Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4/07.2GCOVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP201409244/07.2GCOVR.P1
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não se revela ser inexigível, nem ofender o principio da proporcionalidade a condição de pagamento de 10% da quantia de 72.791,59€, no prazo de 3 anos, para suspender a pena de 3 anos de prisão, se o arguido aufere uma pensão de 213,00€, efectua biscates na construção civil, continua a residir no mesmo complexo habitacional que habitava antes de divorciado, o meio onde vive duvida da real situação de divorcio entre os cônjuges, e na partilha dos bens do casal subsequente ao divórcio não lhe foram adjudicados quaisquer imóveis nem nenhum dos três veículos automóveis, existindo a sensação de que o arguido se colocou deliberadamente na situação de ausência de bens para evitar a satisfação de qualquer indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4/07.2GCOVR.P1
Ovar
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª Secção Criminal

I-Relatório.
No Processo Comum Colectivo nº 4/07.2GCOVR da Comarca do Baixo Vouga - Ovar – Juízo de Instância Criminal, foi submetido a julgamento o arguido: B…, casado, comerciante, nascido em 20-9-1950 em …, filho de C…, residente em …,
Por acórdão de 10.02.2012, depositado no mesmo dia, foi deliberado:
“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo:
a) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de infracção às regras de construção agravado, p. e p. pelos artigos 277º, nº 1, alínea b) e 285º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Suspender a execução desta pena pelo período de três anos, com a condição de o arguido pagar, no prazo de três anos, as quantias em que foi condenado relativamente ao C.H.E.D.V., E.P.E. (Unidade de S. Sebastião) e ao Instituto da Segurança Social, IP, bem como, em igual prazo, 20% (vinte por cento) da quantia que é condenado a pagar ao demandante D…, sem prejuízo da normal execução a que possa haver lugar;
c) Condenar o arguido nas custas do processo, com 3 UCs de taxa de justiça, legais acréscimos e encargos, fixando-se no mínimo a procuradoria.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante D… e, consequentemente, condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia total de € 72.791,59 (setenta e dois mil setecentos e noventa e um euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, sobre a quantia de € 54.791,59, a contar da notificação, absolvendo-o do demais peticionado;
e) Custas deste pedido de indemnização civil pelo demandante e pelo demandado, na proporção do decaimento;
f) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C.H.E.D.V., E.P.E. (UNIDADE DE S. SEBASTIÃO) e, consequentemente condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 12.807,91 (doze mil oitocentos e sete euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da notificação;
g) Julgar totalmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP. E, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 221,20 (duzentos e vinte e um euros e vinte cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da notificação;
h) Custas destes dois pedidos pelo demandado.»
*
Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 984 a 1011, que foi decidido através de acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 17.10.2012, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em dar parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente nos seguintes termos.
Confirmando a decisão recorrida quanto à determinação da culpabilidade do recorrente e à subsunção jurídica efectuada. Anular o acórdão para que se proceda ao referido juízo de prognose de razoabilidade, podendo para o efeito serem solicitados os elementos acima elencados.»
No seguimento do referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, após levadas a cabo diligências para o efeito visado, foi proferido novo Acórdão na primeira instância, datado de 28 de Fevereiro de 2014, e depositado no mesmo dia, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo, após reabertura da audiência determinada pelo Tribunal da Relação:
a) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de infracção às regras de construção agravado, p. e p. pelos artigos 277º, nº 1, alínea b) e 285º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Suspender a execução desta pena pelo período de três anos, com a condição de o arguido pagar, no prazo de três anos, 10% (dez por cento) da quantia que é condenado a pagar ao demandante D…, sem prejuízo da normal execução a que possa haver lugar;
c) Condenar o arguido nas custas do processo, com 3 UCs de taxa de justiça, legais acréscimos e encargos, fixando-se no mínimo a procuradoria.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante D… e, consequentemente, condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia total de € 72.791,59 (setenta e dois mil setecentos e noventa e um euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, sobre a quantia de € 54.791,59, a contar da notificação, absolvendo-o do demais peticionado;
e) Custas deste pedido de indemnização civil pelo demandante e pelo demandado, na proporção do decaimento;
f) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C.H.E.D.V., E.P.E. (UNIDADE DE S. SEBASTIÃO) e, consequentemente condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 12.807,91 (doze mil oitocentos e sete euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da notificação;
g) Julgar totalmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP. E, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 221,20 (duzentos e vinte e um euros e vinte cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da notificação;
h) Custas destes dois pedidos pelo demandado.»
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De novo inconformado com a decisão veio o arguido interpor recurso apresentando a motivação de fls. 1277 a 1285, que remata com as seguintes conclusões:
a. A decisão recorrida considerou erradamente provados os factos constantes dos pontos 40 a 50 e 56 a 59.
b. Na verdade, os documentos 4, 5, 9 a 38, 39, 40, 41, 43 a 103 anexos ao pedido não esclarecem se os tratamentos e as despesas aí relatadas derivam ou não do acidente em questão.
c. Além disso, ao contrário do que ficou provado no ponto 56 do Acórdão, não se pode concluir que o assistente não possa voltar a trabalhar corno pintor da construção civil pois que o próprio, no âmbito das informações que prestou ao Sr. Perito do IML, assumiu que não sabia se estava impedido de retomar a sua profissão habitual uma vez que tinha mudado de profissão.
d. Por outro lado, não se pode aceitar a incapacidade permanente atribuída de 32, 56% já que a perícia foi realizada de acordo com a tabela de direito laboral.
e. Ora, por força do disposto no art. 129.º do Código Penal, a perícia tem de ser realizada de acordo com os critérios previstos na Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, constante do Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro.
f. Face ao exposto, atendendo a que todos os documentos anexos ao pedido de indemnização foram impugnados e que a perícia não pode ser considerada, não é possível provar a extensão das lesões sofridas pelo demandante nem a repercussão das mesmas na sua vida pessoal e profissional.
g. Impunha-se, assim, considerar como não provados os factos descritos nos pontos 40 a 50 e 56 a 59 do Acórdão.
h. O Acórdão recorrido violou o princípio da livre apreciação da prova, bem como os normativos constantes os art.s 163.º do CPP e 129.º do CP.
i. Por outro lado ainda, a factualidade constante do ponto 35, deverá ser alterada de acordo com o relatório social, passando a ter a seguinte redacção: Junto do meio sócio-residencial, não parece clara a situação de separação/afastamento do arguido em relação à ex-cônjuge, tendo em conta que habitam o mesmo endereço, do tipo "condomínio fechado" e, algumas vezes, são vistos juntos em deslocações no meio social. No entanto, os elementos da família contactados, reafirmaram-nos a existência de uma situação de separação de facto entre os ex-cônjuges, devido aos graves problemas que determinaram o divórcio: designadamente, envolvimentos extramatrimoniais do arguido e má gestão financeira com prejuízo da família.
j. Importa também completar a facticidade vertida no ponto 37 do Acórdão que se fundamentou também no mesmo relatório social, passando a mesma a referir que não consta da base de dados a obtenção de quaisquer rendimentos por parte do arguido, sujeitos à obrigação de entrega da competente declaração.
k. Finalmente, resulta ainda do relatório que o arguido comparticipa com cerca de € 100,00 na economia doméstica.
l. Com a alteração preconizada supra, dos factos provados apenas se constata que o assistente foi vítima de um acidente, não se conseguindo apurar em concreto as lesões sofridas, tratamentos efectuados e as repercussões das eventuais sequelas na sua vida pessoal e profissional.
m. Perante tal ausência de prova, entendemos que a fixação do quantitativo indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais deverá ser relegado para liquidação em execução de sentença.
Sem prescindir:
n. Mesmo que não se altere a decisão fáctica, continuava a não ser possível proceder ao cálculo dos danos patrimoniais reclamados pelo demandante.
o. Com efeito, ficou provado que o demandante foi ressarcido no âmbito do Processo n.º 990/07.2TTVNG do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, de danos patrimoniais aqui reclamados no pedido de indemnização civil.
p. Não obstante, o Acórdão limitou-se a dar como assente esta factualidade, sem se preocupar em apurar, como lhe competia e havia sido requerido pelo demandado, quais as concretas quantias recebidas pelo demandante e a que título.
q. Padece, por isso, o Acórdão do vício de nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al, c) do CPP pois deixou de se pronunciar sobre matéria essencial para a boa decisão da causa, in casu, para a fixação da indemnização a título de danos patrimoniais em que o demandado foi condenado.
r. Assim sendo, decretando-se a nulidade do acórdão nesta parte, deverão os autos ser remetidos para l.ª instância a fim de se averiguar quais os danos patrimoniais de que o demandante já foi ressarcido no âmbito do processo n.º 990/07.2TTVNG que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira.
s. Ora, o Tribunal a quo, ainda que tivesse dado como provado que o demandante pediu o pagamento de danos de que já havia sido ressarcido, não se preocupou, como lhe competia, em determinar quais os valores já liquidados, argumentando que "o arguido sempre poderá invocar tal facto em sede de eventual execução que lhe seja instaurada pelo demandante, não se verificando qualquer irreversibilidade no que respeita ao montante a pagar, e sendo certo que 10% desse total é montante manifestamente inferior ao montante devido a título de danos não patrimoniais".
t Discorda-se desta fundamentação uma vez que nenhuma decisão judicial poderá conduzir a duplicação de indemnizações para pagamento dos mesmos danos.
u. Além de que, o Acórdão não transitou em julgado no que concerne ao valor fixado a título de danos não patrimoniais, o que impede o juízo de certeza ínsito no Acórdão de que 10% do valor total em que o demandado foi condenado (€ 72.791,59) é montante manifestamente inferior ao montante devido a título de danos não patrimoniais.
v. Acrescendo ainda que a condenação do pagamento de apenas 10% da totalidade dessa quantia apenas se aplica à condição de suspensão da pena aplicada ao arguido e não à totalidade do valor em que este foi condenado na al. d) da parte dispositiva do Acórdão.
w. Sendo que os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença encontram-se taxativamente indicados no art. 729.º, als. a) a i) do NCPC, não se vislumbrando que a oposição com base no enriquecimento sem causa aventada no Acórdão em análise possa consubstanciar algum desses fundamentos.
Sem prescindir:
x. Atendendo à falta de credibilidade dos documentos juntos pelo assistente, à ilegalidade da perícia realizada, bem como aos critérios previstos nos arts. 562.º, 564.º e 566.º do CC, os valores fixados a título de danos patrimoniais são desadequados, desproporcionais e exagerados.
y. Para além disso, por força dos dispositivos constantes nos arts. 496.° e 494.° do CC, no cálculo dos danos não patrimoniais deve ser levado em consideração a situação económica do arguido, o montante arbitrado para reparação destes danos é desajustado e excessivo, sugerindo-se, a atribuição de uma indemnização nunca superior a € 2.500,00.
z. Por outro lado ainda, o Acórdão reduziu para 10% o montante a pagar ao demandante como condição de suspensão da pena.
aa) Importa relembrar que, no caso concreto, o demandado não se encontra desamparado pois que já recebeu uma avultada quantia em sede de direito laboral.
bb) O Recorrente não pode concordar com a condição imposta e muito menos com a fundamentação que lhe está subjacente.
cc) Veja-se que o Acórdão considerou provado que o arguido apenas aufere a quantia de € 213,00; comparticipando com € 100,00 para a economia do agregado familiar composto pelo filho desempregado, companheira que recebe subsídio de desemprego, e filho destes.
dd) Da decisão consta também que o arguido reside numa habitação tipo anexos, não possuindo quaisquer bens móveis ou imóveis, não apresentando declaração de rendimentos de IRS, pelo menos, desde o ano de 2011, não tendo rendimentos sujeitos à obrigação da entrega desta declaração (pontos 32 e 37).
ee) Ora, o Acórdão proferido impôs ao arguido a obrigação de o mesmo pagar a quantia de pelo menos € 7.276,16 (que será mais elevada se atendermos a que sobre as quantias acrescem juros), no prazo de três anos, apesar de o mesmo ter corno único rendimento urna pensão no valor de € 213,00.
ff) Basta fazer contas para se concluir pela total ausência de razoabilidade desta condição pois que o arguido teria de afectar a totalidade do seu rendimento, durante cerca de três anos em exclusivo para pagamento da condição que lhe foi imposta e mesmo assim não conseguiria cumpri-la.
gg) Como poderá, então, o arguido evitar cumprir pena efectiva de prisão? Não poderá, jamais!
hh) A confirmação da falta de razoabilidade da condição imposta resulta mesmo da motivação do próprio Acórdão que alega que a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, reconhecendo de forma sub-reptícia que o arguido não possui realmente condições económicas para cumprir a condição imposta na decisão.
ii) Pelo exposto, a condenação no pagamento de 10% da indemnização arbitrada ao demandante corno condição para a suspensão da pena de prisão aplicada é gritantemente desrazoável, devendo ser revogada por V s. Ex.as Venerandos Desembargadores.
jj) Violou o Acórdão o princípio da livre apreciação da prova, do enriquecimento sem causa, bem corno os dispositivos legais constantes dos arts. 494.º, 496.º 562.º, 564.º, 566.º do Código Civil e o disposto no art. 51.º, ns 1 e 2 e 129.º do Código Penal.
Termina pedindo a procedência do recurso e que se decrete a nulidade do acórdão e a remessa dos autos à primeira instância.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 1286.
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O Mº Pº junto do Tribunal a quo ofereceu resposta conforme fls. 1293 a 1298, que rematou com as seguintes conclusões:
«1.º O recurso interposto pelo arguido é limitado à matéria do pedido de indemnização civil em que foi condenado – considerando que o Tribunal “a quo” julgou erradamente como provados os pontos de facto 40 a 50 e 56 a 59 – e, quanto à parte criminal, à questão do valor da condição de suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
2.º Quanto à temática relacionada com o pedido de indemnização civil em que o recorrente foi condenado, o Ministério Público não tem legitimidade para se pronunciar.
3.º Quanto à questão do valor da condição da suspensão da execução da pena – pagamento ao ofendido D…, no prazo de três anos, de 10% da quantia indemnizatória de € 72.791,59, acrescida de juros, à taxa legal, sobre a quantia de € 54.791,59, a contar da notificação – e que o recorrente considera “gritantemente desrazoável” (conclusão ii) – entendemos que não lhe assiste razão.
4.º De facto, resultou provado, além do mais, que, o arguido “divorciou-se há cerca de três anos, cessou a sua actividade empresarial e requereu a pré-reforma, auferindo 213 euros por mês; efectua pontualmente alguns “biscates” na construção civil; vive com o filho de 34 anos, a cônjuge deste e filho numa vivenda, perto da antiga casa de morada de família, onde vive a ex-cônjge do arguido” – Factos provados 26, 27 e 28.
5.º E como consta da fundamentação do acórdão recorrido, ao estabelecer a referida condição de suspensão, o “Tribunal” a quo” também ponderou a situação económica do recorrente, bem como a “ componente penal que uma suspensão condicionada também comporta e a necessidade de não votar a vítima a um completo desamparo”.
6.º Além disso, o eventual incumprimento da condição não comporta a revogação automática da suspensão da execução da pena, como resulta das alternativas previstas nas várias alíneas do art.º 55.º do Código Penal.
7.º De facto, e como tem entendido a jurisprudência – cf.r, por todos, Ac. da R.C., 12/10/2011, www.dgsi.pt – “Os deveres condicionantes da suspensão da execução da pena terão de obedecer a um princípio de razoabilidade (art.º 51.º, n.º2, do C Penal), ou seja, deverão poder ser satisfeitos pelo condenado de acordo com as suas normais possibilidades, devendo, porém, traduzir um sacrifício para o visado, de modo a fazer-lhe sentir a natureza punitiva de um tal dever. Será na conjugação destes dois vectores – reforço das finalidades da punição e normal possibilidade de cumprimento – que se hão-de definir os deveres condicionadores da suspensão da execução da pena” – negrito nosso.
8.º Acresce que “ a condição de suspensão de execução da pena não deve fixar-se atendendo apenas às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado. Tal decisão deve considerar a possibilidade de o arguido desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição, sob pena de a medida se tornar inaplicável aos arguidos de mais fracos recursos” – Cfr. Ac. da R.P. de 11/05/2011 – Rec. n.º 728/08.7PDVNG-P1 -4.ª Secção, in Boletim de Sumários, n.º 40.
9.º Ora, distribuindo o valor da indemnização condicionante da suspensão da execução da pena (cerca de €10.000,00) por 36 meses (prazo concedido ao recorrente para o respectivo pagamento) este terá que pagar apenas a média mensal de € 277,77 durante o referido período.
10.º Por isso, e também de acordo com a citada jurisprudência, não se poderá considerar exagerada ou desproporcionada tal obrigação de pagamento, e muito menos impossível de cumprir por banda do arguido.
11.ª De facto, para que o possa fazer (e mesmo que não lhe saia a lotaria, euro milhões ou totoloto), bastará aumentar ligeiramente os proventos dos “biscates” na construção civil, que continua a fazer – cfr. Facto provado 27 -; ou até, se necessário for, recorrer à ajuda do filho, com quem vive, ou a empréstimo para satisfazer o valor dessa condição – sempre sem perder de vista que o cumprimento desta deverá traduzir-se num sacrifício para o agente, de modo a fazer-lhe sentir a natureza punitiva de um tal dever.
12.º Além disso, subsiste sempre a possibilidade de, no longo prazo de três anos, o arguido vir a adquirir melhores rendimentos, adquirir herança ou até refazer a sua vida com a “ex-conjuge” – que continua a residir na vivenda que já foi dele, anexa à casa do filho, onde agora mora o arguido – cfr. Factos provados 28 e 32 – o que lhe permitirá cumprir, sem grande sacrifício, a condição de indemnização que lhe foi imposta no acórdão recorrido. 13.º Assim, e ao contrário da tese do recorrente, concluímos que tal condição não é impossível, nem desadequada à situação do arguido, e que o Tribunal “a quo” fez correcta apreciação da prova e aplicação do direito, e não violou qualquer preceito legal – designadamente o disposto nos arts. 51.º, n.ºs 1 e 2, e 129.º do Código Penal.
Termina pedindo a improcedência do recurso.

Houve resposta do recorrido D…, consoante fls. 1299 a 1306 que pugnou pela negação de provimento ao recurso.
Neste Tribunal da relação do Porto foi emitido Parecer no sentido de negação de provimento ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
- Nulidade por omissão de pronúncia- artigo 379º, n.º1 al. c)
- Impugnação dos pontos 40 a 50 e 56 a 59 e alteração dos pontos 35 e 37, da matéria de facto provada.
- Impossibilidade de cálculo dos danos patrimoniais. Montante da indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
- Irrazoabilidade da condição aposta à suspensão
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2. Factualidade.
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação, tal como constam do acórdão sob escrutínio.
«A).FACTOS PROVADOS
Produzidas as provas e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
A-1 DA ACUSAÇÃO
1). O arguido é o legal representante da empresa E…, Lda., com sede na …, …, …, Vila Nova de Gaia, cuja actividade, no mês de Janeiro de 2007 designadamente, abarcava, além do mais, a realização de trabalhos no âmbito da construção civil.
2). O ofendido, C…, pintor da construção civil, a trabalhar à ordem do arguido, na área da construção civil, durante mais de 18 anos, era, naquela data, trabalhador por conta da E…, Lda., na situação de empregado efectivo, classificado como motorista.
3). Entre finais de Dezembro de 2006 e inícios de Janeiro de 2007, o ofendido, na referida qualidade de trabalhador à ordem e por conta da empresa “E…”, foi destacado pelo arguido para realizar os trabalhos de substituição de telhas de fibrocimento na cobertura de um edifício pertencente à Firma “F…, Lda.”, com sede na R. …, …, …, serviço que esta contratara à “E…”, entre outros, através dos respectivos legais representantes.
4).No desempenho dessa tarefa, que vinha executando há cerca de uma semana, o ofendido, no dia 4 de Janeiro de 2007 dirigiu-se, com o arguido, a …, nesta comarca, ao armazém da firma “F…, Lda.” para, a mando do arguido e sob a sua orientação, substituir mais duas telhas.
5).Todavia, quando o ofendido, no telhado do referido armazém, procedia à substituição, colocou o pé em cima de uma das telhas, que partiu, provocando-lhe a queda desamparada no solo, de uma altura de cerca de 10 metros, já que desenvolvia os referidos trabalhos sem beneficiar de qualquer protecção que lhe prevenisse o risco de queda.
6).Em consequência desta caída, sofreu o ofendido os ferimentos descritos nas perícias de fls. 94/97, 230/233, 240/243 e 257, que aqui se dão por reproduzidas e que acabaram por lhe determinar, directa e necessariamente, um período de 550 dias de doença com incapacidade para o trabalho geral e profissional e incapacidade permanente parcial fixável em 32, 56%.
7).O arguido bem sabia que, na qualidade de legal representante da entidade patronal do ofendido, era o responsável pela realização da obra com segurança, pelo que lhe competia implementar as medidas de protecção necessárias, designadamente para prevenir os riscos de queda em altura implicados nos trabalhos em curso, no contexto em que se realizavam.
8).O arguido, na qualidade de representante legal da “E…”, entidade patronal do ofendido, decidiu que o arguido realizaria os referidos trabalhos de substituição no telhado do armazém, a uma altura de 10 metros do solo, sem lhe providenciar cinto de segurança, utilização de guarda- corpos, plataformas de trabalho, escadas do telhador, tábuas de rojo, redes de suspensão, capacete ou calçado de segurança, de forma voluntária, deliberada e consciente, como quis e conseguiu e ao contrário do que se sabia obrigado.
9).O arguido sabia que, dessa maneira, no âmbito da sua actividade profissional, infringia as regras de construção estabelecidas legalmente, designadamente nos artigos 44º, nºs 1 e 2 e 45º do Decreto nº 41.821 de 11/958, 150º do Decreto 41820, artigo 8º do DL 441/91, de 14/11 e artigos 14º, nº 1 e 2 c) do DL 273 de 29/10/93, como queria e conseguiu.
10).O arguido, ao ordenar a realização do trabalho ao ofendido sem lhe proporcionar qualquer daquelas medidas de segurança, sabia que o ofendido efectuaria o trabalho naquelas condições, como queria e conseguiu.
11).O arguido sabia que ordenara ao ofendido que desenvolvesse o trabalho em local de fraca resistência – daí a contratada substituição das telhas- pelo que se verificava a elevada possibilidade de, em consequência dessa falta de implementação das regras de segurança adequadas, o ofendido se apoiar inadvertidamente num ponto frágil e cair, como aconteceu – possibilidade que o arguido aceitou.
12).O arguido sabia que esta sua atitude de desrespeito das regras associadas à construção, conservação ou modificação e de criação de perigo para a vida e para a integridade física de outrem era ilícita e criminalmente punível, bem como as ofensas à integridade física dela decorrentes, e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
13).O arguido sabia que, não observando as disposições legais e regulamentares adequadas ao trabalho que ordenara realizar ao ofendido, sujeitava este seu trabalhador a perigo para a vida e/ou a perigo de grave ofensa para o seu corpo e saúde.
14).O arguido agiu sempre de forma voluntária e consciente, sabedor da ilicitude penal da sua referida conduta.
A2) DAS CONTESTAÇÕES
15) O ofendido realizava, esporadicamente, “biscates” de construção civil por conta própria.
16) A fls. 589 dos autos encontra-se um documento denominado “Guia de Remessa”, com o nº …, datado de 4-1-2007, de onde constam 7 chapas plástico 7 ½ un. C/3.06*1.10M, a hora de carga em … às 10H30, sem indicação da hora de descarga em ….
17) O arguido era, à data dos factos, uma pessoa saudável e considerada no meio onde vive.
A3) OUTROS FACTOS PROVADOS
18) Os “biscates” a que se refere o facto 15) ocorriam em fins de semana.
19) O arguido cresceu em meio rural, num agregado familiar carenciado, sendo o terceiro de cinco irmãos.
20) Começou a trabalhar aos nove anos de idade, como ajudante da construção civil, comparticipando financeiramente na economia doméstica, tal como os irmãos.
21) Casou aos 19 anos de idade e teve dois filhos, tendo, já após o nascimento do primeiro filho, cumprido serviço militar, designadamente em Angola, tendo efectuado a 4ª classe durante o serviço militar.
22) Posteriormente retomou a actividade na construção civil, por conta própria.
23) Participou na vida comunitária, tendo sido presidente da G… durante alguns anos.
24) Faleceu-lhe uma filha há cerca de 10 anos, vítima de acidente de viação, com 28 anos de idade, o que foi acontecimento traumático para o arguido e família, tendo sobrevindo dificuldades conjugais e financeiras, tendo acabado por fechar um estabelecimento comercial de materiais de construção e drogaria.
25) Sofreu depressão há cerca de 4 anos, encontrando-se ainda sujeito a tratamentos.
26) Divorciou-se há cerca de 3 anos, cessou a sua actividade empresarial e requereu a pré-reforma, auferindo 213 euros por mês.
27) Efectua pontualmente alguns “biscates” na construção civil.
28) Vive com o filho, de 34 anos, a cônjuge deste e filho numa vivenda, perto da antiga casa de morada de família, onde vive a ex-cônjuge do arguido.
29) Socialmente, o arguido regista uma imagem positiva, alicerçada na sua trajectória profissional e boa inserção e relacionamento social.
30) O arguido não tem antecedentes criminais.
31) A “E…, Lda.” foi declarada insolvente, tendo tal facto sido publicado no DR. 2ª série, de 28-10-2008”
Factos Provados no Âmbito da Reabertura
32) O arguido continua a residir em casa do filho, construção anexa à casa principal (a qual ficou a pertencer à ex-mulher no âmbito da partilha posterior ao divórcio), situada nas traseiras desta e inserida no mesmo espaço murado.
33) O filho do arguido, Q… tem uma companheira e um filho desta, com 3 anos de idade, e está desempregado, não auferindo qualquer subsídio, recebendo a companheira subsídio de desemprego da sua profissão de esteticista.
34) Todavia o filho do arguido declarou recentemente, para fins fiscais, início da actividade como industrial, estando inscrito em IVA, o que sucede desde Novembro de 2013.
35) Junto do meio sócio-residencial suscitam-se dúvidas sobre a situação de separação/afastamento do arguido em relação à ex-cônjuge, dado habitarem o mesmo endereço, do tipo "condomínio fechado", e algumas vezes são vistos juntos em deslocações no meio social.
36) O arguido efectua esporadicamente alguns "biscates" na construção civil.
37) O arguido não apresenta declaração de rendimentos de IRS, pelo menos desde a relativa ao ano de 2011.
38) Na partilha posterior ao divórcio não foram adjudicados ao arguido quaisquer bens imóveis, cujo valor declarado foi apenas o valor patrimonial, nem qualquer dos veículos, dois Mercedes e um Toyota, cujo valor atribuído foi de cerca de € 4.000,00.
A4) DO PIC DEDUZIDO PELO ASSISTENTE
39) Os factos provados da acusação.
40) Em consequência das lesões físicas provocadas pela queda, o demandante foi transportado de urgência para o Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde lhe foram diagnosticados politraumatismos vários: fractura do colo do fémur; luxação do cotovelo esquerdo, luxação do punho esquerdo; fractura do sacro+ acetabulo”, tendo sido sujeito, ainda no mesmo dia, a intervenção cirúrgica destinada à redução da luxação da rádio-cárpica, redução fechada + tala gessada do cotovelo e osteossíntese com DHS do fémur.
41) Terminada a operação, já na madrugada do dia 5-1-2007, e verificada uma lesão vascular no braço esquerdo, foi o demandante transferido para o Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, onde lhe foram diagnosticados “trauma fechado do membro superior esquerdo – artéria branquial e fractura nasal da vertente óssea direita- o que implicou nova cirurgia, ainda no dia 5-1.
42) Esteve internado neste Hospital até ao dia 10-1-2007, dia em que foi transferido novamente para o Hospital de S. Sebastião e onde lhe foi diagnosticado “politraumatismos vários, fractura transtocêntrica, fractura da bacia, fractura transescafoperilunar, esfacelo do cotovelo esquerdo, lesão da artéria umeral esquerda” tendo por isso sido sujeito a nova cirurgia no dia 17-1-2007, onde foi realizada “osteossíntese do escalóide com um parafuso canulado reabsorvível, redução da luxação do semilunar e fixação com 2 fios K”
43) O demandante teve alta hospitalar no dia 22-1-2007, mas teve de se deslocar novamente ao Hospital de S. Sebastião no dia 5-3-2007, para proceder à excisão total e remoção do dispositivo de fixação interna, excepto da anca e do fémur.
44) Logo após as cirurgias, e ainda no Hospital de S. Sebastião, iniciou tratamentos de fisioterapia, quer naquele Hospital, quer na H…, Lda, com vista à aquisição da mobilidade que perdeu em virtude do acidente, que se prolongaram até Junho de 2008.
45) No mesmo período efectuou ainda tratamentos à base de massagens no massagista e Terapeuta AB….
46) No dia 27-11-2007 foi novamente internado no Hospital de S. Sebastião, devido a “sequela da fractura distal do rádio esquerdo”, ainda adveniente do acidente dos autos, tendo sido sujeito, em 28-11-2007 a nova intervenção cirúrgica para “osteotomia do encurtamento do cúbito”
47) Deste novo internamento teve alta no dia 30-11-2007, mantendo no entanto naquele Hospital os tratamentos de fisioterapia, que apenas terminaram no mês de Maio de 2008.
48) Foi-lhe atribuída uma incapacidade temporária absoluta fixável num período de, pelo menos, 519 dias – entre 5-1-2007 e 6-6-2008, e uma incapacidade permanente parcial, resultante do acidente, de 32,56%.
49) Em virtude do acidente, foi o ora demandante sujeito a 4 intervenções cirúrgicas e a um longo período de tratamento à base de fisioterapia e massagens, com consultas médicas regulares para determinação da evolução do seu estado clínico, exames e análises várias.
50) Teve de suportar de despesas, de tratamentos de fisioterapia, 1.080,30€; massagista e terapeuta- 450,00; exames, análises, taxas moderadoras de urgências, remoções de imobilizações gessadas e internamento-182,85€; consultas-134,20€; medicamentos-171,39€; e outras despesas-106,30€, o que totaliza o montante de € 2.125,04.
51) À data do acidente o demandante tinha 32 anos de idade e gozava de boa saúde, sem qualquer defeito físico, tinha alegria de viver e constante boa disposição.
52) Em consequência da queda e das lesões, sofreu intensas e prolongadas dores, sendo que as dores ainda presentemente subsistem e acompanhá-lo-ão ao longo da vida, tendo estado impossibilitado de se levantar durante um período de 6 semanas, sendo transportado sempre de maca para o Hospital, para os tratamentos de fisioterapia, e deste para casa.
53) Teve de abandonar a sua residência para ir para casa dos sogros, tendo, passadas as 6 semanas, passado a deslocar-se em cadeira de rodas, sempre dependente de terceiros, uma vez que possuía o braço esquerdo imobilizado com fixador externo. Nesta fase teve de depender de terceiros mesmo para as tarefas mais simples, como alimentar-se, tomar banho, fazer a barba e urinar, o que lhe causou vergonha, constrangimento e tristeza.
54) Só em meados de Março de 2007 conseguiu, pela 1ª vez, deslocar-se sozinho, de pé, com o auxílio de uma muleta que usava no braço direito
55) Está definitivamente impedido de praticar modalidades desportivas como o futebol de salão, de que era praticante amador regular, o que o afecta psicologicamente, causando-lhe tristeza.
56) Não voltará a poder trabalhar como pintor da construção civil, por ter perdido a mobilidade, agilidade, flexibilidade e força a nível do pulso e braço esquerdos, não podendo pintar, montar pranchas ou lavar paredes.
57) Foi submetido a intervenções cirúrgicas que lhe causaram ansiedade, nervosismo e medo, para além das dores resultantes do pós-operatório, tendo sido com ansiedade que percorreu o evoluir da recuperação, dado o receio de não recuperar a mobilidade e a incerteza dos diagnósticos e do evoluir do se estado de saúde, temendo que o seu futuro e os seus meios de subsistência ficassem decisivamente comprometidos.
58) Foi submetido a tratamentos de fisioterapia durante ano e meio, os quais eram dolorosos dada a imobilidade do braço, pulso e perna esquerdos.
59) Viu a sua vida irremediavelmente afectada para o futuro.

Provado No Âmbito da Reabertura Da Audiência.
60) O demandante foi ressarcido, no âmbito do processo n.º 990/07.2TTVNG, do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, de danos patrimoniais aqui reclamados no pedido de indemnização civil.
A5) DO PIC DEDUZIDO PELO C.H.E.D.V. E.P.E.
61) O demandante prestou serviços clínicos ao sinistrado D… em consequência de lesões sofridas por causa da conduta do arguido, constante da acusação.
62) Dos referidos serviços prestados emitiu as seguintes facturas: nº ……74, de 20-3-2007; ……54, de 18-4-07; ……39, de 17-5-07; ……90, de 19-9-2007; ……04, de 18-10-2007; ……53, de 17-12-07; ……71, de 18-2-08; ……19, de 11-3-08; ……654, de 17-4-08; ……93, de 16-5-08 e ……94, de 16-5-08.
63) O total dos serviços prestados e discriminados nas facturas ascende a € 12.807,91.
A6) DO PEDIDO DE REEMBOLSO DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
64) Em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente ocorrido em 4 de Janeiro de 2007, o beneficiário nº ……….., D…, esteve com baixa médica subsidiada de 5 de Janeiro de 2007 a 7 de Junho de 2008.
65) Por tal facto, o ISS pagou ao dito beneficiário, a título de subsídio de doença, a quantia de € 212,20.
B). FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram todos os demais factos [sendo que ao Tribunal, nesta sede, só compete ajuizar factos, e não juízos de valor jurídico ou conclusões – e que por isso não serão aqui indicados, devendo considerar-se terem essa natureza] que se não compaginam com a factualidade apurada, designadamente e no essencial:
B1) DA ACUSAÇÃO
-Que o arguido tenha chegado as duas telhas ao ofendido, ao telhado.
-Que, aquando da queda, o ofendido estivesse a substituir a última telha e tenha sido em cima desta que colocou o pé.
B2) DAS CONTESTAÇÕES
- Que a “E…, Lda.” não efectuasse nenhum serviço de construção civil que implicasse obras de edificação, ampliação ou reparação de edifícios ou outros prédios
- Que a mesma só tivesse ao seu serviço uma balconista e um motorista ou que o ofendido apenas exercesse as funções de motorista.
- Que o ofendido muitas vezes pedisse dispensa do trabalho ao arguido e que este nisso anuísse pelo facto de a empresa estar a atravessar graves dificuldades.
- Que o acidente sofrido pelo ofendido não tenha ocorrido ao serviço do arguido nem sob as ordens e direcção do mesmo.
- Que nesse dia, como habitualmente, apenas lhe tenham sido dadas ordens para carregar e descarregar mercadoria em …, no local onde se verificou o acidente.
- Que da “Guia de Remessa” referida em 16) conste a hora da entrega da mercadoria ou que a mesma se encontre assinada pelo legal representante da “F…, Lda.”
- Que o arguido ainda tenha dito ao ofendido que era necessário realizar um outro transporte de mercadoria, ainda da parte da manhã e que o tenha advertido de que se despachasse a entregar a mercadoria em ….
- Que terceiros e o próprio ofendido tenham relatado ao arguido que este, desrespeitando ordens da sua entidade patronal, tenha ousado subir ao telhado da obra em causa.
- Que o arguido se encontrasse nas instalações da “E…, Lda.”
- Que o arguido nunca tenha contratado a realização de nenhuma empreitada com a “F…, Lda.” e que se tenha limitado a fornecer-lhe material, ou que tal sucedesse com os seus demais clientes.
B3) DO PIC DEDUZIDO PELO ASSISTENTE
- Que actualmente o demandante esteja impedido da realização de tarefas básicas como apertar o primeiro botão da camisa ou o do punho direito ou introduzir o “ticket” nas máquinas de saída dos estacionamentos pagos sem ter de sair do veículo.
C).MOTIVAÇÃO
A prova dos factos teve como base a conjugação dos elementos de prova de carácter pessoal, designadamente declarações e depoimentos, com os documentos juntos aos autos.
Exemplo disso é o inquérito de acidente de trabalho de fls. 75/81, elaborado pela testemunha I…, inspectora do trabalho, e que é o resultado de averiguações efectuadas no local, tendo a testemunha referido que não foram cumpridas quaisquer regras de segurança nem existiam quaisquer meios, sendo certo que o telhado se situava a cerca de 10 metros do solo. Das averiguações efectuadas, esta testemunha não teve quaisquer dúvidas em afirmar que o ofendido estava ao serviço da sua entidade patronal, E…, ao realizar o trabalho no telhado, sendo certo que, ao serviço da sua entidade patronal também realizou, para a empresa dona da obra, “F…, Lda.” trabalhos de pintura de um portão.
Que o arguido contratou, como representante da E…, a execução de trabalhos de colocação de telhas no telhado do armazém, de pinturas e de abertura de uma vala, para a dona da obra, resultou com clareza dos depoimentos do gerente desta, J…, e de um empregado seu, K…, que disse ter sido quem, em nome da sua entidade patronal, requisitou os serviços do arguido, que era pessoa que fazia todo o tipo de serviços.
Estas testemunhas depuseram de forma incisiva e directa, sem subterfúgios, mostrando isenção e rigor, tendo merecido a credibilidade do tribunal. Basicamente asseveraram que os trabalhos foram contratados com o arguido, e que o ofendido tinha a qualidade de empregado deste, tendo lá estado vários dias, e não apenas um, e sendo certo que o arguido tinha lá mais gente por sua conta a trabalhar.
A testemunha K… ainda referiu que recomendou cuidado ao arguido, pois o serviço no telhado era de alto risco, e que visse bem se tinha seguro, ao que o arguido respondeu que se não preocupasse, pois não havia problema nenhum. E garantiu ao tribunal que foi o próprio arguido quem levou as telhas para colocar, e não o ofendido, tendo sido ao arguido que foi encomendada a obra pronta, e não apenas o fornecimento do material.
Quanto ao particular aspecto relacionado com a pessoa que efectuou o transporte foi também determinante o depoimento da testemunha L…, que também trabalhou no local, a abrir uma vala, serviço também contratado entre a dona da obra e o arguido.
Ora, esta testemunha referiu que quem o mandou fazer tal trabalho foi o Sr. B… (arguido), tendo usado um martelo pneumático fornecido pelo próprio arguido, sendo certo que até o levou na carrinha para a obra, levando também o ofendido, no dia em que ocorreu o acidente.
O depoimento desta testemunha foi aqui também determinante para se concluir que, ao contrário do que afirma o arguido, não foi o ofendido que levou as telhas para o local da obra, pois foi ele próprio transportado também pelo arguido, tendo o ofendido ficado na obra e o arguido abandonado o local no veículo, conforme aliás já resultava do depoimento da testemunha K….
Estes citados elementos de prova são assim mais do que suficientes para, sem margem para dúvidas, se poder concluir que o arguido acordou realizar uma obra para a “F…, Lda.”, que incluía a substituição de telhas num armazém desta, e que o ofendido foi incumbido pelo arguido dessa substituição, não tendo sido ele quem efectuou o transporte das telhas e antes tendo sido transportado pelo arguido com vista a efectuar o serviço. De outro modo, porque deixaria o arguido o ofendido no local, mais a mais quando sustenta que o arguido era apenas motorista, não efectuando quaisquer outros serviços e, ainda por cima, quando, segundo inveridicamente afirma, o ofendido ainda tinha de efectuar um outro transporte, da parte da manhã, para um tal M…?
E por isso a “Guia de Remessa” de fls. 589, junta pelo arguido, para além de ser de duvidosa credibilidade (já que a factura respectiva, de fls. 601 ostenta uma data de carga muito posterior – 10-1-2007 às 13H36- e esta hora é muito posterior à que consta da entrada do ofendido na urgência do Hospital, conforme se vê de fls. 14, onde consta 12H52) não tem qualquer significado nem relevância, por não conter o nome da pessoa que conduziu o veículo que efectuou o transporte, sendo certo ainda que da mesma só consta a hora de carga, não constando a de descarga (entrega)
Na verdade o ofendido era “pau para toda a colher”, conforme ele próprio afirmou e foi corroborado pelas testemunhas N…, advogada e colega de escritório da esposa do ofendido, O…, actual patrão do ofendido e P…, para quem o arguido realizou também uma obra.
A primeira referiu ter contratado com o arguido umas obras no escritório, e nas quais também esteve o ofendido a trabalhar sob as ordens daquele, tendo mesmo o arguido emitido o “papel” (tipo factura, manuscrito) que foi junto em audiência (fls. 919) por esta testemunha e cuja letra foi reconhecida pelo filho do arguido, Q….
O… referiu que o ofendido trabalha para si há mais de 2 anos e sabe ter o mesmo trabalhado para o arguido, como pintor, antes do acidente. Contratou mesmo com o arguido para este lhe fazer umas obras em casa, e que aí esteve o ofendido ao serviço do arguido, tendo sido o ofendido que efectuou a pintura. De resto, foi dessa forma que conheceu o ofendido. Referiu ainda esta testemunha que já nessa altura o arguido não tinha quaisquer meios de segurança, como capacetes, coletes ou cintos.
Também a testemunha P… disse saber que o ofendido trabalhava para o arguido em pladur e pintura, tendo aquele, ao serviço deste, feito a pintura de sua casa e colocado tectos em pladur, o que foi contratado com o arguido, a quem pagou no final.
Assim, a categoria de “motorista” constante do recibo de vencimento de fls. 6 tem natureza apenas formal, sem correspondência com a realidade, embora, como o próprio ofendido reconhece, também efectuasse serviços de motorista.
Certo é que as testemunhas indicadas pelo arguido, Q… (filho do arguido) e S… (irmã do arguido) sustentaram a versão do arguido de que o ofendido era apenas motorista, que o arguido não contratou qualquer obra com a “F…” pois não contratava então obras, sendo apenas fornecedor e que o serviço efectuado pelo ofendido aquando do acidente deveria ser “biscate” aceite por ele.
E certo é também que a testemunha M… (cunhado do filho do arguido e para quem a testemunha L… por vezes trabalhava) referiu estar à espera de um fornecimento ainda de manhã, trazido pelo ofendido, no dia do acidente, que não se verificou e a testemunha T… (amigo do arguido) afirmou ter nesse dia encontrado o arguido num “sítio” (sic) onde o mesmo recebeu um telefonema do M… a queixar-se da não chegada do material e outro a dar-lhe conta do acidente.
Todavia estas testemunhas, familiares ou amigo do arguido, depuseram de forma visivelmente interessada e pouco isenta, não merecendo qualquer credibilidade em face da esmagadora prova dos factos da acusação já referida, com excepção do facto de o arguido ter passado telhas ao ofendido no local e de ter sido a última telha que se partiu, pois não foi feita qualquer prova nesse sentido.
Em face do exposto, é indubitável que os factos alegados pelo arguido em contestação não podiam deixar de ser considerados não provados, com excepção do facto de o ofendido fazer esporadicamente biscates, que o próprio reconheceu, mas apenas ao fim de semana, e de o arguido ser pessoa saudável e considerada, que resulta do Relatório Social de fls. 826/829 (do mesmo resultando a prova dos factos 19) a 29)
Além dos documentos já referidos relevaram ainda as fotos de fls. 83/85, as perícias médicas indicadas na acusação, a documentação clínica de fls. 121/206, o relatório complementar de fls. 249/250, a certidão Permanente de fls. 780/783, o Relatório de fls. 848/855 a cópia da sentença de insolvência de fls. 289/296 e a cópia do Diário da República de fls. 288, bem como os documentos abaixo indicados, juntos com o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido.
QUANTO AOS FACTOS PROVADOS NO ÂMBITO DA REABERTURA:
A prova dos factos agora resultantes da reabertura da audiência (factos 32) a 38) e 60), dos factos provados) teve como base o novo Relatório Social de fls. 1160/1163, no que se refere aos factos 32), 33), 35), 36) e 37).
No que concerne ao facto 34), o Tribunal teve em conta a informação de cadastro das Finanças de fls. 1202, bem como a carta da Autoridade Tributária de fls. 1210 e a cópia da declaração de início de actividade de fls. 1211/1213. No que respeita ao facto 38), a certidão da partilha de fls. 1193/1197 e as cadernetas prediais de fls. 1198/1201.
O facto 60) (inserido em termos sistemáticos nos factos provados respeitantes ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente D…), teve como base a cópia do auto de conciliação de fls. 1214/1215.
Quanto aos antecedentes criminais, o CRC de fls. 865.
No que concerne ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente D… foram determinantes as regras da experiência (as lesões apresentam-se como graves e a sua localização não podia deixar de produzir fortes dores e sequelas) conjugadas com os depoimentos das testemunhas U… (amigo do ofendido há cerca de 20 anos), V… (amigo do ofendido há cerca de 15 anos), W… (sogra do ofendido) e X… (amigo do ofendido) e com os vários documentos juntos aos autos, designadamente o relatório de urgência de fls. 14, a ficha clínica de fls. 121/206, o Relatório de Medicina Física e Reabilitação de fls. 207/209 e 848/855, o Relatório complementar de fls. 249/250, as perícias médico-legais de fls. 94/97, 230/233, 239/243 e 258/261 e os documentos juntos com o pedido de indemnização civil.
Destes, foi relevante o relatório de fls. 383 (de onde constam as lesões observadas e a transferência para o Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia), o relatório deste Hospital de fls. 385/387 (de onde consta intervenção cirúrgica), o relatório de internamento do Hospital de S. Sebastião de fls. 388 (de onde consta intervenção cirúrgica), o relatório do Hospital de S. Sebastião de fls. 425 (de onde consta osteotomia), os recibos do Hospital de S. Sebastião de fls. 391/411 e 413/423, 432/443, 451/475, 478/483 as “vendas a dinheiro” da H… de fls. 412 e 423, da Y… de fls. 445 e do Centro de Saúde de Santa Maria da Feira de fls. 446/450 e 476/477 e 476, da “Z…” de fls. o recibo relativo a massagens de fls. 424, as despesas de farmácias de fls. 484/489 e outras despesas de fls. 490/491.
Quanto à idade do demandante, relevou o assento de nascimento de fls. 494, do qual se alcança que o mesmo tinha, à data do acidente, a idade de 32 anos.
Quanto aos depoimentos, U… referiu que o demandante era, antes do acidente, atleta de competição em futebol de salão, que não mais pôde nem poderá praticar, não tem força no braço esquerdo, tendo sofrido uma grande reviravolta na vida dele. Esteve muito tempo acamado (mais de um mês e meio) e cheio de dores, nada podendo fazer, incluindo barbear-se, após o que passou a deslocar-se de cadeira de rodas, para ir à fisioterapia (onde andou à volta de ano e meio). Ainda hoje persiste incapacidade, sendo certo que não poderá trabalhar na construção civil. Agora é operador de quinadeira.
V… reiterou que o demandante jogava futebol, o que definitivamente deixou de poder fazer. Quando esteve acamado, apenas de maca se deslocava, não podendo sequer barbear-se. Lá mais para o fim chegou a vê-lo de canadiana. Sofreu fortes dores e angústia pela sua situação. Andou longo tempo em fisioterapia.
W… confirmou que o ofendido foi para casa dela após a saída do Hospital, sendo certo que no início não se mexia, sendo transportado de maca. Nem sequer urinava sozinho, nem se barbeava. Depois passou a andar de cadeira de rodas por mais de um mês. Fez fisioterapia cerca de um ano e meio, tendo chegado a emprestar à filha dinheiro para ele pagar as sessões. Antes do acidente era absolutamente saudável, e até jogava futebol. Depois do acidente não conseguiria trabalhar na construção civil, pois o braço descaiu e tem problemas na perna esquerda.
X… referiu ter tido o demandante o braço com aparelhos, não se mexendo, e sendo a testemunha que o barbeava. Sofreu dores atrozes e grande sofrimento. Levou-o muitas vezes à fisioterapia, sabendo que era o demandante que pagava as sessões.
Sofreu grandes mudanças na vida após o acidente, tendo de deixar de jogar futebol, pelo qual era apaixonado. Profissionalmente não poderá mais voltar à construção civil, por causa da perna e braço, sentindo-se psicologicamente diminuído.
Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar foram relevantes as cópias das facturas de fls. 347/362.
No que concerne ao pedido de reembolso da Segurança Social, a certidão de fls. 762, de onde consta que a baixa durou de 5-1-2007 a 7-6-2008 e o valor pago a esse título.”
*
3.- Apreciação do recurso.
3.1.- Nulidade por omissão de pronúncia- artigo 379º, n.º1 al. c) do CPP.
Sustenta o recorrente nas conclusões do seu recurso sob as alíneas o), p) e q) que não é possível proceder ao cálculo dos danos patrimoniais reclamados pelo demandante, pois, argumenta, ficou provado que o demandante foi ressarcido no âmbito do Processo n.º 990/07.2TTVNG do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, de danos patrimoniais aqui reclamados no pedido de indemnização civil; não obstante, o acórdão limitou-se a dar como assente esta factualidade, sem se preocupar em apurar, como lhe competia e havia sido requerido pelo demandado, quais as concretas quantias recebidas pelo demandante e a que título; conclui que o acórdão padece, por isso, do vício de nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP pois deixou de se pronunciar sobre matéria essencial para a boa decisão da causa, in casu, para a fixação da indemnização a título de danos patrimoniais em que o demandado foi condenado.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença estão contidas no artigo 379º do CPP.
Dispõe o art. 379º n.º 1 c), do Cód. Proc. Penal, “É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Apenas existirá omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei ou sobre matéria cuja apreciação lhe tivesse sido submetida pelos sujeitos processuais.
Vejamos a questão no seu recorte concreto, tal como emerge dos autos.
Já após o acórdão deste TRP que ordenou a remessa dos autos à primeira instância para a já referida abertura da audiência, com os fins assinalados – proceder ao juízo de prognose de razoabilidade da condição aposta à suspensão - o recorrente na resposta ao requerimento do assistente de fls. 1187 a 1192, veio a fls. 1206 a 1208 (página sem numeração), datado de 15.01.2014, requerer que o demandante procedesse à especificação dos valores que recebeu no âmbito do acidente de trabalho e a que título os mesmos lhe foram pagos.
O Tribunal não interpelou o assistente para os fins requeridos, nem lhe ordenou que especificasse os valores recebidos como pretendido pelo arguido. Também não consta das actas de julgamento, que antes do encerramento da audiência, após reabertura, o recorrente haja efectuado qualquer pedido ao tribunal, no sentido de obter outros documentos ou efectuar qualquer outra prova.
A reabertura da audiência foi ordenada, por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, apenas com a finalidade de que o tribunal a quo procedesse ao juízo de prognose de razoabilidade da condição aposta à suspensão, como vimos.
Mesmo assim, o Tribunal a quo aditou aos factos provados, o facto n.º 60), que não constava da versão inicial do acórdão de primeira instância, com o seguinte teor: «60). O demandante foi ressarcido, no âmbito do processo n.º 990/07.2TTVNG, do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, de danos patrimoniais aqui reclamados no pedido de indemnização civil.»
Além do mais como a reabertura da audiência visava apenas que o tribunal a quo procedesse ao juízo de prognose de razoabilidade da condição aposta à suspensão, ao dar como provado o ponto 60) dos factos provados o tribunal a quo ultrapassou o que lhe foi ordenado.
De outra pespectiva tendo em atenção a data do auto de conciliação junto aos autos – 16 de Setembro de 2010 – portanto, antes do início da audiência de julgamento (1ª sessão) - esta iniciou-se a 11.11.2011 – a não averiguação de eventuais elementos relevantes (ou não) para a decisão só à estratégia de defesa do arguido - antes de ver definida a sua culpabilidade - é imputável, pelo que é de todo descabido vir agora invocar elementos em falta e consequente omissão de pronúncia, que claramente se não verifica.
Por outro lado, não foi pedido ao tribunal em momento algum que dirimisse a questão de saber se o arguido enquanto responsável culposo – responsabilidade civil fundada na prática de um crime – pelos factos dos autos (que simultaneamente constituem, pelo menos parcialmente, acidente laboral) pode opor ao lesado, aqui ofendido, as consequências do facto de o ofendido já ter recebido do responsável objectivo (entidade patronal, E…, Lda., conforme fls. 1214 e 1215) pelo sinistro laboral determinada quantia ou quantias, para efeitos de averiguar se com o pagamento aqui pedido e o já efetuado pela entidade patronal ocorre duplicação de indemnizações relativamente ao mesmo dano e se estas indemnizações não são cumuláveis.
Assim, não tendo sido colocada ao tribunal, no tempo devido, a identificada questão, não podia o tribunal dela conhecer, pelo que o acórdão não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão de conhecimento obrigatório ou que lhe tenha sido colocada pelos sujeitos processuais competentes e, portanto, não se verifica omissão de pronúncia.
Apenas uma precisão se impõe. É consabido o objecto do recurso ordinário é a decisão proferida. Como a jurisprudência vem unanimemente repetindo os recursos ordinários visam averiguar se a decisão foi justa ou injusta e não criar pronunciamentos sobre matéria nova, nem apreciar factos novos.
Em face do exposto não pode este tribunal, estando-lhe logicamente vedado, abordar a questão que não foi colocada ao tribunal a quo. Tal constituiria uma subversão da lógica de recurso ordinário consagrado no nosso código e por isso mesmo não consentido. De outro modo seriam afectados, de modo grave, princípios basilares do nosso processo, desde o contraditório à ideia de processo justo e equitativo, em afronta clara ao disposto nos art.º 32º, n.º1 e 5 e 20º, n.º4 da Constituição.
Improcede a questão por manifestamente sem fundamento.
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3.2.- Impugnação dos pontos 40 a 50 e 56 a 59 e alteração dos pontos 35 e 37, todos da matéria de facto provada
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o precedente artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova. É consabido o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
O recorrente especifique concretamente os factos que impugna partindo essencialmente das argumentações que a seguir se indicam e desde logo se apreciam.
Sustenta, o recorrente, que a decisão recorrida considerou erradamente provados os factos constantes dos pontos 40 a 50 e 56 a 59, pois os documentos 4, 5, 9 a 38, 39, 40, 41, 43 a 103 anexos ao pedido não esclarecem se os tratamentos e as despesas aí relatadas derivam ou não do acidente em questão e por outro lado, todos os documentos anexos ao pedido de indemnização foram impugnados e a perícia não pode ser considerada, pelo que entende não é possível provar a extensão das lesões sofridas pelo demandante nem a repercussão das mesmas na sua vida pessoal e profissional, concluindo que se impunha considerar como não provados os factos descritos nos pontos 40 a 50 e 56 a 59 do Acórdão; e ainda, particularizando, relativamente ao ponto 56, que ao contrário do que ficou provado neste ponto do acórdão, não se pode concluir que o assistente não possa voltar a trabalhar como pintor da construção civil pois que o próprio, no âmbito das informações que prestou ao Sr. Perito do IML, assumiu que não sabia se estava impedido de retomar a sua profissão habitual uma vez que tinha mudado de profissão; e relativamente ao ponto 48 (que identificamos por ser o que fixa a IPP de que o sinistrado padece) não se pode aceitar a incapacidade permanente atribuída de 32,56% já que a perícia foi realizada de acordo com a tabela de direito laboral, sendo, que, no seu entender, por força do disposto no art. 129.º do Código Penal, a perícia tem de ser realizada de acordo com os critérios previstos na Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, constante do Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro.
Vejamos com brevidade.
Impugnados os documentos, como insiste o recorrente, estes não deixam de constituir um meio de prova livremente apreciado pelo julgador. E, assim, era lícito ao julgador valorar livremente os documentos em questão, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente a testemunhal, sem qualquer hierarquização, decidindo segundo a sua prudente convicção, como o fez.
Assim quer porque os documentos apresentados são livremente apreciados pelo tribunal, quer porque além da prova documental – documentos de fls. 14, 121/126, 207/209, 8848/855, 249/250, 94/97, 230/233, 239/243 e 258/261, documentos juntos com o pedido de indemnização civil, nomeadamente fls. 383, 385/387, 388, 425, 391/411, 413/423, 432/443, 451/475, 478/483, 412 e 423, 445, 446/450, 476/447, e 424, 484/489 490/491, 494 – outra prova, nomeadamente a testemunhal, foi produzida, é clara a falta de razão do recorrente. Com efeito decorre da motivação da decisão que o Tribunal além dos referidos documentos levou em conta os depoimentos das testemunhas U…, V…, W… e X…; provas que foram devidamente conciliadas e caldeadas para conduzirem o tribunal a quo à convicção a que chegou e que vista a sua motivação não contém raciocínios ilógicos ou irrazoáveis ou violadores das regras da experiência.
Por outro lado, lembra-se ao recorrente que a perícia que fixou a IPP em 32,56% foi uma perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, junta aos autos em 12.06.2009 e aí constante a fls. 239 a 243; perícia de que o recorrente tomou conhecimento com a notificação da acusação por estar aí indicada como prova documental, sem que o recorrente, em momento algum, tenha pugnado por outra avaliação do dano corporal, podendo inequivocamente ser livremente apreciada pelo tribunal.
Argumenta ainda o recorrente que não se pode concluir que o assistente não pode voltar a trabalhar como pintor da construção civil por o próprio, no âmbito das informações que prestou ao Sr. Perito do IML, ter assumido que não sabia se estava impedido de retomar a sua profissão habitual uma vez que tinha mudado de profissão. Tal argumento é despido de qualquer efeito persuasivo quer em face do facto de na perícia médico-legal efectuada nos presentes autos se concluir que “as consequências permanentes descritas se traduzem do ponto de vista médico-legal em limitação da capacidade de trabalho e de ganho”; quer em face das sequelas com que ficou o arguido, nomeadamente, nos membros superior e inferior esquerdos, com dificuldades de preensão com a mão esquerda e défice de flexão dos dedos e do punho/cotovelo devido a rigidez das articulações do cotovelo, do punho e da mão (com perda funcional da mão até 50%) e dismetria de 1,5 cm com marcha com ligeira claudicação no membro inferior do mesmo lado; e ainda perante a prova testemunhal – testemunhas U…, W…, X… - no sentido de o ofendido não poder trabalhar na construção civil, o que é de todo consentâneo com as regras da experiência dado o arcaboiço físico necessário para trabalhar nessa área, pois como disse a W… o braço descaiu e tem problemas na perna esquerda.
Pelo exposto, nenhuma prova foi apresentada que imponha decisão diversa em relação aos preditos factos.
Quanto às pretendidas alterações dos artigos 35 e 37
Sustenta o recorrente relativamente à factualidade constante do ponto 35, deverá ser alterada de acordo com o relatório social, passando a ter a seguinte redacção: Junto do meio sócio-residencial, não parece clara a situação de separação/afastamento do arguido em relação à ex-cônjuge, tendo em conta que habitam o mesmo endereço, do tipo "condomínio fechado" e, algumas vezes, são vistos juntos em deslocações no meio social. No entanto, os elementos da família contactados, reafirmaram-nos a existência de uma situação de separação de facto entre os ex-cônjuges, devido aos graves problemas que determinaram o divórcio: designadamente, envolvimentos extramatrimoniais do arguido e má gestão financeira com prejuízo da família.
Relativamente à factualidade vertida no ponto 37 do acórdão que se fundamentou também no mesmo relatório social, pretende que seja completado passando a mesma a referir que “não consta da base de dados a obtenção de quaisquer rendimentos por parte do arguido, sujeitos à obrigação de entrega da competente declaração”.
Ora é claro que o teor do Relatório social, por na sua elaboração intermediar um terceiro diferente da autoridade judiciária competente para julgar, não tem a virtualidade de só por si, e muito menos em segunda instância, conduzir à prova de qualquer facto, pelo que improcede a pretensão em causa. E o mesmo se aplica à questão da comparticipação do arguido com 100,00€ para a economia doméstica, facto que nem sequer consta alegado.
Improcede, pelas razões expostas, a totalidade da pretensão de alteração da matéria de facto provada.
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3.3. Montante da indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Defende o recorrente que atendendo à falta de credibilidade dos documentos juntos pelo assistente, à ilegalidade da perícia realizada, bem como aos critérios previstos nos arts. 562.º, 564.º e 566.º do CC, os valores fixados a título de danos patrimoniais são desadequados, desproporcionais e exagerados.
Sustenta ainda que por força dos dispositivos constantes nos arts. 496.º e 494.º do CC, no cálculo dos danos não patrimoniais deve ser levado em consideração a situação económica do arguido, pelo que o montante arbitrado para reparação destes danos é desajustado e excessivo, sugerindo-se, a atribuição de uma indemnização nunca superior a €2.500,00.
Vejamos.
Como decorre da sustentação supracitada o recorrente fundamenta a desproporcionalidade dos valores fixados a título de danos patrimoniais na falta de credibilidade dos documentos juntos pelo assistente, na ilegalidade da perícia realizada, bem como nos critérios previstos nos arts. 562.º, 564.º e 566.º do CC.
Ora, sobre a “falta de credibilidade dos documentos juntos pelo assistente” e “ilegalidade da perícia realizada”, pronunciamo-nos já, nos termos em que fomos questionados, na questão anterior, no sentido da improcedência e manutenção do decidido no tribunal a quo.
Quanto ao apelo aos critérios previstos nos arts. 562, 564º e 566º, do CC, sem que tenham sido enunciados os reais critérios violados ou qualquer facto ou conjunto de factos com virtualidade de fundamentar concretamente diversa fixação da indemnização, nem indicação de um montante que na perspectiva do recorrente fosse mais proporcionado aos danos sofridos é claro que a invocada desproporcionalidade dos montantes fixados tem de improceder, por manifesta falta de sustentação argumentativa de qualquer espécie.
Quanto ao cálculo dos danos não patrimoniais defende o recorrente que deve ser levada em consideração a situação económica do arguido, pelo que o montante arbitrado para reparação destes danos é desajustado e excessivo, sugerindo-se, a atribuição de uma indemnização nunca superior a €2.500,00.
Analisemos.
Dispõe o artigo 496º do Código Civil:
«1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (….).»
Por sua vez, dispõe o artigo 494º: «Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.»
Ressalta do disposto no artigo 496º do C.C. que a lei não enumera os casos de danos não patrimoniais justificativos de uma indemnização. Pelo que serão ressarcíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Podem citar-se como possivelmente relevantes a dor física, a dor psíquica, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal…
Não vem questionada a gravidade dos danos causados ao ofendido, vem tão só questionado o quantum da indemnização arbitrada.
A propósito escreve Antunes Varela, in C.C. anotado, vol I, pág. 501 “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização… E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”
Resulta do exposto que na fixação do valor indemnizatório a atribuir ao lesado, o tribunal deve guiar-se por critérios de equidade, e nesse seu juízo deve ter como princípio norteador, encontrar um montante indemnizatório proporcionado à gravidade do dano, sendo que tal gravidade deverá medir-se “por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)” – vide C. C. Anotado, do autor citado a págs. 499.
É comummente entendido que, no âmbito dos danos não patrimoniais, procura-se uma “compensação”, ou “satisfação” através do pagamento de uma quantia pecuniária que propicie à vítima a realização de uma ampla gama de interesses. Um tal entendimento tem subjacente a ideia de que, nestes casos, não há uma indemnização verdadeira e própria, antes uma reparação que visa propiciar um certo número de alegrias e satisfações que visem contrabalançar os males causados e, portanto, atenuem, minorem ou façam esquecer a dor, os desgostos e sofrimentos suportados.
Assim, na fixação equitativa do montante da indemnização/compensação por danos não patrimoniais, atender-se-á não só à própria extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e demais circunstâncias do caso, como sejam a prática jurisprudencial na matéria, em nome da segurança jurídica (art. 496º, n.º3, 1ª parte, em conjugação com o art. 494º do C.C.).
Vem a propósito acentuar que os Tribunais superiores vêm subindo significativamente os valores atribuídos a título de danos não patrimoniais, tornando-se mesmo comum a ideia de que na fixação da respetiva indemnização “os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas”.
O tribunal a quo levando em conta as dores sofridas em consequência das lesões e consequentes tratamentos, que incluíram quatro intervenções cirúrgicas e prolongado conjunto de sessões de fisioterapia, bem como as dores que ainda hoje sente, e os estados de angústia, ansiedade, nervosismo, tristeza e vergonha por que passou (operações, internamentos, imobilidade, mobilidade reduzida, dependência de terceiros) e passa, designadamente pela incapacidade para exercer uma profissão na construção civil (nomeadamente pintor) e para praticar o desporto que praticava (futebol de salão), com o sentimento de ter a vida irremediavelmente afectada para o futuro, e tendo ainda em conta os padrões jurisprudenciais comparados com outras situações de maior gravidade entendeu como adequado e justo fixar a quantia de €18.000,00 de indemnização a este título.
É hora de decidir.
Os danos:
Em consequência das lesões físicas provocadas pela queda, o demandante foi transportado de urgência para o Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde lhe foram diagnosticados politraumatismos vários: fractura do colo do fémur; luxação do cotovelo esquerdo, luxação do punho esquerdo; fractura do sacro+ acetabulo”; “trauma fechado do membro superior esquerdo – artéria branquial e fractura nasal da vertente óssea direita.
Teve vários períodos de internamento e em mais que um hospital.
Em virtude do acidente, foi o ora demandante sujeito a 4 intervenções cirúrgicas. E, bem assim, a um longo período de tratamento à base de fisioterapia e massagens, com consultas médicas regulares para determinação da evolução do seu estado clínico, exames e análises várias.
À data do acidente o demandante tinha 32 anos de idade e gozava de boa saúde, sem qualquer defeito físico, tinha alegria de viver e constante boa disposição.
Em consequência da queda e das lesões, sofreu intensas e prolongadas dores, sendo que as dores ainda presentemente subsistem e acompanhá-lo-ão ao longo da vida, tendo estado impossibilitado de se levantar durante um período de 6 semanas, sendo transportado sempre de maca para o Hospital, para os tratamentos de fisioterapia, e deste para casa.
Abandonou a sua residência e foi para casa dos sogros.
Após as referidas 6 semanas passou a deslocar-se em cadeira de rodas, sempre dependente de terceiros, uma vez que possuía o braço esquerdo imobilizado com fixador externo. Nesta fase dependeu de terceiros mesmo para as tarefas mais simples, como alimentar-se, tomar banho, fazer a barba e urinar, o que lhe causou vergonha, constrangimento e tristeza.
Está impedido de praticar modalidades desportivas como o futebol de salão, de que era praticante amador regular, o que o afecta psicologicamente, causando-lhe tristeza.
Não voltará a poder trabalhar como pintor da construção civil, por ter perdido a mobilidade, agilidade, flexibilidade e força a nível do pulso e braço esquerdos, não podendo pintar, montar pranchas ou lavar paredes.
Foi submetido a intervenções cirúrgicas que lhe causaram ansiedade, nervosismo e medo, para além das dores resultantes do pós-operatório.
Foi submetido a tratamentos de fisioterapia durante ano e meio, os quais eram dolorosos dada a imobilidade do braço, pulso e perna esquerdos.
Os critérios jurisprudenciais:
No acórdão do STJ de 7.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1, Rel. Conselheiro João Bernardo, foi fixada a quantia de 80.000,00€ a título de compensação por danos não patrimoniais, a pessoa do sexo feminino com 25 anos que Sofreu lesões que demandaram período longo até à estabilização; Ficou com paralisia parcial, com parestesias nos dedos da mão esquerda, na metade esquerda dos líbios, hemilíngua e hemiface esquerda; Passou a sentir dormência na cara e ponta dos dedos e lado esquerdo, com dificuldades em comer e mastigar principalmente do lado esquerdo; Perdeu força na mão, braço e perna esquerdas; Tem desequilíbrios na perna esquerda; Abandonou o desporto e da dança; Sofre irritabilidade, insónias, alguma perda de memória e coordenação de ideias, tendo momentos de grande depressão e ansiedade; Ficou com duas cicatrizes de 6X2 cm na face anterior duma das pernas, não indo, por isso, à praia, nem usando calções e saias.
No acórdão do STJ de 7.05.2014, Proc. 1070/11.TBVCT.G1.S1, Rel. Conselheiro João Bernardo foi fixada a quantia de 60.000,00€ a título de compensação por danos não patrimoniais, a um autor que sofreu lesões graves, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime de acamamento, tendo ficado com perdas de memória, necessidade de orientação, parestesia na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, e cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo.
No acórdão do STJ de 11.9.2012, proc. n.º 30/05.6TBPNC.C1.S1, Rel Mário Mendes, foi fixada a quantia de 40.000,00€ a título de compensação por danos não patrimoniais a um autor à data do acidente com 39 anos de idade, que sofreu lesões que lhe motivaram dois meses de internamento hospitalar, na cama, de barriga para baixo, sem se poder mexer, em virtude de ter pesos nas pernas; foi submetido a várias intervenções cirúrgicas e necessita de se submeter a outra; esteve encarcerado no veículo durante uma hora, sangrando e impossibilitado de se mover, submeteu-se a dolorosos e incómodos tratamentos de fisioterapia, durante mais de um ano, com quantum doloris e dano estético graduados em 4 numa escala de 1 a 7 e ficou portador de várias sequelas.
A solução:
Isto posto, ponderando a gravidade das lesões físicas, sequelas resultantes, dores sofridas tempo de duração dos tratamentos e fisioterapia, bem como a incerteza, vergonha constrangimento e tristeza sofridos e sem deixar de atender à situação económica do lesante, entendemos que a quantia fixada a este título se mostra criteriosa, justa e adequada, e por isso não merece alteração.
Pelo exposto improcede a totalidade da questão posta.
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3.5.- Irrazoabilidade da condição aposta à suspensão.
Sustenta o recorrente que não pode concordar com a condição imposta à suspensão e muito menos com a fundamentação que lhe está subjacente. O acórdão proferido impôs ao arguido a obrigação de o mesmo pagar a quantia de pelo menos € 7.276,16, no prazo de três anos, apesar de o mesmo ter como único rendimento uma pensão no valor de €213,00. Argumenta que basta fazer contas para se concluir pela total ausência de razoabilidade desta condição pois que o arguido teria de afectar a totalidade do seu rendimento, durante cerca de três anos em exclusivo para pagamento da condição que lhe foi imposta e mesmo assim não conseguiria cumpri-la.
Vejamos.
Se é certo que o art. 51º n.º 2, do Cód. Penal, consagra a obrigação de conformação, adequação e proporcionalidade dos deveres a que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada, estabelecendo expressamente que esses deveres “não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, parece-nos que o inconformismo do recorrente não sustentação real.
Com efeito, não ficou assente que os seus rendimentos se limitem a uma pensão no valor de €213,00 mas sim que o mesmo aufere, a esse título, esse montante mensal.
No entanto, ficou também provado que o arguido efectua pontualmente alguns “biscates” na construção civil. Vive com o filho, de 34 anos, a cônjuge deste e filho numa vivenda, perto da antiga casa de morada de família, onde vive a ex-cônjuge do arguido.
O arguido continua a residir em casa do filho, construção anexa à casa principal (a qual ficou a pertencer à ex-mulher no âmbito da partilha posterior ao divórcio), situada nas traseiras desta e inserida no mesmo espaço murado.
Junto do meio sócio-residencial suscitam-se dúvidas sobre a situação de separação/afastamento do arguido em relação à ex-cônjuge, dado habitarem o mesmo endereço, do tipo "condomínio fechado", e algumas vezes são vistos juntos em deslocações no meio social.
O arguido não apresenta declaração de rendimentos de IRS, pelo menos desde a relativa ao ano de 2011. Na partilha posterior ao divórcio não foram adjudicados ao arguido quaisquer bens imóveis, cujo valor declarado foi apenas o valor patrimonial, nem qualquer dos veículos, dois Mercedes e um Toyota, cujo valor atribuído foi de cerca de € 4.000,00.
Acresce ainda que os factos se reportam a Janeiro de 2007 pelo que o arguido teve tempo mais do que suficiente para se prevenir da eventualidade de ter de ressarcir a vítima, e não só não o fez como até, tendo em vista a partilha efectuada após divórcio onde não lhe foram adjudicados quaisquer bens, se colocou, como se aventa no acórdão sob escrutínio, deliberadamente, em situação de não poder satisfazer quaisquer indemnizações.
Em consequência, por falta de real fundamento, também aqui não assiste razão ao recorrente, devendo permanecer a condição aposta à suspensão que é em absoluto razoável.
Pelos fundamentos expostos, improcede o recurso.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto.
Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa de justiça em 5 [cinco] UC.
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Notifique.
[Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.]

Porto, 24 de Setembro de 2014
Maria Dolores Silva e Sousa - Relatora
Fátima Furtado – Adjunta