Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
86/12.5GAAMM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE ROUBO AGRAVADO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
CONCURSO EFECTIVO
Nº do Documento: RP2013091186/12.5GAAMM.P1
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O crime de roubo agravado p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, alínea b), por referência ao art.º 204º, n.º 2, alínea f), ambos os preceitos do C. Penal, está em concurso efectivo com o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, alínea d), por referência aos art.ºs 2º, n.º 1, alíneas m) e av), 3º, n.º 2, alínea e), 4º, n.º 1, 97º, n.º 1, 2º e 3º, n.º 2, alínea g), 11º, 2 e 6, todos da Lei 5/2006, de 23/2.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 86/12.5GAAMM.P1
Armamar.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª secção criminal.

I -Relatório.
No processo Comum singular nº 86/12.5GAAMM do Tribunal Judicial de Armamar foi submetido a julgamento o arguido B…, com os restantes elementos identificativos constantes da sentença de fls. 81 a 103 dos autos.
A sentença de 19.12.2012, depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, condeno o arguido B…, pela prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real e efetivo:
- de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 2, b), por referência ao 204º, nº2, f), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída por 270 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º Código Penal);
- de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº1, d), por referência aos artigos 2º, nº1, m), av), 3º, nº2 e) e 4º, nº1, 97º, nº1, 2º, nº1, e), 3º, nº2, g), 11º, 2º e 6, todos da L. 5/06, 23/2, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros).
Custas e demais encargos do processo pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, reduzida a metade atenta a confissão (artigos 513º, nº1, 514º, nº1 e 344º, nº2, c), Código de Processo Penal, e artigo 8º, nº5 e tabela III RCP).
Notifique.»
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Inconformado com a decisão veio o Ministério Público interpor recurso da mesma conforme motivação de fls. 108 a 121 dos autos, que remata com as seguintes conclusões:
1.A ratio da agravação, pelo legislador, da moldura abstracta do crime de roubo (artigo 210º, nº 2, b) do Código Penal), por referência ao crime de furto qualificado (artigo 204, n.º 2, f)) em função da detenção, pelo agente, de uma arma oculta reside no perigo objectivo da utilização da arma;
2. O fundamento da agravação, pelo legislador, da moldura abstracta do crime de roubo, por referência ao tipo fundamental previsto no artigo 210.º, nº 1 do Código Penal, é a punição, pelo agente, da mera posse ou detenção daquela arma, independentemente da sua susceptibilidade ou não de legalização ou do próprio agente possuir licença para a deter ou autorização da entidade competente;
3. Punir duas vezes a circunstância do agente deter, portar ou possuir uma arma, no momento do crime e durante a sua execução, através da punição autónoma do crime de detenção de arma proibida viola o princípio da proibição da dupla valoração e o princípio do ne bis in idem;
4. O uso ou porte de arma não é elemento do crime de roubo, cujo tipo legal fundamental é o previsto no artº 210º do C.P.. Todavia, pode ser um factor de agravação, de acordo com o artigo 210º, nº 2, b) por referência ao artigo 204º, nº 2, f) do Código Penal;
5. A norma do na 3 do artigo 86º da Lei na 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei na 17/2009, de 06/05, é uma norma geral;
6. Ora, no caso em apreço, a agravação do crime de roubo alicerçou-se na posse e detenção, pelo arguido, durante o tempo de execução do crime, de uma arma oculta.
7. Por uma questão de coerência sistemática considera-se que, tendo o legislador arredado a possibilidade da agravação do artigo 86.º, nºs 3 e 4 da Lei na 5/2006, de 23.02 quando o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada, não quis, com isto, a punição autónoma do crime de detenção de arma proibida, quando a detenção ou porte de arma é o elemento agravante ou qualificador do tipo incriminador do roubo;
8. O arguido foi interceptado pelos militares da GNR, numa situação que poderá classificar-se como de "quase flagrante delito", nos termos do artigo 256º, nº 2 do Código de Processo Penal, sendo tal situação equiparada, pela lei, à situação de flagrante delito prevista no artigo 256º, nº 1 do Código de Processo Penal circunstância essa que, na verdade, fundamentou a sujeição do arguido a julgamento em processo especial sumário, nos termos do artigo 381º do Código de Processo Penal;
9. Por esse motivo, a detenção da arma num momento temporal (imediatamente) posterior à prática dos factos, pelo arguido, nas circunstâncias dadas como provadas na sentença, não poderá deixar de se mostrar consumida pelo crime de roubo agravado pelo qual foi condenado, sob pena de violação do princípio do ne bis in idem, previsto no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
10. O roubo constitui um crime complexo, aglutinando um crime contra a liberdade e um crime contra o património, de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial - direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - mas sobretudo de ordem eminentemente pessoal;
11. O crime de detenção de arma proibida, por seu turno, é um crime de realização permanente e de perigo abstracto;
12. Quanto ao concurso entre os crimes de perigo e os crimes de dano, a regra básica é a da subsidiariedade;
13. A punição do crime de dano não consome, em princípio, a punição a título de crime de perigo abstracto, já que o bem tutelado pela incriminação de perigo não se reduz ao bem tutelado pela incriminação do dano, excepto se a incriminação do dano já é especialmente agravada com uma previsão da ocorrência de um crime de perigo abstracto, como é o caso do crime do roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, agravado nos termos do nº 2, b) do mesmo normativo, pela circunstância prevista no artigo 204º, nº 2, f) do Código Penal;
14. Em suma, entre o crime de roubo agravado, previsto e punível pelas disposições conjuntas dos artigos 210º, nº 1 e nº 2, b), por referência ao artigo 204º, nº 2, f), ambos do Código Penal e o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 86º, n.º1, d), por referência aos artigos 2º, n.º1, m), av), 3º, n.º2 e) e 4º, n.º1, 97º, n.º 1, 2º, nº 1, e), 3º, nº 2, g), 11º, 2º e 6º todos da Lei na 5/2006, de 23.02 existe uma relação de concurso aparente e não de concurso efectivo;
15. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, 30º, 210º, nºs 1 e 2, b), por referência ao artigo 204º, nº2, f), ambos do Código Penal, artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23.02 e artigo 256º do Código de Processo Penal.
Termina pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se a sentença da Mma. Juíza do Tribunal a quo e substituindo-a por outra que condene o arguido nos termos constantes da acusação pública deduzida, apenas pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelas disposições conjuntas dos artigos 210º, nº 1 e nº 2, b), por referência ao artigo 204º, nº 2, f), ambos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 86º, nº 1, d), por referência aos artigos 2.º, nº 1, m), av), 3º, nº 2, e) e 4º, nº 1, 97º, nº 1, 2º, nº 1, e), 3º, nº 2, g), 11º, 2º e 6º todos da Lei nº 5/2006, de 23.02.
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O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 140.
Nesta Relação, a Excelentíssima PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir:
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
A).Averiguar se o crime de detenção de arma proibida pelo qual veio o arguido a ser condenado está consumido pelo crime de roubo também por si praticado e pelo qual foi condenado.
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2. Factos provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação.
a) FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1 – No dia 29.11.12, cerca das 14h45m, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento comercial papelaria denominado “C…”, sito na …, …, em Armamar, propriedade de D… e adquiriu uma caneta, pelo preço de € 1,90.
2 – Já no exterior do estabelecimento, o arguido tapou a cara, fazendo uso de um gorro e dirigiu-se novamente ao interior da papelaria.
3 – Nesse momento, empunhou uma arma de salva ou alarme, de plástico, de cor castanha, insuscetível de transformação em arma de fogo, na direção de D…, de molde a atemorizá-la, e ordenou-lhe que colocasse o dinheiro do apuro da loja num saco.
4 – Como esta tivesse retorquido que não tinha dinheiro, o arguido disse-lhe “eu sei que tens dinheiro, passa-o para cá senão as coisas ficam más”, ao que esta acedeu por temer pela sua vida, colocando, de seguida, as notas e moedas do BCE que lá se encontravam no interior de um saco, no valor global de € 174,08.
5 – Ainda com a arma de alarme empunhada na direção de D…, o arguido ordenou-lhe que colocasse maços de tabaco no interior do saco, ao que esta acedeu, colocando no seu interior dez maços de tabaco, designadamente, quatro maços de tabaco marca “L&M” de cor vermelha, três maços de tabaco marca “L&M” de cor azul, dois maços de tabaco de marca “SGGigante” e um maço de tabaco de marca “SGLight”, no valor global de € 40,60.
6 – Durante a execução dos factos descritos em 1º a 5º, o arguido trazia ocultado no interior do bolso das calças que trajava uma faca borboleta, composta por uma lâmina, articulada num cabo ou empunhador dividido longitudinalmente em duas partes iguais articuladas entre si, tendo tal objeto permanecido escondido durante todo o tempo.
7 – Após, o arguido encetou fuga daquele local em direção à Rua …, nesta comarca.
8 – Veio a ser intercetado pouco tempo depois, no …, Armamar, tendo na sua posse, ocultados nos bolsos do vestuário e no interior da sua carteira, a arma de alarme, a faca borboleta e a quantia de € 119,00, previamente subtraída e pertença da ofendida D…, e, por isso, recuperada.
9 – Vieram, ainda, a ser recuperados os dez maços de tabaco e a quantia de € 55,08 que o arguido havia previamente ocultado, respetivamente, num jardim na Rua … e no Jardim circundante ao …, ambos sitos em Armamar.
10 – O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito conseguido de fazer seus os objetos e valores referidos, que a ofendida tinha na sua posse, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade da legítima proprietária.
11 – Fê-lo atemorizando a ofendida com a arma de alarme que lhe exibiu, colocando-a, pela sua forma de atuação, na impossibilidade daquela lhe oferecer resistência, por temer pela sua integridade física ou vida.
12 – O arguido conhecia as características da faca descrita 6- e sabia que a sua detenção era absolutamente proibida em quaisquer circunstâncias.
13 – O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.
Mais se provou que:
14 – O arguido pretendia consumir o tabaco e utilizar o dinheiro numa festa na vila de Sátão.
15 – O dinheiro e tabaco subtraídos foram entregues à ofendida.
16 - O arguido não tem antecedentes criminais.
17 – O arguido vive com a mãe, que é funcionária de um lar, com a avó e uma irmã; está desempregado e inscrito no Centro de Emprego; não beneficia de qualquer subsídio; não anda na escola e tem 9º ano de escolaridade; nos últimos meses de setembro e outubro trabalhou na “apanha da maçã”, tendo auferido cerca de € 550,00; tem disponível, por mês, cerca de € 50,00, que a sua mãe lhe dá.
18 – O arguido confessou livre, integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
b) FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes.
c) MOTIVAÇÃO DE FACTO
A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto resultou, desde logo, das declarações do arguido prestadas em audiência de discussão e julgamento, tendo o mesmo confessado, livre, integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e tendo esclarecido, quando perguntado, sobre a motivação da sua atuação, nos termos constantes do ponto 14. dos factos provados.
Ponderou-se, igualmente, o auto de notícia de fls. 3 e 4; o auto de apreensão de fls. 10 e os documentos juntos a fls. 40 a 47, quanto aos objetos subtraídos; o termo de entrega de fls. 49, quanto a sua restituição à ofendida; o CRC junto a fls. 16, relativamente à ausência de antecedentes criminais; os autos de exame de fls. 60 e 65, quanto às características das armas detidas pelo arguido.
O tribunal valorou, ainda, o depoimento prestado pela ofendida D…, que se nos afigurou sério e isento, porque prestado de forma clara e tranquila, não denotando qualquer especial animosidade ou intenção de prejudicar o arguido, apesar do sucedido. Referiu-se a testemunha ao temor que sentiu mediante a exibição da arma pelo arguido, bem como aos objetos subtraídos e à respetiva restituição, esclarecendo, igualmente, que o arguido apenas lhe exigiu que colocasse no saco o dinheiro e os maços de tabaco, tal como veio a fazer.
O depoimento das testemunhas E… e F…, militares da GNR, prestado de forma isenta e coincidente entre si, corroborou o teor do auto de notícia junto aos autos, descrevendo e circunstanciando os referidos militares os procedimentos por si adotados na identificação do arguido.
Com base nas declarações do arguido prestadas em audiência relativamente às suas condições pessoais, económicas e sociais, deu o tribunal como provados os factos descritos em 17., por não ter razões para duvidar de tais declarações.»
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3. Apreciação do recurso.
O arguido B… foi condenado pela prática, em concurso real de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 2, b), por referência ao 204º, nº2, f), do Código Penal, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº1, d), por referência aos artigos 2º, nº1, m), av), 3º, nº2 e) e 4º, nº1, 97º, nº1, 2º, nº1, e), 3º, nº2, g), 11º, 2º e 6, todos da L. 5/06, 23/2.

Sustenta o recorrente que o crime de roubo agravado pela posse da arma consome o crime de detenção de arma proibida, pelo que não poderia haver lugar a condenação por este último crime, sob pena de violação do princípio constitucional ne bis in idem.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Na decisão recorrida sustentou-se a decisão tomada do seguinte modo:
«Assente a factualidade relevante, cumpre aferir da responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime que lhe vem imputado, procedendo-se ao enquadramento jurídico-penal da sua conduta e, concluindo-se pela existência de responsabilidade jurídico-penal, caberá determinar qual a pena a aplicar e respetiva medida concreta.
Do crime de roubo
O artigo 210º, nº1, Código Penal prevê o crime de roubo, estatuindo que “[Q]uem, com ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
O crime de roubo é um tipo de crime complexo, pluriofensivo, porquanto protege, indubitavelmente, o bem jurídico da propriedade, mas também bens jurídicos pessoais como a vida, integridade física e a liberdade pessoal, de ação e decisão.
Do ponto de vista da propriedade, protege-se uma especial relação de facto sobre a coisa, a mera posse ou disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com o mínimo de representação jurídica.
Quanto à noção de coisa, esclarecem LEAL HENRIQUES E SIMAS SANTOS, a propósito do crime de furto, (in, “Código Penal Anotado”, 2º Volume, p. 619) que a mesma consistirá, para efeitos penais, em “toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, mas juridicamente relevante”.
Esclarece, ainda, o Prof. FARIA COSTA in “Comentário Conimbricense”, que “coisa móvel é toda e qualquer coisa que seja susceptível de ser deslocada espacialmente” e será alheia “toda a coisa que está ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção”.
Para que se verifique o tipo de crime de roubo, objetivamente, exige-se uma subtração ou constrangimento à entrega de coisa móvel alheia por um dos meios previstos: violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou colocação na impossibilidade de resistir, já que se trata de um crime de execução vinculada.
Citando o Ac. do STJ, de 5.11.03, Proc. 03P2717, in www.dgsi.pt, “[C]onstranger é, coagir, obrigar, pressionar, afectando a liberdade pessoal do coagido; para fins de preenchimento do tipo legal, o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de "facere" no caso de entrega coisa móvel ou "non facere ", no caso de subtracção da mesma, sujeitando-se o coagido, neste caso, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro, por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP.: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir”.
Entre o conseguir coisa móvel alheia e os meios empregues tem, pois, de se verificar um nexo de imputação.
A violência empregue pode ser física ou psicológica, desde que seja suficiente, do ponto de vista do homem médio, para determinar a vontade do ofendido à entrega da coisa e superar a sua resistência ou oposição.
A este propósito se diz no Ac. TRL 12.7.06, Proc. 5803/2006-3, in www.dgsi.pt: “no crime de roubo a violência não pressupõe que ao ofendido sejam provocadas lesões, podendo nem sequer haver contacto físico, já que o arguido por vezes não chega a ameaçar de uma forma expressa, puxando de pistola ou faca, antes se limita a “mostrar” alguma dessas armas num “aviso” claro de que podem fazer uso delas em qualquer momento (…)”.
Apesar da tipificação do constrangimento como elemento incriminador, e pela natureza dos bens jurídicos que visa proteger, o seu exercício pode assumir as mais diversas formas. No sentido de que a compressão coativa não demanda nem pressupõe formas taxativas ou específicas de manifestação, cfr. Ac. STJ 11.4.02, in www.dgsi.pt.
Face ao que ficou dito, para que se considere praticado o crime de roubo, basta a utilização de um meio, objetiva e abstratamente idóneo a configurar uma forma de violência sobre a vítima ou a colocá-la na impossibilidade de resistir.
Seguindo a Teoria da Impressão, se o agente exibe à vítima uma arma simulada, fictícia ou de alarme, e assim logra constrangê-la, pelo medo, a entregar-lhe a coisa que pretende subtrair, consuma o crime de roubo, previsto no artigo 210º, nº1, Código Penal (neste sentido, cfr. Ac. STJ 25.10.07, Proc. 07P3247, in www.dgsi.pt).
Exige-se, por outro lado, a entrada no domínio de facto do agente da infração das utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha.
No que se refere ao tipo subjetivo do ilícito, é aceite pela doutrina e jurisprudência o cometimento do crime de roubo sob qualquer modalidade de dolo, ainda que seja necessário que o agente actue com um dolo específico de “ilegítima intenção de apropriação” da coisa para si ou para terceiro, para além do dolo genérico de representar e querer o ato de subtrair ou constranger alguém a entregar-lhe algo, com consciência do seu caráter alheio e de que tal comportamento é ilícito.
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Visto o tipo fundamental do crime de roubo, resta referir que, nos termos da alínea b) do nº2 do mesmo artigo 210º, “[A] pena é de 3 a 15 anos se (…) se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o nº4 do mesmo artigo”.
Prevê o referido artigo 204º, nº2, na sua alínea f), que aqui importa considerar, como circunstância agravante, que o agente atue: “trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta”.
Aqui se refere arma “oculta” no sentido de não visível, por oposição a “aparente”, no sentido de visível, manifesta, e não de objeto que aparenta ser uma arma.
Conforme se refere no já citado “Comentário Conimbricense”, II, p. 79, “[O] potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente é, ninguém o desconhece, uma realidade indesmentível e indiscutível, o que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar”.
Nos termos do artigo 4º do DL. 48/95, 15/3, “[P]ara efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
Assim, ao contrário do que dissemos quanto à utilização da arma de alarme no cometimento do crime de roubo, na sua forma simples, para efeitos da agravação nos termos do nº2, b) do artigo 210º, por referência ao artigo 204º, nº2, f), tal arma de alarme não pode ser considerada idónea a preencher tal qualificativa, porquanto o que ali se pune de forma agravada é o facto de o agente trazer, no momento da prática do crime, visível pela vítima ou não, uma arma com capacidade ofensiva objetiva.
A este propósito se diz no Ac. STJ 28.4.04, Proc. 4337/03-3, in www.dgsi.pt: “não é seguramente a projecção de alguns resíduos de pólvora pela pistola de alarme que, à luz de um critério objectivo, repousando em regras de experiência comum, dimensiona a pistola como arma para os fins queridos e subjacentes à agravativa prevista no art. 204º, n.º2 al. f), do C. Penal”.
A agravação prende-se com a maior associalidade e audácia do agente, pelo potencial lesivo que acrescentou à sua atuação, já que o facto de trazer consigo arma adequada a lesar a integridade física de outrem, tendo-a disponível para, em qualquer momento, vir a servir-se dela - ainda que não chegue a fazê-lo - aumenta indiscutivelmente a culpa e ilicitude da sua conduta.
No mesmo sentido, elucidativamente se afirma no Ac. STJ 27.10.10, www.dgsi.pt: “(…) ao referir-se ao uso de arma, de forma visível ou encoberta, a esse elemento da acção típica do crime de roubo qualificado pela remissão operada para o art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, fá-lo em sentido técnico, enquanto instrumento com a aptidão e a virtualidade que ressalta do art. 4.º da Lei 48/95, de 15-03, para ferir ou agredir (…) importa que se trate de instrumento efectivamente produtor daquele risco, o que não sucede quando o agente usa de uma réplica de arma de fogo, de um revólver, porque em tal caso o que transparece da sua posse não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem”.
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No caso dos autos, considerando a factualidade provada em 2. a 5., concluímos que o arguido, empunhando arma de alarme, apontou-a à ofendida e exigiu-lhe a entrega dos objetos descritos, tendo, ainda, proferido a expressão “eu sei que tens dinheiro, passa-o para cá senão as coisas ficam más” e conseguindo, assim, que aquela lhe entregasse os ditos objetos.
Assim, usando de violência psicológica sobre a ofendida, causando-lhe medo e tolhendo a sua liberdade de ação/decisão - mediante a possibilidade de utilização contra si da arma que lhe era exibida como tendo o potencial de lesar a sua vida ou integridade física - o arguido, com a exibição da arma de alarme e a expressão proferida, levou a que esta lhe entregasse coisa móvel, que o arguido assim viu transferida para o seu domínio, apoderando-se dela contra a vontade da legítima proprietária.
Atuou, ainda, o arguido, trazendo consigo, no momento do crime, além da arma de alarme que exibiu à ofendida, uma faca borboleta, a qual configura uma arma nos termos e para os efeitos do citado artigo 4º do DL. 48/95, 15/3, porquanto se trata de objeto com lâmina, suscetível de ser empunhado e usado de molde a agredir o corpo de alguém.
Face ao exposto, dúvidas não restam de que o arguido incorreu na prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, b), por referência ao artigo 204º, nº2, f), todos do Código Penal.

Da detenção de armas
Conforme resulta do descrito em 3. e 6., o arguido detinha, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, uma arma de alarme e uma faca borboleta.
Nos termos do artigo 2º, nº1, e), L. 5/06, 23/2 (Regime Jurídico das Armas e Munições), com a redação conferida pela L. 12/11, 27/4, é “arma de alarme ou salva, o dispositivo com a configuração de uma arma de fogo, destinado unicamente a produzir um efeito sonoro semelhante ao produzido por aquela no momento do disparo”.
Classifica a alínea m) do mesmo preceito de “Arma branca todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm e, independentemente das suas dimensões, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões”.
Na alínea av), por sua vez, considera-se “Faca de borboleta a arma branca, ou instrumento com configuração de arma branca, composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão”.
Nos termos do artigo 3º, nº2, e), são armas da classe A, designadamente, “as facas de borboleta”, e nº9, g), são armas da classe G “as armas de alarme ou salva que não estejam incluídas na alínea n) do nº2 do presente artigo” (i.e., que não sejam suscetíveis de transformação em armas de fogo).
Dispõe o artigo 4º, nº1, da mesma lei, que “[S]ão proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e porte de armas, acessórios e munições da classe A”.
Nos termos do artigo 11º, nº2, “[A] aquisição de armas de sinalização é permitida, mediante declaração de compra e venda e prévia autorização da PSP, a quem desenvolver actividade que justifique o recurso a meios pirotécnicos de sinalização”.
Acrescenta o nº 6 do mesmo preceito, que “[A] detenção, o uso e o porte das armas referidas nos nºs 1 a 4, bem como das armas de starter e de alarme, só são permitidos no domicílio, transporte e para o exercício das actividades para as quais foi solicitada autorização de aquisição”.
Por sua vez, prevê o artigo 86º, nº1, d) que “[Q]uem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo (…) faca de borboleta (…) é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias”.
Dispõem os nºs 3 e 4 daquele artigo 86º: “[A]s penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma; [P]ara os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente”.
Já no âmbito da responsabilidade contraordenacional, prevê o artigo 97º, nº1, “[Q]uem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, (…) usar ou trouxer consigo reprodução de arma de fogo, arma de alarme, munições de salva ou alarme ou armas das classes F e G, é punido com uma coima de (euro) 400 a (euro) 4000”.
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A Lei das Armas visou, tal como se refere na Proposta de Lei nº 28/X, a adoção de medidas para combater a proliferação de armas ilegais e reformular o quadro jurídico aplicável, considerando urgente a definição de um novo tipo de operações especiais de prevenção criminal em áreas geográficas delimitadas, tendo em vista reduzir o risco de prática de infrações associadas ao uso de armas, bem como de outros crimes ou infrações que a estas se encontram habitualmente associados.
São essencialmente dois os tipos de delitos relacionados com armas: aqueles que decorrem da própria natureza da arma, por serem objetivamente proibidas, ou seja, proibidas em si mesmas, sendo em regra proibida a sua detenção, utilização, transporte e porte (ilícitos típicos de detenção de arma proibida); aqueloutros que resultam da falta de condições legais para o uso, a detenção, o porte ou o transporte das armas, ou seja, os casos em que as armas, em si mesmas, objetivamente consideradas, são permitidas, suscetíveis de legalização, mas o seu detentor não reúne todas as condições legais para o efeito, seja por falta de licença para o ato em questão (deter, portar, transportar), seja por falta de manifesto dessas armas (ilícitos típicos de detenção ilegal de arma).
No caso do crime de detenção de arma proibida, e conforme se refere no Ac. STJ de 19.2.04, Proc. P04P268, disponível in www.dgsi.pt “estamos aqui em presença de um crime de perigo, punindo-se a detenção de armas proibidas por via da simples produção de perigo concreto ou, mesmo, abstracto, constituído pelo risco sério para a vida e integridade física das pessoas e para a paz social. Ao preenchimento dos elementos do tipo legal basta o mero perigo abstracto ou presumido de lesão, porque a mera posse duma arma proibida, só por si, representa um risco muito sério para aqueles valores juridicamente protegidos agora referidos”.
Estamos diante de um crime de realização permanente, e de perigo comum - face à suscetibilidade de ocorrência de dano não controlável e de potência expansiva, capaz de causar alarme social e de violar vários bens jurídicos - e abstrato - uma vez que o tipo não exige a colocação em perigo dos bens jurídicos tutelados.
O perigo constitui, ele próprio, o leitmotiv da incriminação.
Conforme se refere no Ac. STJ 27.5.10, Proc. 474/09.4PSLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, existe perigo no preciso momento da detenção.
No que tange aos bens jurídicos protegidos, seguindo de perto ARTUR VARGUES, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, Volume I, Universidade Católica Ed., p. 240., diremos que são “a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, mas também a vida, a integridade física e bens patrimoniais dos membros da comunidade, face aos riscos sérios que derivam da livre (ou seja, sem controlo) circulação e detenção, porte e uso de armas, munições (…)”.
O bem jurídico protegido é, então, a segurança da comunidade contra os riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas, visando-se, essencialmente, “prevenir o perigo de um número indeterminado de infracções penais, dada a diversidade dos bens juridicamente tutelados, que são postos em risco com a utilização do tipo de armas em causa neste tipo de incriminação, nomeadamente, a vida, a integridade física, a tranquilidade, a liberdade, a paz social e até o património de muitas pessoas.” – cfr. Ac. TRC, 1.7.09, Proc. 48/07-4GAAFE.C1 (www.dgsi.pt).
Enquanto o elemento objetivo se preenche com qualquer uma de entre as condutas descritas, em termos disjuntivos, nas normas citadas, o elemento subjetivo basta-se com qualquer modalidade de dolo, que se basta genérico, não sendo punível a prática por negligência, por não estar legalmente prevista.
De tudo quanto ficou exposto, concluímos que o arguido incorreu na prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, d), por referência aos artigos 2º, nº1, m), av), 3º, nº2 e) e 4º, nº1, todos da L. 5/06, 23/2, atenta a factualidade provada em 6., 8., 12. e 13., porquanto trazia consigo, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, objeto com as características do descrito naquelas disposições como faca de borboleta, a qual não pode ser detida por particulares em quaisquer circunstâncias, conhecendo o arguido as características de tal objeto, bem como a proibição e punição da sua detenção.
Por outro lado, relativamente à detenção da arma de alarme, considerando a factualidade vertida em 3., 8. e 13., concluímos que o arguido preencheu o tipo de ilícito contraordenacional previsto no artigo 97º, nº1, L. 5/06, 23/2, por referência aos artigos 2º, nº1, e), 3º, nº2, g), 11º, 2º e 6, porquanto trazia consigo, fora de qualquer circunstância enquadrável nas legalmente previstas para a detenção de tais armas mediante autorização, uma arma de alarme ou salva.
Não se vislumbra, ainda, qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Tendo o arguido preenchido, como vimos, a previsão do crime previsto no artigo 86º, nº1, d) e da contraordenação prevista no artigo 97º, nº1, L. 5/2006, cumpre indagar se existirá uma relação de concurso efetivo ou meramente aparente.
EDUARDO CORREIA, in “Unidade e Pluralidade de Infracções”, p.97, considera “existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação”.
É esse critério teleológico que vem adotado no artigo 30º, nº1, Código Penal, nos termos do qual “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
FIGUEIREDO DIAS, in “Direito Penal, Parte Geral”, I, 2ª ed., p. 992, § 1, refere: “Da circunstância de a um concreto comportamento ser em abstracto aplicável uma pluralidade de normas incriminadoras não pode concluir-se, sem mais, estarmos perante um concurso de factos puníveis. Importa, antes de tudo, determinar se as normas abstractamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico-jurídica tal (numa relação poderia dizer-se de “lógica hierárquica”) que, em verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que à luz da(s) norma(s) prevalecente(s) se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global”.
Ora, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que quando o agente, na mesma ocasião, é encontrado com mais do que uma arma que se enquadre na mesma alínea do artigo 86º da L. 5/2006, cometerá um único crime.
Algumas dúvidas têm surgido, contudo, quanto se trata de subsumir a conduta do arguido a alíneas distintas. No entanto, entendemos que, também aqui, desde que se prefigure uma única resolução criminosa do agente, haverá um concurso meramente aparente de infrações.
No Ac. TRP, 12.5.10, Proc. 1203/07.2GAVNF.P1, in www.trp.pt se referiu que “não existe (…) nenhum concurso efectivo de crimes de detenção ilegal de armas, quando estejam em causa em relação ao mesmo agente a detenção, sob a mesma resolução criminosa [30.º, n.º 1 C. Penal], de armas de diversa natureza que preenchem mais que um dos diversos sub-tipos do art. 86º, nº 1, da Lei nº 5/2006”.
Com idêntica argumentação, e indo mais além, consideramos existir concurso aparente quando, mediante uma só resolução - discernível mediante a constatação de detenção de diversas armas, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar – o agente detém armas que fazem subsumir a sua conduta ao tipo de crime previsto no artigo 86º e outras armas que subsumem a sua conduta ao tipo de contraordenação previsto no artigo 97º.
De facto, nos tipo de ilícito - quer criminal quer contraordenacional - previstos no Regime Jurídico das Armas e Munições, os bens jurídicos a tutelar são de idêntica natureza.
Efetivamente, não obstante a autonomia do Direito Contraordenacional face ao Direito Penal, não podemos negar que aquele se configura como um “Direito Penal especial”, dirigido igualmente a tutelar bens jurídicos e a sancionar condutas consideradas juridicamente – além de socialmente – desvaliosas.
Analisados os tipos legais das contraordenações previstas no regime jurídico em análise, não vemos que se destinem a tutelar bens jurídicos diversos dos que justificam a consagração dos crimes ali previstos (ordem, segurança e tranquilidade públicas), dirigindo-se, contudo, a condutas que põem tais bens jurídicos em causa de forma menos gravosa ou meramente mediata.
Ora, na prática do crime e da contraordenação que acima imputámos ao arguido, não podemos, face à factualidade apurada, afirmar uma pluralidade de valores negados e de pré determinações volitivas, essenciais à verificação de várias infrações.
Logo, verificando-se uma relação de consunção, inexiste a prática de um ilícito autonomamente punível por cada arma detida pelo arguido, devendo o mesmo ser punido com a pena resultante do tipo de ilícito mais grave (artigo 86º, nº1, d)), que incorpora o “sentido dominante do ilícito”, considerando-se o tipo de ilícito menos grave (artigo 97º, nº1) em sede de determinação da medida da pena (assim, Ac. STJ 26.10.2011, Proc. 1112/09.0SGLSB.L2:S1, in www.dgsi.pt).

Do concurso entre roubo agravado e detenção de arma
Considerando o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido no tipo de roubo - em função da exibição à ofendida da arma de alarme ou salva - na sua forma agravada - em função da detenção, no momento do crime, de arma oculta – cumpre aferir da suscetibilidade de a detenção de tais armas originar punição autónoma, nos termos supra expostos.
Aproveitando o que ficou dito supra acerca do concurso de crimes e retornando ao citado artigo 30º, nº1, Código Penal, concluímos que do critério normativo adotado, ligado a uma conceção pessoal do ilícito, resulta que haverá tantos crimes quantos os ilícitos praticados, quer atendendo ao número de vezes que o agente violou determinado tipo legal, quer ao número de tipos legais violados.
Ora, não obstante a detenção de arma funcionar ao nível do tipo de ilícito de roubo imputado ao arguido, cumpre salientar que, quer para o preenchimento da circunstância da “violência” integradora do tipo simples de roubo, quer para o preenchimento da qualificativa que agravou o roubo, é indiferente a condição em que o agente detém a arma, i.e., se se trata de uma detenção lícita ou ilícita, se se trata de detenção de arma suscetível de autorização ou de detenção de arma absolutamente proibida.
Em consonância com a ratio que preside à agravação, a conduta é agravada mesmo que a detenção da arma seja perfeitamente lícita, sendo aplicável a moldura prevista de 3 a 10 anos de prisão.
Ora, se além de trazer uma arma, o agente traz uma arma em si mesma proibida ou cuja detenção é ilícita, não pode concluir-se que o legislador pretendeu punir tal conduta com a mesma moldura abstrata de 3 a 10 anos de prisão.
Os bens jurídicos tutelados, num e noutro crime, por sua vez, são manifestamente distintos.
No crime de roubo, na sua forma agravada pela posse de arma no momento do crime, pretendeu o legislador proteger, além do património, a integridade física e a vida de um titular individual (a concreta vítima sujeita à atuação do agente), punindo mais severamente a conduta que comporte maior capacidade ofensiva do agente e limite, drasticamente, a capacidade de defesa da vítima.
Já no crime de detenção de arma proibida, como vimos, trata-se de proteger a comunidade em geral, a sua segurança, a ordem e tranquilidade públicas.
Por um lado, a detenção que, imediatamente antes e depois da prática do crime de roubo, o agente faça de arma proibida, representa já a violação de tais bens jurídicos, dos membros indistintos da comunidade, independentemente da comissão do resultado danoso aquando da prática do crime de roubo.
Por outro lado, o perigo da detenção de arma proibida não se pode considerar esgotado, i.e., consumido, porquanto o conteúdo de injusto da ação típica do roubo agravado não abrange nem expressa de forma exaustiva o desvalor desta.
Ora, sendo diversos os bens jurídicos atingidos com a mesma atuação, não se verificando uma relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção do âmbito de proteção das normas jurídicas violadas, não podemos deixar de concluir pela existência de um concurso real e efetivo entre o tipo legal de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 2, b), por referência ao 204º, nº2, f), Código Penal, e o tipo legal de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, d) L. 5/06, 23/2 (neste sentido, entre outros, cfr. Acs. STJ 25.10.06, Proc. 06P3042; 30.6.10, Proc. 99/09.4 GGSNT.S1; 27.5.10, Proc. 474/09.4PSLSB.L1.S1, todos in www.dgsi.pt).
Pelo que ficou dito, a punição autónoma do crime de detenção de arma proibida não importa uma violação do princípio de “ne bis in idem” previsto no artigo 29º, nº5, Constituição da República Portuguesa.
À conclusão supra exposta não obsta a redação introduzida pela L. 17/09, 6/5 ao Regime Jurídico das Armas e Munições, designadamente os nºs 3 e 4 do artigo 86º, supra citado, porquanto ali se prevê, apenas, para a generalidade dos crimes, a agravação já anteriormente prevista para os crimes de furto e de roubo, na alínea f) do artigo 204º, nº2, Código Penal, i.e., a agravação da moldura penal abstrata quando o crime seja cometido com arma, ainda que detida licitamente.
Da letra da lei não resulta qualquer intenção do legislador de, ao agravar a moldura abstrata do crime cometido com arma – o que sucede mesmo que a detenção desta seja lícita – deixar de punir autonomamente a detenção de arma no caso de ela constituir, em si mesma, um ilícito (referindo-se ao concurso entre a agravação do crime de homicídio nos termos do artigo 86º, nº3, e a detenção de arma proibida, v. Ac. TRC 12.10.11, Proc. 293/10.5 JALRA.C1, in www.dgsi.pt).
De tais preceitos resulta apenas que, ante a agravação (mais elevada) prevista no Código Penal não atua, no caso do roubo cometido com arma, a agravação prevista na Lei das Armas.
Assim, face à factualidade provada, deve ser imputada ao arguido, em concurso real e efetivo, a prática de um crime de roubo agravado e de um crime de detenção de arma proibida.»

Vejamos.
Dispõe o art. 30º nº 1 do Código Penal, «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
Muitas normas de direito criminal estão umas para com outras em relação de hierarquia, no sentido de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. «De onde resulta que a pluralidade de tipos que se pode considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respetivas disposições penais, vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente, Neste sentido se conclui que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções» - cfr. Eduardo Correia, Direito Crimina, II, 204.
As referidas relações de subordinação e hierarquia entre as várias disposições de direito criminal, embora em definição doutrinária não unânime, podem repartir-se, grosso modo, por relações de especialidade, consunção (pura e impura), subsidiariedade e alternatividade.
Para o caso, importa assentar a atenção na figura da consunção.
Surpreendem-se no conceito – vide Eduardo Correia, Ob. Cit., pág. 205 - os seguintes traços: «Entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra «ne bis in idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat lex consumtae». O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se pode afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados, e não (…) através da diversidade de pontos de vista a partir dos quais a lei concede proteção ao mesmo bem jurídico».
Entre os casos claros de exclusão em atenção a este princípio da consunção, apontam-se as disposições que punem o pôr-se em perigo a lesão de bens jurídicos por aquelas que punem a sua lesão efetiva – cfr. Autor e Ob. Cits., págs. 205/6, nota 2.
Por se mostrar em absoluto pertinente ao caso, deixamos aqui um extrato do Ac. do STJ, de 27.05.2010, Relatado pelo Cons. Henriques Gaspar, proc. 474/09.4PSLSB.L1.S. que ilustra singularmente esta problemática, de uma forma simples e concisa a que aderimos e com a qual concordamos:
«A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infracções), (…), tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. JESCHECK e THOMAS WEIGEND, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.).
A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de 29/06/2006, proc. nº 1942/06-3ª).
O crime de detenção de arma proibida, previsto (s) e punido pelos artºs 2º nº 1 al. t), 3º nº 2, al. l), 4º nº 1 e 86, nº 1 al. c) da lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, está construído como crime de perigo abstracto, em que a lei previne o risco de uma lesão que coincide com a própria actividade proibida.
Os crimes de perigo abstracto são crimes de mera actividade, em que esta traduz uma perigosidade geral de acção típica para determinados bens jurídicos; o perigo não pertence ao tipo, como no perigo concreto, mas o comportamento correspondente é tipicamente próprio da produção de um perigo concreto (H. H. Jescheck, cit., p. 282-283).
Nos crimes de perigo, a realização do tipo basta-se com a mera colocação em perigo de bens jurídicos e pode consistir simplesmente no motivo da proibição. Os comportamentos são tipificados em vista da perigosidade típica para um bem jurídico, sem que se mostre comprovada no caso concreto; há como que uma presunção inelidível de perigo, e por isso dispensa-se a criação de perigo efectivo (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., p. 308-309).
Nos crimes de perigo abstracto o perigo constitui o motivo da proibição, em função da perigosidade típica para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos, independentemente de ser criado um perigo efectivo para o bem jurídico.
No crime de detenção de arma proibida, a justificação da tutela penal e a carência de pena estão, assim, ligadas à perigosidade típica para bens jurídico-penalmente tutelados que podem ser afectados pela simples detenção – os valores da ordem, segurança e tranquilidade pública. A justificação e a dimensão valorativa dos bens jurídicos protegidos identificam-se, mais remota ou difusamente, com a protecção de uma pluralidade de bens jurídicos, que a simples posse, ilegítima ou proibida, de um instrumento é susceptível de afectar, fazendo reverter para um campo de risco de afectação (cf., v. g., acórdãos do STJ, de 25/10/2006, proc. 3042/06 e de 14/12/2006, proc. 4344/06).
O bem jurídico, ainda numa projecção difusa de uma pluralidade de bens jurídicos e numa dimensão mais ampla, autonomiza-se de cada uma dos concretos bens jurídicos que possam vir a ser individualmente afectados na respectiva titularidade concreta, sendo, por si, autonomamente e ex ante, considerado com relevante para justificar a definição de um crime de perigo.
Deste modo, a lesão do bem jurídico de perigo, assim compreendido, coincide logo no momento da detenção da arma proibida, independente da relação, específica e autónoma, de cada um dos valores individualizados que possam vir a ser concretamente afectados em crime posterior de resultado.
O crime de roubo, por seu lado, constitui um crime de resultado, que pressupõe a produção de um resultado como consequência da actividade do agente: a subtracção de coisa alheia com constrangimento para bens jurídicos pessoais.
O crime de roubo constitui, como é reconhecido, um crime complexo pela interposição de vários elementos que protegem bens jurídicos patrimoniais – na essência é um crime conta a propriedade integrado no Capítulo II («crimes contra a propriedade») do Título II («Dos crimes contra o património»), e bens jurídicos pessoais, por a ofensa à propriedade ser levada a efeito usando violência contra uma pessoas ou com a ameaça dom um perigo iminente para a vida ou para a integridade física.
Por isso, a utilização de uma arma, enquanto tal, não faz parte dos elementos do tipo de roubo, nem integra circunstância agravante que, por si, modifique a natureza do crime ou a moldura da pena. A arma constitui, tão apenas, um instrumento material que, a par de outros, pode contribuir para realizar a violência ou a ameaça, e sendo arma de fogo, terá o mesmo efeito instrumental quer seja proibida que de uso que tenha sido objecto de licença.
O crime de detenção de arma proibida, como crime de perigo, ficou integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente.
Os bens jurídicos protegidos são, pois, distintos num e outro dos crimes.
A posterior utilização apenas pode constituir um plus, que acresce e adensa, na valoração autónoma no contexto, as condições e as circunstâncias do crime de roubo.
Mas nem tal plus, no caso, está considerado com valor autónomo na fundamentação da decisão.»
Concretizando, afigura-se-nos claro em face do exposto, quer pela diversidade de bens jurídicos, quer pela forma como o bem jurídico é posto em causa pela actuação do arguido que, enquanto o crime de roubo integra o conceito de crime de resultado em que sob a forma de comissão por ação o tipo pressupõe a produção de um evento como consequência da atividade do agente. «Nestes tipos de crime só se dá a consumação quando se verifica uma alteração externa espácio-temporalmente distinta da conduta" – cfr. Figueiredo Dias, in Direito penal, Parte Geral, Tomo I, Questões fundamentais, a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2007, págs. 306, - pois que se impõe que o agente «subtraia, ou constranja a que lhe seja entregue coisa móvel alheia», impondo-se assim a necessidade de que tenha havido a efetiva subtração de, ou que tenha sido entregue ao gente, coisa móvel alheia, «sendo ainda necessário que tenha havido efetivo constrangimento (também ele um resultado e um dano - desta feita para bens pessoais" – cfr. Conceição Cunha, Comentário conimbricense, págs. 171/2.
O crime de detenção de arma proibida, como crime de perigo abstrato, fica integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente.
Ora, como resulta dos factos provados, naquele dia 29.11.2012, cerca das 14h45m, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento comercial papelaria denominado “C…”(…) propriedade de D… e adquiriu uma caneta, pelo preço de € 1,90. Já no exterior do estabelecimento, o arguido tapou a cara, fazendo uso de um gorro e dirigiu-se novamente ao interior da papelaria. Nesse momento, empunhou uma arma de salva ou alarme, de plástico, de cor castanha, insuscetível de transformação em arma de fogo, na direção de D…, de molde a atemorizá-la, e ordenou-lhe que colocasse o dinheiro do apuro da loja num saco. (…) Durante a execução dos factos descritos em 1º a 5º, o arguido trazia ocultado no interior do bolso das calças que trajava uma faca borboleta, composta por uma lâmina, articulada num cabo ou empunhador dividido longitudinalmente em duas partes iguais articuladas entre si, tendo tal objeto permanecido escondido durante todo o tempo. Após, o arguido encetou fuga daquele local (…). Veio a ser intercetado pouco tempo depois, no …, Armamar, tendo na sua posse, ocultados nos bolsos do vestuário e no interior da sua carteira, a arma de alarme, a faca borboleta e (…)
Ou seja, o arguido, quer antes de consumar o roubo quer depois dessa consumação transportou e deteve, as descritas armas, pelo menos, desde o local onde as guardava até ao da consumação do roubo e desde este até ao local onde foi interceptado pelas autoridades.
E podia tê-las usado em várias circunstâncias desse percurso, quer antes e depois da consumação do roubo, assim ofendendo efetivamente o bem jurídico respectivo, que, como se viu é de mero perigo abstrato, bastando-se o tipo com a mera detenção.
A lesão do bem jurídico de perigo, assim compreendido, coincide logo no momento da detenção da arma proibida independente da relação específica e autónoma de cada um dos valores individualizados que possam vir a ser concretamente afetados em crime posterior de resultado. Ou seja, o crime de detenção de arma proibida consuma-se, mesmo antes de se iniciar o roubo.
A arma constitui, tão apenas, um instrumento material que, a par de outros, pode contribuir para realizar a violência ou a ameaça, e sendo arma de fogo, terá o mesmo efeito instrumental quer seja proibida, quer de uso que tenha sido objeto de licença.
Logo, a punição do roubo não abarca a ofensa autónoma do bem jurídico subjacente à incriminação do uso de arma ilegal, pelo que não é legítimo, no caso, falar em consunção ou exclusão de aplicação desta incriminação.
E, se assim é, está afastado o perigo de violação do princípio com assento constitucional «ne bis in idem», justamente porque a cada punição corresponde um bem jurídico ofendido.
«Porque os crimes de roubo e de detenção de arma proibida protegem interesses diferentes e se consumam em momentos diferentes - o crime de roubo protege a propriedade e a pessoa e o de detenção de arma o perigo relativo às pessoas e às coisas, estando consumado quando foi iniciada a prática do roubo - existe concurso real desses crimes quando o roubo é praticado com o emprego de arma proibida.»cfr. Ac. do STJ de 17.04.1996, disponível in www.dgsi.pt
Em suma, impõe-se a condenação autónoma do arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida, tal como se decidiu no acórdão recorrido que, nesse aspeto, não merece qualquer censura.
Pelo exposto improcede, o recurso.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo MP, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas.
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Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Porto, 11 de Setembro de 2013.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Maria de Fátima Cerveira da Cunha Lopes Furtado