Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7391/17.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
PERMUTA
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RP202101257391/17.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – É de qualificar como contrato-promessa o contrato pelo qual uma das partes ali logo cede à outra a sua posição contratual noutro contrato, obrigando-se esta, em permuta, a entregar-lhe, até determinada data, fracção habitacional em prédio ainda a construir, cuja escritura definitiva seria efectuada 30 dias após aquela data;
II – Tal contrato é de natureza bilateral, pois a parte que aceita permutar a sua prestação pela entrega futura da fracção está, como decorrência própria da transferência recíproca de prestações ínsita à permuta, a obrigar-se a adquirir tal fracção;
III – A presunção do art. 441º do C.Civil, sendo aplicável aos contratos-promessa de quaisquer contratos onerosos de alienação, é aplicável ao contrato-promessa de permuta;
IV – Pode integrar a natureza de sinal quer uma quantia em dinheiro quer um bem de outra natureza, sendo hipotizável que possa ser qualquer coisa, fungível ou infungível;
V – Devendo a parte inadimplente restituir o dobro do que recebeu como sinal, se este tiver por objecto uma coisa infungível restar-lhe-á restituir o valor correspondente, se outro não for o resultado da interpretação negocial;
VI – O credor do dobro do sinal, por incumprimento do contrato-promessa, que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza do direito de retenção previsto no art. 755º nº1 f) do C.Civil, decorrendo da natureza deste direito a sua oponibilidade ao adquirente da coisa sobre a qual incide, ainda que tal adquirente seja alheio ao crédito pelo mesmo garantido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº7391/17.2T8VNG.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

B…, S.A.”, instaurou acção declarativa comum contra C…e marido D…, pedindo o seguinte:
a) que a Autora seja declarada proprietária da fracção BG do prédio sito na Avenida … n.º …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … e Rua … nº … e … , Lote .., …, ….-… Vila Nova de Gaia;
b) que os Réus sejam condenados a entregar aquela fracção à autora, devoluta de pessoas e bens, e no estado em que actualmente se encontra;
c) que os Réus sejam solidariamente condenados ao pagamento, a título de indemnização pela privação do uso da fracção pela autora, da quantia de € 500,00 (quinhentos euros) mensais, correspondente ao valor locativo da fracção, desde a citação até à entrega efectiva do imóvel.
Alegou para tal, em resumo, o seguinte:
- é proprietária daquela fracção autónoma destinada a habitação sita na Avenida …, nº…, 4º andar frente, Lote.., …, Vila Nova de Gaia, imóvel que, após ter adquirido,pretendeu comercializar, procedendo à respectiva venda;
- tendo contratado, para o efeito, duas imobiliárias, a quem entregou as respectivas chaves, veio a constatar que o imóvel se encontrava ocupado pelos Réus, sendo que até à presente data, apesar dos demandados não terem título para continuar a ocupar a fracção em causa, a Autora não conseguiu obter a posse da mesma, o que lhe causa prejuízos inerentes ao facto de não a poder vender nem sequer arrendar.
Os Réus deduziram contestação, sustentando que são titulares de um direito de retenção que incide sobre o imóvel reivindicado pela autora, o qual decorre do incumprimento de um contrato-promessa celebrado com a anterior proprietária da fracção em causa.
Paralelamente, requereram que fosse chamada a intervir nos autos a empresa “E…, Lda.”, a título principal e como associada da Autora, a qual celebrou com a Ré o contrato-promessa em referência.
Em reconvenção, com fundamento naquele alegado incumprimento contratual, peticionaram o seguinte:
a) que a Autora reconvinda e a Chamada sejam condenadas a reconhecer o crédito dos Réus/reconvintes no valor de 124.695, 78 € e a pagarem o respectivo montante;
b) que seja reconhecido aos Réus/reconvintes, quer pela Autora, quer pela Chamada, o direito de retenção com sequela sobre a fracção BG sita na Avenida …, …, 4ª Andar AF, lote . ….-…, Vila Nova de Gaia, descrita na CRP de Vila Nova de Gaia, sobre o numero 3238 e inscrita na matriz com o numero 7873 (…, em Vila Nova de Gaia).
A Autora apresentou réplica, contestando o pedido reconvencional e pronunciando-se no sentido da inexistência do direito de retenção invocado pelos Réus/reconvintes.
Admitida a intervenção, a Chamada apresentou articulado próprio, no qual impugnou a reconvenção deduzida pelos Réus, concluindo no sentido da sua improcedência.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com subsequente identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, tendo na sequência do mesmo sido proferida sentença em que se decidiu nos termos seguintes (transcreve-se):
Nestes termos, julgo a presente acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decido:
a) Declarar que a autora é proprietária da fracção BG do prédio sito na Avenida …, n.º …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … e Rua … nº … e … , Lote .., …, ….-… Vila Nova de Gaia, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sobre o numero 3238/19921215-BG;
b) Condenar a autora/reconvinda e a interveniente/chamada a reconhecerem que a ré/reconvinte é titular de um crédito no valor de 124.695,78 € (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e cinco euros e setenta e oito cêntimos), decorrente do incumprimento do contrato-promessa supra identificado;
c) Condenar a interveniente/chamada à pagar à ré/reconvinte a referida importância de 124.695,78 € (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e cinco euros e setenta e oito cêntimos);
d) Declarar que a ré/reconvinte goza do direito de reter (manter na sua posse) a fracção identificada em a) até que lhe seja paga a importância mencionada em b) e c);
e) Absolver os réus e a autora/reconvinda da restante parte dos correspondentes pedidos;”.

De tal sentença vieram interpor recurso quer a Autora, quer a Interveniente.

A Autora, na sequência da respectiva motivação, apresenta as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Na sequência de tais conclusões, pede a Recorrente/Autora que seja revogada a sentença proferida, “sendo a mesma substituída por decisão que:
a) julgue improcedente o pedido reconvencional relativo ao reconhecimento do direito de retenção a favor da Ré C…;
b) Condene os Réus que habitam o imóvel ao pagamento de indemnização pela provação do uso da coisa;
c) Condene os mesmos Réus na sanção pecuniária compulsória peticionada na p.i.
d) subsidiariamente, fixe o valor do crédito pelo incumprimento da promessa de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil.”.

A Interveniente, na sequência da respectiva motivação, apresenta as seguintes conclusões, que também se transcrevem (as quais, porque não se diferenciou a sua numeração por correlação com a motivação que as antecede, começam no ponto nº74 da peça de recurso em referência):
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Na sequência de tais conclusões, defende a Recorrente/Interveniente que deve ser proferida decisão a “absolver a recorrente da condenação do reconhecimento do crédito de € 124.695,78 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e cinco euros e setenta e oito cêntimos), bem como da condenação a pagá-lo, assim como do direito de retenção pelos RR., com todas as consequências legais.

Os Réus/Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais, em sede do que equacionam como questão prévia, começam por defender que as Recorrentes devem ser convidadas a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso (uma vez que, segundo entendem, as mesmas não cumprem as menções obrigatórias prescritas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC); depois, interpretando que a Recorrente/Autora pretende ampliar a matéria de facto da sentença recorrida (quando esta, no ponto II da motivação do seu recurso, depois de dizer que “o tribunal a quo julgou acertadamente a matéria de facto, pelo que o recurso não tem por objecto esta matéria” e de remeter “para os factos tal como descritos na sentença”vem depois referir que“A estes factos haverá, contudo, de acrescentar um outro ponto, que não consta da sentença, mas que resulta dos autos (documentos juntos ao processo em 12.09.2018) e é relevante. A Chamada E… está em PER, o que foi levado ao conhecimento do tribunal, o qual ordenou a junção aos autos do plano de revitalização, da respectiva sentença homologatória e da lista de credores. Dessa lista de credores consta a Ré C…, por crédito no valor de € 62.349,74, ou seja, de metade do que o tribunal a quo veio a decidir. Resulta dali ainda que o crédito foi reconhecido, como crédito comum, pelo administrador judicial provisório, por se encontrar vertido na contabilidade da sociedade, não tendo sido reclamado pela credora. O Plano de Recuperação data de 2013, sendo que nenhum pagamento foi feito à Ré por conta do seu crédito ali reconhecido.”), defendem que não há que efectuar tal ampliação pois, segundo entendem, além de não se precisar qual o ponto a acrescentar, todos os diversos pontos por si invocados são irrelevantes para a decisão da causa; terminam a defender que a sentença recorrida deve ser integralmente confirmada.

A questão prévia levantada pelos Recorridos foi já objecto de despacho nesta Relação, onde se considerou que as conclusões dos recursos de cada uma das Recorrentes não necessitavam de qualquer aperfeiçoamento, estando perfeitamente conformadas com os requisitos legais previstos no art. 639º nº2 do CPC.

Foram dispensados os vistos nos termos do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto dos recursos, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC),tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) –apurar da conformação da matéria de facto da sentença recorrida;
b) – saber se o contrato sobre o qual versa o litígio é ou não um contrato-promessa bilateral, se foi no âmbito do mesmo prestado sinal, qual a consequência do seu incumprimento e apurar se há lugar ao direito de retenção invocado pelos réus.
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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a).
Esta prende-se com o que os Recorridos interpretam, nas suas alegações, como sendo a pretensão esboçada pela Recorrente/Autora no sentido da ampliação da matéria de facto da sentença recorrida, quando, na motivação do seu recurso, esta,depois de dizer que remete “para os factos tal como descritos na sentença” vem depois referir que“A estes factos haverá, contudo, de acrescentar um outro ponto, que não consta da sentença, mas que resulta dos autos (documentos juntos ao processo em 12.09.2018) e é relevante. A Chamada E… está em PER, o que foi levado ao conhecimento do tribunal, o qual ordenou a junção aos autos do plano de revitalização, da respectiva sentença homologatória e da lista de credores. Dessa lista de credores consta a Ré C…, por crédito no valor de € 62.349,74, ou seja, de metade do que o tribunal a quo veio a decidir. Resulta dali ainda que o crédito foi reconhecido, como crédito comum, pelo administrador judicial provisório, por se encontrar vertido na contabilidade da sociedade, não tendo sido reclamado pela credora. O Plano de Recuperação data de 2013, sendo que nenhum pagamento foi feito à Ré por conta do seu crédito ali reconhecido.”.
Não nos parece que as considerações da Recorrente/Autora ali tecidas integrem uma efectiva pretensão de ampliação ou acrescento de matéria fáctica à sentença recorrida, pois, além de em parágrafos anteriores a mesma ter referido que “o tribunal a quo julgou acertadamente a matéria de facto, pelo que o recurso não tem por objecto esta matéria” e que remetia “para os factos tal como descritos na sentença”, tal considerada (pelos Recorridos) pretensão, para poder ser objecto de decisão em sede recursiva, deveria, como com certeza bem sabe aquela Recorrente, constar das conclusões do seu recurso (pois são estas que delimitam o respectivo objecto, como resulta dos arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC) e tal, como delas bem se vê, não acontece [no sentido de tal entendimento, vide António Santos Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ªedição, pág. 165, e vide ainda os Acórdãos do STJ de 23/2/2010 (proc. 1718/07) e de 22/10/2015 (proc. 212/06), disponíveis em www.dgsi.pt e ali referidos por aquele autor sob a nota 267 sob a asserção de que “São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”].
O que, tanto quanto interpretamos, se nos aparenta, é que aquela Recorrente apenas faz tais considerações para efeitos de raciocínios que mais à frente desenvolve e apenas para isso, e não para efectivamente pretender acrescentar um qualquer determinado segmento de factualidade à sentença (o qual, até talvez por isso, nem sequer concretiza de forma minimamente estrita).
De resto, a alusão ao PER (processo especial de revitalização) em que figura como devedora a Interveniente “E…”, em termos de atinência de factualidade com a acção dos presentes autos, consta do ponto 22 dos factos provados da sentença recorrida em termos bem claros, motivo pelo qual, não obstante até a competência oficiosa deste tribunal da Relação para o fazer (por via do disposto no arts. 663º nº2 e 607º nº4 do CPC e considerando os documentos relativos a tal processo juntos a estes autos), não vemos necessidade de mais nenhum acrescento ao mesmo.
Assim, quer porque não estamos na presença de qualquer pretensão de ampliação da matéria de facto susceptível de poder ser conhecida como objecto do recurso, quer porque entendemos que, ainda que oficiosamente, não há que efectuar qualquer ampliação ou acrescento factual quanto à matéria do processo especial de revitalização referido, considera-se fixada a matéria de facto nos termos em que a mesma o foi pelo tribunal de primeira instância.
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Passemos para as questões enunciadas sob a alínea b).
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta [no caso, toda a referida na sentença recorrida, só composta por factos provados, e em se alterou apenas a redacção no ponto 15 (dele se excluindo a cópia em pdf do contrato ali referido e, em seu lugar, transcrevendo-se o título dado a tal contrato pelas partes e respectivas cláusulas; quanto a estas, faz-se notar que, por evidente lapso da sua numeração, a cláusula seguinte à “Cláusula Quinta” consta como “Cláusula Oitava”):
Factos Provados:
1 – A autora é uma sociedade que tem porobjecto “Consultoria, análise, avaliação, aquisição, gestão, recuperação e cobrança de créditos, com exceção dos serviços de negociação de créditos,assessoria jurídica, factoring e intermediação financeira, bem como a administração e gestão de bens imóveis e a promoção e a promoção e regularização do respetivo licenciamento, a compra, venda e revenda de bens imóveis adquiridos para esses fins e a prestação de serviços direta ou indiretamente relacionados com tais atividades”;
2 – Por escritura pública lavrada em 30 de Dezembro de 2015, a autora adquiriu, através de dação em cumprimento, a propriedade da fracção BG do prédio sito na Avenida …, nºs …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, e Rua … nº … e …, Lote … …, ….-… Vila Nova de Gaia, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de de Vila Nova de Gaia sobre o número 3238/19921215-BG, dação em que intervieram a empresa E…, Lda, e a sociedade F…, S.A.;
3 – A aquisição deu-se no âmbito de um acordo-quadro destinado à recuperação do Grupo F…, tendo a dação em cumprimento tido por objecto um conjunto de património composto por títulos mobiliários e por fracções autónomas, correspondendo a fracção supra referida ao imóvel identificado com o n.º 16 no documento complementar do contrato de dação em pagamento;
4 – A dação em pagamento prevê que as fracções sejam transmitidas livres de ónus ou encargos;
5 – A aquisição da propriedade pela autora encontra-se inscrita no registo predial.
6 – A autora, tendo obtido a propriedade da referida fracção e das demais fracções que compõem o edifício, pretendeu comercializá-las, procedendo à respectiva venda;
7 – Para o efeito, contratou duas mediadoras imobiliárias, a quem facultou o acesso às chaves das fracções, chaves que se encontravam numa das fracções do edifício destinadas a comércio (loja) que antes havia servido como ponto de venda do empreendimento;
8 – Ao pretenderem visitar as fracções, as mediadoras aperceberam-se de que a chave da fracção BG não fazia parte do conjunto de chaves disponíveis;
9 – As mediadoras aperceberam-se então de que a fracção se encontrava ocupada;
10 – Os ora réus habitam a fracção supra identificada;
11 – A ocupação da fracção impede a autora de a comercializar, pois não a pode mostrar e entregar a potenciais interessados;
12 – Imóveis com idênticas características,situados na mesma zona, estão disponíveis no mercado de arrendamento pelo valor médio de 500,00 € mensais;
13 – Por contrato celebrado a 25 de Março de 1997, a ré mulher prometeu comprar à sociedade G…, Ldª, um imóvel composto de um lote de terreno para construção urbana, com o nº 16, com uma área de 180m2, e confrontado a Norte com o Lote nº .., a Sul com o Lote nº .., a Nascente com a Câmara Municipal … e a Poente com um arruamento, sito em … – Portimão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 9390 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº 2945;
14 – Nos termos do contrato referido em 13, a ré –segunda contraente – tinha o direito de “… ceder a sua posição contratual a quem entender”;
15 – Por contrato celebrado em 16 de Outubro de 2000, a ré declarou ceder à sociedade H…, Lda. – posteriormente denominada F…, Lda. – aposição contratual que detinha no contrato referido em 13, pelo valor de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos),mais tendo acordado que tal quantia seria paga “em permuta”, através da entrega de um apartamento T1, correspondente a um quarto andar designado por B 3.4,conforme planta em anexo, sito no prédio urbano a implantar, denominado I…, localizado na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº3238, tudo conforme documento intitulado “Contrato de cedência de posição contratual e de permuta” assinado por ambos, em que figura como primeira contraente a ré mulher e como segunda contraente H…, Lda., em que sob a epígrafe “Pressupostos” é feita referência ao contrato referido no ponto 13 e do qual consta o seguinte clausulado, que se transcreve (faz-se notar que na ordem das cláusulas se passa, por evidente lapso de numeração:
“Cláusula Primeira
A Primeira contraente, na presente data, cede a posição contratual que detém no contrato referido nos pressupostos à Segunda contraente, com todos os deveres e obrigações daí decorrentes.
Cláusula segunda
A Primeira Contraente cede tal posição pelo valor de esc. 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos) à Segunda contraente.
Cláusula Terceira
Segunda contraente pagará à Primeira contraente a quantia referida na cláusula anterior, em permuta, através da entrega de um apartamento tipo T1, propriedade daquela, sito no prédio urbano a implantar, denominado I…, sito à Rua …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz urbana sob o artigo 6443º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vilas Nova de Gaia sob o número 3238, correspondente a um quarto andar designado por B 3.4, conforme planta em anexo ao presente contrato e que dele faz parte integrante.
Cláusula Quarta
Com a outorga do presente contrato e até à entrega efectiva da fracção, fica a Primeira contraente plena proprietária da mesma, podendo vendê-la ou prometer vendê-la sem obrigatoriedade de consentimento ou conhecimento da Segunda contraente.
Cláusula Quinta
A Segunda contraente, obriga-se a entregar a fracção já identificada, concluída e com licença de habitabilidade até Março de 2004.
Cláusula Oitava
A escritura definitiva de permuta, será realizada 30 dias após a data referida na cláusula anterior.

16 – À data da celebração do contrato referido em 15, a construção do edifício ainda não se encontrava concluída, nem estava constituída a propriedade horizontal;
17 – Em Julho de 2005, foram entregues aos réus as chaves da fracção BG, supra identificada;
18 – A E…, ao contrário do acordado, não transferiu para os réus a propriedade da referida fracção até Março de 2004, nem até hoje, não obstante as sucessivas insistências dos réus;
19 – Em 14 de Novembro de 2006 e 3 de Maio de 2007, por carta registada com aviso de recepção, a ré mulher interpelou a E…, solicitando que a mesma procedesse à marcação da escritura pública referente à aludida fracção;
20 – Face à ausência de qualquer reacção da interpelada e após inúmeros contactos pessoais sem qualquer êxito, a aqui ré por carta registada com aviso de recepção, interpelou novamente a E…, indicando dia, hora e local para a realização da escritura (30/5/2007);
21 – No dia 30 de Maio de 2007, e na hora e local aprontado e aprazado, a indicada E… não compareceu à escritura, a qual não teve por tal facto lugar, sendo que em momento algum a mesma sociedade justificou a sua ausência ou apresentou motivo justificativo que tivesse sido impeditivo da não comparência.
22 – Por despacho proferido em 14/12/2015, no âmbito de um processo especial de revitalização que correu termos no Tribunal da Comarca de Porto Este (Amarante – Secção de Comércio-J2) sob onº267/13.4 TBBAO, foi declarado que a dação em cumprimento a que se alude em 2 seria a concretização do que está previsto no plano de recuperação da devedora E…, Lda..

Tendo presente tal matéria de facto, comecemos então por apurar se o contrato sobre o qual versa o litígio é ou não um contrato-promessa bilateral.
Como se vê do teor do contrato referido sob o ponto 15 dos factos provados, que as partes intitularam de “Contrato de cedência de posição contratual e de permuta”e ambas assinaram,a Ré esposa e a Interveniente (na altura com a denominação “H…, Lda.”) obrigaram-se entre si nos seguintes termos: a primeira cedeu a posição que detinha num contrato-promessa de compra e venda que dizia respeito a um lote de terreno para construção, cedência que foi realizada, à data, pelo valor de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos); como contra prestação, a Interveniente obrigou-se a pagar aquela quantia, em permuta, através da entrega da fracção em litígio nos autos, que nessa altura ainda não estava construída (cláusulas primeira, segunda e terceira); a Interveniente obrigou-se ainda a efectuar aquela entrega, com a fracção concluída e com licença de habitabilidade, até Março de 2004, e assumiram ambas que a “escritura definitiva de permuta” seria realizada 30 dias após aquela data (cláusulas quinta e oitava, sendo que esta última segue-se imediatamente àquela, com certeza por mero lapso de numeração – como aliás já demos conta na introdução que fizemos supra, antes da elencagem da matéria de facto).
Considerando as obrigações ali assumidas e os termos em que ali se explicita o seu nascimento para cada uma das partes, é desde logo de concluir que estamos na presença de um contrato-promessa, como contrato preliminar de outro: efectivamente, como dali decorre, a permuta (ou troca) da cessão da posição contratual (logo efectuada) pela entrega da fracção fica na dependência de um contrato futuro concretizador de tal permuta (a “escritura definitiva” da mesma referida na cláusula oitava), através do qual se iria transmitir para a Ré a propriedade da fracção.
O facto de a Ré logo ter efectuado a sua prestação por inteiro não afasta a qualificação do negócio jurídico como contrato-promessa, uma vez que a troca sinalagmática de prestações que a permuta integra – e que constitui o âmbito exclusivo do contrato em apreço, pois, como do seu texto decorre, a prestação integrada pela cessão da posição contratual é feita por causa da contra prestação de entrega da fracção, sendo até atribuído pelos contraentes à primeira (na cláusula segunda) um valor expresso em quantia pecuniária (12.500.000$00) e à segunda a natureza de pagamento de tal quantia (diz-se na cláusula terceira a “Segunda contraente pagará à Primeira contraente a quantia referida na cláusula anterior, em permuta, através da entrega”)– só se consumava ou materializava, no caso, com a futura transmissão do imóvel para a Ré.
Por outro lado, há que reconhecer que tal contrato-promessa, enquanto instrumento destinado à futura aquisição da fracção pela Ré, é de qualificar como bilateral, ou sinalagmático, pois resulta do mesmo que as obrigações assumidas pelas partes quanto a tal desiderato se encontram numa relação de reciprocidade ou interdependência: intercede entre elas um nexo ou sinalagma, no caso genético, pois tendo a cessão da posição contratual como contra prestação e até como medida (conforme atribuição de valor e pagamento desse valor resultantes das cláusulas segunda e terceira) a entrega futura da fracção, por permuta, é de concluir que, por via da aceitação da transferência recíproca das suas prestações que a permuta ou troca integra (no caso, transferência de um direito ou posição contratual, por um lado, e transferência futura da propriedade da fracção, por outro), a Ré logo efectuou a cessão da posição contratual a que se obrigou e a Interveniente obrigou-se a transmitir no futuro a fracção que a Ré, por inerência decorrente da figura da permuta, se obrigou a adquirir (se assim não fosse, não ocorria a aludida transferência), sendo cada uma daquelas prestações a razão de ser da outra [sobre a natureza bilateral do contrato, limitamo-nos a transcrever e aplicar o ensinamento doutrinal de Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, Almedina, 3ª edição, 1979, págs. 269 e 270; no sentido de que o contrato de permuta, troca ou escambo (que não se encontra expressamente regulado no C. Civil, embora se encontre previsto no art. 480º do C. Comercial), é um contrato oneroso que “tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contratantes”, vide Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. III, 9ª edição, pág. 157].
Efectivamente, a “separação” das prestações de cada uma das partes pretendida pelas Recorrentes, vendo-as como independentes uma da outra e integrando cada uma um negócio jurídico distinto – por um lado, uma cessão de posição contratual logo ali efectuada, e, por outro lado, um contrato-promessa de natureza só unilateral, pois, segundo se argumenta, a interveniente comprometeu-se a transmitir a fracção mas a ré não se comprometeu a adquiri-la – não faz, a nosso ver, sentido, pois, como decorre do teor das cláusulas segunda, terceira e oitava, a Ré, ao aceitar permutar a sua prestação pela entrega futura da fracção, a qual seria efectivada pela futura “escritura definitiva de permuta”, está claramente, como decorrência própria da transferência recíproca de prestações ínsita à permuta que acima se referiu, a obrigar-se a adquirir tal fracção.
A única independência detectável entre as prestações daqueles contratantes só ocorre no campo da sua efectivação no tempo, pois daquelas cláusulas decorre bem, mais uma vez o dizemos, que qualquer delas – e quanto à da Ré com o alcance que se veio de assinalar – só existe por causa e em função da outra.

Apuremos agora se no âmbito do contrato-promessa bilateral de permuta em referência foi prestado sinal.
Como já se referiu acima, no âmbito de tal contrato a contratante Ré efectuou logo a cessão da posição contratual no mesmo aludida, a qual foi realizada à data pelo valor de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos), como sua prestação para a contra prestação a obter da Ré por via da permuta que se aludiu.
Após tal prestação da Ré ficou apenas a faltar a consumação, no futuro, de tal permuta, pois a transferência de propriedade da fracção que integrava tal consumação estava dependente da construção daquela e da obtenção da respectiva licença de habitabilidade.
Isto é, aquela cessão efectuada pela Ré integrava uma antecipação do cumprimento da sua prestação.
Como se preceitua no art. 441º do C.Civil, “[n]o contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Seguindo aqui Ana Prata (in “Código Civil Anotado” por si coordenado, Vol. I, 2ª edição, pág. 598, na anotação 3 a tal preceito), “[s]endo aplicáveis ao contrato-promessa as regras do contrato-prometido, nos termos do princípio da equiparação acolhido no nº1 do art. 410º, e, remetendo para o regime da compra e venda o art. 939º os “contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabeleçam encargos sobre eles”, esta presunção é aplicável aos contratos-promessa de quaisquer contratos onerosos de alienação (p. ex., troca, trespasse) ou de constituição de direitos reais sobre bens (…)”(sublinhados nossos).
No mesmo exacto sentido pronuncia-se também Calvão da Silva (in “Sinal e Contrato-Promessa”, 12ª edição, Almedina, pág. 95): “no contrato-promessa de compra e venda – ou de outros contratos onerosos referidos no art. 939º do Código Civil, por exemplo troca, trespasse, cessão de quotas causa vendendi – presume-se mesmo que tem carácter de sinal toda a quantia entregue (no momento da celebração do contrato ou em momento posterior) pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (art. 441º)” (sublinhados nossos).
Aplicando-se tal presunção (em contrário do defendido pela Recorrente/Interveniente) ao contrato-promessa de permuta (que os referidos autores, sob o nome de “troca”, até indicam explicitamente como exemplo de contrato oneroso a que a mesma é também aplicável por via do art. 939º), de tal decorre, aplicando ao nosso caso, que neste, porque nada resulta da matéria de facto provada em contrário, se presume ter carácter de sinal a prestação de cessão de posição contratual efectuada pela Ré à Interveniente.
Poderá objectar-se que tal prestação não pode ter carácter de sinal, pois a mesma não integra uma quantia pecuniária mas antes a cedência de uma posição contratual (como chega a argumentar a Recorrente/Autora na sua motivação).
Mas tal não procede.
Referindo-se a lei ao sinal como “a coisa entregue” (art. 442º nº1 do C.Civil), pode integrar a natureza de sinal quer uma quantia em dinheiro quer um bem de outra natureza.
Efectivamente, como escreve Calvão da Silva (ob. cit., pág. 100 e nota 86 dela constante), “[o] Código Civil não precisa nem delimita a coisa que pode ser entregue como sinal. Teoricamente, parece, portanto, hipotizável que possa ser qualquer coisa, fungível ou infungível.”.
Como tal, considerando o funcionamento da presunção em causa, a prestação da Ré naquele contrato tem a natureza de sinal [no sentido de que o sinal pode ser constituído pela entrega “de uma coisa cujo valor seja determinado ou seja determinável”, que “ao contrato-promessa de permuta são aplicáveis as disposições do contrato-promessa de compra e venda (arts. 441º e 442º)” e que, no âmbito de caso concreto ali referido, “como não resulta da matéria de facto o contrário, a transferência, feita pelos AA., da propriedade do imóvel prometido dar em permuta dos andares, presume-se, nos termos do art. 441º do C.C., que teve o carácter de sinal”, vide o Acórdão do STJ de 18/1/2005 (proc. nº4256/04-1ª Secção), disponível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários Anuais, Secção Cível, ano 2005, inclusivamente referenciado por Ana Prata na anotação que sob o número 3 faz ao art. 441º do C. Civil na obra por si coordenada que acima se referiu].

Analisemos agora o reflexo do que se concluiu anteriormente sob o prisma do incumprimento definitivo do contrato.
A verificação de tal incumprimento é um dado que ambas as Recorrentes aceitam e que, ainda que assim não fosse, se apresenta como manifesto: efectivamente, como resulta dos factos provados sob o número 2, a Interveniente, em 30 de Dezembro de 2015, através de dação em cumprimento, transmitiu para a Autora a propriedade da fracção que se tinha obrigado anteriormente, por via do contrato-promessa, a transmitir no futuro à Ré mulher, de tal resultando a impossibilidade culposa de cumprimento, pela sua parte, de tal contrato (cumprimento este que, diga-se, bem tentaram os Réus obter, após lhes terem sido entregues as chaves da fracção em Julho de 2005, a qual passaram a habitar, como resulta dos factos provados sob os nºs 10, 17, 18, 19, 20 e 21).
Verificando-se o incumprimento definitivo do contrato, a Ré tem direito à devolução do seu sinal em dobro (art. 442º nº2 do C.Civil).
Não obstante tal sinal, como vimos, não ser constituído por quantia pecuniária mas antes por uma coisa infungível – pois a cessão da posição contratual que o integra só pela Ré pôde ser efectuada –, é perfeitamente descortinável na economia do clausulado do contrato o valor de tal cessão, já que, como directamente decorre da sua cláusula segunda, tal cessão foi feita pelo valor de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos).
A Ré tem pois sobre a Interveniente um crédito de 25.000.000$00, resultante do incumprimento do contrato por parte desta, quantia que corresponde actualmente a 124.695,78 €(cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e cinco euros e setenta e oito cêntimos).
Efectivamente, como refere Calvão da Silva (ob. cit., pág. 100, e também na nota 86 desta constante), devendo a parte inadimplente restituir o dobro do que recebeu como sinal, se este tiver por objecto uma coisa infungível “restar-lhe-á a restituição do valor correspondente, se outro não for o resultado da interpretação negocial”.

Finalmente, apuremos do direito de retenção invocado pelos Réus.
Verificando-se ter ocorrido a tradição da coisa objecto do contrato-promessa para a Ré (foram entregues a si e ao seu marido as chaves da fracção em 2005 e estão a ocupá-la nessa sequência, como resulta dos factos provados sob os números 10 e 17) e tendo-se atrás concluído que a Ré tem direito a haver da Interveniente a quantia anteriormente referida, na sequência do incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável a esta e do funcionamento do regime previsto no art. 442º nº2 do C.Civil, a existência de tal direito de retenção na esfera jurídica da Ré é manifesta face à previsão do art. 755º nº1 f) do C.Civil.
Efectivamente, como ali se prevê, goza daquele direito “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º”.

Como explicita Calvão da Silva (ob. cit., pág. 182), “o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei – coisa móvel ou imóvel, rústica ou urbana, para habitação, comércio, indústria, etc.” e tal direito “existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real”.
Por outro lado, o facto de a propriedade da fracção, como se viu, ter entretanto sido transferida pela Interveniente para a Autora, não extingue aquele direito de retenção.
Considerando as disposições conjugadas dos arts. 761º (sobre a extinção de tal direito) e 730º do C.Civil (sobre a extinção da hipoteca, para onde aquele remete), verifica-se que o direito de retenção se extingue:
- pela entrega da coisa;
- pela extinção da obrigação a que serve de garantia;
- por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação;
- pelo perecimento da coisa, sem prejuízo da preferência do seu titular ser pago pelas quantias indemnizatórias decorrentes da perda, deterioração ou diminuição do valor;
- pela renúncia do seu credor.
Mas não o extingue a transmissão do direito de propriedade da coisa sobre que incide.
Efectivamente, da natureza real do direito de retenção decorre a sua oponibilidade ao adquirente da coisa sobre a qual incide, ainda que tal adquirente seja alheio ao crédito pelo mesmo garantido.
De facto, como escrevia Vaz Serra (estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 65, 1957, intitulado Direito de Retenção, página 177), “[n]ão podendo duvidar-se de que o direito de retenção pode ser oposto ao devedor e aos seus representantes, também não pode deixar de se entender que deve ser oponível a terceiros, sob pena de ser uma garantia ilusória, pois bastaria que o devedor vendesse os bens ou que os seus credores os executassem, para que tal direito praticamente desaparecesse” [no mesmo sentido, em termos de doutrina explanada bem mais recentemente, vide Ana Taveira da Fonseca in “Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito”, Almedina 2015, página 368, onde se escreve: “De acordo com o direito vigente, o direito de retenção deve ser considerado um direito real de garantia, consequentemente oponível erga omnes.”, acrescentando-se pouco depois: “Ao contrário do que acontece com excepção de não cumprimento, o direito de retenção é oponível não só àqueles que, no contrato, vierem a suceder nos direitos e obrigações dos contraentes, como também a todos os terceiros adquirentes da coisa retida.”].
Também o Supremo Tribunal de Justiça em jurisprudência recente tem vindo a sustentar que o direito de retenção é oponível ao adquirente da coisa onerada com tal garantia real [vejam-se os acórdãos de 12/3/2015 (proc. nº1775/11.7TBOLH.E1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pinto de Almeida) e de 14/12/2016 (proc. nº662/09.3TYPRT.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro António Piçarra), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
É pois de concluir, como se decidiu na sentença recorrida, pela existência de tal direito de retenção na titularidade da Ré até que o crédito acima referido lhe seja pago.

Perante tudo o que anteriormente se veio de decidir, é de confirmar a sentença recorrida.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente quer o recurso da Autora quer o recurso da Interveniente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pela respectiva Recorrente.
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Porto, 25/01/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim