Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2495/19.0T8VLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CLÁUSULA PENAL INDEMNIZATÓRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Nº do Documento: RP202106072495/19.0T8VLG-A.P1
Data do Acordão: 06/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para obter um título executivo e assim exigir o pagamento coercivo de um valor pecuniário correspondente à indemnização por incumprimento prevista em cláusula penal inserida em contrato de adesão, o procedimento injuntivo não é meio processual adequado;
II - Além de não ser uma obrigação pecuniária stricto sensu, a indemnização prevista na cláusula penal que a recorrente acionou por via da injunção não emerge directamente do contrato, mas da sua resolução por incumprimento;
III - Situando-se a pretensão indemnizatória da recorrente no campo da responsabilidade civil contratual, é, expressamente, excluída do âmbito de aplicação do regime da injunção, como prevê o artigo 2.º, n.º 2, al. c), do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.° 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2495/19.0T8VLG-A.P1
(Embargos de executado)
Comarca do Porto
Juízo de Execução de Valongo (J2)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
“B…, L.DA” veio, por apenso aos autos de execução sumária para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 2495/19.0T8VLG, correm termos pelo Juízo de Execução de Valongo, Comarca do Porto, em que figura como executada, e em que é exequente “C…, S.A.”, deduzir oposição, por embargos, à execução, com os fundamentos que, na parte que para aqui releva, são, em síntese, os seguintes:
Quer o Requerimento de Injunção (ao qual foi aposta a fórmula executória), quer o Requerimento Executivo apresentado pela exequente são nulos, por erro na forma de processo.
Segundo alega a exequente, a executada, ora embargante, não teria pago o valor (€ 2.961,77) da fatura datada de 07/09/2018.
Presume a embargante que a exequente tenha peticionada tal quantia a título de cláusula penal, no caso de incumprimento contratual da sua parte, ou seja, pretende com a presente execução proceder à cobrança de um valor indemnizatório.
Para tanto, devia a exequente ter intentado ação declarativa comum, em vez de recorrer ao procedimento de Injunção.
Por outro lado, o contrato disponibilizado pela exequente e subscrito pela embargante é um contrato de adesão, sujeito às regras previstas no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, mas, em momento algum, foi a embargante informada pela embargada que em caso de resolução contratual teria que liquidar um valor indemnizatório. Não foi informada do teor de qualquer cláusula indemnizatória, nem da forma de cálculo de uma possível indemnização.
Tendo sido omitida essa comunicação, a consequência terá de ser a exclusão dessa cláusula do contrato, nos termos previstos nos artigos 5.º e 8.º, n.º 1, al.a), daquele diploma legal.
A mesma omissão de informação ocorreu relativamente à obrigação de liquidar encargos com uma suposta cobrança de dívida, no montante de € 600,00.
Conclui pedindo, além do mais, que:
A) seja «decretada a nulidade de todo o processo sendo absolvida a embargante da instancia por erro na forma do processo»;
B) (…)
C) «relativamente às quantias de € 2961,77 e € 600, sejam julgados procedentes os presentes embargos, absolvendo-se a embargante do pedido».
Liminarmente admitidos os embargos (despacho de 12.02.2020) e notificada a exequente, veio esta, tempestivamente, apresentar contestação, alegando, em síntese:
No requerimento injuntivo peticionou o pagamento da factura n.º ……../……, de 07/09/2018, sendo a quantia de € 2.730,60 a título de cláusula penal devida pelo incumprimento do período de permanência convencionado com a Embargante.
Peticionou, ainda, o valor de €600,00 a título de “outras quantias”, relativas aos custos administrativos de cobrança da dívida em data anterior à entrada da injunção.
O procedimento injuntivo é o meio adequado para peticionar o pagamento da cláusula penal devida pelo incumprimento do período de permanência acordado, não só porque deve ser considerada uma obrigação pecuniária, mas também porque só estão excluídas do âmbito de aplicação do Dec. Lei nº 269/98 as situações de responsabilidade civil extracontratual.
Foi a Embargante que optou por subscrever os serviços da Embargada após ser devidamente informada e esclarecida pela comercial responsável por esta angariação.
Após cabal esclarecimento, declarou conhecer, entender e aceitar integralmente as condições aplicáveis ao contrato.
Concluiu pela total improcedência da oposição deduzida.
*
Dispensada a audiência prévia, fixou-se em € 5.000,06 o valor da causa e, em 02.07.2020, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou parcialmente procedentes os embargos, julgando extinta a execução quanto à quantia de € 2.820,00[1].
Inconformada com essa decisão, a exequente/embargada dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões (transcrição integral):
«1. A decisão recorrida considerou verificada a exceção de erro na forma do processo quanto aos montantes peticionados a título de penalização relativa à quebra do vínculo contratual e a título de despesas administrativas e julgou parcialmente procedentes os embargos deduzidos.
2. Foi determinado na sentença recorrida que esses montantes consubstanciam matéria de responsabilidade civil e, como tal, não se incluem no âmbito de aplicação do DL 269/98 em resultado do expressamente estabelecido pelo artigo 2º, nº 2, al. c) do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
3. Mais foi determinado na sentença recorrida que procedimento injuntivo apenas permite o pagamento de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato.
4. No entender da Apelante o procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado que tal encargo é uma obrigação pecuniária de valor determinável e resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços e respetivo incumprimento.
5. Tal raciocínio é aplicável mutatis mutandis ao montante de despesas peticionadas a título de indemnização pelos custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida.
6. Atento o acima exposto e salvo melhor conclusão, nada obsta – pelo contrário – a que o procedimento injuntivo e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias sejam uma via processual adequada para peticionar o pagamento de uma quantia resultante do incumprimento do período de fidelização estabelecido num contrato de prestação de serviços.
7. Nesta medida, não se verifica qualquer situação de erro na forma de processo.
8. Pelo que não poderiam os embargos deduzidos serem julgados parcialmente procedentes com base nesse fundamento.
9. Impondo-se assim o prosseguimento dos autos para discussão da totalidade dos valores peticionados pela Apelante.»

Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação (com subida imediata, nos próprios autos de embargos e com efeito devolutivo).
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como decorre do antecedente relatório, o título que serve de base à execução de que estes autos de embargos são apenso é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, ou seja, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do regime jurídico anexo ao Dec. Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, nele foram apostos os dizeres “Este documento tem força executiva”, assim adquirindo a natureza e a força de título executivo.
A Embargante começa por assinalar, com a propósito, que, pelo Acórdão n.º 264/2015, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 729.º do CPC, quando interpretado no “sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa.
Entretanto, a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, alterou aquele preceito do Código de Processo Civil e dessa alteração decorre que agora, fundando-se a execução em tal título, os embargos podem ter por fundamento: a alegação do uso indevido do procedimento de injunção; a alegação dos fundamentos enumerados no artigo 729.º que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; a invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição ao procedimento injuntivo e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente[2].
A questão posta à apreciação e decisão deste tribunal de recurso consiste, justamente, em saber se para obter um título executivo e assim exigir o pagamento coercivo de um valor pecuniário correspondente à indemnização por incumprimento prevista em cláusula penal inserida em contrato de adesão o procedimento injuntivo é meio processual adequado.

II – Fundamentação
1. Fundamentos de facto
Com interesse para a decisão, o tribunal enunciou como assentes os seguintes factos:
1 - Em 29 de novembro de 2018 a embargada requereu contra a embargante procedimento de injunção no qual alega ter celebrado com o mesmo um contrato de “prestação de bens e serviços de telecomunicações” obrigando-se “a prestar o serviço no plano tarifário escolhido por esta e esta a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento da cláusula convencionada para a rescisão antecipada do contrato”, não tendo a mesma pago:
- € 249,29 da factura emitida em 7 de junho de 2018 e vencida em 27 de Junho de 2018 e respeitante aos serviços prestados no período compreendido entre 1 e 31 de maio de 2018;
- € 250,56, valor da factura emitida em 6 de julho de 2018 vencida em 26 de Julho de 2013 e respeitante aos serviços prestados no período compreendido entre 1 e 30 de Junho de 2018;
- € 247,41, valor da fatura emitida em 7 de Agosto de 2018, vencida em 27 de Agosto de 2018 e respeitante aos serviços prestados no período compreendido entre 1 e 31 de Julho de 2018;
- € 2.961,77, valor da factura emitida em 7 de Setembro de 2018 vencida em 27 de Setembro de 2018 e respeitante aos serviços prestados no período compreendido entre 1 e de Agosto de 2018 e indemnização por incumprimento do contrato no valor de € 2.220,00.

2. Fundamentos de direito
No plano jurídico, a decisão recorrida está proficientemente fundamentada e dela destacamos o seguinte trecho:
«Do exposto, resulta que são duas as situações que podem fundamentar o uso deste processo especial: transações comerciais nos termos do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro (DL n.º 32/2003) e o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000 Euros.
Do alegado pelas partes resulta que o requerimento de injunção dado à execução foi intentado, na parte respeitante à quantia de € 2.220,00, não para o cumprimento de obrigação emergente de transação comercial, mas, antes, para fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente à alegada “cessação antecipada do contrato”.
Estamos, de facto, no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento que, como decorre do disposto no artigo 2º c) do DL 32/2003, não pode ser exercida através do procedimento de injunção.
Em suma, estamos perante o uso indevido do procedimento de injunção o que configura erro na forma de processo.
Decorre do artigo 193º do CPC que “o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei”. Estamos diante do princípio da conservação ou do aproveitamento dos atos viciados. O mesmo preceito legal estabelece, no entanto, um requisito inultrapassável ao dispor que “não devem aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.
Assim, não podia o exequente ter-se socorrido do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativamente à importância peticionada a título de indemnização pela cessação antecipada do contrato, já que o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.” – Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª. ed., pág. 48.
O procedimento de injunção devia ter sido recusado pela secretaria com fundamento na pretensão nele deduzida não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o artº 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98 de 01/09, na redação introduzida pelo Dec. Lei 107/2005 de 01/07 ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o artº 14º n.º 3 do citado diploma. E não obstante a questão não tenha sido suscitada no procedimento de injunção pelos requeridos, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada uma vez que, como vimos, está subjacente o erro na forma de processo o que consubstancia nulidade de todo o processo, e constituiu uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância - arts. 193º, 576°, n.º 2 e 577º, n.º 1, al. b) do C. P. C.
E o exposto vale ainda para a peticionada quantia de € 300,00 “a título de indemnização pelos custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida” pois que tal não deixa de ser um direito indemnizatório concernente à responsabilidade contratual que, como vimos, não pode ser exercido através do mecanismo simplificado da injunção.
Do exposto resulta que o exequente não dispõe de título executivo eficaz por a pretensão indemnizatória formulada, no valor global de € 2.220,00 não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção tendo que, nesta parte, serem julgados procedentes os embargos.
Termos em que se julgam parcialmente procedentes os presentes embargos, julgando extinta a execução quanto à quantia de € 2.820,00».
A recorrente retoma o essencial da argumentação que explanou na contestação dos embargos, que pode resumir-se no seguinte:
- o procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado que tal encargo é uma obrigação pecuniária de valor determinável e resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços e respetivo incumprimento;
- tal raciocínio é aplicável, mutatis mutandis, ao montante de despesas peticionadas a título de indemnização pelos custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida.
A posição adoptada na decisão recorrida está em total sintonia com orientação uniforme da jurisprudência (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.05.2015, processo n.º 154168/13.4YIPRT.L1-7, de 08.10.2015, processo n.º 154495/13.0YIPRT.L1-8, de 17.12.2015, processo n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2 e de 14.05.2020, processo n.º 0038/19.1YIPRT.L1-6; da Relação do Porto de 28.10.2015, processo n.º 126391/14.1YIPRT.P1 e de 15.01.2019, processo n.º 141613/14.0YIPRT.P1; da Relação de Évora de 16.12.2010, processo n.º 826/09.0TBSTB.E1 e da Relação de Coimbra de 25.10.2016, processo n.º 166428/15.5 YRPRT.C1).
Porque julgaram recursos interpostos em situações com manifestas afinidades com o caso sub judice (deixando perceber que a recorrente é a mesma), afigura-se pertinente destacar os seguintes arestos:
Ac. TRL de 08.10.2015, processo n.º 154495/13.0YIPRT.L1-8
«O procedimento de injunção só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, e não a título de cláusula penal, por incumprimento».

Ac. TRL de 17.12.2015, processo n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2
«I - Constitui pressuposto objectivo genérico do procedimento da injunção a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato.
II - A obrigação “directamente” pecuniária, corresponde à pecuniária em sentido estrito: aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação.
III - Por isso, no procedimento da injunção, não podem estar em causa obrigações de valor – estas não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.
IV – O legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo se ressarça dos juros referentes ao atraso no pagamento e das quantias despendidas para a respectiva cobrança. Apesar desses juros e destas despesas constituírem obrigações de indemnização, têm origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, e não levantam “a priori” problemas de quantificação: ali, porque a liquidação dos juros se faz pelo modo abstracto de cálculo a que se refere o art 806º/1 CC; aqui, porque as despesas de cobrança são praticamente padronizadas e pouco significativas.
V - A cláusula penal não comunga das características acima enunciadas. Ainda que se possa traduzir numa quantia pecuniária já fixada contratualmente – pois que em contratos como o dos autos resulta simplesmente da multiplicação do valor da mensalidade pelo período de permanência em falta - não é expressão, «mera consequência», como os acima referidos juros e as despesas de cobrança, da simples recuperação de dívidas pecuniárias.
VI - O objectivo do legislador nesta matéria não foi o da economia processual, mas o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico.
VI - Não pode deixar-se prosseguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos injunção interposta para accionamento da cláusula penal, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor para obter título executivo que bem sabia à partida que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.»
Ac. TRE de 16.12.2010, processo n.º 826/09.0TBSTB.E1
«1 – O procedimento de injunção apenas é ajustado à exigência de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação.
2 – Para exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, mesmo que contratual, não pode ser usado o procedimento de injunção.
3 – O recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, acarreta erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso que pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória».
Na doutrina[3], além da posição do Sr. Conselheiro Salvador da Costa, expressa na obra citada na decisão recorrida, trilha o mesmo caminho Paulo Duarte Teixeira (“Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», Revista “Themis”, VII, n.º 13, pág. 184) que defende só poder «ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro», acrescentando que, nas situações como a que nos ocupa, «não estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito, mas sim perante uma indemnização pré-fixada, e depois porque a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória».
Nos termos do artigo 1.º do diploma preambular ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, a injunção destina-se a exigir o cumprimento de “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Ora, além de não ser uma obrigação pecuniária stricto sensu, a indemnização prevista na cláusula penal que a recorrente acionou por via da injunção não emerge directamente do contrato, mas da sua resolução por incumprimento (nas palavras da recorrente «O consumidor não realiza o pagamento das mensalidades, motivando a desativação do serviço, o que, por sua vez, origina a emissão de fatura relativa ao incumprimento do período de fidelização, quando este, obviamente, ainda não decorreu»).
Situa-se a pretensão indemnizatória da recorrente no campo da responsabilidade civil contratual, que é, expressamente, excluída do âmbito de aplicação do regime da injunção.
O Dec. Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, que transpôs para o ordenamento jurídico interno, a Directiva n.° 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, era bem claro ao dispor:
Artigo 2.°
Âmbito de aplicação
1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 - São excluídos da sua aplicação:
(…)
(…)
c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.
Aquele diploma legal foi revogado pelo Dec. Lei n.° 62/2013, de 10 de Maio, que transpôs a Directiva n.° 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011, que aprovou medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, mas manteve-se intacta a referida exclusão (também no artigo 2.º, n.º 2, al. c) do diploma actualmente vigente).
Argumenta a recorrente que só estão excluídas do âmbito de aplicação do regime instituído pelo Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, as situações de responsabilidade civil extracontratual.
Porém, a lei não distingue e nada autoriza uma tal interpretação restritiva.
Se o propósito fosse restringir a exclusão às situações de responsabilidade civil aquiliana, havendo, já então, conflitos judicializados sobre essa questão, o legislador, certamente, teria aproveitado a oportunidade surgida com a transposição da última Directiva para o dizer expressamente.
Acresce que tem geral aceitação a ideia de que os procedimentos especiais consagrados no Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, mormente o procedimento de injunção, configuram-se como mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas[4].
O Procedimento de injunção é, como refere Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2020, pág. 215), «um mecanismo de tutela sumária, por excelência, apresentando restrições às garantias constitucionais, seja de defesa, seja de equidade no plano da verdade material – menor exigência de prova -, seja de estabilidade da decisão» e por isso não é o meio processualmente adequado para discutir situações susceptíveis de originar uma indemnização por incumprimento contratual
Resta assinalar que o uso indevido do procedimento de injunção para peticionar uma tal pretensão indemnizatória, para uns, configura erro na forma de processo (cfr. os supra-citados acórdãos), mas para outros trata-se de excepção dilatória inominada (assim, o acórdão da Relação de Coimbra de 20.05.2014, processo n.º30092/13.6YIPRT.C1).
Seja como for, é comum o entendimento de que o erro não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento e impõe a absolvição da instância.
Neste caso, a conclusão que se impõe é que a exequente não dispõe de título executivo válido, pelo que tinham que ser, como foram, julgados procedentes os embargos deduzidos.

III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por “C…, S.A.” e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 07.06.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
______________
[1] Tendo já em consideração a rectificação efectuada pelo despacho de 24.09.2020.
[2] Cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 288.
[3] Com interesse, ver ainda Tiago Emanuel Garcia Pires, A Flexibilização Processual no Âmbito do Procedimento de Injunção e da AECOP, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Civilísticas, que escreve:
De acordo com a leitura literal do n.º 1 do Dec.-Lei n.º 269/98, só pode ser objeto de procedimentos simplificados o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, o que implica que não possam ser peticionadas naquelas formas processuais obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivadas de responsabilidade civil. Este conceito de obrigação pecuniária deve ser entendido numa visão estrita, contrapondo-se com o conceito de obrigações de valor. Enquanto que obrigação pecuniária (em sentido estrito) é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação, por outro lado, as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza (como é o caso das obrigações com a indemnização a título de responsabilidade extracontratual), intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação , assim, quando o dinheiro funcionar como substituto do 60 valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção .
Ainda sobre o tema, e especificamente sobre a cláusula penal, a Câmara dos Solicitadores produziu um texto em que se pode ler:
«Cláusulas penais: a cláusula penal é a convenção através da qual as partes fixam previamente o montante indemnizatório a pagar pelo faltoso no caso de eventual inexecução do contrato (cf. artigo 810.º, n.º 1 do C.C.) Através dela a parte assume pessoalmente determinada responsabilidade, mesmo nos casos em que a lei não lhe impõe esta obrigação, inserindo-se assim, no plano da liberdade contratual, não dependendo a sua validade e eficácia de comprovação da existência de danos. A cláusula penal constitui uma estipulação negocial segundo a qual o devedor é obrigado a pagar ao credor uma quantia pecuniária, se não cumprir a obrigação, ou não cumprir nos termos devidos, a título de indemnização sancionatória. Assim, quanto à questão de saber se o presente procedimento é ou não suscetível de aplicação a estas cláusulas penais, a doutrina e jurisprudência divergem. Para alguns (Salvador da Costa) importa distinguir consoante ela foi convencionada a título indemnizatório, para o caso de incumprimento do contrato, ou com escopo meramente compulsório. No 1.º caso ela é inadmissível e no 2.º admissível. Os procedimentos especiais do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro - A Injunção. Para outros esta não é a via processual adequada para acionar cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato. Entende-se que este meio destina-se a conceder ao credor uma via especialmente simples para a cobrança de dívidas pecuniárias que estejam diretamente previstas no contrato e não quaisquer obrigações pecuniárias adicionais. A única condição relevante para aplicação do diploma é o não pagamento da obrigação pecuniária na data prevista. Se o devedor não paga, o credor pode exigir coercivamente que o faça. Mas se quiser usar de qualquer outra faculdade contratual, designadamente admonitória, terá que lançar mão de outra via processual.»
[4] Citado acórdão da Relação do Porto de 28.05.2015.