Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
268/21.9T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CITAÇÃO
PESSOAS COLECTIVAS
DEVOLUÇÃO DO EXPEDIENTE
Nº do Documento: RP20220622268/21.9T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - À citação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades, é aplicável o disposto no art. 246º do CPC/2013. A citação deve, pois, fazer-se por correio registado com A/R (arts. 246º, nº 2 e 228º do CPC) a remeter para sede da pessoal colectiva, considerando-se a Ré citada se a assinatura do A/R [ou com o procedimento previsto no art. 2º da Lei 10/2020, de 18.04, este relativo a um regime excepcional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal no âmbito da pandemia da doença COVID-19] ou o recebimento da carta forem recusados pelo legal representante ou por funcionário da citanda, do que o distribuir postal deve lavrar a nota desse incidente antes de devolver a citação (art. 246º, nº 3).
II - Nos restantes casos de devolução do expediente, a citação deve, nos termos do art. 246º, nº 4, ser repetida, enviando-se nova carta registada com A/R à citanda observando-se o disposto no art. 227º (envio de todos os elementos necessário à defesa) e o mais previsto no art. 229º, nº 5, e contendo a advertência do art. 230º, nº 2, todos do CPC.
III - Tendo a 1ª tentativa de citação da Ré sido remetida por carta registada com A/R para outra morada que não a da sede da sociedade Ré, não pode aquela valer como 1ª tentativa válida de citação, designadamente para efeitos de permitir o recurso à 2ª tentativa de citação a que se reporta o nº 4 do art. 246º do CPC.
IV - No caso, tendo sido efectuada uma 1ª tentativa de citação da Ré dirigida para outra morada que não a da sua sede, a qual veio devolvida, e efectuada uma 2ª tentativa de citação nos termos do art. 246º, nº 4, agora expedida para sede da Ré mas que foi também devolvida, é nula a citação da Ré.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 268/21.9T8AVR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1278)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, intentou contra “F... Unipessoal, Ld.ª”, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Guarda, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo:
- Que seja declarada a nulidade do termo inscrito no contrato de trabalho entre ambas celebrado e, como consequência, que seja considerado como contrato de trabalho sem termo.
- Que seja declarado que a relação de trabalho cessou em 19 de Maio de 2020, em consequência de despedimento ilícito operado pela R..
- A condenação da R. a pagar-lhe:
a) € 2.263,77 de indemnização pelo despedimento ilícito, nos termos do disposto no art. 396º n.º 1 do Cód. do Trabalho;
b) € 4.868,87 a título de acertos salariais, salários em atraso, férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais de férias e subsídio de férias e de Natal correspondentes ao ano do despedimento;
c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias peticionadas, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento.
- A condenação da R. a entregar-lhe o certificado de trabalho, a emitir conforme o preceituado no art. 341º n.º 1, al. a) do Cód. do Trabalho e, não o fazendo, a pagar-lhe a título de sanção pecuniária compulsória, a importância diária de € 10,00 por cada dia em atraso, a partir da citação.
De dizer que, na p.i. a A. referiu que a Ré tem a sua sede “ na Rua ..., ... – ... Guarda, no entanto, a correspondência deverá ser remetida para: ..., A... - LOJA ..., por inexistência de escritório na morada indicada como sendo a da sede.”

Foi proferido despacho a ordenar a citação da Ré, com referência a que a audiência de partes seria oportunamente agendada, tendo sido, aos 01.03.2021, expedida, por correio registado com A/R, carta para citação da Ré dirigida à morada “..., A... – ..., ... AVEIRO”, com o seguinte teor:
“Fica citado(a) para, os termos da acção, com a indicação que a audiência de partes será oportunamente agendada.
Mais fica citado, se deve fazer representar por mandatário judicial com poderes de representação e os especiais para confessar, desistir ou transigir, ficando sujeito às sanções previstas no CPC para a litigância de má fé (Artº 54º, nº 5 do CPT e 542.º CPC, se faltar injustificadamente à audiência).
***
De acordo com o art. 6º-B n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, em virtude da pandemia provocada pelo “Covid 19”, todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais em processos judiciais não urgentes estão suspensos.
Porém, nos termos do n.º 5, al. c) do mesmo artigo, essa suspensão não obsta «À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente.
Pelo que se determina a notificação para em 10 dias informar se aceita:
- O prosseguimento dos autos, com a prática dos actos processuais através da tramitação electrónica na plataforma informática “citius”, devendo em caso afirmativo declarar expressamente que têm condições para assegurar a prática dos actos processuais por essa via;
- A realização de diligências, nomeadamente audiência de partes e audiência final, através de «meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente», devendo em caso afirmativo declarar expressamente que têm condições para assegurar a realização das diligências dessa forma.
Junto se remetem os duplicados legais.”.
Tal correspondência foi devolvida ao Tribunal com a indicação de “Endereço insuficiente” e “Desconhecido”.

Foi, pelo Tribunal, junta certidão do registo comercial da Ré, da qual consta, como tendo a mesma a sua sede em: “Sede: Rua ..., ... Distrito: Guarda Concelho: Guarda Freguesia: Guarda ... Guarda”, na sequência do que foi, aos 08.03.2021, expedida carta registada com A/R, para citação da ré, dirigida paraRua ..., ... ... Guarda,” da qual consta o seguinte:
“Assunto: Citação Pessoas Coletivas - art.º 246.º do CPC
Fica citado(a) para, os termos da acção, com indicação que a audiência de partes será oportunamente agendada.
Mais fica citado, se deve fazer representar por mandatário judicial com poderes de representação e os especiais para confessar, desistir ou transigir, ficando sujeito às sanções previstas no CPC para a litigância de má fé (Artº 54º, nº 5 do CPT e 542.º CPC, se faltar injustificadamente à audiência).
***
De acordo com o art. 6º-B n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, em virtude da pandemia provocada pelo “Covid 19”, todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais em processos judiciais não urgentes estão suspensos.
Porém, nos termos do n.º 5, al. c) do mesmo artigo, essa suspensão não obsta «À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente».
Pelo que se determina a notificação para em 10 dias informar se aceita:
- O prosseguimento dos autos, com a prática dos actos processuais através da tramitação electrónica na plataforma informática “citius”, devendo em caso afirmativo declarar expressamente que têm condições para assegurar a prática dos actos processuais por essa via;
- A realização de diligências, nomeadamente audiência de partes e audiência final, através de «meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente», devendo em caso afirmativo declarar expressamente que têm condições para assegurar a realização das diligências dessa forma.
A citação considera-se efetuada:
1. No dia de assinatura do aviso de receção;
2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito;
Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no nº 5 do Art.º 228.º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.(…)”,
Tal carta veio devolvida pelos CTT constando da frente do respectivo envelope, “Recusado” e de “Terceiro”, as respectivas quadrículas, encontrando-se assinalada com um “X” a quadrícula correspondente a “Terceiro” e, no verso da mesma, “depois de devidamente entregue regressou ao correio”, carta essa depositada nos CTT aos 11.03.2021 e devolvida ao Tribunal a 01.04.2021, assim como foi devolvido o respectivo A/R não assinado.

Foi designada data para realização de audiência de partes, “a realizar através de meios de comunicação à distância (via “webex”), nos termos previstos no art. 6º-E n.º 4, al. a) da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03”, para o que foi, aos 15.04.2021, expedida carta registada para notificação da Ré, dirigida para a morada sita na “Rua ..., ... ... Guarda”, a qual veio devolvida com a indicação de “mudou-se”.
A Ré não compareceu à audiência de partes, constando da respectiva acta o seguinte:
DESPACHO
Faltando quem represente a ré, vai esta condenada em multa no valor de 1 UC, caso não justifique a falta no prazo de 5 dias - artºs 54º nºs 3 e 5 do Código de Processo do Trabalho, 542º nº 1 do Código de Processo Civil e 27º nº 1 do Reg. das Custas Processuais.
*
Proceda-se à notificação da ré para contestar, querendo, no prazo e com a cominação previstos, respectivamente, nos artºs 56º, al a) e 57º, nº1, ambos do C.P.T.-.”.

Na sequência do referido despacho foi, aos 14.05.2021, expedida carta registada para notificação da Ré para contestar dirigida à morada “Rua ..., ... ... Guarda”, a qual veio devolvida com a indicação de “Nova morada”, carta essa da qual consta o seguinte:
“Assunto: Notificação para contestar
Fica notificado para no prazo 10 dias, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo(a) Autor(a). sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
Deve, com a contestação, juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
Ao prazo acima indicado acresce uma dilação de 5 dias, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Mais fica notificada da condenação em multa no valor de 1 UC (falta a audiência de partes dia 11/05/2021), caso não justifique a falta no prazo de 5 dias - artºs 54º nºs 3 e 5 do Código de Processo do Trabalho, 542º nº 1 do Código de Processo Civil e 27º nº 1 do Reg. das Custas Processuais
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.”

Foi, seguidamente, aos 23.06.2021, proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Em face de todo o exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
I. Declarar nulo o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes e, consequentemente, considerar o referido contrato como contrato de trabalho sem termo, desde o seu início.
II. Declarar que o dito contrato de trabalho cessou em 23 de Maio de 2020, em consequência de despedimento ilícito operado pela R..
III. Condenar a R. a pagar à A.:
a) € 2.043,18 (dois mil, quarenta e três euros e dezoito cêntimos) de indemnização pela ilicitude do despedimento.
b) € 3.970,05 (três mil, novecentos e setenta euros e cinco cêntimos), a título de créditos laborais, conforme discriminado supra.
c) Juros de mora à taxa legal sobre as referidas quantias, desde a citação da R., até integral pagamento.
IV. Condenar a R. a entregar à A. o certificado de trabalho a que alude o art. 341º n.º 1, al. a), no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação da presente sentença.
V. Condenar a R. em sanção pecuniária compulsória no valor de € 10,00 (dez euros), por cada dia de atraso que se verificar na entrega à A. do certificado de trabalho.
VI. No mais, absolver a R. do pedido.
*
Custas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A. - art. 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
*
(…)
*
Valor: 7.132,64.”

Remetida, aos 24.06.2021, carta registada para notificação à Ré da sentença, expedida para a morada “Rua ..., ... ... Guarda”, veio tal correspondência devolvida com a indicação de “Desconhecido”.

Aos 10.09.2021, veio o Exmº Sr. Dr. BB, requerer o seguinte:
BB, advogado, titular da cédula profissional ..., com domicilio profissional na Rua ..., ... Porto, vem requerer a consulta eletrónica dos presentes Autos, com a finalidade de apurar o seu estado, devendo ser facultado o acesso a processo principal e eventuais apensos, por período de 10 (dez) dias, nos termos do artigo 27.º da Portaria 280/2013, de 26/08.”, o qual foi, via citius, com data de elaboração de 14.09.2021, notificado de que:
“Assunto: Consulta eletrónica de processo
(artº 27º, nº 4 da Portaria 280/2013, de 26 de agosto)
Fica V. Exª notificado de que lhe foi concedido acesso aos autos supra identificados, pelo período de 10 dias, a contar da presente notificação, para consulta na área reservada do Mandatário no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.”.

Aos 24.09.2021 foi pela Ré interposto recurso da sentença, invocando, em síntese, a nulidade da citação, ao qual a A. contra-alegou e tendo, aos 21.10.2021, sido proferido despacho de não admissão do recurso, dele constando o seguinte:
“A carta registada para notificação à R. da sentença proferida foi expedida em 24/06/2021, pelo que a R. se presume notificada em 28/06/2021, nos termos do art. 249º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil, aplicável por via da remissão contida no art. 23º do Cód. de Processo do Trabalho.
O prazo de recurso é de 30 dias, de acordo com o art. 80º n.º 1 do Cód. de Processo do Trabalho (visto que não está em causa a reapreciação de prova gravada), pelo que terminou em 13/09/2021.
O recurso apresentado pela R. deu entrada em juízo em 24/09/2021, o que significa que é extemporâneo, mesmo considerando o prazo suplementar de 3 dias a que alude o art. 139º n.º 5 do Cód. de Processo Civil, que terminaria em 16/09/2021.
Razão pela qual se não admite o recurso, ao abrigo das disposições legais citadas e do disposto no art. 82º n.º 1 do Cód. de Processo de Trabalho.
Notifique.”.

Notificada, veio a Ré, aos 29.10.2021, requerer “ a Conversão da Peça Processual “Recurso” em “Reclamação”, na medida em que, ainda que o Recurso não tenha sido admitido, este Insigne Tribunal não deixe de apreciar a questão indubitável da existência da Nulidade de Citação”, reiterando, pelas razões que invoca, a existência de “nulidade da citação” e concluindo nos seguintes termos:
“Nestes termos e nos melhores de direito, como V/Exa. mui doutamente suprirá, requer-se que:
1- A citação efetuada seja considerada nula e sem qualquer efeito, pelo que deverão ser anulados todos os atos subsequentemente praticados;
2- Em consequência, deve agora a R. ser citada para contestar;”.
A A. respondeu concluindo:
“Nestes Termos e nos demais de direito que Vossa Excelência não deixará de suprir, requer-se a manutenção do proferido no douto despacho proferido em 21-10-2021, negando-se provimento à Reclamação apresentada pela Ré por não provada a arguida nulidade da citação e, em consequência manter-se a sentença já proferida in totum por não se encontrar ferida de qualquer vício que inquine a sua validade e a sua eficácia.”.

Aos 25.11.2021 foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
“Requerimento da R. de 29/10/2021 e resposta da A. de 22/11/2021
Não se conhece a figura processual da “reclamação” com que a R. pretende agora reagir contra a sentença proferida, nem se vê fundamento legal para nela transformar o recurso que extemporaneamente interpôs.
O Exm.º Mandatário da R. requereu em 10/09/2021 a consulta electrónica dos presentes autos, nos termos do artigo 27.º da Portaria 280/2013, de 26/08, com a finalidade de apurar o seu estado.
E em sede de recurso e no requerimento agora em apreciação, a R. tanto alega que só teve conhecimento da presente acção “aquando do despacho da sentença” (que foi proferida em 23/06/2021); como que só em 14/09/2021 teve conhecimento da sentença proferida.
Para além da apontada contradição, fica por explicar como é que a R. soube afinal da pendência da acção, cuja consulta requereu em 10/09/2021, quando afirma que não foi para ela citada e de nada foi notificada até à referida data.
Quer no recurso, quer no requerimento ora em apreço, a R. invoca a nulidade da sua citação, nos termos do art. 191º do Cód. de Processo Civil[1].
De acordo com o citado preceito legal, ocorre a nulidade da citação quando não tenham sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
No caso, foi tentada uma primeira citação da R., através de carta registada com aviso de recepção, enviada em 01/03/2021 para a morada que na petição inicial a A. requereu que fosse remetida, correspondente à loja da R. onde prestava trabalho, sita no “... - ... - A... ... Aveiro” - carta essa que veio devolvida, com os dizeres “endereço insuficiente” e “desconhecido” assinalados no envelope - cfr. fls. 50 e 51 dos autos.
Após o que foi enviada em 08/03/2021 nova carta registada com aviso de recepção/prova de depósito, para a morada da sede da R. constante da certidão comercial permanente (Rua ..., ..., ... Guarda), que foi efectivamente depositada em 11/03/2021 no respectivo receptáculo postal, como se verifica da declaração aposta no aviso de recepção/prova de depósito constante de fls. 53.
Assim, apesar desta carta expedida em 08/03/2021 ter vindo devolvida, com a menção “depois de devidamente entregue regressou ao correio” (cfr. fls. 54), a citação considera-se devidamente efectuada na data em que foi depositada no receptáculo postal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 229º n.ºs 4 e 5, 230º n.º 2 e 246º n.º 4.
Tendo as subsequentes notificações da R. para a audiência de partes, para contestar e da sentença proferida sido remetidas por carta registada para a mesma morada onde a R. foi citada, nos termos previstos no art. 249º n.ºs 1 e 2, razão pela qual se consideram regulamente efectuadas, apesar da devolução das respectivas cartas.
Pelo que não se verifica a invocada nulidade da citação, indeferindo-se o requerido pela R..
Custas do incidente a cargo da R., fixando-se em 1 UC a taxa de justiça – arts. 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil e 7º n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II Anexa.”

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
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33) Temos em que, dúvidas inexistem quanto à necessidade de revogação do despacho proferido.
Nestes termos e nos melhores de direito, como V/Exa. mui doutamente suprirá, requer-se que:
1- A citação efetuada seja considerada nula e sem qualquer efeito, pelo que deverão ser anulados todos os atos subsequentemente praticados;
2- Em consequência, deve agora a R. ser citada para contestar;
3- Deve o despacho ora em crise ser revogada, com as consequências legais e ser o mesmo apreciado.
(…)

A A. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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Nestes Termos e pelos demais que Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao Recurso interposto por não provada a arguida nulidade da citação e, em consequência manter-se o douto despacho ora posto em crise, mantendo-se a sentença já proferida in totum por não se encontrar ferida de qualquer vício que inquine a sua validade e a sua eficácia;”.

Foi proferido, pela 1ª instância, despacho a admitir o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – arts. 79º-A, n.º 1, al. j), 80º n.º 1 e 83º n.º 1, todos do Cód. de Processo do Trabalho.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da confirmação da decisão recorrida, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto assente

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e ainda o seguinte:
- Na frente do envelope que capeava a carta expedida para citação da Ré aos 08.03.2021 constava o seguinte: “Citação via postal 2ª Tentativa, nºs 4 e 5 do art. 229 e nº 4 do art. 246º do CPC”.
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III. Do Direito

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, tem o recurso por objecto saber se ocorre nulidade de citação da Ré.

2. A sustentar tal nulidade, alega a Recorrente, em síntese, que, na citação, não foi dado cumprimento ao disposto no art. 246º, nº 4, do CPC/2013 e que, no que toca às notificações expedidas, as mesmas não foram por si recebidas. Considera, assim e nos termos do disposto no artigo 191.º do C.P.C., ser a citação nula, devendo ser anulados todos os actos posteriormente praticados.
Assim não o entendeu a decisão recorrida, pelas razões expostas no despacho que deixámos transcrito, no que é acompanhada pela Recorrida.

3. Dispõe o CPC/2013, aplicável ao processo laboral ex vi do art. 23º do CPT, que:
- Art. 219º, sob a epígrafe Funções da citação e da notificação: “1. A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. 2. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. 3. A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto. (…)”
- Art. 246º, sob a epígrafe Citação de pessoas colectivas: “1. Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto na subsecção anterior, com as necessárias adaptações. 2. A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. 3. Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência. 4. Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º (…)”
- Art. 230º, nº 2: “2 — No caso previsto no n.º 5 do artigo anterior, a citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.”
- Art. 229º, nº 5: “5. No caso previsto no número anterior, é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º, bem como a advertência referida na parte final do número anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º.”
- Art. 227.º sob a epígrafe Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando: “1. O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição. 2. No ato de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.”
- Art. 228.º, sob a epígrafe Citação de pessoa singular por via postal: “1 — A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado[2], dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.2 — A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.3 — Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.4 — Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando. 5 — Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado. 6 — Se o citando ou qualquer das pessoas a que alude o n.º 2 recusar a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, antes de a devolver.7 — Não sendo possível deixar aviso ao destinatário, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal.8 — No caso previsto no número anterior, se a impossibilidade se dever a ausência do citando e se, na ocasião, for indicado ao distribuidor do serviço postal novo endereço do citando, devolvido o expediente, a secretaria repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.9 — No caso previsto no n.º 7, se a impossibilidade se dever a ausência do citando em parte incerta, devolvido o expediente, a secretaria dá cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 236.º e, se for apurado novo endereço, repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.”
- Art. 249.º, sob a epígrafe Notificações às partes que não constituam mandatário: “1. Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja. 2. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior. (…)”
- Art. 191º, sob a epígrafe Nulidade da citação: “1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. (…). 4. A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”
A citação é, pois, um acto fundamental do processo, na medida em que é com ela que se dá conhecimento à parte contrária da existência de um processo contra ela movido, facultando-se-lhe a possibilidade do exercício do contraditório. E tanto assim é que os arts. 566º, 696º, al. e), 729, al. d) e 851, nº 1, do CPC/2013 prevêem respectivamente, a verificação oficiosa da falta ou da nulidade da citação após a revelia absoluta, a revisão com fundamento em falta ou nulidade da citação, os embargos de executado baseados em falta ou nulidade da citação e a anulação da execução por falta ou nulidade da citação.

No processo civil, tal como no processo laboral, a citação é acompanhada da petição inicial, bem como de todos os elementos necessários à defesa. Contudo, no que toca à indicação dos elementos relativos ao prazo da defesa e cominações para a falta de contestação, em que, no processo civil, acompanham a citação, já o mesmo não se passa no processo declarativo laboral (na forma comum), em que a fase de apresentação da contestação, é precedida de uma audiência de partes nos termos e para os efeitos dos arts. 54º a 56º do CPT, dispondo os mesmos que:
- Art. 54º: “1 — Recebida a petição, se o juiz nela verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o autor a completá -la ou esclarecê -la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil. 2 — Estando a ação em condições de prosseguir, o juiz designa uma audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias. 3 — O autor é notificado e o réu é citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir. 4 — Com a citação é remetido ou entregue ao réu duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanhem. (…).”
- Art. 55.º, sob a epígrafe, Audiência de partes: “1 — Declarada aberta a audiência, o autor expõe sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão. 2 — Após a resposta do réu, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 51.º a 53.º”
- Art. 56.º sob a epígrafe Outros atos da audiência: “Frustrada a conciliação, a audiência prossegue, devendo o juiz: a) Ordenar a notificação imediata do réu para contestar no prazo de 10 dias; b) Determinar a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, depois de ouvidas as partes presentes; c) Fixar a data da audiência final, com observância do disposto no artigo 151.º do Código de Processo Civil.”
No que toca aos efeitos da revelia determina o Art. 57.º, nº 1, do mesmo que: “1 — Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar -se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram -se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
Ou seja, no processo declarativo comum laboral a citação e a notificação para contestar encontram-se desfasadas no tempo: o réu é citado para comparecer a uma audiência de partes, citação essa com a qual lhe são entregues a petição inicial e todos os demais elementos necessários à defesa; e só na audiência de partes, caso se frustre a tentativa de conciliação que aí tem lugar, é o réu notificado com indicação do prazo para contestar e da cominação em que incorre se o não fizer. Importa, no entanto, ter presente e como adiante melhor se dirá, que a eventual notificação para a audiência de partes (ou, por via postal, para a contestação, caso o réu não compareça à audiência de partes) não supre a falta ou incumprimentos dos requisitos da citação, que deve ter lugar previamente, pois que é através desta que é dado conhecimento da propositura da acção, ou seja, da petição inicial e demais elementos necessários à defesa, designadamente documentação a ela anexa.

4. Como já referido, à citação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades, é aplicável o disposto no art. 246º do CPC/2013, já acima transcrito. A citação deve, pois, fazer-se por correio registado com A/R (citado art. 246º, nº 2 e 228º do CPC) a remeter para sede da pessoal colectiva.
Se esta for recebida a Ré encontra-se citada.
E também se considera citada se a assinatura do A/R ou o recebimento da carta for recusado pelo legal representante ou por funcionário do citando, do que o distribuir postal deve lavrar a nota desse incidente antes de devolver a citação (art. 246º, nº 3).
Nos restantes casos de devolução do expediente, a citação deve ser repetida, enviando-se nova carta registada com A/R à citanda observando-se o disposto no art. 227º (envio de todos os elementos necessário à defesa) e mais previsto no art. 229º, nº 5, e contendo a advertência (art. 230º, nº 2) de que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior ao dessa data, presumindo-se que o destinatário teve conhecimento oportuno dos elementos que lhe foram deixados.

5. No caso, recorde-se o sucedido, que se deixou consignado no relatório do presente acórdão:
- Aos 01.03.2021 foi remetida, por correio registado com A/R, carta para citação da Ré, carta essa que foi endereçada, conforme referido pela A., na p.i., para uma morada que não corresponde à da sede da Ré, carta essa que veio devolvida (com a indicação de “Endereço insuficiente” e “Desconhecido”);
- Aos 08.03.2021, foi remetida, por correio registado com A/R, carta para citação da Ré, carta essa que foi endereçada para a sede da Ré, sita na Rua ..., ... ... Guarda”, constando do respectivo envelope “Citação via postal 2ª Tentativa, nºs 4 e 5 do art. 229º e nº 4 do art. 246º do CPC” e, constando do teor dessa citação, para além do mais, que:
“A citação considera-se efetuada:
1. No dia de assinatura do aviso de receção;
2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito;
Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no nº 5 do Art.º 228.º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.(…)”,
- Carta essa que foi devolvida pelos CTT ao Tribunal constando da frente do respectivo envelope, “Recusado” e de “Terceiro”, as respectivas quadrículas, encontrando-se assinalada com um “X” a quadrícula correspondente a “Terceiro” e, no verso da mesma que “Depois de devidamente entregue regressou ao correio”, carta essa depositada nos CTT aos 11.03.2021 e devolvida ao Tribunal a 01.04.2021, tendo também sido devolvido o A/R sem assinatura.
- Designada data para audiência de partes, aos 15.04.2021 foi expedida carta registada endereçada à sede da Ré para notificação dessa diligência, carta essa que veio devolvida com a indicação de “mudou-se”;
- Aos 14.05.2021 foi expedida carta registada, endereçada à sede da Ré, para notificação da mesma para contestar com indicação do prazo para o fazer e da cominação em que incorreria caso não contestasse, carta essa que foi devolvida ao Tribunal com a indicação de “desconhecido; nova morada”.
- Aos 24.06.2021 foi proferida sentença.

5.1. Importa desde já esclarecer que a carta remetida para citação da Ré aos 01.03.2021 não tem qualquer relevância ou eficácia, não podendo ser atendida uma vez que não foi remetida para a sede da Ré, tal como o impunha o art. 246º, nº 2. Ou seja, quer-se com isto dizer que não poderá a mesma valer seja como 1ª tentativa de citação da Ré, seja para efeitos de se poder considerar cumprida a 2ª tentativa de citação a que se reporta o nº 4 do art. 246º do CPC.
Do referido acima, mormente da indicação no envelope que capeava a carta de 08.03.2021 de que se trata de “Citação via postal 2ª Tentativa, nºs 4 e 5 do art. 229º e nº 4 do art. 246º do CPC” e, do teor dessa citação em que, para além do mais, se alude ao teor da advertência do art. 230º, nº 2, do CPC/2013, decorre que a mesma se reportava à 2ª tentativa de citação da Ré a que se refere o nº 4 do art. 246º. Ora, assim sendo, como é, tal pressuponha ou só poderia ter lugar após a primeira tentativa de citação, a remeter para a morada sede da Ré nos termos do art. 246º, nº 2, e com observância do disposto no art. 228º, o que no caso não sucedeu uma vez que, como tal e como já referido, não se poderá atender à carta para citação remetida aos 01.03.2021, que não foi remetida para a sede da Ré.
Ou seja, não foi cumprida a 1ª tentativa de citação da Ré, o que consubstancia incumprimento de formalidade essencial à citação.
E, por outro lado, não se pode ter essa omissão como suprida ou colmatada com o envio da carta de 08.03.2021 e com a sua devolução com a indicação de que “Depois de devidamente entregue regressou ao correio” e de que foi recusada por terceiro.
Com efeito, e desde logo, trata-se de uma segunda tentativa de citação, sem o mesmo grau de segurança da que oferece a 1ª tentativa. Com efeito, nesta, deve ser tentado o contacto pelo distribuir postal com o citando ou com funcionário que se encontre na sede da citanda, com a entrega da carta e assinatura do A/R [ou, tendo em conta o art. 2º da Lei 10/2020, de 18.04, que introduziu um regime excepcional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal no âmbito da pandemia da doença COVD-19, com a substituição da recolha da assinatura pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respectiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efectuada] e, em caso de impossibilidade, deixado Aviso ou, em caso de recusa, com as devidas informações relativas à mesma. Mas, na segunda tentativa de citação, não sendo possível a entrega, é tão-só deixada a correspondência na caixa do correio ou, não sendo possível, deixado aviso.
Ora, no caso, e pese embora a indicação de “Depois de devidamente entregue regressou ao correio”, desconhece-se o que, concretamente, se entende ou se quer dizer por “devidamente entregue” e a indicação, na frente do envelope, de recusa por “terceiro”, daí não se podendo concluir que haja sido entregue ao legal representante da Ré ou a algum funcionário desta.
Antes pelo contrário, o que terá ocorrido, ou parece ter ocorrido, é ter a carta sido depositada na caixa do correio e, depois, devolvida por alguém aos CTT. É, desde logo, o que decorre do facto do respectivo A/R ter sido devolvido sem assinatura ou sem a substituição desta nos termos previstos no citado art. 2º da Lei 10/2020, de 18.04, tanto mais se conjugado com a indicação no envelope, de que se trata de “2ª Tentativa, nºs 4 e 5 do art. 229º e nº 4 do art. 246º do CPC”. Para além de que se desconhece que “Terceiro” teria recusado a carta e como ou por quem terá “regressado ao correio”. De qualquer modo, o que não se pode concluir é que essa carta haja sido recusada pelo(a) legal representante da Ré ou por funcionário desta.
Ou seja, e em conclusão, não teve lugar, nos autos, a primeira tentativa de citação da Ré, que deveria ter sido efectuada nos termos dos arts. 246º, nº 2, e 228º, nº 1, do CPC, omissão esta que não pode ser colmatada pela tentativa de citação da mesma expedida aos 08.03.2021, tentativa esta da qual não resulta que se possa dizer, muito menos com a necessária segurança, que a carta foi recusada pelo legal representante da Ré ou por funcionário seu.
E é ainda de dizer o seguinte:
Mesmo que, porventura e como hipótese de raciocínio, se equacionasse que esta tentativa de citação – de 08.03.2021 ( e já vimos que a de 01.03.2021 não tem qualquer valor ou eficácia) – como consubstanciando uma primeira tentativa de citação, pelas razões já apontadas não se poderia considerar que ela teria sido recusada pelo legal representante da Ré ou por seu funcionário, pelo que teria que ser dado cumprimento a uma segunda tentativa de citação nos termos dos arts. 246º, nº 4, 229º, nº 5 e 230º, nº 2, a qual, não se teria verificado, sendo que apenas ocorreu uma tentativa de citação, qual seja a de 08.03.2021.

É certo que, sendo as pessoas colectivas, incluindo as sociedades, citadas na morada da respectiva sede, sobre elas recai o ónus de providenciarem pela mudança atempada da mesma e do respectivo registo ou, não o fazendo, cabe-lhe o ónus de garantir que a correspondência que para a mesma seja enviada lhe seja entregue, sob pena de, não o fazendo, sobre si correr o risco daí adveniente, qual seja o de ser citada sem que, todavia, poder disso ter conhecimento - cfr. Acórdão da RL 17/11/2015, proc. 2070/13.2TVLSB-B.L1-7, de cujo sumário consta o seguinte: I. (…). II- Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior. III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT. IV- Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento. V. (…)”
Não obstante, necessário é que tenham sido devidamente cumpridas as formalidades legais da citação postal, já referidas: a acima mencionada 1ª tentativa de citação, a expedir para a morada sede da sociedade nos termos do art. 246º, nºs 1 e 2, e 228º, nº 1; e, frustrando-se esta, por outra causa que não a recusa de recebimento da citação (art. 246º, nº 3), com o cumprimento do art. 246º, nº 4. Só assim, ainda que a carta não viesse a ser recebida, se poderia considerar a Ré regularmente citada, sobre ela correndo o risco de não ter providenciado pela atempada alteração da sede ou de não ter providenciado no sentido de receber a correspondência, no caso a citação, para a mesma enviada e depositada.
Ora e como já referido, tal não sucedeu no caso em apreço, em que apenas foi cumprido o nº 4 do art. 246º (segunda tentativa de citação), nas não já os arts. 246º, nºs 1 e 2, e 228º, nº 1, (1ª tentativa de citação).
Afigura-se-nos, pois, que foi preterida formalidade essencial à citação da Ré, a qual é susceptível de prejudicar a sua defesa (art. 191º, nº 4, do CPC/2013), sendo certo que, dado o incumprimento do nº 2 do art. 246º e nº 1 do art. 228º do CPC (1ª tentativa de citação), não se pode, desse logo, concluir que a Ré teve, ou devia ter tido, conhecimento dos elementos que, necessariamente, deverão acompanhar a citação. E não se diga que, mesmo que tivesse tal formalidade sido cumprida, a Ré não receberia tal citação, pois que, isso, mais não constitui do que mera suposição e não garantia de que assim sucedesse. De todo o modo, ainda que assim fosse, tal seria um risco que apenas recairia sobre a Ré, mas sendo certo que, por parte do Tribunal, teriam sido cumpridas todas as formalidades e garantias legalmente necessárias para que tal não ocorresse, ou seja, para que a citação tivesse sido efectuada ou legalmente considerada como efectuada, só não tendo sido recebida por causa imputável à Ré, o que, face ao referido, não sucedeu.

E é irrelevante que as notificações da Ré de 15.04.2021 (para a audiência de partes) e de 14.05.2021 (para contestar) hajam sido devolvidas (com a indicação de “mudou-se” e de “nova morada”).
É certo que, nos termos do disposto no art. 249º, nºs 1 e 2, a Ré se tem como notificada para os actos a que se reportam tais notificações, uma vez que as mesmas foram remetidas para a sua sede, sendo que, como já referido, a ela competia o ónus de garantir uma atempada mudança da sede e respectivo registo ou providenciar pelo recebimento da correspondência que para a mesma fosse remetida.
Não obstante, ainda que assim seja, o certo é que foi preterida a mencionada formalidade de citação da Ré – cumprimento do art. 246º, nº 2 -, com o que não foram postos à disposição da mesma os elementos necessários à sua citação e defesa, mormente o dar-lhe conhecimento da existência de um processo contra ela, da petição inicial e dos documentos a ela anexos. Ou seja, essas posteriores notificações não sanam a omissão decorrente do incumprimento do citado preceito relativo à citação (e que, no processo declarativo comum laboral precede tais notificações).
E nula é, naturalmente e como decorre do referido, a tentativa de citação remetida aos 01.03.2021 para outra morada que não a da sede da Ré.
Conclui-se pois, nos termos do art. 191º, nº 1, do CPC/2013, no sentido da nulidade da citação da Ré, incluindo a expedida aos 01.03.2021 e aos 08.03.2021, por preterição do disposto no art. 246º, nº 2, e 228º, nº 1, do CPC/2013, o que, em consequência, acarreta a nulidade de todos os actos processuais posteriores afectados por essa nulidade, incluindo a audiência de partes, a notificação para contestar e a sentença proferida.
E, deste modo, procede o recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, decide-se, julgar procedente a nulidade da citação da Ré, anulando-se a citação expedida aos 01.03.2021 e 08.03.2021 e todos os actos processuais posteriores por ela afectados, incluindo a audiência de partes, a notificação para contestar e a sentença proferida.

Custas pela Recorrida.

Porto, 22.06.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] 1 A que se reportam os preceitos legais doravante citados, sem menção da respectiva origem.
[2] Ver Portaria nº 275/2013, de 21 de Agosto.