Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
62/15.6Y7PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
TEMPO DE TRABALHO
RISCO DE AUTORIDADE
Nº do Documento: RP2017091162/15.6Y7PRT.P1
Data do Acordão: 09/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO 2ª
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO(SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 260,FLS.235-249)
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos infortunísticos, o local de trabalho não se reconduz, apenas, ao espaço físico correspondente ao concreto posto de trabalho do trabalhador, antes abrangendo todo o local onde o trabalhador esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador, nele se incluindo outro espaço, dentro das instalações da empresa, aonde a trabalhadora, por virtude de indisposição física, se deslocou e sentou.
II - Constitui tempo de trabalho o correspondente a interrupção, ocorrida durante o horário de trabalho, por virtude de indisposição da trabalhadora e enquanto aguardava, nos termos referidos em I), que se sentisse melhor.
III - Nas circunstâncias referidas em I) e II) e atenta a teoria do risco de autoridade, constitui acidente de trabalho o ocorrido quando a trabalhadora, por virtude de indisposição, se deslocou a outro espaço das instalações da empresa, que não o seu concreto posto de trabalho, e aí, quando se encontrava sentada numa cadeira, desfaleceu e caiu ao chão, sofrendo lesões determinantes de incapacidade para o trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 62/15.6Y7PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1002)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória da presente ação declarativa de condenação, com processo especial de acidente de trabalho, B…, patrocinada pelo Ministério Público, apresentou petição inicial demandando Companhia de Seguros C…, S.A., pedindo que: seja a Ré condenada a pagar-lhe: a) Indemnização por incapacidade temporária, calculada com base na retribuição anual ilíquida €10.443,36, pelo período de 13 dias de ITA perfazendo o montante de €260,37; b) A quantia de €40,40 respeitante a despesas com deslocações ao INML e ao Tribunal; c) A quantia de €9,00 com despesas clínicas decorrentes ao acidente. d) Juros de mora à taxa legal sobre a referida importância, a contar do vencimento da obrigação, nos termos do art. 135º, do CPT.
Alega para tanto que: em 10-01-2015 sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava ao serviço da sua entidade patronal, D…, S.A., entidade que havia transferido a sua responsabilidade infortunística relativa a acidentes laborais para a ré; desse acidente resultaram para a autora dores e contusão do ombro e do tórax, lesões que demandaram para cura um período de ITA desde 10/01/2015 até 22/01/2015, tendo ainda despendido €44,40 em deslocações obrigatórias ao INML e ao tribunal, e €9,00 pela aplicação de injetáveis prescritos e fornecidos pelos serviços clínicos da ré.

A Ré contestou, negando, em síntese, a caracterização do ocorrido como acidente de trabalho por falta de causa externa à autora, pedindo a sua absolvição do pedido formulado.

Proferido despacho saneador, selecionada a matéria de facto assente e controvertida, esta objeto de base instrutória, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, contendo a decisão da matéria de facto, que julgou a “ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a ré Companhia de Seguros C…, S.A. a pagar à sinistrada B… a quantia de €260,37 (duzentos e sessenta euros e trinta e sete cêntimos), a título de indemnização pelo período de ITA por si sofridos, e a quantia de €16,80 (dezasseis euros e oitenta cêntimos), quantias acrescidas de juros, desde a data do vencimento da respetiva obrigação, até integral pagamento, absolvendo-a do demais demandado.
Custas por todas as partes, nas proporções do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza a autora.”.

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Ocorreu erro da decisão da matéria de facto, na medida em que o ponto 4º da BI deve passar a ser dado como NÃO PROVADO.
2. Impõe tal decisão o depoimento da sinistrada, do qual resulta, nos excertos invocados no corpo destas alegações, que o evento danoso em que contraiu as lesões retratadas nos autos não ocorreu nem no tempo nem no local de trabalho.
3. Alterando-se a matéria de facto nos moldes sugeridos, temos que a resposta ao quesito 4º da BI deve passar a ser de NÃO PROVADO ou, no máximo, PROVADO APENAS QUE O EVENTO EM APREÇO – QUEDA DA SINISTRADA – OCORREU NO TEMPO DE TRABALHO DA A. MAS NÃO NO SEU LOCAL DE TRABALHO.
4. Ao decidir diferentemente, o Mmo Juiz a quo errou na apreciação da matéria de facto e violou o Art. 197º Cód. Trab. assim como a al. a) do nº 2 do Art. 8º e o Art. 9º da Lei 98/2009.
5. Além disso, e salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo não considerou na decisão da matéria de facto matéria que, embora não alegada pelas partes, resultou da instrução da causa, com isso violando o nº 1 do Art. 72º CPT.
6. Efectivamente, dos excertos transcritos em sede de alegações do depoimento da sinistrada resultou claro que estamos perante uma situação de predisposição patológica, a qual a mesma jamais deu a conhecer à sua entidade patronal nem à Apelante.
7. De tais excertos do depoimento da Apelada resulta claro o seguinte: a mesma não efectuou qualquer esforço, não ocorreu qualquer evento, como ser sujeita a luzes que a incomodassem, uma discussão com um cliente ou colega, uma qualquer situação de stress ou agressividade para o seu organismo.
8. Pura e simplesmente, não aconteceu rigorosamente NADA que afectasse o seu organismo, não houve qualquer evento lesivo do mesmo.
9. Muito pelo contrário, ficou bem claro que o que ocorreu resultou de causa endógena da Apelada - padece há anos de tensão baixa, sendo frequente ter situações de mal estar como a dos autos sem que nada estranha ao seu organismo o despoletasse.
10. Condição clínica que a Apelada jamais narrou à sua entidade patronal e, muito menos, à Apelante.
11. mas que se trata de matéria que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo, pois que padecendo a Apelada de tal maleita – tensão baixa - e tendo sido a crise de tonturas ou vertigens determinada apenas por tal predisposição patológica, tem inteira aplicabilidade ao caso dos autos o estatuído no nº 1 do Art. 11º da Lei 98/2009 que estatui o seguinte: “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.“
12. Ao não considerar tal matéria e não absolver a Apelante o Mmo. Juiz a quo violou os Arts. 72º nº 1 do CPT assim como o Art. 11º da Lei 98/2009.
13. Mesmo que se entenda que não deve ser alterada a decisão da matéria de facto nem deve a mesma ser ampliada nos termos do nº 1 do Art. 72º CPT – ocorreu erro na decisão de Direito.
14. É pacífico entre a Doutrina e a Jurisprudência dominantes que, para que de um acidente de trabalho se possa falar, tem que haver a ocorrência de um acidente, ou seja, um facto ou evento naturalístico cuja verificação é o ocasional, imprevista ou súbita, repentina, de duração curta e limitada no tempo o, o qual tem de ser de origem externa à constituição da vítima, o qual tem que ocorrer no tempo e no local de trabalho, tendo que se verificar um nexo entre tal trabalho ou a relação laboral e o evento.
15. Nada disso ocorre no caso dos autos – o evento decorreu apenas de causa endógena, do próprio organismo da Apelada, e, de todo o modo, não se verifica o requisito consagrado no Acórdão do STJ de 16/09/2015, Proc.º 112/09.5TBVP.L2.S1 em que se declara o seguinte:
“I. A verificação de um acidente de trabalho demanda a presença de um elemento espacial (em regra, o local de trabalho) e de um elemento temporal (que em regra se reconduz ao tempo de trabalho) que expressem uma adequada conexão com a prestação laboral.
16. Ora, da factualidade apurada não resulta qualquer espécie de conexão, qualquer nexo, muito menos causal, entre o alegado acidente e a relação laboral da Apelada.
17. A A. teve a má disposição que a afectou por razões puramente endógenas ao seu organismo, como teria caso estivesse de férias ou se estivesse na rua ou em casa ou em qualquer outro local em que se encontrasse, totalmente alheia ao seu trabalho.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve a Douta Sentença ser substituída por outra que altere a decisão sobre a matéria de facto nos moldes propostos e absolva a Apelante ou, ainda que assim não se entenda, sempre deve tal absolvição ser declarada, na medida em que dos factos apurados não resulta matéria consubstanciadora do conceito de acidente de trabalho, (…).”

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A impugnação do ponto 4 da base instrutória (a que corresponde o ponto 17 da sentença) que considerou provado que o evento em apreço – queda da sinistrada – ocorreu no local e no tempo do trabalho, não merece relevância nem condiciona a decisão;
2. Em rigor, pela sua natureza conclusiva, poderia até ser omitido da fundamentação de facto.
3. Todos os demais factos elencados na fundamentação da sentença demonstram, claramente, que o evento que afetou a sinistrada ocorreu no local e no tempo de trabalho.
4. Provando-se que a sinistrada, quando se encontrava a desempenhar funções na área comercial da empresa, se sentiu indisposta e recolheu á área administrativa para se restabelecer, tendo caído da cadeira onde se sentou e embatido com o braço e as costelas no chão, temos por verificado um acidente de trabalho.
5. Não descaracteriza o acidente de trabalho a circunstância de não se verificar nexo causal entre a prestação efetiva do trabalho e o acidente.
6. É inequívoco que no momento e local do sinistro, a vítima se encontrava na empresa sujeita á autoridade da sua empregadora e por causa do seu desempenho laboral.
7. Nem afasta a verificação do acidente de trabalho o facto de a sinistrada previamente é queda no solo ter sentido uma indisposição ou tontura.
8. O conceito de acidente de trabalho encontra-se em permanente atualização, aceitando-se, atualmente, que nem o acontecimento exterior, direto e visível, nem a violência são critérios indispensáveis á caraterização do acidente.
9. Por conseguinte, a decisão recorrida assenta numa criteriosa fundamentação de facto com suporte integral na prova produzida e traduz uma correta interpretação da lei, não merecendo qualquer reparo;
Pelo que se entende que deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.”.

Foi determinada, pela ora relatora, a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da ação, na sequência do que veio o mesmo a ser fixado em €1.318,65.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte do CPC/2013.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
A. Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
“Assentes em sede de saneamento dos autos
1 - A A., B…, trabalha sob as ordens, direção e fiscalização de “D…, SA”, no estabelecimento sito na Rua …, nesta cidade, com a categoria e as funções de operadora de supermercado.
2 - À data de 10.01.2015, a entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística sobre a autora transferida para a Ré, C… SA (Apólice ……….), e participou-lhe o acidente.
3 - A A. recebeu assistência médica, no dia 11.01.2015, nos serviços clínicos da Ré, onde fez RX e foi medicada.
4 - Porém, a Ré recusou qualquer responsabilidade na reparação dos demais danos emergentes do sinistro por entender que o acidente foi originado por uma causa intrínseca, não podendo desta forma ser considerado acidente de trabalho.
5 - Consta dos exames efetuados no INML, em 07-08-2015, (Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, de fls. 27, “B. DADOS DOCUMENTAIS…”), que “sofreu acidente de trabalho em 10/1/2015, de que resultou contusão do ombro e do tórax”.
E no referido exame acrescenta-se ainda:
“Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano temporário atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência de dano corporal.”
6 - Por conseguinte, determinou-se que a A. sofreu:
- Incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional) desde 10-01-2015 até 22-01-2015, fixável num período de 13 dias, considerando-se curada, a partir daquela data, sem incapacidade permanente parcial (IPP).
7 - À data do acidente, a A. auferia a retribuição anual de €10 443,36, assim distribuída: €617,10 x 14 (vencimento); €118,80 x 11 (subsídio de alimentação) e €41,43 (média de outras retribuições).
8 - Aquando da tentativa de conciliação efetuada em 28-10-2015, entre a sinistrada e a companhia seguradora, aqui Ré, esta reconheceu a existência de apólice de seguro válida e a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho, pelo valor do salário referido supra em 7.
9 - Não aceitando, porém, o acidente como de trabalho, por não aceitar o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente sofrido, entendendo que o acidente foi originado por uma causa intrínseca, não podendo ser considerado acidente de trabalho, pelo que não aceitou o resultado da perícia realizada pelo INML.
10 - Em consequência, a Ré declinou qualquer responsabilidade, não se conciliando.
11 - Da queda da cadeira resultaram para a A. lesões o nível do ombro e tórax, compatíveis com traumatismo.
12 - Em sede de exame pericial, não se determinou a existência de qualquer antecedente patológico ou traumático relevante, e excluiu-se, até, a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo, bem como a pré-existência de dano corporal.
13 - A A. nasceu em 10-05-1978 e é beneficiária da Segurança Social nº………...
14 - A A. sofreu Incapacidade temporária absoluta desde 10-01-2015 até 22-01-2015, fixável num período de 13 dias.
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Provindos da base instrutória
15 - Em 10-01-2015, cerca das 12h56m, no interior do estabelecimento referido em A), a autora, ao sentar-se numa cadeira, por sentir tonturas, sentiu-se desfalecer e caiu no solo, embatendo o braço e as costelas á esquerda.
16 - Do evento supra descrito resultou contusão do ombro e do tórax.
17 - O evento em apreço – queda da sinistrada – ocorreu no local e no tempo de trabalho da A.
18 - Os próprios serviços clínicos da R. diagnosticaram como contusão do ombro e contusão do tórax, tendo realizado tratamento médico de traumatologia.
19 - Em deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal, a A. despendeu a quantia de €16,80.
20 - A incapacidade temporária descrita em 14 resultou do evento descrito em 15.
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21 - A A., no dia e hora indicados em 14 havia estado a trabalhar normalmente na área comercial, sem ter efetuado qualquer esforço excessivo.
22 - Por volta das 12,50 e sem que tivesse caído, efetuado qualquer esforço ou sofrido qualquer tipo de lesão ou impacto, a A. começou a sentir-se mal.
23 - Porque a sua indisposição não passava, abandonou o seu posto de trabalho e dirigiu-se para a área administrativa.
24 - Já na área administrativa, a A. sentou-se numa cadeira, aguardando que a indisposição lhe passasse.
25 - Foi então que, quando se encontrava ainda sentada na área administrativa, a A. desfaleceu, quase perdendo os sentidos.
26 - E por ter perdido as suas forças e equilíbrio, a A. caiu da cadeira onde se havia sentado a aguardar que passasse a sua indisposição para o chão.
27 - Foi então que a A. se magoou, embatendo com o braço e as costelas no chão.”.
B. E foi dado como não provado o seguinte:
“Não considera assim o tribunal demonstrado que:
A - A ré pagou à A. indemnização por incapacidade temporária, no montante de €260,37.
B - As lesões da sinistrada são consequência de “causa intrínseca” resultante da existência de patologia anterior ou contemporânea do evento (queda) que concorresse para as lesões descritas.
C - A autora pagou para além do acima referido €9,00 em despesas médicas, com a aplicação de injetáveis prescritos e fornecidos pelos serviços clínicos da Ré, e gastou o montante de €27,60 em transportes.”
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
São, assim, as questões suscitadas:
- Alteração da decisão da matéria de facto;
- Se o acidente em apreço não deve ser caracterizado como acidente de trabalho;
- Se o direito à reparação deve ser excluído com base no art. 11º, nº 1, parte final, da Lei 98/2009.
2. Alteração da decisão da matéria de facto
2.1. Pretende a Recorrente que o quesito 4º da base instrutória seja dado como não provado.
Tal quesito corresponde ao nº 17 dos factos provados, com o seguinte teor: “17 - O evento em apreço – queda da sinistrada – ocorreu no local e no tempo de trabalho da A.”.
Tal ponto contém apenas matéria conclusiva e/ou de direito (local e tempo de trabalho correspondem a conceitos jurídicos) que, estando em causa nos autos e relevando à solução jurídica, nos termos do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC72013 não deve constar da matéria de facto. Acresce que já consta da restante matéria de facto provada o local e tempo da ocorrência do acidente.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, tem-se o nº 17 do elenco dos factos provados como não escrito.

2.2. Alega ainda a Recorrente que:
“5. Além disso, e salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo não considerou na decisão da matéria de facto matéria que, embora não alegada pelas partes, resultou da instrução da causa, com isso violando o nº 1 do Art. 72º CPT.
6. Efectivamente, dos excertos transcritos em sede de alegações do depoimento da sinistrada resultou claro que estamos perante uma situação de predisposição patológica, a qual a mesma jamais deu a conhecer à sua entidade patronal nem à Apelante.
7. De tais excertos do depoimento da Apelada resulta claro o seguinte: a mesma não efectuou qualquer esforço, não ocorreu qualquer evento, como ser sujeita a luzes que a incomodassem, uma discussão com um cliente ou colega, uma qualquer situação de stress ou agressividade para o seu organismo.
8. Pura e simplesmente, não aconteceu rigorosamente NADA que afectasse o seu organismo, não houve qualquer evento lesivo do mesmo.
9. Muito pelo contrário, ficou bem claro que o que ocorreu resultou de causa endógena da Apelada - padece há anos de tensão baixa, sendo frequente ter situações de mal estar como a dos autos sem que nada estranha ao seu organismo o despoletasse.
10. Condição clínica que a Apelada jamais narrou à sua entidade patronal e, muito menos, à Apelante.
11. mas que se trata de matéria que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo, (…)”.

A Recorrente, ao contrário do que deveria face ao disposto no art. 640º, nº 1, al. c), do CPC, não indica com precisão o c(s) concreto(s) facto(s) que, em seu entender, deveria(m) ser aditado(s).
De todo o modo, trata-se de matéria não alegada pelas partes, sendo que não foi aditada pelo Mmº Juiz ao abrigo do disposto no art. 72º do CPT.
Com efeito, na contestação, a defesa da Recorrente centra-se, essencialmente, na circunstância de não ter existido uma causa exterior, exógena, de que tivesse resultado a má disposição da A., mas sim na existência de “causa intrínseca” resultante da existência de patologia anterior ou contemporânea do evento”, pelo que não se estaria perante qualquer evento súbito, externo à pessoa da A., que tenha determinado a sua queda e que possa ser qualificado como acidente, não havendo sido alegado que tal patologia haja sido ocultada pela A.
Como decorre do citado art. 72º do CPT, a faculdade conferida pelo preceito destina-se apenas à 1ª instância, tendo como limite temporal a audiência de discussão e julgamento, sendo que, em relação aos factos não alegados pelas partes, tal ocorre até ao encerramento dos debates (cfr. nº 4 do mencionado preceito), para além de que a ampliação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC/2013 pressupõe a existência de factos alegados, não podendo ampliar-se a matéria de facto de modo a incluir factos não alegados pelas partes nos articulados – cfr. Acórdão do STJ de 30.10.2007, Processo 07A3541, in www.dgsi.pt.
Salienta-se ainda que a matéria em causa – não ter a A., segundo a Recorrente – dado conhecimento de patologia anterior - se prende com eventual exclusão do direito à reparação por virtude do art. 11º, nº 1, parte final, da Lei 98/2009, questão esta, aliás, suscetível de integrar defesa por exceção e que é nova, não tendo sido alegada e invocada em sede de contestação, nem apreciada pela 1ª instância, pelo que esta Relação dela não poderá conhecer.
E não se poderá também deixar de dizer que se a Recorrente, porventura, não tivesse tido conhecimento do(s) facto(s) em causa em momento anterior ao julgamento, pelo menos, face ao que alega, dele(s) teria tido conhecimento na audiência de julgamento, pelo que deveria, então, ter apresentado articulado superveniente suscitando, devida e oportunamente, a questão da exclusão do direito à reparação. O que não pode pretender é que a Relação conheça de questão – de facto e de direito – nova, não atempadamente suscitada e apreciada pela 1ª instância.
Acresce dizer que a 1ª instância deu como não provado que “B - As lesões da sinistrada são consequência de “causa intrínseca” resultante da existência de patologia anterior ou contemporânea do evento (queda) que concorresse para as lesões descritas.”, facto este que não foi impugnado pela Recorrente, pelo que as alterações aparentemente pretendidas no recurso até poderiam entrar em contradição com este facto.
Não deverá, assim, conhecer-se da pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
3. Se o acidente em apreço não deve ser caracterizado como acidente de trabalho
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“A principal questão a abordar reside em saber se os factos dados como provados constituem ou não um acidente de trabalho indemnizável, nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Estabelece o art.º 8.º do diploma citado diploma, sobre o conceito de acidente de trabalho que:
1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
E complementa o art.º 9.º, determinando uma extensão do conceito nestes termos:
1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;
c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;
f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito;
g) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso;
h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.
(…)
Nos termos da Lei 100/97, de 13.09 (a LAT), perante conceito normativo similar firmado no seu art.º 6.º, n.º 1), já se entendia que o conceito de acidente de trabalho comporta, essencialmente, três elementos cumulativos: um elemento espacial (local de trabalho); um elemento temporal (tempo de trabalho) e um elemento causal (nexo de causa-efeito entre o evento e a lesão).
Adrien Sachet, citado por Carlos Alegre (in Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2006, Ed. Almedina, p. 36), indicava como traços essenciais do acidente de trabalho uma causa exterior - uma origem estranha à constituição orgânica da vítima; a subitaneidade - algo que actua num espaço de tempo muito breve e a acção lesiva do corpo humano.
Com o curso do tempo e com os trabalhos de estudo que a doutrina tem desenvolvido sobre a problemática do conceito de acidente de trabalho, verifica-se que a caracterização dos acidentes de trabalho, defendida por Adrien Sachet, é redutora, já que inúmeras dúvidas se levantam em torno da causa exterior, nomeadamente, “se a origem da lesão tinha que resultar de uma ação direta sobre o corpo humano ou se bastava uma ação indirecta; se ela tinha que ser clara, visível, evidente ou se podia atuar insidiosamente; se devia ser de perceção imediata; se tinha que atuar de forma violenta, através de choque, de golpe ou de qualquer outro contacto semelhantemente violento ou se podia insinuar-se sem violência. A verdade é que, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente” – cfr. Carlos Alegre, op. cit., p. 36.
E acrescenta o autor que “se a violência da causa exterior da lesão acompanha um grande número de acidentes – ela é, em regra, a responsável directa pelo ferimento, golpe, contusão, fractura, mutilação, esmagamento e mesmo morte – a violência não existe na agressão insidiosa e indolor de um agente patogénico ou de radiações e, todavia, tratam-se de causas exteriores ocasionadoras de lesão corporal.
A violência não constitui, pois, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho”.
Por outro lado, se o requisito da subitaneidade permite distinguir o acidente da doença, caracterizada esta por uma evolução lenta, em contraste com a possibilidade do acidente ser datável, ele também “não resolve sozinho todas as situações da vida real”, dado que “existem zonas cinzentas em que a subitaneidade se esbate perante uma evolução lenta, como é, por exemplo, a que resulta da ação contínua de um instrumento de trabalho ou do agravamento de uma predisposição patológica ou das afeções patogénicas contraídas por razão do trabalho.[...]. O agravamento de um estado patológico já existente ou de uma predisposição patológica, por efeito do trabalho, é uma das zonas cinzentas da acutilância da característica da subitaneidade” (cfr. Carlos Alegre, obra citada, págs. 37-38).
Suscita a ré a possibilidade da autora ter sofrido a indisposição por causa intrínseca, interna a si, porventura fruto de problema de saúde preexistente, que eximiria a ré de responsabilidade.
Ora, estabelece o art.º 10.º n.º 1, sobre a prova da origem da lesão, que a lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
Sobre problemática semelhante se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão proferido em 23-10-2013 (proc. 291/11.1TTVFX.L1-4, in www.dgsi.pt):
“É assim que o art. 10.º dispõe:
1. A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2. Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência deste.
O sentido útil da presunção estabelecida no transcrito nº 1 é o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento (acidente) causador das lesões.
Tal presunção assenta a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima, de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença), que justificam, na visão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o benefício atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível de prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente.
Trata-se de uma presunção juris tantum, ou seja, ilidível.
Feitas estas considerações introdutórias, vejamos o caso dos autos.
As partes estão de acordo, o que não merece qualquer reparo, que a autora no tempo e local de trabalho – extensão constante do art. 9.º, nºs 1, alínea a) e 2, alínea b) -, sofreu uma tontura, tendo caído no pavimento, aí se estatelando, em consequência do que fracturou a tacícula radial do cotovelo direito, o que lhe determinou incapacidade temporária absoluta no período de 15.01.2011 a 04.07.2011, data em que teve alta, portadora de limitações na mobilidade do membro direito, particularmente na flexão e na extensão do cotovelo.
Ora, fazendo aplicação dos princípios acima expostos aos factos provados e relativos ao evento que deu origem à presente acção, somos levados a concluir, tal como a 1.ª instância, que estamos, no caso vertente, perante um verdadeiro acidente de trabalho.
Discordando deste entendimento, continua a ré a defender que o evento sofrido pela autora não pode caracterizar-se como acidente de trabalho porquanto o evento em apreço nos autos, que despoletou a queda e consequentes lesões sofridas pela autora, teve origem na patologia de que a autora padecia – síndrome vertiginoso.
Não acompanhamos a tese da recorrente, que, de resto, não encontra qualquer suporte na materialidade fáctica apurada.
Efectivamente, contrariamente ao que pretende, a ré não logrou, como lhe cabia, provar factos que ilidam a presunção, contida no art. 10.º, nº 1, sendo que esta só cede com a prova do contrário, não bastando criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto presumido.
Com efeito tinha a ré que alegar e provar – o que não fez, sendo irrelevante todo o esforço desenvolvido nas alegações de recurso – que o evento que despoletou a queda e consequentes lesões sofridas pela autora, teve origem na patologia de que a autora padecia, ou seja, no alegado síndrome vertiginoso.
No sentido acabado de expor podem ver-se o Acs. do STJ de 07.05.2008 (CJ/STJ Ano XVI, T. II, pág. 272) e de 30.06.2011 (proc. 383/04.3TTGMR.S1, www.dgsi.pt).
Saliente-se que ainda que se tivesse provado que a autora sofre síndrome vertiginoso – o que, repete-se, não se provou - tal facto não afasta, por si só, a tutela reparadora infortunística, como resulta do nº 1 do art. 11.º que dispõe que [a] predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
Abordando o preceito, escreve Carlos Alegre - (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, pág. 69), no que agora interessa:
(...), o número 1 trata a situação de o sinistrado, que por força de uma sua predisposição patológica vier a sofrer sequelas do acidente que não ocorreriam se não fosse aquela predisposição.
A predisposição patológica não é, em si, doença ou patogenia: é antes uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vária intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.
Por isso, a predisposição patológica não exclui o direito à reparação integral.
Como já se disse, a exigência da eclosão de um evento de natureza exterior ao sinistrado, enquanto pressuposto da sua caracterização como acidente de trabalho não constitui elemento essencial, indispensável ou estático.
A causa do evento pode advir de facto exterior ao sinistrado ou do seu organismo.
O que releva é que integre o risco específico da actividade laboral ou o risco genérico agravado.
No caso em apreço, a causa do evento foi a tontura e, a causa da lesão, a queda.
Foi a queda que traumatizou o cotovelo direito mediante a fractura da tacícula radial, traumatismo que veio a causar, após realização de tratamentos e cirurgia, limitações de mobilidade no braço direito da autora, particularmente na flexão extensão do cotovelo, de forma permanente.”
Assim, no episódio sob análise nestes autos, inexistindo qualquer demonstração da presença de um elemento patogénico ou fenómeno endógeno à autora que justificasse o ocorrido, perante as circunstâncias do caso, terá o tribunal de considerar que o sucedido efetivamente se tratou de acidente de trabalho, nos termos legalmente previstos, que confere à sinistrada o direito a ser indemnizada (…)”.

Do assim decidido continua a Recorrente a discordar defendendo, em síntese: a inexistência de acidente, como tal se devendo entender o evento súbito, exógeno à A., não existindo no caso qualquer nexo causal entre a relação laboral e o acidente; a A. teve uma indisposição por razões puramente endógenas ao seu organismo.
Mais refere no corpo das alegações que: o acidente não ocorreu nem no tempo, nem no local de trabalho: não ocorreu no tempo porque, diz, “(…) quando a A. caiu, contraindo as lesões atestadas nos autos, não estava já a exercer a actividade nem se encontrava adstrita à realização da prestação do trabalho. Havia interrompido o seu tempo de trabalho, (…)”; o art. 179º, al. b), do CT não permite considerar, no caso dos autos, que o evento danoso ocorreu no tempo de trabalho, não abrangendo as situações em que o trabalhador interrompeu o seu trabalho por se sentir mal, não mais o retomando. E, diz, não ocorreu no local de trabalho, uma vez que a A., sendo operadora de caixa do D…, era a caixa o seu local de trabalho, não tendo sido aí que contraiu qualquer lesão; “Aí, ela apenas se sentiu indisposta, com tonturas, devido à sua condição médica – tensão baixa. A própria assentada é clara ao dizer que a A. abandonou o seu posto de trabalho, e se dirigiu para a área administrativa onde se sentou numa cadeira esperando assim que essa indisposição se reduzisse e melhorasse. (…)”; a única alínea deste preceito legal em que se poderia enquadrar a situação seria a al. f); todavia, tal presença na área administrativa e a assistência que a mesma iria ter, não teve qualquer relação com qualquer acidente de trabalho anterior que a mesma tivesse sofrido.

3.1. Desde já se dirá que, no essencial, estamos de acordo com a sentença recorrida.
Ao caso, atenta a data dos factos, é aplicável a Lei 98/2009, de 04.09, que entrou em vigor aos 01.01.2010.
Dispõe o art. 8º da citada lei, sob a epígrafe “Conceito” que:
1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende -se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir -se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
No art. 9º procede-se à extensão de situações suscetíveis de se considerarem como acidente de trabalho.
E, o art. 10º, sob a epígrafe “Prova da origem da lesão”, que:
1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.

O conceito de acidente de trabalho não sofreu alteração face ao que constava da legislação pretérita (Lei 100/97, de 13.09).
Para que o acidente seja caracterizado como de trabalho tem sido considerado como necessário que: (a) ocorra um acidente; (b) que tal se verifique no local e tempo de trabalho ou em algumas das demais circunstâncias referidas no art. 9º (c) que o acidente determine, direta ou indiretamente, uma lesão corporal, perturbação funcional ou doença ou a morte; (d) que das lesões provocadas pelo acidente resulte a perda ou diminuição da capacidade de ganho.
A ocorrência de um acidente consubstancia-se, habitualmente, num evento exterior, isto é com origem estranha à constituição da vítima; mas, como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 23.10.2013 (a que a sentença recorrida apela), e cuja fundamentação assenta também no Acórdão do STJ de 30.06.2011, proferido no Processo 383/04.3TTGMR.L1.S1, in www.coletaneadejurisprudência, referência 3448/2011, “II - O conceito de acidente de trabalho encontra-se em permanente actualização, questionando-se o que se deve entender por facto, evento, ou acontecimento externo, causador da lesão. III – Aceita-se, actualmente, que nem o acontecimento exterior, directo e visível nem a violência, são critérios indispensáveis à caracterização do acidente.”.
Por outro lado, como é hoje adquirido, o conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade objetiva do empregador assenta na teoria do risco de autoridade (que, porque a antecessora corrente assente na teoria do risco profissional - esta exigindo uma relação de causa e efeito entre o acidente e o trabalho - não dava cobertura a acidentes dignos de proteção, a veio substituir).
A teoria do risco de autoridade, assentando na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensa o referido nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com alguma relação entre o trabalho e o acidente.
Assim é que, no âmbito da proteção infortunística, não estão, apenas, incluídos os acidentes diretamente ocasionados por facto próprio, inerente ou típico do exercício das tarefas que se enquadram nas funções que constituem a atividade do trabalhador ou a este cometidas expressamente pelo empregador, sendo que, a assim se não entender, tal representaria um regresso às ultrapassadas conceções assentes na referida teoria do risco profissional.
A conexão ou causalidade entre o trabalho e o acidente decorre ou está insitamente contida na circunstância de o acidente ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, não sendo ao sinistrado necessário demonstrar, relativamente a acidente ocorrido em tais circunstâncias, que o mesmo decorreu por virtude do concreto trabalho.
Isto mesmo decorre do Acórdão do STJ de 16.09.2015, Processo 112/09.5TBVP.L2.S1, in www.dgsi.pt, citado pela Recorrente, aresto esse que, embora tirado no âmbito da Lei 100/97, mantém atualidade e que, pelo seu interesse, se passa a transcrever:
“ (…)
14. Discorrendo sobre o conceito de acidente de trabalho, diz-nos, expressivamente, em obra recente, Júlio Manuel Vieira Gomes[12]:
«A noção de acidente de trabalho sempre foi problemática ao ponto de, por vezes, as leis (…) optarem por prescindir de uma definição legal de acidente de trabalho, sendo que, mesmo quando tal definição existe, ela é, frequentemente, pouco elegante abrangendo--se na definição o definido.
(…)
[A] doutrina sempre hesitou entre uma definição passiva ou ativa do acidente. Com efeito, enquanto alguns (preferiam) uma visão do acidente como uma violação ou lesão do corpo humano, outros – e parece ter sido esse o entendimento que triunfou entre nós – apresentam antes o acidente como o evento que desencadeia a lesão.
Na sua origem, em todo o caso, as definições propostas apresentavam geralmente o acidente como um acontecimento produzido por uma força exterior ou esternal, súbito, violento, que deveria causar à vítima uma lesão corporal ou mental ou uma doença que acarretasse a incapacidade para o trabalho ou a morte. Alguns autores acrescentavam, também, que deveria tratar-se de um facto anómalo. (…) [Q]uase todas estas características têm sido gradualmente postas em causa, de tal modo que só parece mesmo subsistir hoje a existência de subitaneidade e, ainda assim, entendida em termos hábeis e flexíveis.
Hippolyte Marestaing, por exemplo, defendia que (…) a lesão [é] sempre devida a uma causa externa. Mas já Adrien Sachet duvidava dessa exigência de uma causa externa ao corpo do trabalhador, afirmando que “certas manifestações mórbidas têm uma causa violenta e súbita que tanto pode ser externa como interna: é o caso dos lumbagos, das ciáticas, das ruturas musculares, das hérnias, etc.”, E entretanto foram-se multiplicando as vozes que – e bem, a nosso ver – acreditam que não há que exigir sempre uma causa externa ou exterior ao corpo do trabalhador.
É tradicional, também, a referência a uma causa violenta da lesão sofrida pelo trabalhador. Sublinhe-se que o que se exigia era uma causa violenta da lesão e não, propriamente, uma causa violenta para o evento desencadeador da lesão, isto é, para o acidente. Mas mesmo assim, embora essa causa violenta exista frequentemente, parece excessivo configurá-la como indispensável para a existência de um acidente de trabalho (…).
Uma parte da doutrina exigia, também, no passado, que ao acidente correspondesse a um evento anómalo ou, de algum modo, excecional. Tal exigência, mais uma vez, carece de razão de ser (…).
Modernamente uma característica que parece continuar a reunir consenso é a subitaneidade que parece, aliás, ser hoje o critério fundamental que permite distinguir o acidente da doença profissional.»
15. A variedade dos acontecimentos suscetíveis de constituir acidente de trabalho é muito ampla, sendo as quedas, acidentes de viação, explosões, cortes, entalões, torções de determinada parte do corpo e pancadas/embates com/em objetos contundentes/cortantes algumas das situações mais frequentes.
O STJ vem decidindo que o evento pode não ser instantâneo, nem violento[13], mas deve ser súbito[14], embora o conceito de subitaneidade venha a ser progressivamente ampliado pela doutrina.[15] Também de modo crescente se vem defendendo que o acidente de trabalho não pressupõe uma causa exterior física (cfr. supra n.º 14) e que a sua origem pode ser, nomeadamente, de índole moral ou psíquica[16].
Independentemente das querelas doutrinárias atinentes à sua exata delimitação, pode afirmar-se, grosso modo, que o acidente de trabalho consiste sempre num evento danoso que, entre outras características, apresenta determinada conexão com a prestação do trabalho.
O direito comparado revela que, em termos de estruturação dogmática, é possível focalizar o conceito no elemento “evento” (seja ele um facto humano ou uma situação jurídica objetiva[17]) ou no elemento “dano”, discrepância que não se encontra isenta de consequências práticas.
Com efeito, se em determinadas situações é possível identificar claramente os dois elementos (é o caso, por exemplo, das lesões corporais sofridas por um motorista profissional na sequência de um acidente de viação, ou do trabalhador que é acometido de enfarte agudo do miocárdio ou de acidente vascular cerebral aquando de uma altercação com o seu superior hierárquico), outras há em que não é possível determinar exatamente a origem de lesões sofridas no contexto do vínculo jus-laboral.
Para obviar a este tipo de dificuldade, alguns sistemas jurídicos tendem a construir o conceito de acidente de trabalho a partir do elemento “lesão”, como é o caso de Espanha, país em que o art. 115.º do Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20 de junho, que aprovou o Texto Refundido da Lei Geral da Segurança Social, estatui que se entende por acidente de trabalho toda a lesão corporal que o trabalhador sofra por ocasião ou em consequência do trabalho (que execute por conta alheia).
Como se compreende, este paradigma privilegia a relação “mais ou menos intensa” existente entre o trabalho e o dano[18], ao contrário do modelo vigente entre nós, que não dispensa a prova de um evento infortunístico que configure um acidente de trabalho (cfr. supra n.º 13).
16. Sabido que é a assunção de determinada esfera de riscos que leva à “edificação” de uma esfera de responsabilidade, de imediato se suscita o tema – de “cunho imputacional” – da exclusão do domínio da responsabilidade civil daqueles danos que não apresentem com o risco suficiente “pertinência” ou “conexão funcional”[19], como, no limite, acontece com os casos de força maior [cfr. art. 7.º, n.º 1, d), da Lei 100/97].
Nesta perspetiva, como resulta da definição legal de acidente de trabalho, a sua verificação demanda a presença de um elemento espacial (em regra, o local de trabalho) e de um elemento temporal (que em regra se reconduz ao tempo de trabalho) que expressem uma adequada conexão com a prestação laboral, nexo que se “preenche sempre que o trabalhador se encontre naquele local, naquele momento e naquelas circunstâncias em virtude do seu trabalho”[20].
Vale por dizer que o conceito de acidente de trabalho supõe uma “relação de natureza etiológica” entre a prestação de trabalho e o acidente, isto é, que “a causa do dano esteja incluída dentro de uma certa zona de riscos” de alguma forma ligados à prestação de trabalho.[21]
Ou, noutra formulação, embora com análogo sentido, que o trabalho tem de estar implicado no acidente (“nexo de implicação”), o que pode resultar “em termos formais dos critérios consagrados na lei ou, em casos mais complexos, de uma conexão material com as funções da pessoa”.[22]
Todavia, tendo em conta a conexão com o local e tempo de trabalho já ínsita no conceito legal de acidente de trabalho (e sendo ainda certo que nos encontramos no âmbito da responsabilidade objetiva, domínio que se vem afirmando “como resposta jurídica ao aumento do risco da vida e à premência de se garantir os direitos dos lesados”[23], no qual se evidencia a tendência para a “deslocação do dano para entidades coletivas”[24] e para a socialização dos riscos, em especial dos associados à prestação laboral, a par de uma simplificação das exigências atinentes à causalidade[25]), não é de exigir ao trabalhador a prova de um nexo causal (propriamente dito) entre o trabalho e o evento lesivo, como decidiu o Ac. de 17.12.2009 desta Secção Social[26], do qual se destaca o seguinte passo:
«“[C]ompreende-se que assim seja, uma vez que a teoria subjacente ao nosso ordenamento jurídico infortunístico-laboral há muito deixou de ser a chamada teoria do risco profissional que, como diz Carlos Alegre (in Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., p. 12 e 13), assentava num risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, tendo sido substituída, a partir da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, pela denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade cuja ideia mestra, no dizer do citado autor, “é a de que não se trata já de um risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, mas sim de um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes”.
Como diz aquele autor (ob. cit., páginas 41-42), discutiu-se muito, quer na doutrina (-), quer na jurisprudência, a necessidade da causa da lesão ser ou não um risco inerente ao trabalho, ou seja, a necessidade da existência de um nexo de causalidade entre o trabalho e o evento lesivo, mas a desnecessidade desse nexo entre o evento lesivo e o trabalho em execução é uma decorrência natural da teoria do risco económico ou risco da autoridade, pelo que o acidente ocorrido no tempo e local do trabalho é considerado como de trabalho, “seja qual for a causa, a menos que se demonstre (e esse ónus pertence à entidade responsável) que, no momento da ocorrência do acidente, a vítima se encontrava subtraída à autoridade patronal”.»
Quanto à doutrina, perfilham a tese da desnecessidade de um nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, nomeadamente, Luís Menezes Leitão[27] e Mafalda Miranda Barbosa[28], pugnando Pedro Romano Martinez[29] pela inversa.[30]
Também a doutrina e jurisprudência espanholas vêm entendendo que existirá um acidente de trabalho quando de alguma forma exista uma conexão entre o dano e a execução do trabalho, mormente quando aquele ocorra no lugar e tempo do trabalho, relação que deverá considerar-se verificada sempre que não se provem factos “de tal relevo que seja claramente evidente” que a mesma não existe.[31]
17. In casu, provou-se que, em 10.12.2008, dia em que, como empregada doméstica, prestou serviços para os réus entre as 8 e as 16 horas, “a autora sofreu traumatismo craneoencefálico, provocado por pancada ou choque em superficie dura, portanto, um evento súbito, violento e exterior à lesada, o que sucedeu no local (cfr. art. 6.º, n.º 3, da LAT) e no tempo (cfr. art. 6.º, n.º 4, do mesmo diploma) de trabalho, como resulta, no fundamental, dos n.ºs 1, 2, 6, e 31 a 34 da factualidade assente.
Não se provou qualquer elemento que permita afirmar, ou sequer conjeturar, que a trabalhadora não se encontrasse no local, momento e demais circunstâncias do evento infortunístico em virtude do seu trabalho, ou, por outras palavras, subtraída à autoridade dos réus empregadores, pelo que, à luz do critério exposto em supra n.º 16, não pode deixar de considerar-se verificada a necessária conexão entre a prestação de trabalho e o acidente (“relação de natureza etiológica” ou “nexo de implicação”, no dizer dos autores acima mencionados).
Vale assim concluir que nos encontramos perante um acidente de trabalho, acidente que provocou à A. um traumatismo craneoencefálico (dano físico), no qual radica a IPP (dano laboral) fixada nos autos, pelo que se encontram verificados todos os pressupostos da responsabilidade imputada aos RR. na decisão recorrida.” [fim de transcrição]

Importa também referir que os conceitos de local e tempo de trabalho não correspondem, nem podem corresponder, à interpretação que a Recorrente advoga. Não só tal interpretação não tem acolhimento no conceito legal, seja da Lei 98/2009 e do CT, como, no domínio da reparação infortunística, colide com a teoria do risco de autoridade a eles subjacente.
Local de trabalho não se reconduz, apenas, ao espaço físico correspondente ao concreto posto de trabalho do trabalhador, antes abrangendo todo o local onde o trabalhador esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador, nele se incluindo todas as instalações da empresa.
O tempo de trabalho compreende, desde logo, o período normal de trabalho, bem como as interrupções normais ou forçosas de trabalho (para além do tempo que precede e segue o período normal de trabalho em atos relacionados com ele), havendo também que ter em conta que, nos termos do art. 197º, nºs 1 e 2, al. b), constitui tempo de trabalho “qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a sua atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos” no nº 2, entre os quais se conta, conforme al. b) deste número, a “interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador”.

3.2. No caso, decorre da matéria de facto provada que:
- A A., B…, trabalha sob as ordens, direção e fiscalização de “D…, SA”, no estabelecimento sito na Rua …, nesta cidade, com a categoria e as funções de operadora de supermercado. (nº 1);
- Em sede de exame pericial, não se determinou a existência de qualquer antecedente patológico ou traumático relevante, e excluiu-se, até, a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo, bem como a pré-existência de dano corporal. (nº 12);
- A A. sofreu incapacidade temporária absoluta desde 10-01-2015 até 22-01-2015, fixável num período de 13 dias. (nº 14);
- Em 10-01-2015, cerca das 12h56m, no interior do estabelecimento referido em A), a autora, ao sentar-se numa cadeira, por sentir tonturas, sentiu-se desfalecer e caiu no solo, embatendo o braço e as costelas à esquerda. (nº 15);
- Do evento supra descrito resultou contusão do ombro e do tórax. (nº 16);
- A incapacidade temporária descrita em 14 resultou do evento descrito em 15. (nº 20);
- A A., no dia e hora indicados em 14 havia estado a trabalhar normalmente na área comercial, sem ter efetuado qualquer esforço excessivo. (nº 21);
- Por volta das 12,50 e sem que tivesse caído, efetuado qualquer esforço ou sofrido qualquer tipo de lesão ou impacto, a A. começou a sentir-se mal. (nº 22);
- Porque a sua indisposição não passava, abandonou o seu posto de trabalho e dirigiu-se para a área administrativa. (nº 23);
- Já na área administrativa, a A. sentou-se numa cadeira, aguardando que a indisposição lhe passasse. (nº 24);
- Foi então que, quando se encontrava ainda sentada na área administrativa, a A. desfaleceu, quase perdendo os sentidos. (nº 25);
- E por ter perdido as suas forças e equilíbrio, a A. caiu da cadeira, onde se havia sentado a aguardar que passasse a sua indisposição, para o chão. (nºs 26);
- Foi então que a A. se magoou, embatendo com o braço e as costelas no chão. (nº 27).
Ainda com relevância, foi dado como não provado que “As lesões da sinistrada são consequência de “causa intrínseca” resultante da existência de patologia anterior ou contemporânea do evento (queda) que concorresse para as lesões descritas.”
Da mencionada factualidade decorre que o evento/acidente sofrido pela A. consistiu na queda da cadeira, dele tendo resultado as lesões descritas.
Mais decorre que tal evento ocorreu no local de trabalho e no tempo de trabalho da A., improcedendo a argumentação da Recorrente no sentido de que assim não seria.
Ocorreu no local de trabalho pois que, como acima referido, este não se confina ao estrito espaço geográfico onde a A. desempenhava as suas funções de caixa. O acidente, ainda que na área administrativa aonde a A. se deslocou por não se sentir bem, ocorreu nas instalações da empresa, abrangidas pelo risco de autoridade, isto é, em local sujeito ao controlo do empregador.
E ocorreu no tempo de trabalho. A A., quando se sentiu mal, encontrava-se no exercício das suas funções, ou seja, no seu horário de trabalho, e não é a circunstância de ter interrompido tal exercício, pelo mencionado motivo, que exclui o conceito de acidente ocorrido no tempo de trabalho. Até porque neste se incluem as interrupções forçosas de trabalho e, nos termos do CT, as ocasionais determinadas pela necessidade de satisfação de necessidades pessoais e inadiáveis do trabalhador ou resultantes de consentimento do empregador. A A., porque se sentiu mal, teve que interromper o concreto desempenho das tarefas que levava a cabo, constituindo tal uma interrupção forçosa do trabalho para satisfação de uma sua necessidade inadiável.
O evento naturalístico em que se consubstancia o acidente - queda da cadeira – ocorreu, e ocorreu no local e tempo de trabalho, daí decorrendo o nexo causal ou conexão entre o trabalho e o acidente, tendo, pois, a A. feito prova dos pressuposto, cujo ónus sobre ela impendiam, do direito à reparação.
E, perante tal prova, desde logo incumbia à Ré a prova da inexistência de total conexão entre o trabalho e o acidente, isto é, cabia-lhe a prova de que a causa determinante do acidente (queda) seria totalmente alheia ao trabalho, e resultante apenas de causa endógena à A. (e, isto, dando até, por ora, “de barato” o que dispõe o art. 11º, nº 1, da Lei 98/2009, nos termos do qual a predisposição patológica não exclui o direito à reparação).
Ora, a este propósito, provou-se que, antes da queda da cadeira, a A., sem ter efetuado qualquer esforço excessivo, sem que tivesse caído, ou “sofrido qualquer tipo de lesão ou impacto”, se começou a sentir mal; que, como essa indisposição não passasse, saiu do local onde prestava as suas funções e se dirigiu à área administrativa, onde se sentou numa cadeira, aguardando que a indisposição lhe passasse, momento em que desfaleceu, “quase perdendo os sentidos” e, “por ter perdido as suas forças e equilíbrio”, caiu da cadeira para o chão (daí decorrendo as lesões determinantes da incapacidade temporária).
É certo que não se provou a causa da indisposição da A. e do seu desfalecimento. Mas era à Ré, e não à A., que competia o ónus da prova de que tal terá decorrido apenas de causa ligada à A., sem a concorrência de qualquer fator externo, prova essa que a Ré não fez, pois que tal não decorre, muito menos necessariamente, da circunstância de se ter provado que a A. não fez um esforço excessivo, que não sofreu queda (antes da queda da cadeira, entenda-se), “nem qualquer tipo de lesão ou impacto”. Aliás, e diga-se, que a referência a “qualquer tipo de lesão” tem até natureza, senão mesmo conclusiva, pelo menos vaga e genérica. E, por outro lado, foi dado como não provado que “As lesões da sinistrada são consequência de “causa intrínseca” resultante da existência de patologia anterior ou contemporânea do evento (queda) que concorresse para as lesões descritas.”.
De todo o modo, mesmo que assim se não entendesse, mormente por a A. padecer, ou ser a isso propensa, de desfalecimentos, cairia a situação no âmbito do art. 11º, nº 1, da Lei 98/2009, nos termos do qual “a predisposição patológica do sinistrado num acidente não excluir o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.”.
No caso, nem ficou provada essa patologia ou predisposição, nem foi alegado (caso aquelas se verificassem) que hajam sido ocultadas pela A., remetendo-se, a este propósito, para o que deixámos dito a propósito da questão relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Assim, e terminando, improcedem nesta parte as conclusões do recurso.
4. Se o direito à reparação deve ser excluído com base no art. 11º, nº 1, parte final, da Lei 98/2009.
Sobre esta questão já nos pronunciámos no ponto imediatamente antecedente, bem como em sede de matéria de facto (ponto III.2.2.), para onde se remete, apenas se salientando que, como já referido, se trata de questão nova, não oportunamente invocada, e de que não pode esta Relação conhecer.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 11.09.2017
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas