Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
756/13.0TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
ACORDO DAS PARTES
Nº do Documento: RP20141020756/13.0TTVNG.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes – nº 2 do preceito. Proíbe-se, deste modo, esta fundamentação passiva, por simples adesão: as razões hão-de ser expostas num discurso próprio, assente numa análise e ponderação também próprias.
II – Assim, decidida a causa através de sentença, sem se ter assentado expressamente os factos provados e não provados e respectiva fundamentação, tal decisão é de anular, atento o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil.
III – Mesmo que as partes tenham por requerimento acordado na matéria de facto, tal não dispensa o Tribunal de prolatar despacho onde enumere quais os factos que considere provados e não provados e a respetiva fundamentação, devendo, se necessário, caso os restantes factos não abrangidos pelo acordo das partes sejam relevantes para a decisão da causa, proceder ao respetivo julgamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
PROCESSO Nº 756/13.0TTVNG.P1
RG 420


RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…, S.A.
RECORRIDO: C…
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
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1.
C… intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra “B…, S.A.”, pedindo que esta seja pedindo a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência, a R. condenada a pagar ao A. as diferenças salariais apuradas, como média de uma retribuição variável auferida no período de 1986 a 2012, no valor de € 8.865,00, acrescidas dos respectivos juros vencidos, calculados à taxa legal, de 1986 até 2012, perfazendo o montante de € 8.384,38 e vincendos até efectivo e integral pagamento do valor das diferenças salariais apurada.
Alegou o Autor, para tanto e em resumo, que foi admitido pela R. em 1985, para exercer as funções de carteiro, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, sendo que em 1991 passou a ser efectivo.
A sua retribuição mensal sempre foi composta por diversas prestações que lhe foram pagas nos diversos anos, regular e periodicamente, designadamente o trabalho nocturno, trabalho suplementar, abono de viagem, compensação especial, entre outros, que deveriam ter sido incluídas nas quantias pagas a título de férias e subsídio de férias e de Natal, que apenas foram pagos tendo por referência a retribuição base e diuturnidades.
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2.
Realizada a Audiência de Partes e frustrada a conciliação, a Ré apresentou contestação, quer por excepção, quer por impugnação. Invoca a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, por já ter decorrido o prazo da al. d) do artº 310º do C. Civil.
Alega ainda que dúvidas não podem restar nada ser devido pela Ré ao Autor, a título das diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre 1986 e 1992 uma vez que os mesmos se encontram prescritos, bem como os juros reclamados relativos a este período.

Alega quanto ao demais que o Autor não alega o carácter remuneratório das prestações indicadas e que estas prestações não fazem parte do conceito legal de retribuição, pelo que não é devido o seu pagamento na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente e, em consequência, ser absolvida do pedido.
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3.
Respondeu o Autor pugnando pela improcedência da excepção aduzida.
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4.
Foi elaborado saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções invocadas, tendo-se dispensado a fixação da matéria assente e da base instrutória.
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5.
Designada data para o julgamento, as partes, por requerimento, acordaram em dar como assente a matéria de facto.
Perante tal requerimento foi dado sem efeito o julgamento agendado, tendo o Mº Juiz a quo proferido «decisão final sobre as questões de direito», cuja parte decisória assim reza:
Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente por provada, condenando-se a Ré B…, S.A., a pagar ao Autor C…, a título de férias, subsídios de férias e de natal, as seguintes quantias:
- 57,52 euros em relação a 1986;
- 69,73 euros em relação a 1987;
- 66,94 euros em relação a 1988;
- 85,58 euros em relação a 1989;
- 146,19 euros em relação a 1990;
- 57,97 euros em relação a 1991;
- 85,86 euros em relação a 1992;
- 159,58 euros em relação a 1993;
- 132,08 euros em relação a 1994;
- 123,42 euros em relação a 1995;
- 201,93 euros em relação a 1996;
- 270,47 euros em relação a 1997;
- 269,59 euros em relação a 1998;
- 386,53 euros em relação a 1999;
- 821,06 euros em relação a 2000;
- 885,73 euros em relação a 2001;
- 1 578,15 euros em relação a 2002;
- 474,25 euros em relação a 2003;
- 655,76 euros em relação a 2004;
- 606,72 euros em relação a 2005;
- 606,24 euros em relação a 2006;
- 326,89 euros em relação a 2007;
- 513,98 euros em relação a 2008;
- 63,94 euros em relação a 2009;
- 126,60 euros em relação a 2010;
- 92,58 euros em relação a 2011; e
- 143,33 euros em relação a 2012;
- quantias essa acrescidas dos juros de mora que, às taxas legais, se tenham vencido desde o termo dos respectivos anos e venham a vencer até afectivo e integral pagamento.
Custas pela R..
Registe e notifique.”
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6.
Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, peticionando que deverá ser concedido provimento ao recurso e ser revogada a sentença recorrida de acordo com o teor das alegações que apresenta, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Vem a recorrente apresentar a presente Apelação por discordar, parcialmente, do teor da douta Sentença final;
b) Na mesma, aprecia-se a inclusão do valor médio mensal de uma série de subsídios – que foram sendo auferidos pelo A. e recorrente- na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal;
c) Não concorda, a recorrente, com a inclusão dos subsídios designados por Compensação Especial e Abono de Viagem;
d) Também não concorda a recorrente com a sua condenação no pagamento de tais médias junto com o subsídio de Natal após 2003;
e) Na perspectiva da recorrente e atenta a matéria de facto provada, a prova de que os mencionados subsídios (cfr. supra alínea c) não assumem natureza retributiva foi efectuada.
f) Tendo, em sede de matéria de facto provada, ficado estipulado que a Compensação Especial foi paga “...nos termos das ordens de serviço juntas, sob Doc. 1, com a contestação.” (cfr. ponto 9 do acordo);
g) Resultando de tais ordens de serviço que tal subsídio é atribuído “...aos trabalhadores que pela sua antiguidade, o seu comportamento e a sua assiduidade demonstrem dedicação à empresa...”;
h) Sendo a compensação especial um valor atribuído à assinatura de telefone da residência do recorrido e nada tendo a ver com o desempenho efectivo das funções laborais do mesmo, não havendo correspectividade entre a prestação recebida e o trabalho prestado;
i) Assim, ao considerar, o Mmº Juíz a quo, este tipo de subsídio como tendo natureza retributiva, violou o disposto nos artigos 87º da LCT e artigo 260º do C.T.,
j) Devendo, a douta Sentença, ser, nessa parte revogada, excluindo-se a consideração da compensação especial em sede de condenação;
k) O que se requer, para todos os efeitos legais.
l) Por outro lado, no que ao Abono de Viagem concerne (e a partir de 2002), ficou estipulado em sede de matéria de facto que este subsídio foi pago “... de acordo com o estatuído na cláusula 147º, do AE 2006 que...”;
m) Tendo, ainda, sido junto aos autos um documento (Documento 2) onde se regulamenta o tipo de subsídio em causa, explicitando-se modo de atribuição e forma de pagamento;
n) Documento que não terá sido levado em conta pelo Mmº Juíz a quo;
o) É a própria lei que exclui do conceito de retribuição o Abono de Viagem, desde logo tendo em conta o disposto no artigo 87.º da LCT;
p) Também o actual art. 260.º (em especial, nº 1) do Código do Trabalho o exclui;
q) Ora, resulta claramente do AE/C… 2010 (cl. 80.º, que mantém o estatuído nos anteriores, vide Cláusula 147.º e 155.º) que tais prestações têm como fim específico compensar o trabalhador por encargos acrescidos com as despesas em deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa, bem como pelo gasto ou encargo decorrente da utilização, ao serviço do empregador, de meio de transporte próprio...;
r) Logo, as prestações “Abono de Viagem” não constituem um ganho acrescido, resultante da prestação laboral do recorrido;
s) Não bastando que se verifique a regularidade das prestações para que as mesmas sejam consideradas retribuição;
t) Acresce que, salvo melhor entendimento, cabe ao Autor – e não à R. (com afirma o Mmº Juiz a quo)- a prova de que tais ajudas constituem uma forma disfarçada de retribuição, por o seu montante exceder o valor das despesas feitas em serviço (cfr. douto Acórdão da Relação do Porto, de 26/06/2000, in BMJ 498, p. 275);
u) Portanto, ao considerar, o Mmº Juíz a quo, este tipo de subsídio como tendo natureza retributiva, violou o disposto nos artigos 87º da LCT e artigo 260º do C.T.,
v) Devendo, a douta Sentença, ser, nessa parte revogada, excluindo-se a consideração do Abono de Viagem em sede de condenação;
w) O que se requer, para todos os efeitos legais.
x) Por último e em relação ao, supra, ponto 4, dispõe a douta Sentença que “... relativamente aos subsídios de Natal, neles também se deve ainda repercutir a média das retribuições complementares alegadas pelo A.”;
y) Não pode a recorrente concordar com esta conclusão do Mmº Juiz a quo;
z) Nos termos do disposto nos artigos 250º e 254º do Código do Trabalho (2003) ficou estipulado que, para o cálculo do subsídio de natal, apenas deverão ser tidas em conta o vencimento base e diuturnidades;
aa) Entendimento que é mantido no actual Código de Trabalho (Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro), nos artigos 262º e 263º.
bb) Assim, pelo menos a partir do ano de 2003 o Recorrido apenas teria direito ao pagamento de um subsídio de Natal de valor igual ao vencimento base e diuturnidades e nunca em momento algum poderiam ser incluídos quaisquer outros valores;
cc) Contudo, e com o devido respeito, ao proferir a sentença de que ora se recorre o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 250º e 254º do anterior Código de Trabalho, razão pela qual deverá aquela ser alterada por este venerando Tribunal da Relação, com legais consequências;
dd) Pelo exposto se requer seja a douta Sentença revogada ou alterada de acordo com o exposto, com legais consequências.
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7.
O Autor apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo:
1º. Pensa o Recorrido que deve proceder a decisão no que concerne ao Subsidio de Condução até Setembro de 2002 e Abono de Viagem após Setembro de 2002, como verba retributiva.
2º. Isto porque o chamado subsídio de condução regulado pela cláusula 146 do AE não se destina a compensar despesas inerentes ao trabalho.
3º. Antes é uma compensação pela forma especifica da prestação de trabalho,
4º.aceite o pagamento desse valor, mais, aceite a razão desse pagamento, se houvesse que proceder à prova do mesmo se destinar apenas à compensação de despesas, tal seria o ónus da Recorrida.
5º. Ao não condenar a Recorrida a pagar a média dos valores pagos ao Recorrente como subsidio de condução, há uma má aplicação da Lei por parte da Recorrida e consequentemente erro na decisão que perfilha essa ideia,
6º. No caso em apreço, ficou provado de que de 1986 a 2012, o A. auferiu, em diversos meses, quantias variáveis a título de trabalho suplementar, por trabalho nocturno, compensação especial de distribuição, subsídio de Condução e abono de viagem.
7º. Todas estas retribuições, abonos ou subsídios encontram-se previstos no AE.
8º. Defende-se de forma pacífica é que na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal devem incluir todas as prestações regulares e periódicas pagas ao trabalhador como se ele estivesse em serviço efectivo, ou seja como se ele estivesse a desempenhar o seu trabalho no concreto condicionalismo em que o costuma desempenhar (nomeadamente o condicionalismo de tempo e risco sem esquecer a antiguidade).
9º. O abono de viagem destina-se, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efectuar para executar o contrato, para “ir trabalhar”, constituindo um ganho acrescido para o mesmo, uma mais-valia resultante da sua prestação laboral, razão pela qual se justifica a sua inclusão na retribuição de férias e nos respectivos subsídios.
10º. Há que recorrer às disposições convencionais colectivas que criam certas prestações para analisar o respectivo regime e se ver se as mesmas integram ou não a base de cálculo de certas prestações o conceito de retribuição, tanto na vigência da LCT, como nos C.T de 2003 e 2009.
11º. Ao analisarmos a clª 147º do AE verificamos que a mesma refere o seguinte:
-“Quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, a empresa pagar-lhes-á, por quilómetro, os subsídios seguintes:
a) 25% do preço médio do litro de gasolina, quando se trata de automóvel;
b) 12% quando se tratar de motociclo;
c) 10% quando se tratar de velocípede com motor ou ciclomotores;
d) 6% quando se desloquem a pé ou em velocípede a pedal.
12º. Atendendo ao corpo da cláusula 147ª só podemos concluir no sentido da douta sentença em análise, na verdade resulta com mediana clareza que os conceitos de “subsídio”, de média de preço e por último a “obrigatoriedade de pagar” quando o trabalhador se “desloque a pé”, não podem de forma alguma estar relacionadas com as concretas “ despesas por si efectuadas.
13º. Ao estabelecer um preço médio de gasolina a entidade patronal não pode sequer exigir saber quanto pagou por esta, mas quantos quilómetros fez.
14º. Também se não vê de que forma os 6% quando se desloque a pé estarão directamente relacionados com o gasto de “meias solas”.
15º. A Clª 147º visa compensar o trabalho prestado pelo trabalhador num especial condicionalismo de tempo, lugar e modo de execução.
16º. Se atendermos a Douta Sentença, o seguimento da fundamentação usada para peticionar as prestações de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação especial de distribuição, compensação por horário incómodo, etc. cabe na perfeição ao abono de viagem.
17º. Deverão as mesmas ser consideradas como retribuição por, independentemente de também poderem corresponderem a uma compensação pela maior penosidade que envolve a prestação do trabalho naquelas circunstancias, (pense-se na responsabilidade civil inerente a um possível acidente de viação), surgirem como contrapartida da especifica actividade que envolve a prestação de trabalho, isto é, por retribuírem de modo especifico de prestação do trabalho por parte do trabalhador.
18º. Relativamente aos subsídios de Natal a partir do ano de 2004, deve ainda repercutir a média das retribuições complementares alegadas pelo Recorrido, como muito bem determina a Douta Sentença.
19º. Quanto à Compensação Especial, deve a mesma ser incidir quer em ambos os subsídios (Férias e Natal), quer na retribuição de Férias, dado ser uma prestação de caráter regular e periódica, que decorre da contrapartida da execução do trabalho.
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8.
A Exª. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da improcedência da apelação.
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9.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
A) QUESTÃO PRÉVIA: SABER QUAL A CONSEQUÊNCIA DA FALTA DE INDICAÇÃO EXPRESSA DOS FACTOS PROVADOS
B) SABER SE AS QUANTIAS PAGAS PELA RÉ AO AUTOR A TÍTULO TRABALHO SUPLEMENTAR, TRABALHO NOCTURNO, COMPENSAÇÃO ESPECIAL DE DISTRIBUIÇÃO, COMPENSAÇÃO POR HORÁRIO INCÓMODO E ABONO DE VIAGEM ASSUMEM A NATUREZA RETRIBUTIVA E COMO TAL NÃO DEVEM AS MÉDIAS DESSAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS SER REFLECTIDAS
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III.
QUESTÃO PRÉVIA: SABER QUAL A CONSEQUÊNCIA DA FALTA DE INDICAÇÃO EXPRESSA DOS FACTOS PROVADOS

Conforme resulta da decisão recorrida o Tribunal a quo não enumera quais os factos provados (nem não provados), limitando-se no início a dizer o seguinte:
“Tendo as partes chegado a acordo quanto à matéria de facto – vd. fls. 116 a 129, cujo teor aqui se dá por reproduzido - e prescindido da produção de prova e alegações, dá-se sem efeito o julgamento agendado e passa-se a proferir decisão final sobre as questões de direito.”
Seguidamente começa de imediato a conhecer de direito.
Vejamos:
Sendo o presente processo um processo declarativo comum, o mesmo segue a tramitação estabelecida nos artigos 54º e seguintes do Código de Processo do Trabalho (artigo 49º, nº 1 do CPT), sendo que nos casos omissos se aplica subsidiariamente as disposições do Código de Processo Civil sobre o processo sumário (actualmente processo comum) – artigo 49º, nº 2 do CPT.
Para o que aqui interessa, dispõe o nº 5 do artigo 68º do CPT que a matéria de facto é decidida imediatamente por despacho (…).
Por sua vez, o artigo 73º do mesmo normativo textua:
“1 - A sentença é proferida no prazo de 20 dias.
2 - Se a simplicidade das questões de direito o justificar, a sentença pode ser imediatamente lavrada por escrito ou ditada para a acta.
3 - No caso do número anterior, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado.”

No caso, como se vê pela matéria em discussão as questões de direito são tudo menos simples.
De acordo com o que dispõe o nº 2 do artigo 607º do Código de Processo Civil a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar. Após, enuncia o nº 3 do aludido normativo, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Acontece que no caso, o Mº Juiz a quo nada disto fez. Na verdade, não prolatou despacho a dar como provados e como não provados os factos alegados, elaborou sentença sem fazer qualquer relatório onde identificasse as partes e o objecto, não elencou os factos provados, passando de imediato a conhecer de direito.
O facto de as partes terem por requerimento acordado na matéria de facto, não dispensa o Tribunal de prolatar despacho onde enuncie e concretize quais os factos provados e não provados e a respectiva fundamentação. Por outro lado, no confronto do requerimento das partes em que acordam na matéria de facto com os articulados, nomeadamente, a contestação da Ré, vemos que existem factos alegados por esta de grande importância para a resolução do conflito (como se extrai do seu recurso), que não mereceram qualquer resposta por parte do tribunal: nem provado, nem não provado.
Assim, mesmo que as partes tenham por requerimento acordado na matéria de facto, tal não dispensa o Tribunal de prolatar despacho onde enumere quais os factos que considere provados e não provados e a respetiva fundamentação, devendo, se necessário, caso os restantes factos não abrangidos pelo acordo das partes sejam relevantes para a decisão da causa, proceder ao respetivo julgamento.
Ora, como resulta dos normativos acima enunciados a decisão declarará quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
A fundamentação da decisão de facto assenta no princípio constitucional consagrado no nº 1 do artigo 250° da Constituição a República Portuguesa, segundo a qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e auto controle das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controle da correcção material e formal das decisões pelos destinatários.
Para cumprir a exigência constitucional a fundamentação há-de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros. CRP Anotada, T. III, pág. 70 e segs.
A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória convencendo e não apenas impondo.
Em certo sentido, uma decisão vale o que valem os seus fundamentos, a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão, mas, como diria Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. 2°,172), mal vai a força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é justa.
O legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral no artigo 154º CPC, onde prescreve:
“1 — As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 — A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Por outro lado, a fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes – nº 2 do preceito. Proíbe-se, deste modo, esta fundamentação passiva, por simples adesão: as razões hão-de ser expostas num discurso próprio, assente numa análise e ponderação também próprias.
E a lei ao exigir o exame crítico das provas exige que o julgador, para além da indicação das provas indique o raciocínio lógico que o levou a convencer-se de um depoimento (em função de factores vários como razão de ciência ou da credibilidade que deu ao depoimento e não a outro).
Desta forma pretende-se garantir que o critério fundado na livre apreciação da prova não seja ultrapassado por uma apreciação arbitrária.
Dispõe o artigo 712.º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil que “[a] Relação deve ainda, mesmo oficiosamente [a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Conforme se refere no Acórdão desta Secção de 04/07/2011[1] «desta disposição[2] decorre que se a decisão da matéria de facto contiver os vícios apontados, a decisão pode ser anulada pela Relação, mesmo oficiosamente.
Tem-se entendido que tal estatuição deverá ser aplicada àquelas situações em que se assentou os factos na sentença, mas se omitiu o despacho de resposta aos quesitos e respectiva fundamentação ou o despacho a assentar a matéria de facto provada e não provada e respectiva fundamentação. Igualmente se tem entendido que se a decisão da matéria de facto omitir a relação dos factos não provados, é de aplicar a mesma disciplina. Por último, também se tem entendido que a norma é de aplicar nos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, quer quanto à respectiva fundamentação, como sucede in casu. Ora, relativamente a esta última situação, que é a nossa, a aplicação da norma impõe-se, se não por maioria, pelo menos por identidade de razão. Na verdade, se uma decisão da matéria de facto, deficiente, obscura ou contraditória, impede a Relação de sindicar, quer a decisão de facto, quer a decisão de direito, a omissão da decisão de facto impede, em absoluto e em toda a extensão, a referida sindicância. Daí que, a nosso ver, a disciplina constante da norma em apreço é igualmente aplicável aos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida[3].»
Do exposto decorre que, in casu, quer por deficiência (ausência total da enunciação dos factos provados), quer por insuficiência (não enunciação dos factos provados, nem não provados alegados pelas partes e relevantes para o conhecimento da causa), ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil, anula-se a sentença, para que se amplie a matéria de facto, nos termos acima expostos.
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3.
As custas serão a cargo da parte vencida a final (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil).
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IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
A – Anular, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c) do CPC, a sentença recorrida, por falta de enunciação dos factos provados, bem como com vista à ampliação da matéria de facto em conformidade com o acima referido.
B – Custas a final pela parte vencida.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil)

Porto, 20 de Outubro de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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[1] Processo nº 378/10.8TTVNG.P1, www.dgsi.pt.
[2] Referia-se ao artigo 712º, nº 4 do anterior Código de Processo Civil, muito semelhante à norma agora prevista
[3] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-02-24, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 484, págs. 304 a 307, n.º 360, págs. 526 a 532, da Relação do Porto de 2008-10-20, Processo 0855096, in www.dgsi.pt e da Relação de Lisboa de 1999-07-01, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV-1999, Tomo IV, págs. 90 e 91.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I – A fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes – nº 2 do preceito. Proíbe-se, deste modo, esta fundamentação passiva, por simples adesão: as razões hão-de ser expostas num discurso próprio, assente numa análise e ponderação também próprias.
II – Assim, decidida a causa através de sentença, sem se ter assentado expressamente os factos provados e não provados e respectiva fundamentação, tal decisão é de anular, atento o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil.
III – Mesmo que as partes tenham por requerimento acordado na matéria de facto, tal não dispensa o Tribunal de prolatar despacho onde enumere quais os factos que considere provados e não provados e a respetiva fundamentação, devendo, se necessário, caso os restantes factos não abrangidos pelo acordo das partes sejam relevantes para a decisão da causa, proceder ao respetivo julgamento.

António José Ramos