Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
888/14.8GBPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRINCIPIO NE BIS IN IDEM
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO
DESISTÊNCIA DE QUEIXA
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20151209888/14.8GBPRD.P1
Data do Acordão: 12/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se determinados factos foram objecto de investigação em inquérito que veio a terminar por despacho de arquivamento subsequente à desistência de queixa, não ocorre violação do princípio ne bis in idem, se posteriormente vierem a constar da acusação como integrando um crime de violência doméstica, por esta nova realidade jurídica não estar abrangida pelo caso julgado emergente do despacho de arquivamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 888/14.8GBPRD.P1
Data do acórdão: 9 de Dezembro de 2015

Relator: Jorge M. Langweg

Origem: Comarca do Porto Este
Instância Local de Paredes | Secção Criminal

Acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B….
I - RELATÓRIO
1. Por sentença datada de 15 de Julho de 2015, o arguido B… foi condenado pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica (art. 152º, 1 b), do Código Penal) na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, subordinada à condição do arguido se submeter a tratamento médico/psiquiátrico, a manter-se afastado da ofendida e ao acompanhamento por parte da Direção-Geral de Reinserção Social, sujeitando-se às diretrizes que pela mesma lhe venham a ser impostas.
2. Além disso, ainda foi condenado a indemnizar a ofendida, no montante de € 1.500,-- (mil e quinhentos euros). Acrescido de juros de mora, contados a partir da data da notificação do pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento.
3. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso da sentença, suscitando, formalmente:
6.

a) Nulidade da sentença, por erro notório na apreciação da prova;
b) Violação da presunção de inocência;
c) Violação do princípio «non bis in idem»;
d) Erros em matéria de direito:
a. Excessividade da pena concreta, considerando ajustada a pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução:
i. Por falta de atenuação especial da pena –por provocação injusta da vítima e ofensa imerecida (artigo 72º, 2, b), do Código Penal);
ii. Por falta de valoração de fatores atenuantes da pena, referentes ao arguido:
1. Bom comportamento posterior à prática do crime;
2. Inserção familiar harmoniosa e equilibrada;
3. Inserção social adequada, possuindo uma imagem positiva, associada aos seus hábitos de trabalho e relacionamento cordial;
4. Manifesta disposição para se manter afastado da ofendida e prosseguir tratamento psiquiátrico;
iii. Uma vez que os seus antecedentes criminais são antigos; e
iv. Tendo em conta as circunstâncias da prática do crime:
- em que o ofendido insultou o arguido e empunhou uma garrafa de cerveja partida;
- o arguido se encontrava algo alcoolizado e a ser agarrado;

7. O Ministério Público apresentou resposta, fundamentada, pugnando pela improcedência do recurso.
8. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.
9. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando, de forma fundamentada, pela improcedência do recurso.
10. O recorrente apresentou resposta, reiterando os termos da motivação de recurso.
11. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:

a) Nulidade da sentença, por erro notório na apreciação da prova;
b) Violação da presunção de inocência;
c) Violação do princípio «non bis in idem»;
d) Erros em matéria de direito:
a. Excessividade da pena concreta, considerando ajustada a pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução:
i. Por falta de atenuação especial da pena –por provocação injusta da vítima e ofensa imerecida (artigo 72º, 2, b), do Código Penal);
ii. Por falta de valoração de fatores atenuantes da pena, referentes ao arguido:
1. Bom comportamento posterior à prática do crime;
2. Inserção familiar harmoniosa e equilibrada;
3. Inserção social adequada, possuindo uma imagem positiva, associada aos seus hábitos de trabalho e relacionamento cordial;
4. Manifesta disposição para se manter afastado da ofendida e prosseguir tratamento psiquiátrico;
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Para decidir as matérias acima descritas, importará, primeiramente, recordar o teor da fundamentação da decisão recorrida em matéria de facto, bem como a fundamentação jurídica da determinação da pena concreta.
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*
II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar algumas passagens da decisão recorrida -:
« II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos provados
Da acusação pública:
1. A ofendida C… manteve, durante cerca de cinco anos, uma relação de namoro com o arguido B…, três dos quais o arguido esteve emigrado em França, sem que tivessem morados juntos;
2. Em finais do ano de 2011, início de 2012, o arguido emigrou para França, altura em que passou a controlar a ofendida, telefonando-lhe constantemente para o telefone fixo, não permitindo que tivesse telemóvel, e quando telefonava, se a ofendida não atendesse, da próxima vez que lograsse falar com ela iniciava uma discussão, apelidando-a, entre outro nomes, de “puta, vaca, andas a dá-lo”;
3. Em dia não concretamente apurada, no mês de Agosto de 2012, cerca das 3 ou 4 da manhã, a ofendida e o arguido tinham acabado de sair de um café e faziam a viagem de regresso a casa, quando este começou a discutir com aquela, por questões relacionadas com ciúmes, acusando-a de andar com outros homens e de os outros homens olharem para ela;
5. Na sequência da discussão, o arguido dirigiu à ofendida as seguintes expressões “és uma puta, uma vaca, uma cabra, puseste-me os cornos sua puta, eu mato-te, como-te viva” e, sem que nada o fizesse prever, reiteradamente e enquanto percorreu vários quilómetros, o arguido puxou-lhe os cabelos até às suas pernas e desferiu-lhe vários murros e bofetadas;
6. Em data não concretamente apurada, por altura do Natal de 2012, o arguido foi ter com a ofendida junto à sua residência, sita à rua …, nº …, em … e na sequência de uma discussão relacionada com ciúmes, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: “sua puta, sua vaca” e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe dois estalos, sem que tivesse necessidade de receber tratamento médico;
7. Ao actuar do modo acima descrito em 5 e 6 o arguido quis provocar na ofendida – sua namorada - lesões físicas que efectivamente lhe provocou, designadamente nas partes do corpo atingidas, cujas exactas consequências médico-legais não foi nestes autos possível determinar dado que a mesma as veio a curar sem recurso a tratamentos médicos ou hospitalares, por vergonha de assim estar a revelar a situação a que constantemente era sujeita e sobretudo por medo de posteriores atitudes de retaliação por parte do arguido;
8. No dia 13.09.2014, cerca das 01h00, a ofendida estava em sua casa quando recebeu vários telefonemas do arguido que, além do mais, lhe dirigiu as seguintes palavras: “és uma puta, és uma vaca, és uma léria, vou chegar lume à tua casa e vou-te matar.”;
9. Nesse mesmo dia cerca das 5.00 horas, recebeu mais um telefonema do arguido que lhe disse: “desce puta, eu estou aqui à tua porta, se não desceres eu faço barulho”, motivo pelo qual e de forma a evitar confusão àquela hora, junto da sua residência, decidiu descer;
10. Depois de ter entrado no veículo do arguido, este encetou marcha pela A42, em direcção a … e enquanto isso, desferiu várias bofetadas na cara da ofendida, acabando por imobilizar o veículo perto da Rua …, em …;
11. Aí chegado, o arguido deferiu-lhe vários murros na cara e agarrando-a pelo cabelo puxou-a para o exterior do veículo, colocou-a em cima do capot e disse: “ Diz-me a verdade puta, se tens amantes, senão eu mato-te aqui porque ninguém sabe que saí contigo”;
12. Após, atirou-a para o chão, colocou os joelhos em cima da ofendida, apertou-lhe o pescoço e obrigou-a a entrar novamente no veículo desferindo-lhe um estalo na cara;
13. Ao actuar do modo acima descrito o arguido quis e provocou na ofendida – sua namorada – dores e lesões, designadamente: Crânio: na região frontal, em posição mediana apresenta uma equimose de cor avermelhada com 1cm por 0,6cm de maiores dimensões; na região pariental direita, posterior, apresenta área de alopécia com 5 cm por 4cm de maiores dimensões; face: equimose de cor avermelhada na pálpebra superior do olho esquerdo com 3cm por 1cm de maiores dimensões, que determinou que fosse assistida no próprio dia dos factos no Centro Hospitalar …, das quais resultaram 30 dias para a cura, com afectação parcial da capacidade de trabalho geral pelo período de 5 dias;
14. No dia 27 de Novembro de 2014, cerca das 22 horas, o arguido encontrou-se com a ofendida junto à sua residência e enquanto circulavam no veículo do arguido este, sem mais, dirigiu à ofendida as seguintes expressões: “oh sua puta, andas-te por lá toda a tarde foi? Andaste a dá-lo?”,“de unhas novas, cabelo arranjado, andaste a dá-lo, foi?” e sem que nada o fizesse prever, baixou-lhe as calças do pijama e arrancou-lhe as cuecas com tamanha força que a magoou na vagina, ao ponto de fazer sangue;
15. Também nesse dia, por vergonha e sobretudo por medo de retaliações do denunciado, a ofendida não recebeu tratamento médico ou hospitalar;
16. No dia 1 de Dezembro de 2014, cerca das 19.10 horas, ao chegar a casa, a ofendida deparou-se com o denunciado à sua espera e este, quando se apercebeu que a ofendida tinha comprado um telemóvel iniciou uma discussão com esta, retirou-lhe o telemóvel e atirou-o ao chão, partindo-o e disse-lhe “oh puta foste buscar um telemóvel para teclar com os outros, para me pores os cornos, mais ainda”;
17. Logo de seguida e usando de força física, o arguido logrou colocar a ofendida dentro do seu veículo e conduziu-a até Ferreira, para o meio do monte, e pelo caminho, desferiu-lhe murros e bofetadas, puxou-lhe o cabelo com força e mordeu-lhe as mãos e a barriga;
18. Aí chegados, o arguido parou o veículo, retirou-a do seu interior e desferiu-lhe um pontapé com muita força nas nádegas que a fez cair desamparada ao chão;
19. Também nesse dia, por vergonha e sobretudo por medo de retaliações do denunciado, a ofendida não recebeu tratamento médico ou hospitalar;
20. Ao actuar do modo acima descrito o arguido quis e provocou na ofendida – sua namorada – no crânio: escoriações na linha média da região frontal, com 2cm de comprimento, dores na região pré-auricular esquerda, dores nas diferentes execuções do movimento do pescoço, equimose no tórax, com zona escoriada semelhante ao contorno de uma mordedura humana, no membro superior direito: escoriação na face interna da falange distal do dedo indicador, com 5mm de comprimento e dores na face dorsal da mão; membro superior esquerdo: equimose arroxeada na metade interna da face dorsal da mão e no membro inferior esquerdo: equimose arroxeada na face anterior do terço distal da coxa, com 2cm por 1cm de maiores dimensões, das quais resultaram 7 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;
21. No dia 02.12.2014, cerca das 13 horas, o arguido deslocou-se ao local de trabalho da ofendida, sito na freguesia …, com o propósito de falar com a ofendida. Como a ofendida recusou faze-lo, o arguido voltou ao local de trabalho desta, na sua hora de saída, cerca das 14 horas e, mais uma vez, tentou conversar com a ofendida contra a sua vontade e só a chegada da GNR o demoveu de tais intentos;
22. No dia 03.12.2014, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, com o intuito de conversar com a mesma e quando a companheira do irmão da ofendida, D…, lhe disse que a ofendida não pretendia falar com ele, o arguido, em tom alto, agressivo e violento disse-lhe:” ela que desça senão as coisas pioram” e friccionando duas pedras, uma na outra, dizia que lhe partia o carro todo à ofendida, que a matava e que lhe chegava fogo à casa;
23. Mais uma vez, só a chegada da GNR demoveu o arguido dos seus intentos.
24. No dia 07.12.2014, cerca das 16.10 horas, quando a ofendida regressava a casa do emprego, apercebeu-se, pelo retrovisor, que era seguida pelo arguido, quando este de forma repentina ultrapassou-a, barrou-lhe a passagem e colocou-se à sua frente, dizendo: “pára amor eu não te quero fazer mal, só quero falar contigo”;
25. Assustada, a ofendida parou o veículo junto de duas pessoas que viu na rua, acabando por saiu a correr do veículo, deixando-o aberto e com os seus pertences no interior, dirigindo-se para junto de E…;
26. O arguido só não levou a cabo os seus intentos devido à presença das duas pessoas, contudo aproveitando o facto de o veículo se encontrar aberto, revistou o veículo e a carteira da ofendida;
27. No dia 09.12.2014, cerca das 22.30 horas, o denunciado foi novamente a casa da ofendida, chamou-a mas, como ela não respondeu, acabou por abandonar o local;
28. O arguido é ciumento e possessivo quanto à ofendida, tomando-a como sua propriedade;
29. A ofendida vivia assustada, com medo e receio andar sozinha, com temor daquilo que o arguido lhe pudesse fazer;
30. Ao actuar do modo acima descrito o arguido pretendia provocar na ofendida as lesões que efectivamente provocou, assim como maltratá-la psiquicamente, amedrontando-a, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e perturbando-a, bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como provocaram, tanto medo e inquietação, como marcas físicas e psicológicas, que afectaram a sua liberdade de actuação e o seu equilíbrio emocional;
31. Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e consciente e bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do pedido de indemnização civil:
32. As condutas do arguido eram levadas a cabo em locais públicos, o que causava vergonha e mau estar perante a vizinhança e familiares da assistente;
33. A ofendida chegou a ser chamada à atenção pela sua entidade patronal fazendo-a recear o seu despedimento;
34. A ofendida foi obrigada a recorrer a ajuda médica e viu a sua rotina e hábitos alterados.
Mais se provou que:
35. Do certificado do registo criminal do arguido resulta que por sentença de 16/06/2014, transitada em julgado em 01/09/2014, proferida no âmbito do processo comum singular nº 2262/11.9 PSLSB, da instância criminal local da comarca de Lisboa – J7, foi julgado pela prática do crime de passagem de moeda falsa, tendo sido condenado na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período;
Do relatório social:
36. O arguido cresceu junto do agregado de origem, formado pelos pais e quatro descendentes. O pai sempre trabalhou como marceneiro e a mãe como operária têxtil, contexto que sempre permitiu ao agregado ter uma situação económica remediada, sendo a dinâmica familiar descrita como harmoniosa, representada nos bons níveis relacionais entre os pais e restantes elementos do agregado;
37. O arguido B… completou o 4º ano de escolaridade aos 9/10 anos. Aos 12 anos começou a trabalhar como polidor numa fábrica de móveis mantendo a profissão em causa para a mesma entidade laboral até aos 20 anos, altura em que emigrou para França, de forma a ver melhoradas as condições salariais, mantendo-se naquele país até Setembro de 2014;
38. Antes de emigrar para França mantinha uma relação de namoro com a ofendida há cerca de um ano;
39. Durante o período que permaneceu em França a namorada chegou a deslocar-se àquele país a expensas do arguido;
40. No período a que se reportam parte dos factos, mais concretamente no ano de 2012, o arguido B… vivia em França, país onde trabalhava regularmente na construção civil, deslocando-se a Portugal no Natal e durante as férias.
41. Presentemente o arguido B… integra o agregado de origem, formado, para além do próprio, pelo pai, de 48 anos, marceneiro, a mãe, de 42 anos, operária têxtil, uma irmã de 21 anos, operária têxtil e um irmão de 18 anos, polidor de móveis. O agregado habita uma casa que é propriedade dos pais do arguido, construída com recurso a empréstimo bancário, de tipologia 3, com boas condições habitacionais;
42. Economicamente, o agregado possui uma situação equilibrada, porquanto os salários dos seus elementos permitem ao mesmo satisfazer com relativa facilidade as necessidades básicas;
43. O arguido trabalha como polidor numa fábrica de móveis, “F…” e aufere mensalmente cerca de € 850, embora sem vínculo laboral;
44. Os tempos livres do arguido são direcionados para a prática de musculação que efectua num ginásio na companhia do grupo de pares, positivamente conotados;
45. O arguido esteve recentemente internando no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar … em Penafiel, após uma tentativa de suicídio em 26 de Maio de 2015, encontrando-se medicado desde então;
46. O arguido é considerado pelos seus familiares directos como uma pessoa calma e uma conduta ajustada em contexto familiar;
47. No meio comunitário o arguido possui uma imagem positiva, associada aos hábitos de trabalho que lhe são reconhecidos e uma relação de cordialidade que usa na interação;
48. O arguido indicia reduzida consciência crítica relativamente aos factos que lhe são imputados.

2. Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provou:
1. Que logo no primeiro ano de namoro, em datas não concretamente apuradas, o arguido, por questões relacionadas com ciúmes, encetou discussões várias com a ofendida e maltratou-a quer fisicamente com bofetadas, murros, bofetadas pontapés e puxões de cabelo, quer psicologicamente, chamando-lhe “puta, vaca, andas a dá-lo”;
2. Que nas circunstâncias descritas no ponto 14 dos factos provados o arguido tenha desferido um estalo na ofendida.

3. Convicção do tribunal
A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, a qual se encontra integralmente documentada.
O arguido relatou o modo como conheceu a ofendida, o período em que namoraram e, no essencial, negou a prática dos factos que lhe são imputados, particularmente os que se prendem com episódios de agressões. Admitiu alguns excessos de linguagem para com a mesma e que a procurava de uma forma insistente mas não mais do que isso. Mais alegou que as imputações de factos que a ofendida lhe faz resultam do facto de lhe ter deixado de dar dinheiro regularmente quando regressou definitivamente a Portugal.
Sucede que as declarações da assistente mereceram total credibilidade por parte do tribunal. A assistente C…, apesar de assumir uma postura algo ríspida e por vezes parecendo até contrariada por ter que estar a depor em tribunal, relatou os episódios que se verificaram com pormenor e credibilidade, explicando o contexto em que os mesmos ocorreram, alguns deles sendo claramente tratada de modo humilhante e degradante.
Tudo começou com o constante e absurdo controle telefónico efectuado pelo arguido desde França e com as diversas agressões e insultos quando vinha de visita a Portugal e que se tornaram mais constantes quando regressou definitivamente.
O que a ofendida relatou ao tribunal resulta corroborado pelas declarações das testemunhas D…, companheira do seu irmão, e que durante a semana residia consigo e com a sua mãe, sendo a pessoa que mais apoio lhe prestou, mesmo em cuidados básicos de saúde e assistência, assim como o filho desta, G…, que presenciou o episódio descrito no ponto 16 dos factos provados, tentando ainda opor-se a que o arguido metesse a tia no veículo automóvel, o que não conseguiu. Atendeu-se ainda às declarações do militar da GNR H…, e das testemunhas E… e J… que confirmaram a presença da arguida junto de si, mas claramente não quiseram comprometer-se na explicação de tudo o que presenciaram.
A matéria atinente ao pedido de indemnização civil resultou das declarações da própria ofendida aliadas às normais regras da experiência, bem como ao descrito pela testemunha D…, e às testemunhas J… e K…, mãe da ofendida.
As testemunhas de defesa do arguido depuseram em abono do seu carácter, explicaram que não concordavam com o namoro com a ofendida por ser mais velha e constar que seria uma pessoa interesseira, mas também se atente que no relatório social é referido que o pai do arguido nem sequer conhecia a relação de namoro com a ofendida.
No que concerne a esta vertente patrimonial que alegadamente pairava sobre o relacionamento, atente-se que o arguido apesar de querer fazer passar a ideia de que entregava regularmente quantias de dinheiro à ofendida, nenhuma prova logrou fazer desse facto, juntando apenas dois comprovativos de transferências bancárias no valor de € 900,00. Alega ainda que suportou o encargo de uns implantes mamários que a ofendida efectuou. Ora mesmo que assim tenha sido, o que a ofendida frontalmente não admite, tal circunstância não lhe dava qualquer direito sobre a ofendida, no sentido de a maltratar e desrespeitar, nem vemos que fossem os apontados valores que levariam a ofendida a arquitectar qualquer vingança contra o arguido. As denúncias que fez dos factos são imediatas. Em duas situações as agressões foram proximamente observadas no Gabinete médico-legal e nem as suas declarações, nem as da testemunha D…, nos merecem quaisquer reservas quanto à sua veracidade.
Mais se atendeu ao conjunto da prova documental junta aos autos, com relevância:
Auto de notícia de fls. 2 a 4 relativo aos factos ocorridos no dia 01/12/2014;
Aditamento de fls. 31 a 34 relativo aos factos ocorridos no dia 03/12/2014;
Aditamento de fls. 36 relativo aos factos ocorridos no dia 07/12/2014;
Auto de denúncia de fls. 131 a 134 relativo aos factos ocorridos no dia 13/09/2014;
Exames do Gabinete médico-legal de Penafiel de fls. 105 a 107 (factos de 01/12/2014) de fls. 136 a 138 (factos de 13/09/2014);
Relatório de psicologia de fls. 224;
Relatório médico de fls. 352 que atesta a tentativa de suicídio do arguido no dia 26/05/2015;
Certificado do registo criminal do arguido de fls. 357 a 358;
Relatório social de fls. 371 a 375 elaborado pela DGRSP;
Documentos de fls. 400 e 401 comprovativos de duas transferências de dinheiro efectuadas pelo arguido para a ofendida.

4. Apreciação jurídica
O Crime de Violência Doméstica
O arguido vem acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo152º, nº 1, alínea b) do Código Penal.
(…)
Sustenta a defesa do arguido que os factos relatados nos pontos 8 a 13 do despacho de pronúncia não poderiam ser valorados nestes autos uma vez que foram objecto do processo nº 725/14.3 GBPRD que correu termos no DIAP de Paredes e que foram arquivados em face da desistência de queixa apresentada pela ofendida.
“O crime de violência doméstica é muito mais que uma soma de ofensas corporais, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime” (ac. RL de 08/11/2011, publicado no sítio www.dgsi.pt).
Trata-se de um crime único, embora de execução reiterada, cuja consumação ocorre com a prática do último acto de execução. Assim, é irrelevante que a ofendida tenha apresentado uma desistência de queixa no âmbito do referido processo nº 725/14.3 GBPRD, como se mostra documentado a fls. 139 a 141 (desistência de queixa e subsequente homologação por despacho do Ministério Público), relativamente a factos susceptíveis de integrar um dos ilícitos criminais que atomisticamente integram o crime de violência doméstica (cfr. Ac. RP de 15/09/2010, relatado pelo Sr. Desembargador Vasco Freitas e publicado no sítio www.dgsi.pt), não sendo a valoração deste comportamento violadora do princípio ne bis in idem.
*
Atente-se que nenhuma autonomia assume a acusação particular deduzida pela assistente, uma vez que os factos ali descritos integram a conduta integradora do crime de violência doméstica.
*
A medida da pena e a sua determinação concreta
O crime de violência doméstica praticado pelo arguido é cominado, em abstracto, com a pena de 1 a 5 anos de prisão.
A determinação em concreto da medida da pena consiste em determinar, dentro da moldura abstractamente aplicável o quantum de pena concreta aplicável ao agente, tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal.
Estabelece o nº 1 deste preceito que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes.
A pena será assim determinada entre o limite mínimo dado pela prevenção geral e o limite máximo dado pela culpa, actuando na determinação da medida concreta da pena os critérios de prevenção especial de ressocialização.
As exigências de prevenção geral que se fazem sentir nesse domínio da violência doméstica são prementes e elevadas, levando o legislador na alteração introduzida pela Lei nº 19/2013, de 21/02 a alargar a punição às relações de namoro, que anteriormente não tinham cobertura legal neste tipo legal.
O grau de ilicitude é elevado, em face da violência da actuação do arguido. A assistente sentiu medo, vergonha e humilhação.
O dolo é intenso na modalidade de dolo directo.
O arguido indicia reduzida consciência crítica relativamente aos factos que lhe são imputados e não mostrou qualquer arrependimento pela sua prática. Cometeu parte dos factos que lhe são imputados no decurso de uma pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do crime de passagem de moeda falsa.
A seu favor apenas há a ponderar o facto de trabalhar, estar socialmente inserido e contar com o apoio familiar.
Tudo ponderado consideramos justa e suficiente, pelas exigências de prevenção geral e especial e pelo princípio da necessidade da pena, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71º e tendo em consideração o cumprimento de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
*
Suspensão da execução da pena.
O artigo 50º do Código Penal atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. E Jur., ano 124º, pág. 68).
Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8/5/1997 (Proc.º nº 1293/96) "factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir".
Ora no caso em apreço considerando que o arguido não tem mantido contacto com a ofendida e não a tem perturbado, bem como se encontra a efectuar tratamento psiquiátrico à patologias de que padece, sendo certo que aceitou continuar a fazê-lo, entende-se que deverá ser-lhe concedida uma oportunidade para se afirmar como homem de bem pelo que se irá suspender a execução da pena de prisão por igual período (2 anos e 6 meses) na convicção segura de que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50º, nº 1 do Código Penal), suspensão essa que, contudo, irá subordinada à condição de o arguido se sujeitar a tratamento médico/psiquiátrico, a manter-se afastado da ofendida, e ao acompanhamento por parte da Direcção-Geral de Reinserção Social sujeitando-se às directrizes que pela mesma lhe venham a ser impostas.
*
Da pena acessória
Estabelece o artigo 152º, nº 4 do Código Penal a possibilidade de ao agente da prática do crime de violência doméstica ser aplicada a pena acessória de proibição de contactos com a vítima pelo período de 6 meses a 5 anos.
Em face da natureza de parte dos factos dados como provados, que consistiam, na perseguição, abordagem e perturbação da assistente, entendemos ser plenamente justificado aplicar ao arguido a proibição de contacto com a vítima C…, pelo período de 2 anos e 6 meses, seja pessoalmente, telefonicamente ou através de mensagens.
(…)»
*
*
III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO

De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), cumpre apreciar, primeiramente, os vícios formais arguidos pela recorrente.
a) Do alegado erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, 2, c), do Código de Processo Penal);
O recorrente suscita, no plano formal, um vício formal da decisão recorrida: um alegado erro notório na apreciação da prova [conclusão c)].
Porém, não identifica, substancial e concretamente, qualquer "erro notório" na apreciação da prova.
Concretizando:
De jure:
O erro notório formalmente alegado pelo recorrente integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal). O mesmo só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum. Deve assim tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não existe tal erro quando a convicção do julgador é plausível, ou possível, embora pudesse ter sido outra.
Apreciando.
Analisando a motivação do recurso, conclui-se que o recorrente baseia o alegado "erro notório" em fatores externos à decisão da matéria de facto, emitindo juízos valorativos sobre a apreciação da prova produzida em julgamento, chegando ao ponto de citar diversas passagens da prova oral – não concretizando, no entanto, uma impugnação ampla da decisão da matéria de facto (artigo 413º, 3, do Código de Processo Penal) -.
De resto, a circunstância do tribunal recorrido ter conferido credibilidade às declarações da assistente, não pode configurar um erro notório na apreciação da prova, na medida em que a convicção do tribunal se mostra devidamente fundamentada, tendo procedido a uma análise crítica da prova produzida em julgamento, conjugando – de um modo coerente e lógico - os diversos meios concretos de prova produzidos em julgamento[3].
Por conseguinte, a decisão recorrida não evidencia qualquer erro notório na apreciação da prova, improcedendo o primeiro argumento da motivação do recurso.

b) Da alegada violação da presunção de inocência do arguido;
Para aferir o argumentário do recorrente interessa recordar, primeiramente, os critérios legais de apreciação da prova, bem como as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto tendo por base um alegado erro de julgamento e, relacionado com esta matéria, explicar o âmbito jurídico da violação do princípio da presunção de inocência.
A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio “in dubio pro reo” -.
Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. [4] Tal impossibilita que o julgador possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. A sentença recorrida satisfez tais exigências, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do Tribunal a quo em relação às provas produzida em julgamento, como se pode concluir, facilmente, pelo seu teor, já atrás reproduzido.
Conforme resulta da fundamentação dessa convicção plasmada na decisão recorrida, reproduzida neste acórdão, o tribunal a quo procedeu a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, procedendo a uma conjugação lógica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, que demonstra, com a necessária segurança, a conduta provada do recorrente.
Como corolário lógico dessas regras, este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando a convicção do Tribunal a quo não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos e analisados em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento [5] [6].
Para contrariar essa fundamentação, o recorrente expressou a sua convicção pessoal, a qual não permite abalar a fundamentação da convicção do tribunal plasmada na sentença recorrida, não chegando, sequer, a configurar uma verdadeira impugnação da matéria de facto.[7]
Para contrariar a fundamentação da convicção do tribunal, o recorrente limitou-se a tecer comentários em relação à decisão e a segmentos de prova produzida, não tendo chegado a especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida;
Por conseguinte, este Tribunal não pode reapreciar a prova produzida.
Numa atividade de reconstituição histórica de factos, como é o caso do julgamento em matéria de facto, a certeza judicial não pode ser confundida com a certeza absoluta, constituindo, antes, uma certeza empírica e histórica[8].
Toda a decisão penal em matéria de facto constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
É neste contexto, precisamente, que se situa o âmbito de aplicação do princípio in dubio pro reo.
A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável. No caso de tal apreciação resultar numa dúvida razoável, esta conclusão deve beneficiar o arguido [9] .
A existência de uma violação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida no julgador[10], emergente do próprio texto da decisão recorrida, do qual se concluiria que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (ou seja, numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido)[11];
Conforme já se explicitou, o Tribunal a quo apurou os factos determinantes da responsabilidade penal do arguido com base na conjugação e articulação crítica dos dados objetivos emergentes dos meios concretos de prova produzidos de forma regular, tendo valorado os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um «(..) substrato racional de fundamentação e convicção (…)», com o apoio de presunções naturais, «juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido (…)»[12]: conclui-se, pela análise do texto da decisão recorrida, que a julgadora não teve qualquer dúvida sobre a verificação dos factos que considerou assentes.
Por conseguinte, improcede a alegada violação do princípio in dubio pro reo.

c) Da violação do princípio «non bis in idem»;
O arguido concretizou a violação desse princípio aludindo à circunstância "da ofendida ter apresentado uma desistência de queixa relativamente a factos susceptíveis de integrar um dos ilícitos criminais que atomisticamente integram o crime de violência doméstica".
Porém, a fundamentação da sentença recorrida apresenta, a este respeito, uns apontamentos jurídicos importantes:
«Sustenta a defesa do arguido que os factos relatados nos pontos 8 a 13 do despacho de pronúncia não poderiam ser valorados nestes autos uma vez que foram objecto do processo nº 725/14.3 GBPRD que correu termos no DIAP de Paredes e que foram arquivados em face da desistência de queixa apresentada pela ofendida.
“O crime de violência doméstica é muito mais que uma soma de ofensas corporais, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime” (ac. RL de 08/11/2011, publicado no sítio www.dgsi.pt).
Trata-se de um crime único, embora de execução reiterada, cuja consumação ocorre com a prática do último acto de execução. Assim, é irrelevante que a ofendida tenha apresentado uma desistência de queixa no âmbito do referido processo nº 725/14.3 GBPRD, como se mostra documentado a fls. 139 a 141 (desistência de queixa e subsequente homologação por despacho do Ministério Público), relativamente a factos susceptíveis de integrar um dos ilícitos criminais que atomisticamente integram o crime de violência doméstica (cfr. Ac. RP de 15/09/2010, relatado pelo Sr. Desembargador Vasco Freitas e publicado no sítio www.dgsi.pt), não sendo a valoração deste comportamento violadora do princípio ne bis in idem.»

De jure
O objeto do processo penal é definido pela acusação, a qual delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado.
A este efeito se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade[13], da unidade ou indivisibilidade[14] e o da consumpção[15] do objeto do processo penal.
Este último princípio está na base da exceção de caso julgado, que se forma com a sentença, abrangendo todo o objeto processual.
Contrariamente ao Código de Processo Penal de 1929 (nos seus artigos 148° a 154°), a atual versão do Código não contém disposições que regulam o instituto de caso julgado, designadamente quanto aos seus efeitos[16]. Assim sendo, coloca-se a questão de determinar se são subsidiariamente aplicáveis as regras gerais do processo civil, referentes ao valor e eficácia do caso julgado, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal[17].
A segunda parte do n° 1 do artigo 497.º do Código de Processo Civil prevê que o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário.
O artigo 498º do mesmo texto legal estabelece os requisitos do caso julgado:
1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas
ações procede do mesmo facto jurídico.

Por seu turno, em processo penal:
1. Inexiste o conceito de partes do processo, a lei prevê a existência de sujeitos processuais; e
2. o pedido consubstancia-se, principalmente, na aplicação de uma sanção penal em relação a factos que a lei declara passível de pena por disposição penal e a causa de pedir é integrada pela conduta do arguido indiciada na acusação (pública ou particular).
O Código de Processo Penal de 1929 concretizava a identidade da causa de pedir e do pedido, nomeadamente, nas seguintes situações tipificadas:
Artigo 149°
Caso julgado absolutório pessoal
Quando, por acórdão, sentença ou despacho, com trânsito em julgado, se tenha decidido que um arguido não praticou certos factos, que por eles não é responsável ou que a respectiva acção penal se extinguiu, não poderá contra ele propor-se nova acção penal por infracção constituída, no todo ou em parte, por esses factos, ainda que se lhe atribua comparticipação de diversa natureza.
Artigo 150°
Absolvição por falta de provas
Se um tribunal absolver um réu por falta de provas, não poderá contra ele propor-se nova acção penal por infracção, constituída no todo ou em parte pelos mesmos factos por que respondeu, ainda que se lhe atribua comparticipação de diversa natureza.
Artigo 153º
Efeitos do caso julgado penal condenatório
A condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção.

A respeito da questão em apreço, a jurisprudência portuguesa mostra-se adequadamente sedimentada com a fundamentação do assento nº 3/2000, de 15 de Dezembro de 1999 (Diário da República, I-Série, de 11 de Fevereiro de 2000):
"(…) A simples indicação dos princípios expressos e que vieram a ser traduzidos pela sua inclusão no anterior Código mostra de forma suficientemente clara que existem diferenças fundamentais entre a aplicação das regras que tradicionalmente se consideram como respeitantes à figura do caso julgado penal e as que se aplicam ao direito civil.
Na verdade, e por exemplo, a mesma situação de um réu ser absolvido por falta de provas levaria, como se viu, segundo as regras do processo penal, a que se não pudesse propor contra ele nova acção penal por infracção constituída, no todo ou em parte, pelos mesmos factos por que responde, ainda que se lhe atribuísse comparticipação de diversa natureza, mas conduziria, segundo as regras do processo civil, à solução de ser admissível a renovação da acção penal contra ele se se lhe viesse a atribuir comparticipação de diferente natureza, uma vez que a causa de pedir deveria ser considerada como distinta da da anterior acção em que ele fora absolvido.
Daí que haja que concluir que os princípios que regem o caso julgado penal e que, repete-se, são produto de uma longa e elaborada evolução, resultante da consideração do especial melindre da defesa dos direitos humanos, se não articulem adequadamente com as regras do caso julgado cível, o que implica que estas últimas não possam ser aplicadas, nos termos do artigo 4º do Código de Processo Penal.
Há, por isso, que recorrer aos princípios gerais do processo penal, os quais são os já referidos e que se encontravam consignados na legislação anterior, uma vez que a não inclusão de regras específicas sobre o caso julgado no actual Código não teve como causa o querer o legislador aplicar as regras próprias do processo civil e, sim, reservar para a lei substantiva penal a respectiva definição, como já se frisou.
Entende-se, por tal motivo, e uma vez que a lei penal ainda não regulamentou os efeitos do caso julgado penal, que se têm de considerar como ainda em vigor as disposições regulamentadoras do tema que constavam do anterior Código de Processo Penal, na medida em que traduzem os princípios gerais do direito penal vigente entre nós. (…)".

Concretizado o direito e o entendimento jurisprudencial, importa distinguir as especificidades do caso concreto, ou seja, aferir se a sentença recorrida violou, nalguma medida, o princípio «non bis in idem», previsto no artigo 29°, n° 5 da Constituição da República Portuguesa.
O recorrente sustenta que os pontos 8 a 14 da pronúncia – importados para a sentença -foram já objeto de apreciação pelo Ministério Público, em inquérito (autónomo), através do despacho de arquivamento documentado a folhas 140/141, proferido na sequência da queixa reproduzida a folhas 131/134 e em resultado da desistência de queixa da ofendida, não podendo haver assim uma segunda decisão sobre essa matéria.
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa precisar que o despacho final proferido pelo Ministério Público em sede de inquérito – in casu, autónomo em relação a este processo - não constitui uma sentença, nem beneficia de toda a extensão da proteção constitucional estatuída no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa[18], embora produza efeitos jurídicos preclusivos importantes, protegidos pela lei processual.
Nestes termos, o despacho final de arquivamento adquire "uma força análoga à do caso julgado", a qual é designada pela doutrina "caso julgado rebus sic stantibus"[19], ou seja, apenas é eficaz, enquanto se mantiverem os pressupostos em que o despacho foi produzido.
Aplicando essa doutrina ao caso concreto, constata-se que as condutas do arguido que constituíram objeto desse inquérito não configuraram um crime de violência doméstica, mas crimes semipúblicos (furto simples e ofensas à integridade física) e particular (injúria).
Por seu turno, este processo é referente a um crime de violência doméstica, o qual tem elementos objetivos e subjetivos distintos daqueles crimes de ofensa à integridade física e injúria.
Contribuem para afastar a possibilidade de existência de violação do princípio «non bis in idem» a definição legal de «crime» e de «alteração substancial dos factos».
«Crime: O conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais.» (artigo 1º, al. a), do Código de Processo Penal)
«Alteração substancial dos factos»: aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis;» (artigo 1º, al. f) do Código de Processo Penal)
À luz de tais definições legais, conclui-se que o objeto deste processo [crime de violência doméstica, tipificado no artigo 152º, b), do Código Penal] consolidado no despacho de pronúncia, é distinto do objeto do inquérito que foi arquivado por desistência de queixa da ofendida: o crime é diverso e o procedimento criminal não depende de queixa, de constituição de assistente, nem de formulação de acusação particular, uma vez que tem natureza pública.
Nestes termos, constata-se uma alteração substancial no plano dos pressupostos[20] que determinaram o despacho de arquivamento em relação à factualidade que veio a integrar os factos 8 a 14 da pronúncia e foi importada para a sentença.
Tal conclusão afasta a possibilidade de ocorrência de uma violação da garantia constitucional «non bis in idem», uma vez que o caso julgado "rebus sic stantibus" do despacho de arquivamento em apreço não abrange a nova realidade jurídica traduzida num crime de violência doméstica.
Assim sendo, improcede a arguida violação do princípio «non bis in idem».

d) Dos erros em matéria de direito:
- Falta de atenuação especial da pena;
O recorrente motiva o seu recurso, em matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo deveria ter atenuado especialmente a pena, uma vez que, no seu entender, ocorreu uma provocação injusta da vítima e ofensa imerecida (artigo 72º, 2, b), do Código Penal).
Apreciando.
Encontrando-se definitivamente fixada a matéria de facto, qualquer solução terá de ser encontrada à luz da factualidade provada.
Porém, o recorrente não estriba o alegado erro em matéria de direito nos factos provados, como decorre da alínea rr) das conclusões da motivação de recurso: "A conduta do arguido foi claramente condicionada por provocação injusta da vítima e ofensa imerecida, muitas vezes em legítima defesa, situação inexplicavelmente ignorada pela Digníssima Juíza."
Analisada a matéria de facto provada, não se vislumbra qualquer comportamento agressivo e/ou ofensivo da vítima, monopolizando o arguido todas as práticas agressivas – físicas e psicológicas - sempre imerecidas, injustificadas e, acrescenta-se, injustificáveis.
O arguido não motivou o seu recurso em qualquer vício da sentença recorrida, relacionado com uma qualquer insuficiência da decisão da matéria de facto, por não terem sido apurados factos relacionados com atitudes ou comportamentos agressivos da própria ofendida.
Nestes termos, improcede, manifestamente, o alegado erro em matéria de direito, uma vez que não tem o menor suporte nos factos provados.

- Falta de valoração de fatores atenuantes da pena, referentes ao arguido:
Além da pretensão – manifestamente improcedente – de ver especialmente atenuada a pena, o recorrente também motiva o recurso num alegado erro em matéria de direito consubstanciado na falta de valoração de fatores atenuantes gerais da pena, relacionados com a situação do arguido, a saber:
a) bom comportamento posterior à prática do crime;
b) inserção familiar harmoniosa e equilibrada;
c) inserção social adequada, possuindo uma imagem positiva, associada aos seus hábitos de trabalho e relacionamento cordial;
d) manifesta disposição para se manter afastado da ofendida e prosseguir tratamento psiquiátrico;
Apreciando.
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção - art. 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos – não podendo ser atendido em valor superior à da culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Segundo explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.[21]
São fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).
Tendo em consideração tais regras, importa graduar as penas.
Analisando a fundamentação jurídica da sentença recorrida, constata-se, imediatamente, que os fatores atenuantes da pena referidos pelo recorrente – apenas aqueles que resultaram provados, o que não sucede no tocante ao "bom comportamento posterior aos factos" e à "disposição para se manter afastado da ofendida e prosseguir tratamento psiquiátrico" - foram adequadamente valorados, destacando-se tais passagens a negrito:
«O crime de violência doméstica praticado pelo arguido é cominado, em abstracto, com a pena de 1 a 5 anos de prisão.
A determinação em concreto da medida da pena consiste em determinar, dentro da moldura abstractamente aplicável o quantum de pena concreta aplicável ao agente, tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal.
Estabelece o nº 1 deste preceito que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes.
A pena será assim determinada entre o limite mínimo dado pela prevenção geral e o limite máximo dado pela culpa, actuando na determinação da medida concreta da pena os critérios de prevenção especial de ressocialização.
As exigências de prevenção geral que se fazem sentir nesse domínio da violência doméstica são prementes e elevadas, levando o legislador na alteração introduzida pela Lei nº 19/2013, de 21/02 a alargar a punição às relações de namoro, que anteriormente não tinham cobertura legal neste tipo legal.
O grau de ilicitude é elevado, em face da violência da actuação do arguido. A assistente sentiu medo, vergonha e humilhação.
O dolo é intenso na modalidade de dolo directo.
O arguido indicia reduzida consciência crítica relativamente aos factos que lhe são imputados e não mostrou qualquer arrependimento pela sua prática. Cometeu parte dos factos que lhe são imputados no decurso de uma pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do crime de passagem de moeda falsa.
A seu favor apenas há a ponderar o facto de trabalhar, estar socialmente inserido e contar com o apoio familiar.
Tudo ponderado consideramos justa e suficiente, pelas exigências de prevenção geral e especial e pelo princípio da necessidade da pena, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71º e tendo em consideração o cumprimento de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

À luz de tais fatores de ponderação, conclui-se que a pena aplicada foi ajustada ao caso concreto.
A reiteração da atividade criminosa do arguido, que consubstancia, concretamente, o crime de violência doméstica em causa neste processo, traduziu-se em comportamentos de agressividade física e psicológica assinalável, que revela, claramente, uma personalidade deformada (avaliada à luz dos padrões sociais dominantes) ou perturbada por fatores heterógenos, bem como um caráter insensível ao bem-estar de terceiros – mesmo aqueles que lhe estão, afetivamente, mais próximos -, com expressão nos graus de culpa e de ilicitude dos factos e, por isso, na medida da pena concreta.
Paralelamente, o crime cometido pelo arguido suscita justificadas preocupações de prevenção especial (além da, sempre presente, geral) que a suspensão da execução da pena, sujeita às condições fixadas na sentença recorrida, consegue mitigar de forma suficiente e proporcional.
Conclui-se, assim, que improcedem, também, os últimos argumentos do recorrente.
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Por conseguinte, o recurso improcede in totum.
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Das custas processuais:
Sendo o recurso julgado não provido, o recorrente deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com o grau de complexidade média/reduzida do recurso, em 4 (quatro) unidades de conta.
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IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….
Condena-se o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta).
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 9 de Dezembro de 2015.
Jorge Langweg
Fátima Furtado
___________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Veja-se, a propósito, a fundamentação da convicção do tribunal reproduzida nas páginas 9 e 10 deste acórdão.
[4] Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2003, publicado no Diário da República, II-Série, nº 129, de 2 de Junho de 2004 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, pág. 205.
[5] Segundo Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 2ª edição, págs.126-127, «Os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.374º, nº2, do Código de Processo Penal».
[6] Chama-se a atenção para a ligação estreita existente entre a oralidade-imediação, a documentação da prova, a motivação das sentenças judiciais e a recorribilidade das decisões da matéria de facto e o modo como estes princípios estruturantes do sistema processual – tanto penal como civil – se articulam entre si. Neste aspeto recorda-se a conclusão feliz plasmada no sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 22 de Junho de 2001, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso no processo nº 0111381: «Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.»
[7] Como referido no Acórdão do T.C. nº198/2004, de 24/03/04, DR II Série, de 2/06/2004 “(…) a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
[8] Climent Durán, La Prueba Penal, Tirant Blanch, Barcelona, pág. 615.
[9] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, pág. 215.
[10] Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997: o princípio in dubio pro reo «(…) parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador. (…)»
[11] Tal equivale a dizer que se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência de uma dúvida positiva e invencível no espírito da julgadora, a violação do princípio in dubio pro reo traduzir-se-ia numa decisão da matéria de facto desfavorável ao arguido.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Janeiro de 2004, relatado pelo Juiz-Conselheiro Henriques Gaspar no processo nº 03P3213 e pesquisável através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência referido na nota 2.
[13] Fixando a acusação o objeto do processo penal, o mesmo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da decisão final.
[14] O tribunal deve conhecer e julgar o objeto do processo - thema decidendum e thema probandum - na sua íntegra.
[15] O objeto do processo, no termo do processo, deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
[16] Apenas contém duas normas referentes à matéria em questão:
O artigo 84° (A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido cível constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis) e o artigo 467° (1- As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português ou sob administração portuguesa e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional; 2- As decisões penais absolutórias são exequíveis logo que proferidas, sem prejuízo do disposto no artigo 214°, nº 3).
[17] «Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas (…)»
[18] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição, pág.725.
[19] Anabela Miranda Rodrigues, "O Inquérito no Novo Código de Processo Penal", Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, 1988, pág. 76.
[20] Note-se, ainda, que os factos integrantes de um crime de violência doméstica não são susceptíveis de desistência de queixa juridicamente relevante, numa expressão da vontade do legislador de proteção das vítimas deste tipo de crime, normalmente, frágeis e susceptíveis de serem condicionadas a desistir do procedimento criminal, por razões de dependência, ausência de autonomia resolutiva, instabilidade emocional, ou mero receio de represálias.
[21] Considere-se, a este respeito, o entendimento expresso por Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, cujo teor se pode traduzir da seguinte forma: «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena».
Movido por conceção semelhante, Maia Gonçalves, em anotação ao art. 72º do Código Penal anotado, da sua autoria, refere o seguinte: «a culpa do agente não é susceptível de uma medida exacta e, por isso, ao julgador é dada uma certa elasticidade na respectiva apreciação, elasticidade em que pode e, portanto, deve levar em conta as exigências de prevenção de futuros crimes».
Recorda-se, a propósito, que o princípio da culpa tem proteção normativa constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição da República Portuguesa) e do direito à liberdade (art. 27º, 1 do mesmo texto legal), conforme tem sido realçado pela doutrina – neste sentido, Maria Fernanda Palma, "Constituição e Direito Penal. As questões inevitáveis" in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, a págs. 234 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, Lisboa, 1999, a págs. 25.
No mesmo sentido tem-se pronunciado a jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdãos números 663/98, in Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 1999, 89/2000, in Diário da República, II Série, de 4 de Outubro de 2000 e 202/2000, in Diário da República, II Série, de 11 de Outubro de 2000.
Como refere Figueiredo Dias, in loc cit., a págs. 215, «Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligado ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
Considera-se errada a conceção segundo a qual é dado previamente ao Juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, um «ponto» médio (ou outro) da moldura penal, donde aquela deve partir (conceção que recebeu algum acolhimento da jurisprudência nacional - v.g., entre outros, o Ac. S.T.J., 85.11.13, B.M.J., 351º,-211 -.
Como defende Anabela Miranda Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, a págs. 142, “o Juiz deve determinar o quantum exacto da pena em função da culpa e da prevenção e dos elementos para ela relevantes”.
A este propósito, com particular interesse, ainda, o Acórdão do S.T.J., datado de 24 de Fevereiro de 1988, B.M.J., 374º,-229, para além dos seguintes autores: Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. espanhola, t. II, a págs. 429 e Adelino Robalo Cordeiro, “Escolha e medida da pena”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, C.E.J., a págs. 237 e segs. e “Moldura penal abstracta, pena concreta, escolha da pena”, «in» Textos, I, 1990-91, C.E.J., a págs. 161 e seguintes.