Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
925/17.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
GARANTIA DO RETORNO DO CAPITAL INVESTIDO
RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE BANCÁRIA
Nº do Documento: RP20180613925/17.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 835, FLS 110-118)
Área Temática: .
Sumário: I – Em qualquer circunstância um Banco, que aja como intermediário financeiro, tem o dever de prestar as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada pelos respectivos clientes.
II – Se essa decisão assentou numa proposta clara do Banco no sentido de que a aplicação financeira teria sempre a garantia de retorno do capital investido este é responsável pelo compromisso assumido com o cliente tendo em conta, além do mais, que o cliente nunca subscreveria o produto se soubesse minimamente da existência de qualquer risco de perda desse capital.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 925/17.4T8VFR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Recorrente(s): Banco B..., S.A..
Recorrido(s): C... e D....
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira.

I - Relatório
C... e mulher D... intentaram a presente acção de processo comum contra Banco B..., SA peticionando a condenação deste no pagamento de 60.000 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência das aplicações feitas pelo Réu do montante de 50.000 €, ali depositados pelos Autores.
Alegam, para tanto, que tais aplicações foram feitas sem o seu acordo informado e sustentam que apenas porque induzidos em erro pelo Réu sobre a segurança e garantia de reembolso do capital aceitaram subscrever as ditas Obrigações E....
Contestou o banco Réu excepcionando a incompetência territorial, a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos Autores por terem decorrido mais de dois anos sobre o conhecimento pelos mesmos da conclusão do negócio e respectivos termos.
Invocam ainda a caducidade do direito dos Autores por ter decorrido mais de um ano entre a cessação do vício do negócio objecto dos autos e a propositura da acção.
Impugnou, finalmente, a pretensão dos Autores para tanto alegando que o Autor marido foi sempre plenamente conhecedor da entidade emitente já que exercia a profissão de mediador de seguros de empresa do mesmo grupo empresarial da E1.... Sustenta, ainda, que a alegação pelos Autores, de que foram ludibriados e prejudicados com o negócio que durante tantos anos lhes rendeu juros altos que receberam e de que beneficiaram consubstancia uma atitude de “venire contra factum proprio”
Houve resposta dos Autores que reiteraram, no essencial, o teor da petição inicial.
Após audiência prévia na qual, frustrada a tentativa de conciliação, foi afirmada a competência territorial do tribunal sendo igualmente improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de caducidade do direito evocado, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.
Fixado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova bem como admitidos os meios de prova, veio a realizar-se a audiência de julgamento, proferindo-se a sentença final, ora sob recurso, que se reproduz na parte dispositiva:
“Nestes termos julga-se a acção parcialmente provada e parcialmente procedente e, em consequência:
1 – Condeno o Réu a pagar aos Autores a quantia de 50.000 € a que acrescem juros vencido e vincendos, à taxa legal, desde 29 de Março de 2017 e até efectivo e integral pagamento.
2 – Absolvo o Réu do demais pedido.
Custas por ambas as partes na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil, mantendo-se o valor dado à acção pelos Autores e aceite pelo Réu por corresponder ao valor do pedido.”
*
Inconformado o réu Banco B..., S.A. interpôs o recurso de apelação ora em apreciação, cujas conclusões são as seguintes:
I. Entende o Banco Réu que deverá ser retirada a menção quer ao facto de ser um produto do banco quer à garantia do Banco Réu aos factos provados constantes das alíneas H, I, K, L, M e R dos factos provados.
II. A referência à garantia do banco está mesmo em contradição com o facto não provado nº 1.
III. Entende ainda o Banco Recorrente que deveriam ser acrescentados o seguinte facto que deveria ter sido dado como provado: Em 2004, a gestora de conta contactou o autor e, após deslocação do mesmo à agência, apresentou-lhe uma aplicação explicando-lhe que se tratavam de Obrigações da E1..., entidade que detinha o banco a 100%, que a mesma tinha capital garantido e com rentabilidade assegurada, sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a E1... se era o F....
IV. Consequentemente deverá ser dado como não provado o facto O. dos factos dados como provados.
V. Deverá ainda ser dado como não provado o facto Q. uma vez que nenhuma prova foi produzida no sentido de que o Banco Réu pagou ele próprio juros referentes ao produto em causa.
VI. Estas alterações impõem-se pela análise do depoimento da testemunha H..., gravado no sistema citius no ficheiro com a referência 20171211141940_3667996_2870287 bem como pela análise do boletim de subscrição e da nota interna relativa ao produto que foram juntos com a contestação.
VII. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
VIII. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
IX. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
X. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros.
XI. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
XII. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
XIII. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
XIV. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
XV. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XVI. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
XVII.A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
XVIII. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
XIX. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
XX. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
XXI. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
XXII. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
XXIII. O dever de informação previsto no art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art. 312º-E nºs 1 e 2.
XXIV. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
XXV. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da facto provada.
XXVI. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
XXVII. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
XXVIII. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer factores extrínsecos aos mesmos.
XXIX. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
XXX. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
XXXI. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
XXXII. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
XXXIII. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
XXXIV. A redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.
XXXV. E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
XXXVI. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
XXXVII. Para além disto, a anterior redacção do CdVM apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação nos negócios de execução, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.
XXXVIII. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
XXXIX. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
XL. O que, como não foi feito, condena a presente acção ao fracasso.
XLI. A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
XLII. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
XLIII. E aliás diga-se que, o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
XLIV. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
XLV. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do G...). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos ou a insolvência dos emitentes.
XLVI. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
XLVII. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida, do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado.
XLVIII. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objectivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser perceptível pelo destinatário médio.
XLIX. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
L. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
LI. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações E1....
LII. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da E1... e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
LIII. Analisada a conclusão da sentença, no que respeita à interpretação da declaração negocial do banco réu, a vontade negocial do Recorrido teria sida erigida com base numa incorrecta representação da realidade.
LIV. Ora, se assim é, não podemos fazer como faz a sentença recorrida e, recorrendo às regras do art. 236º nº 1 do C.C. para concluir que o Banco Recorrente deu uma garantia em favor da E1... e que assumiu a dívida da emitente das Obrigações.
LV. Uma qualquer discrepância entre a vontade negocial e a conjectural só pode ter eficácia destrutiva.
LVI. A vontade conjectural pode invalidar a negocial, mas não pode ser, ela própria, elemento do negócio jurídico, sobrepondo-se à vontade negocial, sendo ela própria base dos efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante!
LVII. A declaração do funcionário do intermediário não pode valer com o sentido que o investidor - declaratário normal - lhe atribuiu, nos termos do art. 236º CC, porque na realidade não houve da parte do Banco recorrido qualquer intenção de prestar uma garantia (nem tal resulta da matéria de facto provada) e, assim sendo, não se verifica o acordo de vontades que o art. 232º CC exige para ser concluído um negócio.
LVIII. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 236º do Código Civil.
Termina o recorrente peticionando que se altere a decisão sobre a matéria de facto, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores.
Ainda que assim não se entenda, requer-se que, com base na matéria dada como provada na primeira instância, se revogue a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores.
Houve contra-alegações nas quais se pugna pela confirmação da sentença do tribunal “a quo”.
*
II – Questões a Apreciar
São várias as questões a decidir.
Assim, temos:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da violação do dever de informação por parte do Banco apelante;
- Do preenchimento dos diferentes pressupostos conducentes à responsabilização do Banco apelante.

III - Factos provados
O tribunal de primeira instância deu como provados os seguintes factos:
A. Os Autores foram clientes do Réu, na sua agência de ..., onde mantiveram conta à ordem, com o número ............ e nela movimentavam dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças;
B. Os Autores são titulares de uma obrigação E..., no valor total de 50 000 €.
C. Os Autores mantêm até hoje a titularidade de tal obrigação.
D. Em 25 de Outubro de 2004 a gerente/funcionária do Banco Réu (ex-F...) da agência supra identificada disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
E. A dita funcionária do Banco Réu sabia que o Autor marido não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles.
F. Bem como o conhecia como um cliente de perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;
G. Sempre foi dito ao Autor marido pela dita funcionária que o capital era garantido e com juros semestrais.
H. O Autor marido ficou convencido de que o seu dinheiro tinha sido aplicado numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco e por este garantido.
I. Nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento da gerente/funcionária do Réu, e o Autor marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
J. O referido em D) resultava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários
K. Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do F... e que os funcionários da rede de balcões do banco R. repetiam junto dos seus clientes, como o fizeram com o Autor marido, era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros.
L. As orientações e comunicações internas existentes no F... e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido;
M. Daqui resulta que o Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.
N. Os Autores não sabiam o que era a E1....
O. Nunca a gerente/funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações nem, em concreto, o que eram obrigações E....
P. Nunca lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas E1..., nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos Autores.
Q. Em Maio de 2015, o Banco Réu deixou de pagar aos autores juros vendidos sobre tal aplicação.
R. Os Autores, por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro o que os deixou apreensivos com a possibilidade de perda do capital investido.
S. No mês seguinte à subscrição os Autores receberam por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhes aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos,
T. O facto de a entidade emitente E2... ser detentora do capital do Banco criava neste, na pessoa dos seus funcionários, a convicção de que as obrigações emitidas por aquela eram investimentos de capital garantido.
U. Na altura da subscrição, nada havia que desabonasse sobre o investimento efectuado e a probabilidade da entidade emitente não cumprir era, para os funcionários do Banco, muito semelhante à do banco F... não cumprir, tendo em conta a estrutura accionista existente à data.
V. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.
W. Não era previsível, em Outubro de 2004, para o Banco na pessoa dos seus funcionários de balcão, que em Novembro de 2008 aconteceria uma nacionalização do mesmo.
X. Os Autores possuíam outros títulos nas suas carteiras de títulos não aplicando sempre o seu dinheiro em depósitos a prazo.
Y. Para a subscrição da obrigação E..., os Autores resgataram, em 17/10/2004, parte de um depósito a prazo.
Z. O Autor marido pretendia rentabilizar as suas poupanças nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram taxas atractivas e superiores às que eram pagas por instrumentos de idêntico risco à altura.

IV - Fundamentação de direito
I) Em causa nos autos, a impugnação da matéria de facto, tendo sido cumprido o ónus imposto pelo art. 640º do CPC com indicação dos factos que se pretendem ver alterados e determinação dos meios probatórios que poderiam conduzir a uma conclusão diversa, que é descrita, da extraída pelo tribunal recorrido.
Deverá, portanto, proceder-se ao escrutínio dos factos impugnados.
Entende o Banco Réu que deverá ser retirada aos factos provados constantes das alíneas H, I, K, L, M e R dos factos provados a menção de estar em causa um produto do banco ou uma garantia do Banco Réu.
Entende ainda o Banco Recorrente que deveria ser acrescentado o seguinte facto que deveria ter sido dado como provado:
Em 2004, a gestora de conta contactou o autor e, após deslocação do mesmo à agência, apresentou-lhe uma aplicação explicando-lhe que se tratavam de Obrigações da E1..., entidade que detinha o banco a 100%, que a mesma tinha capital garantido e com rentabilidade assegurada, sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a E1... se era o F....
Deverão ser dados como não provados os factos O. e Q. dos factos dados como provados, a saber:
O. Nunca a gerente/funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações nem, em concreto, o que eram obrigações E....
Q. Em Maio de 2015, o Banco Réu deixou de pagar aos autores juros vendidos sobre tal aplicação.
Cumpre decidir.
Revisitada a prova, secundamos a opção do tribunal recorrido. Na verdade, no contexto concreto, necessariamente irrepetível e único, da relação entre as partes, em particular o apelado marido, resulta claro, à luz do que do processo consta, que toda o envolvimento dos autores foi feito com o F... e foi nessa perspectiva que o vínculo ocorreu relativamente à subscrição por este das obrigações E... e foi também com o F... que o pagamento de juros e o assegurar do retorno de capital igualmente ocorreu.
A mera leitura do mail interno dirigido aos trabalhadores e constante de fls. 7 demonstra que o produto em causa se tratava, na perspectiva de quem o intermediava, de um produto equivalente a um depósito a prazo, com garantia F..., sendo esta a orientação que devia ser transmitida ao cliente como foi o caso deste (“na prática, estamos a “”vender” o equivalente a um DP (...) quando o cliente efectua um DP no F... está a comprar “risco” F.... Não vejo diferenças.” – lê-se no documento em causa). Aliás, o boletim de subscrição tinha em lugar de destaque o logótipo e o nome do F... (vide fls. 34).
Entendemos, pois, não haver motivos para qualquer discrepância com a convicção do tribunal apelado - os autores, especialmente o C..., estavam convictos de estar a contratar com o Banco e a subscrever produto desse Banco.
Pelo exposto, decide-se manter a matéria de facto como fixada.
II) Entende a apelante que à data da subscrição das Obrigações -Outubro de 2004- não existia qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a).
Vejamos. Tendo em conta a data da subscrição do produto financeiro, a análise da conduta do réu terá que ser aferida à luz da lei em vigor ao tempo, ou seja, o Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro, na versão anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10.
A qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre os autores e o réu um contrato de intermediação financeira.
E nesta qualidade, um dos cruciais deveres que a lei impõe ao intermediário é o de prestar informação ao comprador, a qual “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, abrangendo “os valores mobiliários, as ofertas públicas, os mercados de valores mobiliários, as actividades de intermediação e os emitentes”. Um dos objectivos essenciais da actividade de intermediação é justamente o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a prevenir a lesão dos interesses dos clientes (art.º 304º do referido CVM).
Esta lei estabelece que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (art.º 312º, nº 2).
Deste modo, embora com menos detalhe na categorização dos clientes, a lei obrigava a que o intermediário colhesse informação “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar”.
Conforme decorre da lei, o dever de informação em análise inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente e o dever de advertir este sobre a inadequação.
No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, dispunha o artigo 314º: “1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. “2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Naturalmente que esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º do Código Civil: o facto ilícito; a culpa; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Sabe-se que o Autor marido não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros e não sabia avaliar, por isso, os riscos de cada um deles; tinha um perfil conservador quanto ao investimento. Ficou convencido de que o seu dinheiro tinha sido aplicado numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco e por este garantido.
O Banco assegurou aos clientes que o produto financeiro proposto era sem risco, com reembolso do capital e juros garantidos.
Esta declaração, para com estes autores, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art. 236º do Código Civil), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o cliente, o do reembolso do capital.
É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e esta relação de confiança com uma instituição bancária não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.
Temos, portanto que o banco não cumpriu o compromisso assumido e não procedeu de boa fé (art. 762º do CC) – vide, por todos, Acórdãos do Supremo Tribunal, de 10.1.2013, processo 89/10, e de 17.3.2016, processo 70/13, disponíveis no sítio da DGSI.
Por isso, no caso concreto, a ilicitude da conduta verifica-se na violação do dever de informação e do compromisso assumido de reembolso do capital.
Quanto à culpa, o nº 2 do referido art. 314º do CVM consagra uma presunção da mesma, conforme por todos admitido. Estamos, como se diz na sentença apelada, perante uma culpa grave do Banco até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco, grosseiramente desconsiderado.
A declaração do funcionário do intermediário teve um sentido claro e inequívoco que responsabiliza o apelante na medida em que garantiu o capital investido; ficou provado que sempre foi dito ao Autor marido pela dita funcionária que o capital era garantido (sublinhado nosso).
Assim, emerge a conclusão inequívoca, a nosso ver, segundo a qual haverá que confirmar a sentença recorrida com fundamentos que dela nada dissentem.
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Haverá agora que sumariar o presente acórdão (art. 663.º, nº7 do Código do Processo Civil):
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V – Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedente o recurso deduzido, confirmando-se integralmente a sentença proferida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 13 de Junho de 2016
José Igreja Matos
Rui Moreira
Lina Baptista