI N.º 57/98
I. O arguido requereu a não transcrição para o certificado de registo criminal da douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, em primeiro lugar, por a pena de dois anos e seis meses de prisão em que foi condenado possibilitar tal pedido, uma vez que, foi suspensa na sua execução.
II. De acordo com a melhor, e, praticamente, unânime, jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e, ainda, entre outros, dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/02/201, e do Tribunal da Relação do Porto, de 26/06/2013, a pena de prisão, suspensa na sua execução, é uma pena autónoma da pena de prisão e, portanto, uma verdadeira pena não privativa da liberdade.
III. Assim, e desde logo, o primeiro requisito estipulado pelo art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto – condenação em pena não privativa da liberdade –, encontra-se, devidamente, preenchido, nada obstando, por este segmento, a que seja deferido o pedido de não transcrição da condenação para o registo criminal.
IV. O citado art. 17.º, n.º 1, estipula, ainda, que, para a não transcrição, necessário se torna que, das circunstâncias que acompanham o crime, não se possa induzir perigo da prática de novos crimes.
V. Nesse sentido, da douta sentença da 1.ª Instância resulta que, o arguido “mantém uma boa inserção profissional e que a partir do momento em que ficou sujeito à proibição de contactar a assistente e de frequentar as áreas quer da sua residência, quer do seu local de trabalho, a título que medidas de coação, deixou de importunar a assistente o que é revelador de uma certa conformação com as ordens jurídicas.”.
VI. Do mesmo aresto consta, ainda, que: “Face à capacidade que o arguido denotou possuir de uma certa conformação com as ordens jurídicas, afigura-se que existe ainda uma derradeira esperança que a ameaça de pena de prisão e a censura do facto se mostram suficientes e adequados para dissuadir o arguido da prática de novos crimes.”.
VII. O mesmo é dizer, considerou o douto tribunal a quo inexistir perigo de futuras repetições criminosas.
VIII. Porém, em oposição ao que, na douta sentença de 1.ª Instância, ficou assente, veio, agora, o mesmo Tribunal, em sede de despacho de indeferimento do pedido de não transcrição, referir que, “estamos longe de poder afirmar que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes por parte do arguido.”,
IX. Para, com tal fundamento, indeferir o pedido efectuado.
X. A inexistência de perigo da prática de novos crimes, por parte do arguido, foi, precisamente, um dos fundamentos essenciais para, com base na factualidade dada como provada, o douto tribunal a quo ter determinado a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.
XI. Não fora este entendimento e nunca ao arguido poderia ter sido aplicada, como foi, o instituto da suspensão da pena de prisão.
XII. Por tal, revela-se de desadequado e contra legem vir, agora, o mesmo Tribunal, com base na mesma factualidade, sem qualquer motivo ou justificação – já que, o douto despacho, de que, ora, se recorre, se limita a transcrever uma parte, ínfima, da sentença –, indeferir, sem mais, o pedido de não transcrição.
XIII. Igual juízo de censura, pelos mesmos fundamentos, merece a conclusão retirada pelo douto tribunal a quo, no despacho sob recurso: “estamos bem longe de poder afirmar que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes por parte do arguido.” e que, face a tal juízo de prognose desfavorável, ou seja, por tal motivo, a pretensão de não transcrição deveria improceder.
XIV. Ora, tendo, em sede de condenação, o douto tribunal a quo considerado que a factualidade provada, subjacente à condenação, possibilitava, pela não existência de perigo de prática de novos crimes, a suspensão da pena de prisão, tanto por força de um argumento de maioria de razão, como pela circunstância de nenhuma nova factualidade ter sido apreciada pelo Tribunal antes da prolação do despacho sob censura, nunca o pedido de não transcrição poderia ter sido recusado com tal argumentação.
XV. Ao invés, sempre tal pedido, por aquela singela circunstância, deveria ter sido deferido, deferimento que, agora, se requer a V/Exas.
Ademais, e sem prescindir,
II – DA NÃO APRECIAÇÃO DOS ELEMENTOS DO PEDIDO DE NÃO TRANSCRIÇÃO E DA CONSEQUENTE COARCTAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL AO TRABALHO
XVI. A decisão de indeferimento do pedido de não transcrição de que, ora, se recorre, não teve em consideração a materialidade carreada para os autos no pedido efectuado pelo arguido.
XVII. Particularmente, não fez o douto tribunal a quo qualquer apreciação quanto à circunstância de o arguido ser uma pessoa perfeitamente inserida social e profissionalmente, tal qual resulta da prova documental junta com o pedido de não transcrição e resultava, já, da douta sentença de 1.ª Instância.
XVIII. Nem apreciou, o douto tribunal, o facto de o arguido sempre ter exercido a mesma profissão, desde Março de 2001, de forma constante e estável, como, igualmente, transparece da prova documental junta com aquele requerimento.
XIX. Nem, tão pouco, teve o douto tribunal de 1.ª Instância em consideração o facto de o indeferimento do pedido de não transcrição ir implicar, de forma automática, a cessação do contrato de trabalho que o arguido tem, importando, ainda, a impossibilidade de ser contratado por qualquer outra empresa de segurança.
XX. Estas apreciações careciam de ter sido efectuadas pelo douto tribunal a quo, já que, apenas através daquelas seria possível o conhecimento completo da realidade que subjaz ao pedido efectuado, bem como das consequências que o indeferimento de tal pedido importariam.
XXI. Conforme se disse, em sede de pedido de não transcrição, a Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, que define o regime do exercício da actividade de segurança privada – profissão exercida pelo arguido –, determina que, para o seu exercício mister se revela que os profissionais sejam possuidores de um cartão profissional (art. 22.º, n.º 1, da Lei 34/2013).
XXII. Sendo que, a mesma Lei define, como um dos requisitos que, permanente e cumulativamente, deve estar preenchido para poder ser emitido tal documento e, consequentemente, ser exercida tal profissão, é não ter o profissional sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal (art. 22.º, n.º 1, al. d) ex vi art. 27.º, n.º 3, ambos da Lei 34/2013).
XXIII. Ademais, e em particular quanto à empresa para a qual o arguido exerce, neste momento, funções, este tem a obrigação de apresentar, sempre que solicitado pela entidade empregadora, o certificado do registo criminal (cláusula 7.ª do contrato de trabalho junto como doc. 2 do pedido de não transcrição), o que acontece com uma frequência, pelo menos, anual.
XXIV. Resulta, portanto, do exposto que, o certificado de registo criminal tem, para o exercício da profissão de segurança, um papel crucial, rectius, a ausência, naquele certificado, de condenações é indispensável para ser possível, aos profissionais deste ofício, trabalharem.
XXV. O direito ao trabalho é um direito constitucionalmente consagrado no art. 58.º da Constituição (de ora em diante, CRP).
XXVI. Como refere Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa anotada: “O seu destinatário primeiro é o Estado – e, dentro do quadro das respectivas atribuições e competências, os poderes públicos em geral – e a sua plena efectividade pressupõe a prévia criação das condições normativas e fácticas de que depende o pleno cumprimento do programa constitucional.”. (sublinhado nosso)
XXVII. O mesmo Autor, in Constituição Portuguesa anotada, escreve, ainda, que: “O direito ao trabalho não consta, por conseguinte, de uma disposição directamente aplicável, valendo antes como uma imposição aos poderes públicos, sempre dentro de uma reserva do possível, no sentido da criação de condições que permitam que todos tenham efectivamente direito ao trabalho.”. (sublinhado nosso)
XXVIII. A transcrição da condenação dos presentes autos para o certificado de registo criminal, por força do indeferimento do pedido de não transcrição, importará, precisamente, que o Estado, através do douto tribunal, imponha ao arguido uma condição que, de forma necessária e inevitável, implicará a impossibilidade de exercício da profissão que este sempre teve, assim se coarctando o seu direito constitucional ao trabalho.
XXIX. Coarctação do direito constitucional ao trabalho fundada num requisito que não encontra assento constitucional.
XXX. Efectivamente, a razão, apresentada pelo douto tribunal a quo, para indeferir o pedido de não transcrição da sentença consiste, apenas e só, no facto de o arguido ter uma condenação anterior à dos presentes autos, condenação que, saliente-se, já se extinguiu pelo cumprimento voluntário.
XXXI. Assim, e com base num único requisito, puramente, formal, constante da Lei 57/98 – e, diga-se, ao arrepio de todos os demais requisitos daquela constantes e que se encontram, devidamente, preenchidos –, o douto tribunal a quo concluiu, sem mais, pelo indeferimento do pedido de não transcrição e, consequentemente, impôs ao arguido uma situação de desemprego involuntário imediato.
XXXII. O mesmo é dizer que, com fundamento numa parte de uma alínea de um artigo de uma lei, o douto tribunal a quo actuou em contravenção com a Constituição da República Portuguesa e, portanto, de forma inconstitucional, inconstitucionalidade que não poderá deixar de ser apreciada por V/Exas., Venerandos Desembargadores.
XXXIII. Ademais, a douta sentença de 1.ª Instância determinou a aplicação ao arguido de um regime de prova.
XXXIV. Dos objectivos definidos pelo regime de prova, aplicado ao arguido, consta, para o que, aqui, importa, que este não preste serviços profissionais que tenham como local de exercício efectivo a freguesia da residência da assistente e do seu local de trabalho.
XXXV. Na empresa para a qual, actualmente, o arguido presta serviço de segurança privada, este é escalonado para trabalhar em locais específicos, previamente determinados pela entidade empregadora e susceptíveis de alteração, caso se verifique tratarem-se dos locais da área de residência ou de trabalho da assistente, sendo que, esta restrição será transmitida à entidade empregadora pelo próprio Tribunal, conforme resulta da douta sentença.
XXXVI. No entanto, a inserção da condenação dos presentes autos no certificado de registo criminal irá implicar, pelas razões já deixadas expostas, a cessação, imediata, do vínculo laboral que o arguido mantém com aquela empresa.
XXXVII. Consequentemente, o arguido deixará de ter um local determinado de trabalho e, até mesmo, qualquer trabalho, face às especificidades já explanadas quanto ao exercício da sua profissão.
XXXVIII. Para além disso, deixará de haver um controlo fácil e seguro do arguido, já que este deixará de poder ser transferido para um local de trabalho onde não more ou trabalhe a assistente.
XXXIX. O arguido trabalha, actualmente, 12 horas por dia, cinco dias por semana. Deixando o arguido de trabalhar, ficará este sem qualquer ocupação, mostrando-se mais facilitada a possibilidade de encontros fortuitos com a assistente.
XL. Ademais, o arguido foi declarado insolvente, resultando evidentes as consequências que uma situação de desemprego têm para o processo de insolvência.
XLI. Acresce que, como objectivo geral de qualquer regime de prova, apresenta-se a reinserção social do arguido, designadamente, através da manutenção de uma situação profissional estável, que possibilite um equilíbrio emocional e social daquele e, em consequência, obste à prática de novos ilícitos criminais.
XLII. Com a inserção da condenação dos presentes autos no certificado de registo criminal, este objectivo geral falhará rotundamente.
XLIII. Pior, com aquela inserção inverter-se-á, precisamente, o normal iter deste tipo de situações. Passar-se-á de uma situação em que o arguido se encontra social e profissionalmente inserido para uma situação de desemprego e exclusão social, como todos os riscos que a tal situação se encontram associados.
XLIV. Mais, com o indeferimento do pedido de não transcrição, colocar-se-á em causa a própria sentença, na parte respeitante ao regime de prova, pelas razões já aduzidas.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V/EXAS., DOUTAMENTE, SUPRIRÃO, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER DEFERIDO O PEDIDO DE NÃO TRANSCRIÇÃO DA DOUTA SENTENÇA PARA O CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL, ASSIM SE FAZENDO SÃ E INTEIRA JUSTIÇA

(…)

O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Se no caso dos autos se verificam os pressupostos da Lei nº57/98 para a não transcrição da sentença condenatória no registo criminal.
Se a decisão recorrida viola o direito Constitucional ao trabalho consagrado no artº 58º da CRP.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O recorrente pretende que lhe seja deferido o pedido de não transcrição da sentença no certificado de registo criminal, nos termos do art 17º nº1 da Lei 57/98, de 18 de Agosto.
Dispõe-se no artº 17º nº1 da Lei 57/98 «Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º»
Exige-se pois a verificação de um pressuposto formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - e um pressuposto material – que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo de prática de novos crime-.
O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p.p. pelos artigos 132, nº2, j), 143 nº1 e 145, n1, al.a) e nº2 do C.Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período condicionada a regime de prova assente num plano de reinserção social.
Passemos então a apreciar se no caso dos autos estão reunidos os pressupostos referidos.
Uma vez que estamos perante uma pena de prisão superior a um ano, importa apurar se a pena aplicada ao arguido – dos anos e seis meses suspensa na sua execução – é uma pena não privativa da liberdade.
Sobre a questão de saber se a pena de prisão suspensa é ou não uma pena privativa da liberdade, a Jurisprudência tem-se dividido num e noutro sentido como bem dá conta o acórdão desta Relação de 22/11/2014(1) em que foi relator o desembargador Neto de Moura, adjunto neste acórdão.
Aderimos à posição perfilhada nesse acórdão de 22/11/2014 quando aí se considera face à autonomia da pena de substituição aplicada, uma pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena não privativa da liberdade para efeitos do artº 17º nº1 da Lei 57/98.
Por isso, e porque agora nada mais temos a acrescentar em termos de mais valia àquilo que foi escrito em tal acórdão, passamos a transcrever o mesmo:
“Ao usar a expressão “pena não privativa da liberdade”, o legislador quis referir-se, apenas, à pena (principal) de multa ou pretendeu abranger as penas de substituição não detentivas? Uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão (como a que foi cominada ao recorrente) suspensa na sua execução (suspensão esta decidida pelo acórdão desta Relação de 27.02.2007, proferido em recurso interposto pelo arguido) é, para o efeito que aqui nos interessa, uma pena não privativa da liberdade? Na doutrina, distingue-se as penas principais, as acessórias e as de substituição.
Numa perspectiva dogmática, penas principais são aquelas que as normas que descrevem os tipos legais estatuem e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.
Contrapõem-se-lhes as penas acessórias, que são aquelas que só podem ser aplicadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal e assentam, materialmente, num específico conteúdo de censura do facto.
Penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição (em vez) da execução de penas principais concretamente determinadas
Ainda numa perspectiva dogmática, distingue-se as penas de substituição em sentido próprio, que se caracterizam pelo seu carácter não institucional ou não detentivo (isto é, por serem cumpridas estando o condenado em liberdade) e por pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, que vão substituir (nesta categoria se agrupam as penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade), e as penas de substituição detentivas (prisão por dias livres, regime de semidetenção e regime de permanência na habitação), que, pressupondo também a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, como a própria designação indica, são cumpridas intramuros (ainda que, agora, não necessariamente numa instituição prisional) e daí a grande relutância em considerá-las verdadeiras penas de substituição (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 335-336).
Neste enquadramento, fazendo apelo ao artigo 70.º do Código Penal - que estabelece o critério fundamental da escolha da pena e do qual decorreria que a pena de multa é a única pena não privativa da liberdade - e considerando que uma pena de suspensão da execução da pena “não afasta nem oculta a pena inicial de prisão, antes a pressupõe”, uma corrente jurisprudencial defende que, para o efeito do disposto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a expressão "pena não privativa da liberdade", o legislador quis referir, apenas, a pena de multa, excluindo, portanto, outras penas não detentivas, como são as penas de substituição proprio sensu.
Situam-se nesta linha de pensamento os acórdão desta Relação, de 30.09.2009 (Des. Artur Oliveira), publicado na CJ XXXIV, T. IV, p. 219 (assim sumariado: I – “A pena de três anos de prisão substituída pela pena de suspensão da execução da prisão é uma pena privativa da liberdade. II - por isso, não pode o juiz autorizar que a condenação em tal pena não seja transcrita nos certificados do registo criminal") e da Relação de Lisboa, de 23.02.2011 (Des. Telo Lucas), disponível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que “a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18-8 (…) comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo”.
Em contraponto a esta posição, existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.
Inserem-se nesta corrente de entendimento os acórdãos da Relação de Coimbra de 29.09.2010 (Des. Brízida Martins), publicado com o sumário “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada”, e de 27.02.2013 (Des. Orlando Gonçalves), em que se decidiu que “a condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma «pena não privativa da liberdade», para efeitos do art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98”, da Relação de Lisboa de 21.11.2012 (Des. Maria Elisa Marques), propugnando que “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de «pena não privativa da liberdade» contida no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas” e desta Relação, de 26.06.2013 (Des. Alves Duarte), que decidiu poder o juiz “determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução”.
Impõe-se que tomemos posição nesta querela.
Na versão primitiva do Código Penal, a pena de multa surgia como elemento integrante de uma pena compósita cumulativa (prisão e multa) e é com a revisão operada pelo Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que a multa ascende ao estatuto de pena principal, surgindo como pena alternativa da prisão num grande número de tipos legais e sendo tratada na Parte Geral como pena principal.
O nosso sistema penal contempla como penas principais a pena de prisão e a pena de multa, o que é dizer que, do elenco de penas principais, a única pena não detentiva é a pena de multa[5].
Assim sendo, e aceitando-se que “é precisamente a classificação dicotómica das penas principais presentes no critério de escolha da pena estabelecido no art.70.º do Código Penal” que impõe que “a pena não privativa da liberdade” a que se alude no artigo 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98 só possa contemplar a pena de multa (cfr. o citado acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.2011), então lógico seria que o legislador, em vez de utilizar naquele preceito legal a expressão “pena não privativa da liberdade”, referisse, muito simplesmente, “pena de multa”.
A expressão utilizada tem, claramente, um sentido mais abrangente que “pena de multa” e por isso quem perfilha o entendimento de que ali se prevê, apenas, a pena de prisão que não exceda um ano e a pena de multa terá de concluir que o legislador plus dixit quam voluit.
No entanto, nada permitindo afirmar que o legislador não soube exprimir, adequadamente, o seu pensamento na letra da lei e inexistindo motivos para concluir que aquele disse mais do que queria dizer, não é aceitável uma interpretação que se traduz numa amputação substancial do conteúdo do conceito de "pena não privativa da liberdade", reduzindo-o à pena de multa e excluindo as penas de substituição não detentivas.
Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.
É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações.É certo que, com as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, “deixou de se poder afirmar a regra da determinação, de forma autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP”[6].
Assim acontece com a suspensão da execução da pena de prisão, que tem a duração igual à pena de prisão fixada na sentença, com o mínimo de um ano, quando, antes de 2007, era fixada dentro dos limites de duração legalmente estabelecida (entre um e cinco anos), mas independentemente da pena de prisão aplicada.
No entanto, uma vez aplicada a pena de substituição, ela adquire plena autonomia.
É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.
Como verdadeira pena autónoma (de substituição) que é, a suspensão da execução da pena de prisão, está, necessariamente, sujeita a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída [assim, os acórdãos da Relação de Lisboa de 26.10.2010 (Des. Jorge Gonçalves) e do STJ, de 13.02.2014 (Cons. Manuel Braz), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Essa autonomia é, claramente, afirmada pelo Professor Figueiredo Dias (Op. Cit., 90-91) que depois equacionar a hipótese de o nosso Código Penal ter acolhido “um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo (…), para além das penas de prisão e das de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade”, escreve:“A uma visão mais próxima deve, no entanto, acabar por concluir-se não ter sido intenção nem do ProjPG de 1963, nem do CP, contestar por esta via os critérios definitórios das penas principais que começámos por apresentar. Antes sim chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento político-criminal, também as «novas» penas, diferentes da de prisão e multa, são «verdadeiras penas» – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) –, que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão» ou, ainda menos, «medidas de pura terapêutica social». E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.
O que sucede é que estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas acessórias, quanto conformam uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam, todavia, tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão. Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador as não previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição (…), como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”.
Os defensores da tese de que as penas de substituição, e concretamente a pena de suspensão da execução da pena de prisão, não são “penas não privativas da liberdade”, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98, reconhecem, apesar de tudo, a sua autonomia, mas logo acrescentam que aquela pena de substituição “está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução” (citado acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2011) e, em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente, o que se inclui no cúmulo é a pena de prisão inicial e não a pena de substituição (citado acórdão desta Relação, de 30.09.2009)[7].
No entanto, para que assim suceda, impõe-se uma nova decisão judicial.
A decisão que revoga uma pena de substituição faz ressurgir a pena substituída e, se for uma pena de suspensão da execução de pena de prisão, a sua revogação leva ao cumprimento da pena de prisão inicialmente aplicada.
Mas, então, já estamos perante uma nova decisão (que é comunicada aos serviços do registo criminal) e deixa de existir uma pena não detentiva.
Porém, se e enquanto tal não acontecer, o que temos é uma pena de substituição proprio sensu que encaixa, perfeitamente, na expressão “pena não privativa da liberdade” do artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98.
Não despiciendo, afigura-se-nos, ainda, o argumento de que, nesta matéria, não podem ser desprezados os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade que enformam o direito penal.
A publicidade em torno dos antecedentes criminais estigmatiza o condenado, sobre ele recai um anátema social e essa circunstância, está bem de ver, influencia negativamente a sua reinserção social.
O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se, apenas, em motivos de prevenção especial negativa, baseando-se na eventual «perigosidade» do delinquente, pelo que o acesso a essa informação “envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios”, ou seja, aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança” (acórdão da Relação de Coimbra de 03.11.2004, acolhendo o entendimento de Almeida Costa in Polis, V, p. 312).”
Posto isto, há apenas que concluir que no caso dos autos face à pena aplicada de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução período condicionada a regime de prova, se encontra verificado o requisito formal constante do artº 17º nº1 da Lei 57/98 de 18 de Agosto, vale dizer –condenação em pena não privativa da liberdade –pelo que passamos a apreciar se se perfectibiliza também o requisito substancial aí previsto.
A decisão recorrida considerou não se poder afirmar que das circunstâncias que acompanharam o crime, não se pode induzir perigo de prática de novos crimes por parte do arguido.
Para tal considerou por um lado, que o arguido já não é um delinquente primário, pois “ havia já sido condenado na pena de 12 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano, pela prática em Março de 2010, de um crime de coacção agravada p.p. pelo artº 154º nº1 e 155º nº1 al.c) do C.Penal”, e por outro constar da sentença proferida nos autos que “O arguido assume uma postura de vitimização perante os factos de que é o único responsável, não possui qualquer autocrítica da sua conduta e mostrou uma total falta de arrependimento. (...) Convém ter presente ainda que o arguido já havia praticado crime de natureza semelhante tendo praticado parte dos factos aqui em causa no período da vigência da suspensão da execução da pena de prisão aplicada por força daquele, o que não deixa de revelar uma maior indiferença à pena aplicada, uma maior insusceptibilidade de ser por ela influenciado, um índice de culpa mais grave e também de maiores exigências de socialização…”.
Concordamos inteiramente com a decisão recorrida quando na mesma se conclui não poder afirmar que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.
Na verdade extrai-se dos factos provados na sentença que a conduta do arguido –stalking- que foi causal da ofensa à integridade física, persistiu por um período de mais de dois anos, tendo a sentença considerado para efeito de fixação de medida da pena que “A ilicitude dos factos cometidos é muito elevada, tendo em conta as concretas condutas assumidas pelo arguido, o período de tempo durante o qual persistiu no seu comportamento e a diferente localização espacial da sua conduta.
Por outro lado, o modo de execução do ilícito é muito grave, atentos os diferenciados comportamentos que foi assumindo, a sua reiteração e as diferentes formas de execução de cada um deles. ”
Perante este quadro factual, não é possível afastar a existência de perigo de prática de novos crimes.
E esta afirmação, não colide nem é incompatível com o juízo de prognose positivo que esteve subjacente à aplicação da suspensão da pena, como parece pretender o arguido, cf. conclusões XII a XV.
Na verdade com o instituto da suspensão da pena, pretende-se em última análise atingir os finalidades da punição através nas palavras do Prof. Figueiredo Dias “da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»”.(2)
Por sua vez a possibilidade de não transcrição das decisões prevista no artº 17º nº1 da Lei 57/98 de 18 de Agosto, é ainda uma manifestação do princípio da legalidade consagrado no artº 2º da mesma Lei, mas subordinada aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade, em que se teve presente no acesso do registo criminal para fins particulares e administrativos, obstar, desde que verificados os requisitos legais, àquilo a que o Porf Figueiredo Dias designa de “o anátema social que para o condenado deriva da publicidade dos seus antecedentes criminal”.(3)
Como tal e como se decidiu no Ac. da Relação do Porto de 5/4/2006. “O juízo de prognose feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena não é coincidente com o que deve ser formulado para se aplicar o regime previsto no artº 17º, nº1 da Lei nº57/98, de 18 de Agosto”. Aliás e como este acórdão também dá conta, se o juízo de prognose para a suspensão da pena coincidisse com o juízo que há que formular para efeitos de aplicação do artº 17º, então podíamos concluir que sempre que fosse aplicada uma pena suspensa na sua execução ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º da mesma Lei, não necessitando o legislador de consagrar o poder do tribunal, e não o dever, da não transcrição, ainda que se trate de um poder dever, desde que verificados os pressupostos impostos na lei, mas apreciados pelo tribunal.
Concordamos pois com o MP quando na resposta ao recurso se expressou da seguinte forma “(…) uma coisa é a esperança de que o arguido não volte a delinquir como fundamento para que não cumpra uma prisão efectiva e se possa conceder-lhe uma última oportunidade de adoptar uma conduta conforme ao direito. Essa esperança é sempre tida como base na suspensão da execução de uma pena de prisão. E outra coisa, bem diferente daquela, é o perigo – que sabemos existir – da prática de novos crimes, considerando as circunstâncias que acompanharam o crime e que constam da sentença já transitada em julgado, e bem assim os seus antecedentes criminais.”
Alega o arguido noutra linha de argumentação que “a decisão de indeferimento, (…) não teve em consideração a materialidade carreada para os autos no pedido efectuado pelo arguido” designadamente não tendo feito qualquer referência quanto “à circunstância de o arguido ser uma pessoa perfeitamente inserida social e profissionalmente, (…) nem apreciou (…) o facto de o arguido sempre ter exercido a mesma profissão, desde Março de 2001, de forma constante e estável.”
Alega ainda que a imposição da transcrição implicará a “coarctação do direito constitucional ao trabalho” uma vez que implicará a impossibilidade de exercício da profissão.
Uma vez que parece que o recorrente está a pretender pelo menos apontar ao despacho recorrido a omissão de apreciação de alguns dos argumentos invocados no requerimento de não transcrição, dir-se-á por um lado que a questão que foi submetido à apreciação do tribunal foi o pedido de não transcrição, pelo que inexiste omissão de pronuncia, sendo que o tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os argumentos utilizados, mas apenas sobre as questões colocadas.
Ademais, não corresponde à realidade, a alegação de que a decisão recorrida apenas fundamentou o indeferimento no facto de o arguido ter uma condenação anterior, o que se retira de uma leitura ainda que superficial da decisão recorrida e logo se constata é que o tribunal teve também em conta “a postura de vitimização perante os factos” que “não possui qualquer autocrítica da sua conduta e mostrou uma total falta de arrependimento”.
Por outro lado ainda que existisse omissão de pronúncia, e não existe, porque se trata de um despacho, estaríamos perante uma mera irregularidade que se encontra sanada por não ter sido tempestivamente arguida perante o tribunal recorrido nos termos do artº 123º nº1 do CPP, face ao princípio da tipicidade legal em matéria de nulidades consagrado no artº 118º nº1 do CPP, e ao regime do artº 379º do CPP que é privativo da sentença.
Alega o recorrente que o indeferimento da não transcrição implicará a coarctação do direito constitucional ao trabalho.
É certo que no nº1 do artº 58º da CRP se dispõe que todos têm direito ao trabalho.
Mas como também se escreveu no acórdão da RP de 3/3/2010, o direito ao trabalho “na vertente do direito à segurança no emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que se mostre justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais.”.(4)
E através da punição do crime de ofensa à integridade física tutela-se não só o exercício da acção penal por parte do Estado, na vertente da aplicação da pena, como também a integridade física da pessoa pelo que se mostra justificada por proporcional e adequada a transcrição no registo inexistindo pois violação do artº 58º nº1 da CRP.
Ademais, e como realça o Magistrado do Ministério Público, se a transcrição no registo criminal implicar a perda do posto de trabalho do arguido, apenas a si próprio pode imputar tal efeito, e não ao tribunal que se limitou a aplicar a lei, sendo a transcrição no registo um efeito legalmente previsto, que apenas pode ser afastado se verificados os pressupostos do artº 17º nº1 do Lei 57/98 de 18 de Agosto o que no caso dos autos não ocorre, como supra se referiu.
Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 3UC

Porto, 6/5/2015
Lígia Figueiredo
Neto de Moura (Vencido, nos termos da declaração de voto que junto)
Francisco Marcolino
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(1) Ac. de 22/10/2014, proferido no proc. 70/98.0TBPR-A.P1, relator Neto de Moura
(2) Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, p´g. 343.
(3) Ob.cit. pág. 646.
(4) Acórdão proferido no processo nº1418/09.9PTPRT.P1 (relator Joaquim Gomes).
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Declaração de voto
Votei vencido porque, salvo o muito respeito que me merece o entendimento que prevaleceu e quem o perfilha, afigura-se-me que o juízo afirmativo sobre o perigo de o condenado reincidir na prática de novos crimes é incongruente com o juízo de prognose positivo (uma previsão, baseada na personalidade do arguido, nas circunstâncias do facto punível, nas suas condições de vida e na conduta anterior e posterior aos factos, de que não voltará a delinquir) que é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, juízo, aliás, mais exigente.
Se há razões sérias para duvidar da capacidade do arguido/condenado de não repetir crimes (ou, como se afirma na decisão recorrida, se existe o perigo da prática de novos crimes), então, não se entende o juízo de prognose favorável formulado quando da aplicação da suspensão da execução da pena.
Em sentido oposto à solução que aqui se adopta, já me pronunciei no acórdão, de que fui relator, proferido no Processo n.º 471/12.2PFPRT.Pl.