Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2311/14.9T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: FACTOS NÃO ARTICULADOS RELEVANTES
DISCUSSÃO DA CAUSA
DESPEDIMENTO IMPLÍCITO
DECLARAÇÃO TÁCITA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201701162311/14.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS N.º251, FLS.2-38)
Área Temática: .
Sumário: I - Não configura nulidade da sentença fundada nas alíneas c) e d) do artigo 615.º do CPC a circunstância de o juiz não considerar factos não integrantes da causa de pedir invocada como fundamento do pedido de declaração de ilicitude do despedimento, ainda que aqueles factos pudessem configurar, se integrados na causa de pedir, fundamento para essa declaração.
II - Os poderes atribuídos no n.º 1 do artigo 72.º do CPT quanto à consideração dos factos não alegados pelas partes são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, tendo ocorrido discussão sobre esses factos, não competindo ao tribunal de recurso tomar esses em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do mesmo artigo).
III - Apesar de não ter existido qualquer declaração expressa de despedimento por parte da entidade patronal, da aplicação do regime sobre a natureza da declaração receptícia e em particular as normas referentes à declaração tácita, basta, para que possa ser considerada eficaz como declaração de despedimento, que essa possa ser deduzida de actos que revelem um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato (n.º 1 do artº 217.º CC), a apurar de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário/trabalhador (n.º 1 do artº 236.º CC).
IV - Como tal deve ser considerado o comportamento da entidade patronal que comunica à trabalhadora que a partir de determinada data não mais poderia prestar trabalho no local onde anteriormente esse era prestado, referindo-lhe não ter autorização para aí se manter, não lhe comunicando sequer, nem desde logo nem posteriormente, efectiva alternativa.
V - Em caso de despedimento ilícito a graduação da indemnização por antiguidade deve atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381º do CT/2009, variando na razão inversa do montante da retribuição e no mesmo sentido do da variação da ilicitude, sendo tanto maior o número de dias a fixar quanto menor for a retribuição e maior for a ilicitude.
VI - Os juros de mora, porque ilíquida até esta data, sem que a ré estivesse na posse de elementos que lhe permitissem efectuar tal liquidação – desde logo por não ter condições de saber qual o n.º de dias por referência aos quais seria contabilizada (“...entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade”) –, são contabilizados apenas a partir do momento do trânsito em julgado deste acórdão que fixou a indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 2311/14.9T8MAI.P1

Apelação 2311/14.9T8MAI.P1
Autora: B…
: C…, Lda, D…, Lda., E…, Lda., e F…
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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. A Autora, B…, residente em …, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra C…, Lda., D…, Lda., E…, Lda., e F…, Lda., pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento e, em consequência, serem estas condenadas a pagarem-lhe:
A 1.ª e 2.ª Rés, solidariamente, a quantia global de €7.221,10, correspondente a:
A) A quantia de €1.407,32, referente a:
-Subsídio de férias de 2013 (parte): €151,54+25,40 (2 diuturnidades)
-Subsídio de Natal de 2013: €242,64+25.40
-Subsídio de Natal de 2014 (parte): €151,54+25,40
-Férias de 2014 (proporcionais): €202,20+25,40
-Subsídio de férias de 2014 (proporcionais): €202,20+25,40
-Diuturnidades (9/2013 a 10/2014): €330,20 (€12,70x2x13meses)
B) A quantia de €3.989,33 a título de indemnização por despedimento ilícito;
C) A quantia de €324,45 a título de crédito de horas de formação não ministradas, nos termos do previsto no artigo 130.º e seguintes do Código do Trabalho;
D) A quantia de €1.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais;
E, ainda:
E) condenadas no pagamento das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença a liquidar nos termos legais;
F) condenadas no pagamento dos juros desde a data do despedimento até à data do pagamento efectivo.
A Terceira Ré ser condenada:
G) No pagamento das diuturnidades desde Setembro de 2010 a Dezembro de 2011, no montante global de €203,20;
H) Nos juros desde a data do despedimento até à data do pagamento efectivo;
A Quarta Ré, F…, ser condenada:
I) No pagamento das diuturnidades desde Julho de 2012 a Agosto de 2013, no valor de €165,70 (cento e sessenta e cinco euros e setenta cêntimos);
J) No pagamento dos juros desde a data do despedimento até à data do pagamento efectivo.

Para tanto, e em resumo, alegou que em Setembro de 2007 foi admitida ao serviço da 4ª Ré, com a categoria de trabalhadora de limpeza, e que por força de sucessivas alterações nos contratos de prestação de serviços de limpezas foi trabalhando sucessivamente para todas as Rés até que, em Novembro de 2014, quando as limpezas do condomínio onde prestava trabalho passaram da 1ª Ré para a 2ª Ré, foi por esta mandada embora, impedindo-a de trabalhar. Alega, ainda, que não lhe foram pagas as diuturnidades devidas, subsídios de férias e de natal de 2013 e 2014, não lhe foi ministrada formação, e que o despedimento, do modo que foi concretizado, lhe causou angústia e desespero.

1.1. Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificadas as Rés para contestarem.

1.2. As 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés contestaram, invocando a sua ilegitimidade, reconhecendo a existência do contrato de trabalho invocado e impugnando o mais alegado.
A 2ª Ré impugnou o alegado e afirmou que o contrato de trabalho cessou por a autora ter faltado mais de 10 dias ao serviço, pelo que lhe comunicou a ocorrência de abandono de trabalho. Em consequência deduziu esta Ré pedido reconvencional de condenação da autora no pagamento da quantia de €542,52 a título de indemnização.

1.3. A Autora apresentou resposta às contestações, insurgindo-se contra as excepções arguidas e o pedido de indemnização formulado na lide reconvencional.

1.4. Foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida nos autos, se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.

1.5. Conhecida nos autos a declaração de insolvência das sociedades C…, Lda. e F…, Lda., foi declarada extinta a instância em relação a estas Rés, por inutilidade superveniente da lide.

1.6. Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Nestes termos, e com fundamento no exposto:
I. Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela autora, pelo que:
a) condeno a ré D…, Lda. no pagamento à autora da quantia de €632,14 a título de créditos salariais, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4%, contados desde o dia 28/11/2014 e até efectivo pagamento;
b) condeno a ré D…, Lda. no pagamento da quantia de €800,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa 4% contados desde 11/12/2014 e até efectivo pagamento.
c) condeno a ré E…, Lda. no pagamento à autora da quantia de €203,20 a título de diuturnidades, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde 28/11/2014 e até efectivo pagamento.
II. Julgo improcedente o pedido reconvencional, pelo que dele absolvo a autora.
As custas da lide principal ficam a cargo de todas as partes nas seguintes proporções: proporção de 10% para a insolvente F…, Lda, de 15% para a insolvente C…, Lda., na proporção de 30% para a ré D…, Lda., de 30% para a autora e de 15% para a ré E…, Lda..
As custas da lide reconvencional ficam a cargo da reconvinte D…, Lda.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, arguindo ainda a nulidade da sentença, nos termos do previsto no artigo 615, n.º 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil.

Apresentou as suas alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:

A) Da nulidade da sentença
Com o devido respeito, entende a Recorrente que a sentença enferma de nulidade nos termos do previsto no artº 615, nº1, al. c) do C.P.C. porquanto os fundamentos estão oposição com a decisão. Doutro modo, entende a Recorrente haver igualmente nulidade com base no artº 615, nº 1 al. d) do C.P.Civil, uma vez que a decisão não se pronunciou sobre a questão da ilicitude do despedimento por força do declarado despedimento sem justa causa levado a cabo pela Ré D…, Lda. por abandono do trabalho.
Por fim, a Recorrente recorre igualmente quanto à matéria de facto por considerar que houve erro na apreciação da prova e pretendendo assim a modificabilidade da decisão de facto.
B) Veio a Ré D…, Lda., em sede de contestação, invocar abandono de trabalho por parte da Autora. Na sentença, muito bem entendeu a Excelentíssima Senhora Juíza a quo, não estarem preenchidos os elementos constitutivos do abandono do trabalho, nomeadamente, a não comparência voluntária e injustificada do trabalhador no local e tempo de trabalho, considerando, assim, não provada, a verificação dos elementos constitutivos do abandono do trabalho aquando da comunicação que a Ré D…, Lda. dele fez à Autora (note-se que tal comunicação nem sequer foi remetida para a morada da Autora), considerando tal comunicação ilegal, havendo, assim, um despedimento sem justa causa, conforme se transcreve:
Deste modo, não provando a ré a verificação dos elementos constitutivos do abandono do trabalho (como lhe competia - artº 342, nº1 do Código Civil) aquando da comunicação que dele fez à autora a 28/11/2014, é de considerar tal comunicação ilegal, o que constituí um despedimento sem justa causa.”
Ora, face a esta fundamentação, afirmando-se claramente na sentença que houve despedimento sem justa causa por parte da Recorrida D…, haveria na decisão que declarar tal despedimento ilícito, artº 381, al. b) do código do Trabalho e por via dessa declaração de ilicitude condenar a Ré D…, Lda. no pagamento da indemnização correspondente por este despedimento ilícito, bem como nas retribuições desde a data do despedimento até à data da sentença, face ao previsto no artº 389º do Código de Trabalho.
Não tendo sido proferida tal condenação há contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão na mesma proferida, e falta de pronúncia sobre questão que deveria ser apreciada, enfermando assim, a mesma, de nulidade.
Tanto mais que em direito do trabalho vigora o princípio da condenação extra vel ultra petitum, não estando o decisor restringido ao peticionado, artº 74 do C.P.Trabalho, e tendo em conta que os preceitos do despedimento sem justa causa, previstos nos artº381 e seguintes e 389º e seguintes do Código de Trabalho são inderrogáveis. Há, em sede de direito de trabalho uma oficiosidade do conhecimento desses factos, e tendo em conta que é peticionado o pagamento da indemnização por ilicitude do despedimento, deveria ter ocorrido tal condenação da Ré D…, Lda..
C) Da impugnação da Decisão da Matéria de Facto
Em Setembro de 2007 foi a Autora admitida ao serviço da empresa F…, Limitada, Quarta Ré, em regime de trabalho a tempo parcial e com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza, sob as ordens, direcção e fiscalização daquela entidade, celebrando para o efeito contrato de trabalho por tempo indeterminado, auferindo como retribuição mensal a quantia de €242,64 (duzentos e quarenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescido de subsídio de alimentação à ordem de €1,00 dia e praticando o horário de trabalho das 9h às 13h00. À entidade patronal inicial sucederam uma serie de entidades patronais, todas com o mesmo objecto social -prestação de serviços de limpeza- que embora juridicamente distintas eram sempre pertença das mesmas pessoas, mudando apenas a titularidade dos contratos, mantendo a Recorrente as mesmas condições remuneratórias, categoria, antiguidade, o mesmo horário, o mesmo local e demais direitos decorrentes do contrato de trabalho, tudo nos termos do previsto da Cl. 17ª do CCT celebrado entre a Associação de Empresas dos Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD (Sindicado dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares, Actividades Diversas e Outros), publicado BTE nº 8 de 28.02.93 e sucessivas alterações publicadas no BTE nº 9 de 8.03.2002, nº 9 de 8.03.2003 e BTE nº 12 de 29.03.2004, portaria de extensão 478/2005, de 13 de maio.
A Recorrente era trabalhadora da empresa, C…, Limitada sendo o seu local de trabalho no condomínio G…, em …. Em 3 de novembro de 2014, à sua hora de entrada dirigiu-se ao seu local de trabalho, no mencionado condomínio, para iniciar mais um dia normal de trabalho quando é despedida verbalmente pela Recorrida D…, Limitada que tinha sucedido à 1º Ré no contrato de prestação de serviços de limpeza no seu local de trabalho.
Tal facto, despedimento verbal, foi dado como não provado, entendendo a Recorrente, com o devido respeito, que houve erro na apreciação da prova, nomeadamente quanto aos factos dados como provados nº 13 e 23 da sentença, e ainda quanto a uma serie de factos instrumentais que, embora referidos pelas testemunhas, não foram tidos em consideração para a boa decisão da causa.
D) Assim, a Recorrente considera que deveriam ter sido dado como provado que:
- a Ré D…, Limitada despediu verbalmente a Recorrente em 3 de novembro de 2014
-Que a representante legal da Ré D… não comunicou à Recorrente que esta Ré era a sua nova entidade patronal
-Que a Ré D… na pessoa do Sr. H… no dia 3 e 4 de novembro de 2014 informou a Recorrente que a sua entidade patronal continuava a ser a 1ª Ré, C… e que a Recorrente não era trabalhadora da D….
-Que a Ré D… no dia 5 de Novembro de 2015 estava munida de todos os elementos que lhe permitiam inscrever a trabalhadora na Segurança Social e não o fez.
Para prova de tais factos haveria que ter em conta o seguinte:
O Depoimento de parte e Declarações de Parte da Autora/Recorrente – (gravação de 9/5/2016, 00:00:01 a 00:24:58, com inicio às 10:51:57)
A Autora/Recorrente declarou que a testemunha H…, marido da representante legal da Ré D…, Lda., e que agia em nome daquela entidade foi peremptório em negar o vínculo contratual de trabalho com Autora, nos dias 3, 4 de novembro de 2014, dizendo
Eu não te vou dar trabalho se tu não és minha empregada” “resolve, tenta falar com o I… (referindo-se ao representante legal da 1ª Ré, C…, sr. I…), … ele sim tem trabalho para te dar
Nunca disseram que eram meus patrões
Esclareceu que o Sr. H…, assumindo uma falsa identidade, como mais tarde confessou perante a Autora, e dizendo chamar-se J…, lhe disse “que não podia estar ali, que se faltasse alguma coisa (referindo-se aos materiais de limpeza) a responsabilidade era minha.
Que o Sr. H… lhe disse:
“Ele ligou-me à noite…..eu não fui correto contigo, o meu nome não é J…, o meu nome é H….
E mais tarde, referindo-se à C… aconselhou a Recorrente:
Tenta falar com eles para te dar trabalho, tenta chegar a acordo
Ao que a Recorrente terá respondido
“Eu não quero acordo nenhum, eu quero é trabalho
E é quando o Sr. H… se disponibiliza para levar a Recorrente às instalações da Ré, C…, Lda., sempre imputando a responsabilidade pelo despedimento à Ré C…, Lda..
Mais tarde, a instâncias da Exma. Sra. Juíza, a testemunha esclarece o intuito das chamadas recebidas do Sr. H…, da D….
As chamadas que eu recebi da D… foi a dizer, resolve-te que tu não és minha empregada” “Tens de resolver, tu não és minha funcionária” e referindo-se a testemunha H… ao representante legal da Ré C…, lda (o Sr. I…).
“Encosta-o à parede que ele vai ter medo” “Tens é de enfrentá-lo“Eu só chorava” “um não resolvia, a D… dizia que eu não era empregada dele…
Também a testemunha K…, pessoa isenta, pertencendo a associação humanitária que ajuda a Recorrente, visto que esta vive no limiar da pobreza, aliás como ficou provado, facto nº17 dos factos dados como provados, confirmou a versão da Recorrente, afirmando que a Recorrente lhe tinha relatado como fora despedida (Gravação do dia 9 de maio de 2016, 00:00:01 às 00:17:12, com inicio às 11:41)
Cheguei ao meu local de trabalho e estava lá uma senhora que me disse que eu não trabalhava mais aqui”
Revoltada com o despedimento terá telefonado ao Sr. H… que afirmou “Não podemos ter a B… a trabalhar nos condomínios”
E descrevendo o estado de espírito e de desespero em que a recorrente se encontrava, afirmou
“À B… caiu-lhe o mundo em cima
O próprio H… (gravação 00:00:01 a 00:25:13, de 9/5/2016 com inicio às 12:18) que agia em nome da Recorrida admitiu ter levado a Recorrente às instalações da Ré C…, Limitada, iniciando o seu depoimento da seguinte forma “falei com a B… para evitar prejuízos que são os tribunais”.
O Sr. I… era o gerente da C…” e admitiu ter proposta à trabalhadora levá-la às instalações da Ré C…, limitada.
Levei-a à empresa”, mas logo a seguir afirma:
Tentei levar isto a bom porto” “porque os tribunais comportam grandes despesas”.
“Precisava da B… para trabalhar naquele condomínio”, para logo a seguir afirmar, contradizendo-se:
“Não disse à B… para ir trabalhar naquele condomínio”
Instado, tanto pela mandataria da recorrente como pela Exma. Sra. Juíza a quo sobre se alguma vez tinha dito à Recorrente para se apresentar num determinado sítio, a dada hora, para se apresentar ao serviço, não soube responder, dando informações vagas e genéricas,
E) Posto isto, face aos depoimentos das testemunhas e às contradições do próprio representante da Recorrida entende a Recorrente que deveria ter sido dado como provado que o despedimento foi ilícito, porquanto, se a actuação da Recorrida estivesse em conformidade com a lei, esta não manifestaria a toda a hora o seu “medo” dos tribunais, porquanto nada teria a temer. A versão da Recorrida apresenta factos contraditórios e sem sentido.
Por um lado, a Recorrida diz ter-se assumido desde logo como entidade patronal da Recorrente, e por outro, sugere à Recorrente procurar a outra Ré C…, lda a fim de esta ultima lhe fornecer trabalho e até se disponibiliza perante a trabalhadora para a conduzir às instalações da Ré C…, Lda e efectivamente conduzi-la a tais instalações conforme foi dado como provado, facto 22 dos factos dados como provados.
Tanto mais que conforme afirmado pela representante legal da Ré D…, esta já tinha conhecimento da existência da Recorrida naquele local de trabalho. Quando a testemunha H… conduz a Recorrente às instalações da 1º Ré., no dia 4 de novembro de 2014, tinha já recepcionado o email a transferir a Recorrente, mais precisamente cerca das 11h30 do dia 3 de novembro de 2014, facto 20 dado como provado.
Nos termos das disposições legais aplicáveis, mencionadas no ponto 25 das presentes motivações, competia à Recorrida D…, por obrigatoriedade legal manter a Recorrente naquele local de trabalho, no condomínio G…, em …, facto que comprovadamente não fez.
F) Por fim, quanto à questão da inscrição da trabalhadora por parte da Recorrida na segurança social, considera a Recorrente que não esteve bem a decisão, porquanto a trabalhadora terá sido inscrita no dia 7 de Novembro de 2014, mas com efeito a partir do dia 10 de novembro de 2014, doc.2 junto com a contestação da Recorrida.
A trabalhadora esteve sem entidade patronal durante nove dias, desde o dia 1 de novembro ao dia 9. Na sentença considerou-se que tal inscrição tardia se deu pelo facto de, por um lado a Recorrida não deter os elementos pessoais necessários para a inscrição e por outro por não pretender pagar coima por inscrição tardia da trabalhadora.
A Recorrente discorda de tais assunções como fundamentação da decisão.
G) A Recorrente entende que deveria ter sido dado como provado
-Que a Ré D… no dia 5 de Novembro de 2015 estava munida de todos os elementos que lhe permitiam inscrever a trabalhadora na Segurança Social e não o fez.
Com efeito, conforme resulta dos autos, após os emails trocados entres as Rés, D…, Lda. e C…,Lda. nos dias 3, 4 e 5 de Novembro de 2014, a Recorrida, para além desta datas, apenas recebeu dados no dia 17 de novembro de 2014, confrontar com documentos juntos com a contestação das Rés C…, Lda; F… e E… (carta registada com aviso de recepção).
Tal facto foi confirmado pela testemunha H…, conforme se transcreve “Só recebemos os elementos em 18 de novembro”.
Tal significa que entre o dia 5 e o dia 18 de novembro a Recorrida D… não recebeu nenhum elemento pessoal da trabalhadora. Ora, tendo a inscrição sido realizada no dia 7 de novembro, foi-o por razões alheias à falta de elementos, porquanto os elementos adicionais só os recepcionaram entre os dias 17 e 18 de novembro de 2014.
Tal facto constituí elemento que, conjugado com o aludido receio que a Recorrida demonstrou dos tribunais, leva a concluir que a inscrição da trabalhadora na Segurança Social resultou desses receios e não de uma vontade real e efectiva de a inscrever, porquanto ao Recorrida sabia já a ter despedido, tanto mais que conforme referido pela Excelentíssima Senhora juiz a quo em sede de audiência de julgamento, a Recorrida, que entrou em contacto telefónico por inúmeras vezes com a trabalhadora, facto dado como provado, se pretendesse desde logo a sua inscrição, poderia ter solicitado tais elementos logo no dia 3 de novembro de 2014 à trabalhadora.
Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência revogada a sentença recorrida, assim de fazendo JUSTIÇA.”

2.1. Não foram apresentadas contra-alegações.

2.2 O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer (fls. 240/1) sustenta a não verificação de nulidades na sentença e a improcedência do recurso.
*
Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) saber se ocorrem as nulidades da sentença invocadas; (2) reapreciação da matéria de facto; (3) juízo sobre o mérito no que se refere aos pressupostos do despedimento; (4) consequências do juízo a que se chegar: pagamento da indemnização por despedimento ilícito, bem como retribuições desde a data do despedimento até à data da sentença.
***
III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. Todas as Rés se dedicam à actividade principal de prestação de serviços de limpezas.
2. Em Setembro de 2007 foi a Autora admitida ao serviço da empresa F…, Lda., em regime de trabalho a tempo parcial e com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza, sob as ordens, direcção e fiscalização daquela entidade.
3. Auferindo como retribuição mensal a quantia de €242,64 (duzentos e quarenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescido de subsídio de alimentação à ordem de €1,00 dia e praticando o horário de trabalho das 9 h às 13h00.
4. Realizava o seu trabalho nas instalações da empresa L… sitas no Centro Comercial M…, em …, onde trabalhou cerca de um ano e meio, tendo sido destacada para a L… do Centro Comercial N…, no Porto, e tendo aí prestado ininterruptamente trabalho até Maio de 2010.
5. Em Maio/Junho de 2010, tal entidade deixou de ser titular de contrato de prestação de serviços naquele local, tendo perdido o cliente, passando tal prestação de serviços a ser assegurada pela empresa E…, Lda.
6. A Autora passou assim a ser trabalhadora da Terceira Ré, mantendo as mesmas condições remuneratórias, categoria, antiguidade, o mesmo horário, o mesmo local.
7. Quando se encontrava aos serviços da Terceira Ré, E…, há cerca de 4 anos, foi a Autora transferida para outro local de trabalho, nomeadamente para realizar serviços de limpeza no condomínio G…, mais precisamente nas partes comuns do edifício sito na rua …, nº .. a …, em …, Gondomar.
8. Trabalhou ininterruptamente naquela entidade até Maio de 2012, altura em que a empresa E… perde o cliente, ou seja perdendo a prestação de serviços naquele local,
9. Sucede-lhe novamente a entidade F…, Limitada, Quarta Ré, pelo que a Autora torna a integrar os quadros desta empresa, aí prestando as mesmas funções, com a mesma categoria, a mesma retribuição, sob as ordens e poder de direcção desta última e mantendo a mesma antiguidade, até Agosto de 2013.
10. Mais uma vez, perdido este cliente, é o mesmo ganho pela empresa C…, Lda., passando a Autora em Setembro de 2013 a ser trabalhadora desta última, mantendo a antiguidade, remuneração, categoria, funções, etc.., e continuando a trabalhar no mesmo local, o aludido condomínio G…, ….
11. Em 3 de Novembro de 2014, a Autora à sua hora de entrada dirigiu-se ao seu local de trabalho, no mencionado condomínio, para iniciar mais um dia normal de trabalho e é quando se depara com os responsáveis de outra empresa, da Segunda Ré, D…, que lhe comunicam que a partir daquela data não mais poderia aí prestar trabalho.
12. A Autora de imediato telefonou para o representante legal da Primeira Ré, que lhe explica que tinham perdido aquele cliente e o serviço de limpeza, e lhe ordena que se fosse embora.
13. A Autora saiu desse local, mas regressou mais tarde, até que lhe disseram não ter autorização para lá estar.
14. No dia seguinte, dia 4 de Novembro de 2014, conforme ordenado pela Primeira Ré, a Autora entregou as chaves do edifício, na porta do seu local de trabalho, ao responsável da Primeira Ré que de lá retirou todo o material de limpeza propriedade da C… e que a Autora utilizava no exercício das suas funções.
15. A Autora deslocou-se ao escritório da Primeira Ré tendo sido informada que não mais era trabalhadora daquela empresa.
16. A autora vive com suas filhas menores e seu único meio de subsistência era o salário que auferia.
17. Vivia com a sua família no limiar da pobreza, sendo ajudado por uma associação humanitária denominada O….
18. Com a situação supra descrita a autora sentiu-se angustiada, nervosa e aflita.
19. Tendo inclusive passado noites a dormir mal.
20. A 1ª R. remeteu à 2ª R. o email, datado de 03/11/2014, onde consta, para além do mais, o seguinte: “Em virtude de Vs. Exas terem ficado com o serviço do nosso cliente P…, sector Condomínio G… vimos proceder à transferência da funcionária afecta ao serviço B…, BI Nº …….. de ..-..-…., Porto, moradora no Bairro …, Porto, …, de acordo com a 17ª Clausula do contrato colectivo de trabalho.”
21. Nesse mesmo dia, pela mesma via, a 2ª ré remeteu à 1º ré o email onde consta, para além do mais, o seguinte:
Exmos. Senhores
De maneira que seja dada transferência da trabalhadora em causa, é imperativo que nos enviem, máximo em 5 dias, os seguintes elementos:
Nome e morada do trabalhador;
Categoria Profissional;
Horário de trabalho;
Data de admissão na empresa e, se possível, no sector;
Início da actividade no local de trabalho;
Situação contratual: a prazo ou permanente;
Cópia do contrato;
Mapa de férias do local de trabalho;
Extracto de remuneração dos últimos 120 dias, caso sejam concedidas ao trabalhador acréscimos de remuneração por trabalho aos domingos, trabalho nocturno ou quaisquer prémios ou regalias com carácter regular e permanente;
Situação perante a medicina no trabalho, com indicação do último exame;
Qualquer outra obrigação cujo cumprimento decorra da lei.
22. No dia 4 de Novembro de 2014, H… – companheiro da representante legal da 2.º Ré - foi autora à Praça …, e este conduziu-a até aos escritórios da 1.ª Ré.
23. H… aguardou pela autora à porta da sociedade 1.ª ré e deixou-a no sítio onde a recolheu: na Areosa.
24. A 1ª ré não emitiu qualquer documento à autora para a encaminhar para o “Fundo de Desemprego”
25. Foi transmitido à autora pelo dito H…, que a 2.º Ré também não passaria tal carta.
26. Ao e-mail referido sob o ponto 22., a 1.ª Ré respondeu com outro email de 5 de Novembro de 2014, pelas 17:17 horas, mas que como se atesta por outro email àquela 1.ª ré remetido pela 2.ª Ré, datado de 5 de Novembro de 2014, pelas 17:58 horas, ainda careceu de ser complementado com os elementos neste último melhor identificados: situação perante a medicina no trabalho, horário de trabalho e cópia de contrato.
27. A 2ª ré, através da empresa de contabilidade – Q…, Lda, - por intermédio da Exma Sra S… - a 7 de Novembro de 2014 inscreveu na Segurança Social a admissão da funcionária, ora autora, aos seus serviços.
28. Nos dias 3, 4 e 5 de Novembro foram mantidos vários contactos telefónicos entre a autora e a 2ª ré por iniciativa desta.
29. Com data de 27/11/2014 a 2ª ré remeteu à autora carta registada com aviso de recepção a comunicar-lhe o seu abandono de trabalho, com o fundamento de desde o dia 10 de Novembro não ter comparecido no seu local de trabalho sem comunicar qualquer justificação para essa ausência.
30. Através da sua mandatária interpela a Ré por carta de 20 de Novembro, registada - recepcionada pela Ré em 27/11/2014 – invocando o seu despedimento ilícito e exigindo o pagamento de indemnização, créditos salariais e declaração da situação de desemprego.
31. A ré D…, Lda. comunicou à autora, após os acontecimentos descritos e ocorridos no dia 3/11/2014 mas em data não apurada, que iria trabalhar em Vila Nova de Gaia num horário de tarde.
32. Com a data de 7/11/2014 foi emitido o certificado de incapacidade temporária para o trabalho da autora por doença natural e por um período de 10 dias, por médico do Centro de Saúde T…, Extensão de ….
*
E, na mesma sentença, constam como não provados os seguintes factos:

“a) que no dia 3/11/2014 a autora tenha chegado ao local de trabalho pelas 9:30/10:00 horas;
b) que nesse dia tenha sido comunicado à autora pela legal representante da 2ª ré, U…, que a sociedade D… passaria a ser sua entidade patronal e a autora tenha então pedido para se ausentar do serviço.
c) que aquando do referido em 25º foi-lhe mais uma vez transmitido pelo dito H…, que a 2.º Ré também não passaria tal carta porque a não iria despedir;
d) o alegado nos artigos 34º e 35º da contestação da ré D…, Lda.;
e) o alegado no artigo 11º a 13º, 18º do articulado de resposta da autora à contestação da ré D…, Lda.;
f) que a autora tenha comunicado à ré D…, Lda. a emissão do atestado médico referido em 32.”
***
B) Discussão
1. (1ª. Questão) nulidade da sentença
A Autora/apelante invoca a nulidade da sentença com base em dois fundamentos, assim em primeiro lugar o da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – porquanto os fundamentos estão oposição com a decisão – e, em segunda via, o da sua alínea d) – uma vez que a decisão não se pronunciou sobre a questão da ilicitude do despedimento por força do declarado despedimento sem justa causa levado a cabo pela Ré D…, Lda. por abandono do trabalho.
Mandando o n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (CPT) que a arguição das nulidades da decisão seja feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso – sendo tal exigência ditada, como é consabido, por razões de celeridade e economia processuais e destinando-se a permitir ao Tribunal recorrido que detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento –, no caso pode concluir-se que a Autora cumpriu tal procedimento, nada obstando assim ao conhecimento.

Apreciando, há que ter desde logo presente que, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto. Nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1]
Sendo pois esse o objectivo perseguido pela sentença, pode no entanto estar essa viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o acto de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objecto do litígio e o princípio do dispositivo.
Estabelece o artigo 615.º do CPC:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados pela Recorrente, pode dizer-se, a respeito da nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[2], que o pretenso vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete. Ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
Por sua vez, quanto à omissão de pronúncia – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, trata-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº 2 do CPC[3], sendo que, a esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis: “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[4] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[5] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[6], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”.
Assim, exercendo a causa de pedir uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o, o juiz tem necessariamente de a ter em conta aquando da apreciação do pedido, não podendo pois basear a decisão de mérito numa causa de pedir que não tenha sido invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença – citada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, do CPC.
Deste modo, é na petição inicial que o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (artigos 5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, al. d), do CPC), sendo na contestação, por sua vez, que deve ser deduzida toda a defesa, expondo o réu as razões de facto e de direito para se opor à pretensão do autor, incluindo, se for o caso, os factos essenciais em que se baseiam as exceções que deduz (artigos 5.º, n.º 1, 572º e 573º do NCPC)[7], sendo que, para além dos factos assim alegados pelas partes, como resulta do n.º 2 do artigo 5.º, são apenas considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (alínea a)), os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa – desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar – (alínea b)) e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (alínea c)). Ou seja, como ressalta das normas citadas, às partes cabe somente o ónus de alegar os factos essenciais, sem necessidade pois de alegarem os factos instrumentais, complementares ou concretizadores daqueles, podendo assim o juiz levá-los em consideração na decisão apesar de não terem sido alegados.
Do exposto resulta que, face ao regime processual civil, o princípio da estabilidade da instância – estabelecido no artigo 260.º do CPC – “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei” – torna firmes, após a citação, os elementos essenciais da causa[8], de que resulta que, após, só nos casos processualmente admitidos e mediante a verificação dos seus pressupostos, pode ocorrer – para além da modificação subjetiva que no caso não importa considerar – a alteração (objetiva) do pedido e da causa de pedir[9].
Importa porém não esquecermos ainda, tal como assinalado já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2008[10], que no processo laboral são reconhecidos ao juiz especiais poderes inquisitórios, atribuindo-lhe a lei o poder - dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material, relegando para um plano mais secundário a denominada “justiça formal”, atenta a natureza dos interesses conflituantes. Porém, como aí se observa (citando), “mesmo neste domínio, a enunciação da causa de pedir continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela jurisdicional. É ao autor que cabe delinear a causa de pedir da sua pretensão”. Assim, os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do aludido artigo 5.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais, as quais estão sujeitas ao regime estabelecido nos artigos 264.º e 265.º do mesmo Código. Citando ainda mais uma vez o mesmo Acórdão, também “o uso do poder de condenação extra vel ultra petitum consagrado no artigo 74.º do CPT, que constitui uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar para além ou em objecto diferente do pedido, quando isso resulte de aplicação, à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjectivos do trabalhador, está limitado pela causa de pedir. O legislador estabeleceu aqui uma verdadeira especialidade face ao processo civil comum ao impor ao juiz a obrigação de definir o direito material fora ou para além dos limites constantes do pedido formulado, mas não estabeleceu igual especialidade no que diz respeito à causa de pedir. O juiz laboral pode condenar ultra petitum, mas, sempre, no âmbito da causa de pedir delineada pelo autor. É esta que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispositivo. Apenas podem, eventualmente, ser considerados na acção laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.”

Com o mencionado âmbito, começando pela análise da invocada nulidade por omissão de pronúncia, a conclusão a que se chega é a de que, salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.
É que, e desde logo, como primeira nota, há que assinalar que em momento algum (assim na sua petição inicial) a Recorrente fez assentar o pedido que formula de declaração do despedimento como ilegal na missiva que lhe foi remetida pela 2.ª Ré em 27/11/2014 a comunicar-lhe o seu abandono de trabalho (ponto 29 da factualidade provada), sendo que foi apenas sobre este facto, mas em apreciação do pedido reconvencional deduzido pela mesma Ré, que recaiu a afirmação do tribunal recorrido de que, não provando a ré a verificação dos elementos constitutivos do abandono de trabalho (como lhe competia – art. 342º, n.º 1, do Código Civil) aquando da comunicação que dele faz à autora a 28/11/214, é de considerar esta comunicação como ilegal, o que constitui assim um despedimento sem justa causa. Ou seja, sem esquecermos ainda – tal como se mencionou na mesma sentença – que efectivamente a Autora apenas invocou como causa de pedir na acção o “despedimento verbal no dia 3/11/2014, sendo assim este o que integra a causa de pedir invocada para fundar o pedido de reconhecimento do despedimento ilícito e respectiva indemnização, não se pode dizer que ocorra qualquer omissão de pronúncia. Como ainda, acrescente-se, uma qualquer contradição. De facto, o que nessa se afirmou – melhor ou pior, mas esta é questão já de mérito e que enquanto tal será objecto de análise infra – foi que o ocorrido neste dia, único fundamento que integra a causa de pedir, não consubstancia uma situação de despedimento ilícito, daí decorrendo a improcedência do aludido pedido.
Não pode pois dizer-se, em contrário do sustentado pela Apelante, que os fundamentos estejam em oposição com a decisão – alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC) –, pois que se adequam afinal com a decisão que foi proferida, como ainda, do mesmo modo, que estejamos perante um caso de omissão de pronúncia – alínea d) –, já que a decisão, diversamente do entendimento da Recorrente, não tinha de se pronunciar sobre a questão da ilicitude do despedimento por força do declarado despedimento sem justa causa levado a cabo pela Ré D…, Lda. por abandono do trabalho. E não o tinha porque, como se disse, não foi erigido pela Autora como causa de pedir.
Improcedendo pois, nos termos expostos, as nulidades invocadas pela Recorrente, há que apreciar seguidamente o demais objectro de recurso.

2. Reapreciação da matéria de facto

2.1. Em sede de recurso, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância.
Nos termos do preceituado no artigo 639.º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do CPT:
“1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tinha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do objecto do recurso, na parte afectada.
4. O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. (…)”
Do citado normativo resulta que o recorrente deverá indicar, nas suas conclusões, de forma clara e sintética/resumida, as questões que pretende ver reapreciadas e a fundamentação das mesmas. Essa exigência tem em vista garantir que, através da apresentação ao tribunal superior de um quadro sintético das questões que a parte pretende ver submetidas ao tribunal para que recorre, esse apreenda de uma forma mais fácil e rápida os fundamentos do recurso, assim se assegurando, em última instância, a defesa dos direitos e a objectividade da sua realização.
Deste modo, pois que só assim legitima a existência de normas processuais que as exijam, o critério subjacente à definição da conformidade ou não das conclusões com o comando da lei está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua indicada função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso – indicando-se a fundamentação essencial e não, pois, toda a argumentação apresentada nas alegações.
Ora, no caso sub judice, verifica-se que as conclusões da recorrente são, na verdade, prolixas, já que se traduzem na mera repetição, quase integral, incluindo transcrições, do que já se tinha feito constar das alegações.
Contudo, não deixam as mesmas de permitir a este tribunal de segunda instância, sem dúvidas que com maior labor, a percepção dos fundamentos do recurso, bem como, ainda, o sentido em que, no entendimento da recorrente, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento.
Assim, atendendo a que as razões da discordância da recorrente são, não obstante a prolixidade das conclusões, suficientemente apreensíveis, e para não protelar ou prejudicar a celeridade do processo, em desconformidade com o comando de celeridade contido nos artigos 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 do CPC, entendeu-se como adequado não formular no caso convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do NCPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[11]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[12].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[13] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[14].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apareciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no bem recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2016[15] «(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)».
Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[16] o seguinte: «(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).»[17].
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se, desde logo, que a Recorrente, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, indica os elementos que permitem a sua identificação, para além de que transcreve também as passagens, podendo concluir-se que se tem por cumprido o ónus estabelecido no citado artigo 640.º n.º 1, alínea b), e 2, al. a).
Como ainda, agora sobre as suas conclusões, apesar de essas não poderem ser tidas em rigor como tal – pois que, nos termos já anteriormente avançados, repetem quase integralmente o que consta do corpo das alegações –, ainda assim, não obstante o maior labor que daí resulta para esta Relação na apreciação do recurso, porque não são afinal excessivamente extensas, se conseguem extrair com suficiente clareza os fundamentos em que se baseia a recorrente e o que pretende conseguir em sede de recurso, assim a indicação dos factos que, para além dos considerados como tal pelo tribunal recorrido, devem ser considerados provados, daí resultando pois, sem prejuízo da apreciação quanto ao mérito do recurso, que se considera suficientemente cumprido o ónus estabelecido no artigo 640.º, do CPC.

2.2. A Recorrente, por referência às suas conclusões, considera que deveria ter sido dado como provados o seguinte – com o argumento de que se trata de factos instrumentais que, embora referidos pelas testemunhas, não foram tidos em consideração para a boa decisão da causa:
“- a Ré D…, Limitada despediu verbalmente a Recorrente em 3 de novembro de 2014.
- Que a representante legal da Ré D… não comunicou à Recorrente que esta Ré era a sua nova entidade patronal.
- Que a Ré D… na pessoa do Sr. H… no dia 3 e 4 de novembro de 2014 informou a Recorrente que a sua entidade patronal continuava a ser a 1ª Ré, C… e que a Recorrente não era trabalhadora da D….
- Que a Ré D… no dia 5 de Novembro de 2015 estava munida de todos os elementos que lhe permitiam inscrever a trabalhadora na Segurança Social e não o fez.”

Dispõe o artigo 72.º do CPT, na parte relevante para a apreciação, o seguinte:
“1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias. (...)”.
Antes de mais, dada a forma como a Recorrente qualifica os aludidos «factos», fazendo uma breve abordagem à propósito da distinção entre factos principais, factos essenciais, factos complementares e factos instrumentais, pode dizer-se que os primeiros são todos aqueles que têm de integrar a causa de pedir ou o fundamento das excepções peremptórias invocadas, sendo que, englobando eles os factos essenciais e os factos complementares, como escreve Miguel Teixeira de Sousa[18], “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção” e os “complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou dessa excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Trata-se afinal daqueles, a que supra se aludiu já, cujo ónus de alegação impende sobre as partes. Por sua vez, diversamente, serão factos instrumentais “aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais", sendo que, relativamente a estes, a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC expressamente prevê a possibilidade de oficiosamente o tribunal os atender, ainda que não tenham sido alegados pelas partes, no momento oportuno.
Depois desta nota introdutória, debruçando-nos sobre a pretensão da Apelante, teremos de relembrar o que se referiu anteriormente a propósito dos poderes atribuídos ao juiz, face ao regime processual civil, mas particularmente no processo laboral face ao que resulta do citado artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do aludido artigo 5.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, constata-se que do que a Recorrente apelida como novos factos, apenas se pode dizer que alegou na sua petição inicial (artigo 24.º) que a Ré D…, Lda. a despediu verbalmente, sendo que quanto ao mais não se encontra tal alegação nem nesse articulado nem sequer na sua resposta – como aliás a Recorrente reconhece.
Por directa decorrência do que se referiu, excluindo esse, quanto aos demais, porque não alegados nos articulados, são factos novos, razão pela qual, para poderem ser atendidos, seria necessário que o Tribunal a quo tivesse usado da faculdade prevista no citado n.º 1 do artigo 72º do CPT, se porventura os considerasse relevantes para a boa decisão da causa.
E não foi esse o caso, como decorre das actas de audiência de discussão e julgamento, não tendo pois o Tribunal a quo feito uso do citado preceito legal, sendo que, acrescente-se, nem sequer tal questão foi levantada por qualquer das partes, pelo que não compete a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar esses factos em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo) – só ao Tribunal a quo, no uso do poder/dever conferido pelo aludido artigo 72º do CPT, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade[19].
Restando analisar a questão quanto ao (como tal apelidado) “facto” de «a Ré D…, Limitada despediu verbalmente a Recorrente em 3 de novembro de 2014» – que pode como se disse ter-se por alegado no artigo 24.º da petição inicial –, importa porém observar que está em causa não
um facto e sim, diversamente, uma mera ilação ou conclusão a retirar dos factos, sendo que, acrescente-se, mal se compreenderia, até porque encerra em si um conceito que se reporta directamente ao objecto da acção (precisamente o “despedimento” invocado por esse facto como ilícito), que pudesse ser considerada como facto tal menção de que a despedimento verbal.
Por assumir tal natureza, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[20] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[21], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.
Estando em causa a questão de saber qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca, escreve-se no citado Acórdão a esse respeito[22]:
“O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.
(...) Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidindo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio - culturais e até jurídicos.
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados.
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437).
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico - jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.
Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito.
Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito.
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art.º 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.»

Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, como também o recente Acórdão de 15 de setembro de 2016[23], em que se reafirma que, «pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.»
Do exposto resulta, pois, concluindo, a improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela Apelante, sendo pois os factos a considerar apenas aqueles que como tal foram considerados na sentença recorrida.

3. Do invocado despedimento ilícito:
Sustenta a Recorrente, nos termos já anteriormente analisados aquando do conhecimento da nulidade invocada de omissão de pronúncia, que a sentença recorrida deveria ter considerado a declaração do despedimento – que tem como ilegal – consubstanciada na comunicação que lhe foi remetida pela 2.ª Ré em 27/11/2014 (a comunicar-lhe o seu abandono de trabalho, com o fundamento de desde o dia 10 de Novembro não ter comparecido no seu local de trabalho sem comunicar qualquer justificação para essa ausência).
Como então se afirmou, não pode esse fundamento ser atendido na acção para os efeitos pretendidos pela Autora pois que esta apenas invocou como causa de pedir o invocado despedimento verbal ocorrido no dia 3 de Novembro, na qual que fez assentar depois o seu pedido, como de resto se assinalou na sentença.
Como assinalado supra, com suporte no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2008, também “o uso do poder de condenação extra vel ultra petitum consagrado no artigo 74.º do CPT, está limitado pela causa de pedir. (...) O juiz laboral pode condenar ultra petitum, mas, sempre, no âmbito da causa de pedir delineada pelo autor. É esta que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispositivo. Apenas podem, eventualmente, ser considerados na acção laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.”
Do exposto resulta, assim, nos termos expostos, face à falência do aludido fundamento, que fica apenas por apurar se os factos invocados como causa de pedir na acção permitem, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal recorrido, considerar que ocorreu um despedimento ilícito, como o sustenta a Autora.

3.1. Previamente à apreciação da questão, impõem-se algumas notas sobre o que deve ser entendido por despedimento, tanto mais que o Código do Trabalho (CT/2009) não contém uma sua definição.
Com tal objectivo, em brevíssimas palavras, tendo por base o que tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência, poderemos dizer, sem especiais preocupações de rigor técnico - jurídico, que o despedimento se configura como uma manifestação /declaração de vontade do empregador, que tem como destinatário o trabalhador, com o objectivo de fazer cessar o contrato de trabalho.
Referiu-se a propósito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2009, citado no acórdão do mesmo Tribunal de 17 de março de 2016[24], que a definição de despedimento, segundo a doutrina e a jurisprudência, “(...) se traduz na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho – cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478 –, ato esse de caráter recetício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, implica que o atinente desígnio deve ser levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade – declaração negocial expressa, tal como prevê a 1.ª parte do artigo 217.º do Código Civil –, ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem – declaração negocial tácita, nos termos da 2.ª parte do mesmo artigo 217.º –, declaração dotada, em qualquer caso, do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário – sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 236.º do Código Civil – e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de julho de 2005 (Processo n.º 916/05) e de 13 de setembro de 2007 (Processo n.º 4191/06) — todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos/Secção Social). A referida inequivocidade visa, como se observou no Acórdão deste Supremo de 7 de março de 1986 (Documento n.º SJ198603070012554, em www.dgsi.pt), “tanto evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal”.»
De acordo com as regras sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar o acto de despedimento promovido pela entidade patronal – artigo 342.º n.º 1 do Código Civil (CC).
O CT/2009, assim no seu artigo 340.º, prevê as modalidades que pode revestir a cessação do contrato de trabalho, concretizando depois, no que ao caso importa, nos seus artigos 351.º a 358.º, o despedimento (da iniciativa do empregador) por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), regulando o procedimento a observar.
Exige-se sempre, tratando-se de despedimento lícito, para além da observância do procedimento legal previsto, que a declaração de vontade da entidade empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho seja expressa, obedecendo ainda ao formalismo exigido legalmente para a decisão de despedimento, sendo que, tendo ela um destinatário, ou seja o trabalhador, assume a natureza de declaração negocial receptícia, na terminologia da doutrina, sujeita assim à disciplina que resulta do n.º 1 do artigo 224.º do CC, em que se dispõe que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”. Aplicando tal regime ao que aqui importa, do mesmo resulta, pois, que a declaração de vontade do empregador em fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro só se torna eficaz depois de ter sido recebida pelo trabalhador/destinatário, pelo que até então os efeitos do contrato de trabalho se mantêm plenamente em vigor.
Do mesmo modo, por ter tal natureza, importa ter presente o que se dispõe no n.º 1 do artigo 217.º do CC: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”
Da aplicação do citado regime resulta que, como se refere no recente acórdão deste Tribunal da Relação de 10 outubro de 2016[25], citando, “(...) como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro [Cfr, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição revista e actualizada, Principia, 2002, pp. 74; e, na jurisprudência publicada e mais recente do STJ, os acórdãos de 05.4.2006, proc.º 05S3822, Vasques Dinis; de 14.03.2007, prc.º 06S2844, Mário Pereira; de 12.09.2009, proc.º 08S3617, Sousa Grandão; de 16.01.2008, proc.º 07S535, Mário Pereira; de 27.02.2008, proc.º 07S4479, Pinto Hespanhol; de 23.04.2008, proc.º 07S4101, Bravo Serra; de 16.06.2008, proc.º 08S1249, Bravo Serra; de 3.06.2009, proc.º 08S3696, Sousa Grandão; de 17.06.2009, proc.º 08S3717, Sousa Grandão; e, 21.10.2009, proc.º 272/09.5YFLSB, Vasques Dinis, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]. Pelas razões que se referiram, isto é, por se tratar de uma declaração recipienda (ou receptícia), a declaração de vontade tácita torna-se eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC). E, conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador [cfr. jurisprudência citada]. Essa inequivocidade visa “(..) tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora” [Ac. STJ de 7 de Março de 1986, proc.º 001255, Miguel Caeiro; e, Ac. STJ de 05-04-2006, proc.º n.º 05S3822, Vasques Dinis; disponíveis em www.dgsi.pt/jstj].”

3.2. Importando agora aplicar ao caso que se decide o mencionado regime, constata-se que o Tribunal a quo fez constar o seguinte:
“Nos autos pede desde logo a autora que seja considerado ilícito o seu despedimento, alegando que o mesmo ocorreu no dia 3 de Novembro e de forma verbal.
No entanto, de tal despedimento não logrou a autora fazer prova.
Na verdade, da audiência de julgamento apenas resultou provado que a 2ª ré, a sociedade D…, Lda., impediu a autora de executar seu trabalho no condomínio onde até então o fazia, e mais tarde comunicou-lhe que iria trabalhar num condomínio em Vila Nova de Gaia, em horário diferente daquele que estava a cumprir.
Por outro lado, é ainda certo que logo a partir do dia 3 de Novembro encetou diligências junto da sociedade C…, Lda. para obter os elementos de identificação da autora para a inscrever como sua trabalhadora junto da Segurança Social, o que apenas veio porém a ocorrer a 7 de Novembro.
Na verdade, dos factos provados ficou claro que a 2ª ré impediu a autora de trabalhar no sítio onde até então o fazia e é certo que desde logo não comunicou uma alternativa efectiva do local onde tal trabalho deveria ser prestado, o que fez mais tarde.
No entanto, não foi feita prova de que a intenção ou vontade da 2ª ré fosse não aceitar a autora como sua trabalhadora. É certo que a conduta desta ré em impedir a autora de trabalhar no local onde até então o fazia e não a recolocar desde logo é violadora do dever de ocupação efectiva do trabalhador que impende sobre o empregador (cfr. art. 129º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho), bem como do direito ao local de trabalho que resulta do art. 15º (e neste caso também do art. 17º, n.º 3, do CCT aplicável). E perante tal conduta ilícita, não tendo sido de imediato repostos seus direitos, a autora poderia mesmo ter ponderado uma resolução do contrato de trabalho nos termos do art. 394º do Código do Trabalho.
Porém, e como já se deixou expresso, não resultou provada a intenção de despedimento.
Na verdade, como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 19/5/2010 (processo n.º 308/08.7TTVNF.P1, em www.dgsi.pt) “a jurisprudência tem entendido que a vontade de despedir, por banda do empregador, há - de ser inequívoca, mesmo que se trate de despedimento de facto e que pertence ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, nomeadamente, das circunstâncias que o revelam.
Ora, sendo assim, há - de o empregador emitir uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a há - de receber, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste de modo inelutável; tal significa que o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo”.
Assim, e não se provando o invocado despedimento verbal no dia 3/11/2014 (factos que integram a causa de pedir do pedido de reconhecimento do despedimento ilícito e respectiva indemnização), improcede nesta parte o peticionado.”

Havendo que apreciar da bondade da solução encontrada por esse tribunal, por necessário apelo aos factos provados – pois que serão esses e apenas esses os que poderão ditar o direito do caso - , desde já se adianta que aquela se não acompanha, assim desde logo quando considera não ter existido por parte da 2.ª Ré a intenção de despedir a Autora.
É que, sendo verdade que não se provou que tenha existido qualquer declaração expressa de despedimento por parte da referida Ré e dirigida à Autora, da aplicação do regime supra referido sobre a natureza da declaração receptícia, em particular as referentes à declaração tácita, basta, para que possa ser considerada eficaz, como se disse anteriormente, que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.ª parte do n.º 1 do citado artigo 217.º do CC), estando dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, sem esquecermos, necessariamente, que esse sentido deve ser apurado de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, ou seja, o sentido normal da declaração, conforme disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.
Este é o caso, a nosso ver, de acordo com os factos, como se procurará demonstrar seguidamente.
De facto, em primeiro lugar, tal como de resto nesta parte se assinala na sentença, resultando provado que a Ré D… impediu a Autora de executar o seu trabalho no condomínio onde até então o fazia, contrariamente ao que daquela parece resultar, não obstante se ter provado também que lhe comunicou mais tarde, após os acontecimentos ocorridos no dia 3/11/2014, mas em data não apurada assinale-se, que iria trabalhar em Vila Nova de Gaia num horário de tarde, daí não pode retirar-se a conclusão de que não houve vontade de despedir.
É eu, sendo ainda verdade que se provou que logo a partir do dia 3 de Novembro a mesma Ré encetou diligências junto da sociedade C…, Lda. para obter os elementos de identificação da autora para a inscrever como sua trabalhadora junto da Segurança Social, não é menos verdade que, para além de só a ter inscrito em 7 de Novembro, não transmitiu sequer essa informação à Autora e, pelo contrário, não obstante tais diligências – das quais resulta a conclusão de que não poderia deixar de ter conhecimento de que a trabalhadora passara a ser sua funcionária face ao CCT que a vinculava –, o que ficou claro dos factos provados, como se afirma aliás na sentença, é que a 2ª Ré impediu a autora de trabalhar no sítio onde até então o fazia, não lhe comunicando, nem desde logo nem posteriormente acrescente-se – por ser parca a informação que lhe deu mais tarde de que iria trabalhar em Vila Nova de Gaia num horário de tarde – onde exactamente, em que horário e já agora quando? –, efectiva alternativa.
Diversamente do que se conclui na sentença, os factos evidenciam à saciedade que a 2.ª Ré em momento algum quis aceitar a Autora como sua trabalhadora, impedindo-a pelo contrário de trabalhar no local onde até então o fazia e sem a recolocar noutro local, o que de resto viola, como na sentença se assinala, «o dever de ocupação efectiva do trabalhador que impende sobre o empregador (cfr. art. 129º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho), bem como do direito ao local de trabalho que resulta do art. 15º (e neste caso também do art. 17º, n.º 3, do CCT aplicável).»
Como resulta do ponto 10 da factualidade, tendo a Autora passado a ser trabalhadora da Ré D…, «mantendo a antiguidade, remuneração, categoria, funções, etc.., e continuando a trabalhar no mesmo local, o aludido condomínio do G…, …», o facto relevante é que, no dia 3 de Novembro de 2014, à sua hora de entrada, a Autora se dirigiu ao seu local de trabalho, no mencionado condomínio, para iniciar mais um dia normal de trabalho, sendo então que se depara com os responsáveis da mesma Ré «que lhe comunicam que a partir daquela data não mais poderia aí prestar trabalho».
Nessas circunstâncias, tendo telefonado então para o representante legal da Primeira Ré – que lhe explica que tinham perdido aquele cliente e o serviço de limpeza –, esse ordena-lhe que se fosse embora.
Ou seja, quer a anterior quer a actual entidade patronal, dão o mesmo sinal à Autora, assim o de que não poderia sequer estar no seu local de trabalho, sendo que, no mesmo dia, depois de a esse local ter voltado, «lhe disseram não ter autorização para lá estar», o que aliás culminou, no dia seguinte, ao ter sido compelida a entregar as chaves. Poderá é certo argumentar-se que essa ordem foi dada pelo responsável da Primeira Ré – que aliás de lá retirou todo o material de limpeza propriedade sua propriedade que a Autora utilizava no exercício das suas funções – e não pois directamente pela 2.ª Ré. Porém, bem vistas as coisas, desse facto não pode retirar-se qualquer elemento que permita dizer que esta quisesse manter a Autora ao seu serviço.
Na verdade, sem esquecermos todos os demais factos ocorridos nesse dia e no seguinte, assim designadamente que H… – companheiro da representante legal da 2.º Ré – conduziu a Autora até aos escritórios da 1.ª Ré (ficando depois a aguardar por essa à porta dessa sociedade) e deixou-a depois no sítio onde a recolheu –, estando também provado que, não tendo esta emitido qualquer documento à autora para a encaminhar para o “Fundo de Desemprego”, também H… lhe transmitiu que a 2.º Ré também não passaria tal carta, todos esses factos, para além dos vários contactos telefónicos mantidos com a Autora por iniciativa da Ré nos dias 3, 4 e 5 de Novembro, conjugados com a declaração inicial dos responsáveis da mesma Ré «que lhe comunicam que a partir daquela data não mais poderia aí prestar trabalho», traduzem-se numa declaração tácita de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato de trabalho, pois que, se colocados na posição da Autora, segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na sua posição, só assim podem ser entendidos os factos. A ser de outro modo, diga-se por último, não se perceberia a declaração de que não mais trabalharia no local do seu trabalho, que se dessem “ao trabalho” de a acompanhar à 1.ª Ré (para quê, então?) e que não lhe comunicassem sequer alternativa concretizada de trabalho noutro local.
Nestas circunstâncias a Autora só poderia ter entendido que a postura assumida pela 2.ª Ré se traduzia em não pretender mantê-la ao seu serviço, colocando assim fim ao contrato de trabalho.

4. Porque assim é, não tendo sido precedido sequer do respectivo procedimento, esse despedimento é ilícito (artigo 381.º, do CT), com as consequências que resultam do N.º 1 do artigo 389.º do CT:
“1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º.”

Importa pois apreciar as consequências da declaração da ilicitude do despedimento levado a efeito pela Ré D…, assim quanto à indemnização desse decorrente e retribuições desde a data do despedimento até à data da sentença, sem esquecermos os limites do conhecimento desta Relação em sede de recurso como se disse anteriormente.
Dispõe o n.º 1 do artigo 390.º do CT/2009 que:
“1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.”
Deste modo, assistindo o direito à Recorrente a receber tais retribuições, como pede, porque não contêm os autos os necessários elementos – desconhece-se, desde logo, se recebeu, ou não, subsídio de desemprego –, relega-se para a fase de liquidação o apuramento do seu montante, considerando ainda os juros de mora que sejam devidos.
Apreciando por último a questão da indemnização por antiguidade, dispõe o n.º 1 do artigo 391.º, do CPT, que, “Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º”.
Resulta do citado normativo que, no caso de despedimento ilícito, a graduação da indemnização nele prevista deve ser feita atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381.º do CT/2009.
Como decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça[26], “A indemnização em substituição da reintegração há - de ser graduada em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho, sendo que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização)”[27].
No mesmo sentido, pode também ler-se no acórdão do mesmo Tribunal de 18/5/2006[28], que o legislador, ao fazer intervir na medida da indemnização o grau de ilicitude do despedimento, “parece ter pretendido distinguir o índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado, quer no que se refere à observância dos direitos processuais, quer no que se refere ao respeito pela dignidade social e humana do trabalhador visado”. Neste contexto, ainda citando o mesmo acórdão, “afigura-se que assume maior relevância o despedimento que é imposto como medida discriminatória, em clara violação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou que tenha sido adoptado sem qualquer justificação e sem precedência de processo disciplinar, daquele outro que, seguindo os procedimentos legalmente previstos e respeitando o direito de defesa do trabalhador, acaba por ser julgado ilícito por insubsistência dos motivos que foram indicados como determinantes da decisão disciplinar”, parecendo funcionar, por sua vez, a referência à retribuição, “como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório, de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado (artigo 494º do Código Civil).”
Acompanhando o citado entendimento, considera-se também que, no que concerne ao critério da retribuição, o mesmo deve ser aplicado em termos de se fazer variar a indemnização na razão inversa do montante da retribuição, de tal forma de quanto menor for a retribuição maior deverá ser o número de dias de retribuição base e diuturnidades a atender no cálculo da indemnização.
Da sua aplicação ao caso concreto em apreço, resultando da factualidade provada que a Autora auferia como retribuição mensal a quantia de €242,64, a que deverá acrescer o valor das diuturnidades também já reconhecidos na sentença – e que não foi objecto de impugnação nessa parte –, assim em 3 de Novembro de 2014 de €25,40 (nos termos previstos na cláusula 36.ª do CCT aplicável, que atribui aos trabalhadores que permaneçam na mesma categoria profissional o direito a uma diuturnidade no montante de €12,70 por cada três anos, com o limite de 5 diuturnidades), daí resulta o valor de €268,04, o qual é claramente inferior ao salário médio auferido em Portugal[29], razão pela qual, importando ainda ter presente que a graduação da indemnização deve variar no mesmo sentido do da variação da ilicitude, sendo tanto maior o número de dias a fixar quanto maior for a ilicitude do despedimento – devendo atender-se para estes efeitos à graduação decrescente efectuada pelo próprio artigo 381.º nas suas diferentes alíneas –, ao ter-se presente que no caso em apreço não foi apresentada causa para o despedimento tido como ilícito, tudo visto e ponderado, afigura-se-nos que os critérios quantificadores da indemnização apontam, assim, para a sua fixação num patamar acima da média, tendo-se como adequado que a indemnização em questão seja fixada em 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
Para efeitos do seu apuramento importa ter presente que, como se refere no Acórdão desta Relação de 9 de Março de 2015[30], “do preceito resulta claramente a equiparação entre a fracção e o ano completo, para efeitos de cômputo da indemnização, e que a contagem da antiguidade se faz até ao trânsito em julgado da decisão que declara ilícito o despedimento. (...) Como a situação só se define no momento em que a sentença declara ilícito o despedimento e valida a opção por indemnização, tem de se contar o prazo até ao trânsito em julgado da decisão que declara o despedimento. Nesse momento sim, poderá o trabalhador – e a patronal, do mesmo modo – seguir a sua vida.”
Porque assim é, concretizando, apenas até ao momento em que é proferido este acórdão, a indemnização devida atinge, por referência ao valor mensal de €312,71 (268,04: 30 x 35)[31], um total de €3.127,10 (€3.12,71 x 10[32]), sendo que, referente a qualquer período posterior que possa alterar o cálculo efectuado, o mesmo terá como limite o valor do pedido formulado pela Autora neste âmbito – assim o de €3.989,33 (al. B) do pedido).
No que se refere aos juros de mora, porque ilíquida até esta data, sem que a Ré estivesse na posse de elementos que lhe permitissem efectuar tal liquidação – desde logo por não ter condições de saber qual o n.º de dias por referência aos quais seria contabilizada (“...entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade”) –, os mesmos serão contabilizados apenas a partir do momento do trânsito em julgado deste acórdão[33].
Procede, deste modo, mas apenas nos termos expostos, nesta parte o recurso.
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No que se refere às custas da acção, mantendo-se quanto ao demais, importa alterar a proporção da responsabilidade atribuída à Autora e à Ré D…, face ao decidido neste acórdão, passando essa a ser de 10% para a primeira e de 50% para a última, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido à primeira. Por sua vez, atendendo porém ao mesmo benefício, as do recurso, porque a Ré não contra-alegou, são da responsabilidade da Autora/apelante.
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V - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na parcial procedência da apelação, mantendo-se quanto ao mais, revogar a sentença, substituindo-se nesta parte por este acórdão, nos termos seguintes:
1. Declara-se a ilicitude do despedimento da Autora B… ocorrido em 3 de Novembro de 2014;
2. Condena-se a Ré, D…, Lda., a pagar à Autora:
a. As retribuições que a mesma deixou de auferir desde o despedimento até trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, incluindo os juros de mora à taxa legal que forem devidos desde a data de vencimento de cada prestação, tudo a liquidar no incidente processual próprio;
b. A indemnização, em substituição da reintegração no montante de €3.127,10 (três mil cento e vinte e sete euros e dez cêntimos), calculada, para já, até 15 de Janeiro de 2017, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado deste acórdão.
3. Alterando-se a proporção da responsabilidade por custas da acção para 50% no que se refere à Ré D…, Lda. e 10% quanto à Autora, as do recurso são a cargo desta última, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Porto, 16 de Janeiro de 2017
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
Domingos Morais
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[1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93
[2] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[3] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[4] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143.
[5] A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320. Ainda, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Sem prejuízo do regime consagrado para a admissibilidade dos articulados supervenientes, que permitem às partes a introdução de novos factos essenciais, desde que supervenientes à apresentação do articulado da parte (artigo 588.º, n.º 1, do CPC.
[8] O que, diga-se, resulta como um dos efeitos da citação – artigo 564.º, al. b), do CPC.
[9] A que se aludiu já anteriormente.
[10] In www.dgsi.pt.
[11] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[12] Op. cit., p. 235/236
[13] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[14] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[15] www.dgsi.pt
[16] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[17] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[18] In, Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 71.
[19] Neste sentido, Ac. desta Relação e Secção de 11 de Junho de 2012, Relatora Fernanda Soares, processo 2/10.9TTMTS.P1.
[20] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 605.
[21] Disponível em www.dgsi.pt.
[22] Excluindo-se aqui as notas de rodapé.
[23] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[24] In www.dgsi.pt.
[25] Relatado por Jerónimo Freitas, em que intervieram como adjuntos os aqui relator e 1.ª adjunta.
[26] Em acórdão de 26/5/2015, processo 373/10.7TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[27] No mesmo sentido, acórdão do STJ de 24/2/2011, proferido no processo 2867/04.4TTLSB.S1, também ali disponível
[28] Proferido no processo 06S291, disponível em www.dgsi.pt
[29] Em 2014, último ano por referência ao qual conseguimos obter informação sobre esta temática, o salário médio em Portugal ascendia a € 1.093,20 (fonte: http://www.pordata.pt), sendo certo que de então para cá não se terá registado uma variação positiva significativa nesse valor.
[30] In www.dgsi.pt.
[31] Utilizando os mesmos critérios, Ac. desta Relação de 07-11-2016, relator Domingos Morais, disponível em www.dgsi.pt.
[32] Correspondente a 9 anos e 2 meses, nos termos anteriormente indicados quanto à fracção de 2 meses.
[33] Neste sentido, para além de outros, o Acórdão STJ de 21-03-2013 (constando do seu sumário: «4- O montante da indemnização devida em substituição da reintegração, calculada nos termos do artigo 439.º do Código do Trabalho de 2003 só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.»), disponível em www.dgsi.pt, em que fundadamente se referem as razões desse entendimento.
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
1- Não configura nulidade da sentença fundada nas alíneas c) e d) do artigo 615.º do CPC a circunstância de o juiz não considerar factos não integrantes da causa de pedir invocada como fundamento do pedido de declaração de ilicitude do despedimento, ainda que aqueles factos pudessem configurar, se integrados na causa de pedir, fundamento para essa declaração;
2- Os poderes atribuídos no n.º 1 do artigo 72.º do CPT quanto à consideração dos factos não alegados pelas partes são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, tendo ocorrido discussão sobre esses factos, não competindo ao tribunal de recurso tomar esses em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do mesmo artigo);
3- Apesar de não ter existido qualquer declaração expressa de despedimento por parte da entidade patronal, da aplicação do regime sobre a natureza da declaração receptícia e em particular as normas referentes à declaração tácita, basta, para que possa ser considerada eficaz como declaração de despedimento, que essa possa ser deduzida de actos que revelem um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato (n.º 1 do artº 217.º CC), a apurar de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário/trabalhador (n.º 1 do artº 236.º CC).
4- Como tal deve ser considerado o comportamento da entidade patronal que comunica à trabalhadora que a partir de determinada data não mais poderia prestar trabalho no local onde anteriormente esse era prestado, referindo-lhe não ter autorização para aí se manter, não lhe comunicando sequer, nem desde logo nem posteriormente, efectiva alternativa;
5- Em caso de despedimento ilícito a graduação da indemnização por antiguidade deve atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381º do CT/2009, variando na razão inversa do montante da retribuição e no mesmo sentido do da variação da ilicitude, sendo tanto maior o número de dias a fixar quanto menor for a retribuição e maior for a ilicitude;
6- Os juros de mora, porque ilíquida até esta data, sem que a ré estivesse na posse de elementos que lhe permitissem efectuar tal liquidação – desde logo por não ter condições de saber qual o n.º de dias por referência aos quais seria contabilizada (“...entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade”) –, são contabilizados apenas a partir do momento do trânsito em julgado deste acórdão que fixou a indemnização.

Nelson Fernandes