Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5219/17.2T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
Nº do Documento: RP201804265219/17.2T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º132, FLS.40-51)
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões do recurso são a indicação sintética dos fundamentos por que se pede a alteração, revogação ou anulação da decisão. Cumprem importante missão de levantamento das questões controversas, procurando evitar a impugnação geral, vaga, imprecisa e indefinida, mas, também, a viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra - alegações.
II - O ónus imposto na parte final do art.º 639º, nº 1, do Código de Processo Civil - da conclusão sintética - deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.
III - Se, com base num contrato de mandato sem representação, o mandatário adquire uma quota de uma sociedade comercial para a transferir para o mandante e, em vez disso, promove, como sócio e gerente da sociedade, uma assembleia geral para aprovação de um aumento do capital social para um valor tão elevado que reduz a quota a entregar ao mandante de 57% para 2,478% do capital, perspetivando - 0se mesmo a dissolução da sociedade por vontade dos sócios (qualidade que o Requerente ainda não tem mas já deveria ter), dever ser admitido procedimento cautelar que acautele o interesse do requerente/mandante enquanto não for proferida decisão final no processo principal de execução específica do contrato de mandato.
IV - A tutela cautelar da posição do mandante, não obstante não ser ainda sócio da sociedade, assenta no direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva já proposta, ao abrigo do nº 2 do art.º 362º do Código de Processo Civil, sendo adequada a providência cautelar comum ou não especificada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5219/17.2T8VNG-A.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B… intentou o presente procedimento cautelar comum contra C…, ambos melhor identificados no processo principal, com a seguinte pretensão:
«(…) DECRETAR A PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA, COM DISPENSA DE PRÉVIO CONTRADITÓRIO, E ORDENAR A IMEDIATA NOTIFICAÇÃO DO REQUERIDO PARA SE ABSTER DE APROVAR, POR SI OU POR INTERMÉDIO DE REPRESENTANTE, NA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA CONVOCADA PARA AS 9H30, DO DIA 5 DE DEZEMBRO DE 2017, AS PROPOSTAS DE DELIBERAÇÃO DE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE “D…, LDA” E/OU DE AUMENTO DO SEU CAPITAL SOCIAL, CONSTANTES DAS ALÍNEAS A) E D), RESPECTIVAMENTE, DO PONTO UM, DA SUA ORDEM DE TRABALHOS, ASSIM COMO PARA PROCEDER DE MODO IGUAL, ABSTENDO-SE DE APROVAR MEDIDAS DE IGUAL NATUREZA E FINS, EM QUAISQUER OUTRAS ASSEMBLEIAS GERAIS DA MESMA SOCIEDADE, ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE VIER A SER PROFERIDA NA ACÇÃO PRINCIPAL.». (sic)
Para tanto, o Requerente alegou que:
- Invocou, na ação principal, uma relação de mandato sem representação estabelecida com o Requerido, nos termos da qual este, a seu pedido e no seu interesse, adquiriu e detém uma quota de €2.850,00, representativa de 57% do capital social da sociedade por quotas denominada “D…, LDA.[1];
- Alegou ali também o incumprimento, pelo Requerido, das obrigações emergentes do acordo que com ele estabeleceu e que esteve na base da transmissão, que lhe fez, de uma quota de €1.700,00, representativa de 34% do capital social de €5.000,00 da mesma sociedade;
- Com base nesses pressupostos, o Requerente formulou na ação principal o pedido de:
“A) ser declarada a execução específica do contrato de mandato celebrado entre o AUTOR e o RÉU, proferindo-se sentença que produza os efeitos da declaração negocial do RÉU faltoso com a consequente transferência para o AUTOR da propriedade de uma quota com o valor nominal de € 2.850,00, representativa de 57% do capital social da “D…”, e respetivo registo oficioso na Conservatória do Registo Comercial; ou, caso assim, não se entenda,
“A.1) ser o RÉU condenado a dividir a quota que detém em seu nome, com o valor nominal de €4.550,00, representativa de 91% do capital social da “D…”, em duas quotas de €1.700,00 e de €2.850,00, e a transferir esta última para o AUTOR, no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, e a pagar ao AUTOR uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação;
A.2) (…)
“B) ser ainda o RÉU condenado a cumprir a obrigação em falta para com o AUTOR, de realizar à “D…” a prestação suplementar de capital no montante de €800.000,00 (oitocentos mil euros), no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, com a cominação admonitória de, não sendo a obrigação satisfeita nesse prazo, ser declarada a resolução do contrato de cessão da quota de 34%, e restituída a mesma ao AUTOR.”
Por via da procedência da ação principal, poderá o Requerente ver-se investido na titularidade da maioria do capital social da “D…”, maioria essa que será de 57%.
Como assim, a garantia da eficácia plena da decisão final, em caso de procedência da ação principal, pressupõe e implica que a cifra do capital social da “D…” não sofra qualquer alteração, pelo menos, até ao trânsito em julgado de tal decisão, pois que qualquer aumento do capital social realizado antes da prolação da sentença final na ação principal, sem o concurso do Requerente, conduziria a que aquele, em caso de procedência da ação, visse a sua respetiva participação de 57% ou de 91% (consoante a situação que se vier a verificar) substancialmente reduzida.
O Requerido vai promover um aumento do capital social da “D…”, dos atuais €5.000,00 para €115.000,00, a realizar exclusivamente por novas entradas de dinheiro, pelo que, desse aumento resultará que a quota de €2.850,00 que o Requerente reclama como sua e pede ao tribunal que o reconheça como legítimo titular, representativa de 57% da atual cifra do capital social da sociedade, ficará reduzida à ínfima percentagem de 2,478%. É este o propósito do Requerido: assegurar uma posição maioritária e de total domínio na sociedade “D…” em caso de posterior decaimento na ação principal instaurada contra ele pelo Requerente.
Conclui o Requerente pela existência de fundado receio de que o Requerido, com a aprovação do aumento de capital social da “D…”, que propõe e pretende levar a cabo, cause lesão grave e de difícil reparação ao seu direito, uma vez que o mencionado aumento de capital social da “D…” determinará a redução, de 57% para 2,478%, da participação que reclama como sua na ação principal e, consequentemente, anulará todos os efeitos de uma sentença que lhe venha a ser favorável, o mesmo se aplicando à medida de dissolução da sociedade que é objeto da proposta da alínea a), do Ponto Um da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária da “D…”, convocada para as 9H30 de 05.12.2017.
No dia 15.1.2018, o tribunal proferiu despacho liminar de indeferimento deste requerimento inicial por manifesta improcedência do pedido, ao abrigo do disposto art.ºs 226º, nº 4, al. b) e 590º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.
Para o efeito, alinhou, aqui resumidamente, os seguintes motivos essenciais:
a) A não verificação dos requisitos da providência especificada de suspensão de deliberações sociais não pode ser superada por uma medida cautelar não especificada mas com objetivos semelhantes;
b) Há inutilidade superveniente do procedimento no que concerne à primeira parte do pedido, por ter sido ultrapassada a data designada par a realização da Assembleia Geral Extraordinária, convocada para o dia 5 de dezembro de 2017;
c) O eventual direito de propriedade de uma quota com o valor nominal de € 2.850,00, atualmente representativa de 57% do capital social da sociedade D…, Lda., a adquirir por força da decisão final a proferir na ação principal, não confere ao Requerente o direito de interferir na sociedade à qual é alheio, através de uma limitação do direito de voto do Requerido.
Notificado daquela decisão, o Requerido deduziu oposição ao procedimento e recorreu da decisão.
Na apelação, formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1. A acção principal de que a presente acção cautelar comum é dependente e constitui seu apenso, é uma acção constitutiva de direito, já que da sua procedência resultará a investidura no Requerente da titularidade da maioria do capital social da “D…”, maioria essa que será de 57% ou de 91%, consoante se verifique apenas a procedência do pedido formulado na alínea A) ou, subsidiariamente, em A.1.) — com atribuição da propriedade da quota de €2.580,00, que reclama como sua —, ou, também, a procedência do pedido formulado na alínea B) — com a atribuição da quota de € 1.700,00, que cedera ao Requerido;
2. A decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial tomada em 1.ª Instância (quanto à segunda parte do pedido nele formulado) assenta numa abordagem errada da pretensão cautelar do Recorrente e do enquadramento que lhe dá em sede de direito adjectivo, inquinando-a com o vicio de violação lei;
3. Resulta a contrario do Princípio da legalidade das formas procedimentais, plasmado no art.º 546.º, n.º 2, do CPC, e de que o art.º 362.º, n.º 3, do mesmo código, constitui uma manifestação em sede de procedimento cautelar, que só pode solicitar-se uma providência cautelar atípica e, naturalmente, dar-se início a um procedimento cautelar comum, quando se pretenda prevenir o risco de lesão excluído dos limites materiais de algum dos procedimentos cautelares típicos ou especificados;
4. Nos termos do n.º 1, do art.º 380.º do CPC, o procedimento cautelar para suspensão de deliberações sociais tem como fim especifico evitar a execução de deliberações nulas ou anuláveis, por violação da lei, dos estatutos, tratando-se de associações, ou do contrato social, tratando-se de sociedades estando reservado ao sócio de uma sociedade (ou associação ou fundação) como meio de se opor a qualquer deliberação social ilegal.
5. Entre outros, são condições de exercício da acção cautelar de suspensão de deliberações sociais (nas sociedades), em primeiro lugar, que o requerente seja sócio da sociedade, e em segundo lugar, que a sociedade tenha tomado uma deliberação, uma vez que a suspensão de deliberações sociais só pode incidir sobre deliberações já tomadas e não sobre deliberações a serem tomadas, isto é, futuras ou eventuais;
6. O Recorrente está impedido de recorrer a tal medida cautelar para defesa do seu direito ameaçado por não ser sócio da sociedade e, além do mais, não existir ainda uma deliberação tomada que possa ou mereça ser impugnada;
7. O que o Recorrente quer evitar é que uma deliberação social de aumento do capital social da “D…” possa ser tomada antes de decidida a acção principal que tem em curso contra o Requerido, onde pede que lhe seja reconhecida a titularidade de uma participação de 57% no capital social dessa sociedade, sendo que uma eventual deliberação dessa natureza representa, em si mesmo, a ameaça à realização do seu direito à propriedade da referida participação social.
8. Não detendo a qualidade sócio e querendo apenas impedir a tomada de deliberações futuras (mesmo eventuais) de aumento do capital social da sociedade “D…”, que o Requerido, enquanto detentor de uma quota representativa de 91%, pode promover por si só, a todo o momento, mesmo sem o concurso dos votos dos demais sócios, só por via de uma acção cautelar comum poderá o Recorrente obter a tutela do seu direito à titularidade de uma quota de €2.580,00, representativa de 57% do capital social da dita sociedade e, assim, afastar a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável que uma deliberação daquela natureza representará para o seu direito, ameaça essa, aliás, bem actual e permanente, atenta a deliberação já tomada, promovida pelo Requerido, que elevou a cifra desse capital social dos actuais €5.000,00 para os €115.000,00, mas que é presentemente objecto de impugnação por via de uma acção cautelar de suspensão e da subsequente acção anulatória propostas pelo sócio E…, que votou contra a referida deliberação;
9. Nos termos dos n.ºs 1 e 2, do art.º 362.º do CPC, aquele que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, ainda que o interesse do requerente assente em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor;
10. E deverá o interessado deitar mão da acção cautelar comum sempre que o risco de lesão do direito que pretende acautelar não se encontre especialmente prevenido por alguma providência típica ou especificada – art.º 362.º, n.º 3, do CPC.
11. É, pois, este o enquadramento processual que deve ser dado em sede de lei adjectiva à pretensão cautelar reclamada pelo Recorrente, uma vez que, pelas apontadas razões, não tem ele outra forma de prevenir o risco de lesão do seu direito.
12. O Recorrente não pretende impugnar uma concreta deliberação social de aumento de capital já tomada, mas apenas impedir, pela abstenção imposta pelo tribunal ao Requerido, a tomada de uma eventual deliberação futura de aumento de capital social da sociedade, o que tanto basta para afastar toda e qualquer similitude entre o fim da acção cautelar comum que requereu e aquele que é específico da providência de suspensão de deliberações sociais, pelo que não colhe o argumento da Meritíssima Juiz de 1.ª Instância de que “A não verificação dos requisitos da providência de suspensão de deliberações sociais não pode, no entanto, ser superada por uma medida cautelar não especificada mas com objetivos semelhantes;
13. Afirmar o contrário, como faz a sentença recorrida, é pura e simplesmente não atender aos fundamentos e preposições aduzidas pelo Recorrente no requerimento inicial para obter o decretamento da providência que considerou como a mais adequada à defesa do seu direito ameaçado com uma eventual deliberação futura de aumento de capital social da “D…”;
14. Não cabe trazer à colação os interesses da sociedade, seja porque a ameaça que impende sobre o direito do Recorrente, por ainda não ser seu sócio, nada tem a ver com ela, seja porque só indirectamente a sociedade causar-lhe-á a lesão que se pretende prevenir, uma vez que esta apenas é concretizável por acção e vontade directa do Requerido, que, por si só, enquanto detentor de uma participação qualificada de 91%, pode fazer aprovar com o seu único voto uma deliberação de aumento do seu capital social;
15. Além do mais, nada impede que em sede de apreciação de mérito da acção cautelar pelo tribunal seja feito escrutínio da eventual afectação dos interesses da sociedade pelo decretamento da medida conservatória preconizada, até porque o Recorrente alega no requerimento inicial que (i) o único propósito do referido aumento de capital social é, apenas e só, assegurar, desde já, ao Requerido, em caso de decaimento na acção principal, uma posição maioritária e de total domínio na sociedade “D…”, com a consequência directa de o Recorrente ver a sua participação social reduzida à insignificante percentagem de 2,478%, e ainda (ii) que o próprio Requerido tinha e tem ao seu alcance outros meios de prover a sociedade com os capitais próprios que forem adequados, sem necessidade de alterar a cifra do seu capital social, tanto bastando que incluísse no montante das prestações suplementares submetido a deliberação na assembleia geral de 05/12/2017, o valor do aumento do capital social igualmente por ele proposto;
16. O problema é que o Requerido, exactamente porque ainda é o detentor de uma participação de 91% no capital social da sociedade, tem o poder unilateral, sem o concurso dos votos dos demais sócios, de aumentar esse capital social, prosseguindo o interesse egoístico de assegurar para si o total domínio da sociedade em caso de decaimento na acção principal;
17. Daí que apenas o Requerido seja a parte legitima do lado passivo na requerida acção cautelar comum, por ser o único com interesse em contradizê-la;
18. Além de tudo o mais, nada justifica que o direito do Recorrente tenha menor ou nenhuma protecção face aos interesses da sociedade;
19. A verdade incontornável é que uma decisão proferida na acção principal que seja favorável ao Recorrente, conferindo-lhe o direito de propriedade de uma participação de 57% no capital social da “D…”, será absolutamente frustrada e anulada com qualquer deliberação de aumento do capital social da sociedade, para cuja formação será bastante o único voto de aprovação do Requerido;
20. Daí que a ameaça de lesão grave e de difícil reparação que recai sobre o direito do Recorrente esteja exclusivamente na esfera de acção do Requerido, e não da sociedade, pelo que crucial é que ele veja limitado o exercício do seu direito de voto pela requerida medida cautelar.
21. Assim e em conclusão, a acção cautelar comum requerida pelo Recorrente é o instrumento processual adequado e o único meio de que dispõe para prevenir a ameaça de grave lesão do seu alegado direito emergente de decisão a proferir na acção principal, enquanto acção constitutiva que é desse seu direito.
22. Não podia, pois, a Meritíssima Juiz de 1.ª Instância ter indeferido o requerimento inicial, com o que violou, entre outras, as disposições contidas nos art.s 2.º, 362.º, e 590.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.» (sic)
Defendeu, assim, o apelante a substituição da decisão recorrida por acórdão que receba o requerimento inicial.

O Requerido respondeu em contra-alegações que sintetizou assim:
«1. O presente recurso não merece provimento.
2. Apesar de, aqui ou ali, o recorrente ter mudado, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, a verdade é que se limitou a copiar as alegações de recurso para as respectivas conclusões, umas vezes, copiando integralmente o seu texto para um idêntico parágrafo das conclusões e, outras vezes, agregando na mesma conclusão o texto de um ou mais parágrafos das alegações, de modo que as conclusões ficassem com menos parágrafos numerados, mas, em qualquer dos casos, sem uma verdadeira redução do texto.
3. A ausência de conclusões leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objeto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito.
4. Pelo exposto, e considerando-se que as alegações apresentadas pela recorrente não contêm verdadeiras conclusões, deverá ser rejeitado o recurso interposto pelo requerente, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, al. b), do CPC.
5. Caso assim se não entenda, cumpre sublinhar que o Tribunal recorrido decidiu bem ao indeferir liminarmente a providência requerida, uma vez que esta, se admitida, violaria claramente o princípio da legalidade das formas processuais (artigo 546.º do CPC).
6. “A não verificação dos requisitos da providência de suspensão de deliberações sociais ou o decurso do prazo para que seja requerida não podem ser superados por uma medida cautelar não especificada, com outra designação, mas com objectivos semelhantes.”, Abrantes Geraldes, (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, 4.ª Edição, III Volume, págs. 70 e 71).
7. O requerente pretende, com o presente procedimento, obter um resultado em tudo idêntico ao de uma suspensão de deliberações sociais, procedimento para o qual não reúne os respectivos pressupostos, nomeadamente, os referentes à legitimidade activa e à legitimidade passiva, sendo que, ademais, a medida cautelar de suspensão de deliberações sociais apenas pode ter por objecto deliberações já tomadas e já não deliberações futuras ou hipotéticas.
8. O requerente quer obter uma decisão cujos efeitos se repercutirão negativamente na vida da sociedade, sem que esta seja sequer admitida a exercer o contraditório.
9. A medida cautelar requerida constitui uma intromissão injustificada na vida societária por parte de um terceiro alheio à sociedade, impedindo-a de livremente exteriorizar a sua vontade por meio de deliberações sociais e vedando-lhe o acesso a medidas que se podem revelar essenciais para assegurar o seu futuro.
10. Tais como as que foram deliberadas e aprovadas pela vastíssima maioria dos sócios na Assembleia Geral Extraordinária de 05/12/2017, nomeadamente, a aprovação do aumento de capital de €5.000,00 para €115.000,00, a qual permitiu que a sociedade saísse da situação de perda de metade do capital social, prevista no artigo 35.º do CSC.
11. O aumento de capital é comummente aceite como o procedimento mais correcto para efeitos de reintegração do capital, dado que, ao contrário de outras formas de financiamento da sociedade, o capital social não pode ser reembolsado aos sócios, pelo que a participação em aumento de capital demonstra uma maior disponibilidade dos sócios de assumirem o risco do negócio e da actividade empresarial.
12. A concessão da medida cautelar requerida resultaria numa paralisia injustificada da sociedade requerida, tudo em nome da salvaguarda de uma posição que o requerente não detém na sociedade.
13. O eventual direito a adquirir pelo requerente por força de eventual sentença a proferir na acção principal, só poderá ser exercido se e quando o adquirir e no estado em que estiver ao tempo da aquisição.
14. Não se pode, com fundamento numa mera expectativa de aquisição do requerente, manter incólume uma determinada percentagem relativa de participação societária, quaisquer que sejam as vicissitudes por que passe o capital da sociedade, o que se poderá reflectir muito negativamente na prossecução do respectivo objecto.
15. O requerente não tem legitimidade para interferir na sociedade através da imposição de um comportamento omissivo ao requerido, impedindo-o de participar nas deliberações que os sócios entendam relevantes para a prossecução da sua actividade.
16. Ademais o pedido do requerente padece de inconstitucionalidade, por violação do direito à iniciativa privada, prevista no artigo 61.º da Constituição, já que o direito ao exercício da actividade empresarial, designadamente de participar no capital de sociedades comerciais “exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”.
17. Em suma, andou bem o Tribunal “a quo” ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar requerido, não tendo sido violada qualquer das normas jurídicas apontadas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida a decisão ora posta em crise.» (sic)
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir, exceção feita para o que é do conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil), estão delimitadas pelas conclusões da apelação do Requerente acima transcritas (art.ºs 635º e 639º daquele código), sendo que apenas se conhece do objeto da decisão recorrida e não sobre matéria nova.
Está para decidir se há fundamento para rejeição liminar do procedimento cautelar requerido, por falta dos respetivos pressupostos.
Previamente, porém, seguindo uma ordem de precedência lógica, vamos conhecer da questão da falta de conclusões das alegações de recurso, que o recorrido suscitou nas contra-alegações.
*
III.
1. Questão prévia: Faltam as conclusões do recurso?
Apressa-se o recorrido a invocar a falta de conclusões do recurso com o argumento de que o recorrente se limitou a repetir ou copiar as alegações sob o título de “conclusões”, alterando apenas a sua cosmética, “umas vezes, copiando integralmente o seu texto para um idêntico parágrafo das conclusões e, outras vezes, agregando na mesma conclusão o texto de um ou mais parágrafos das alegações, de modo que as conclusões ficassem com menos parágrafos numerados, mas, em qualquer dos casos, sem uma verdadeira redução do texto”.
Sob a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe o art.º 639º, nº 1, do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
De acordo com o nº 3 do mesmo artigo, “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas (…), o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
Assim, o recorrente tem o ónus de alegar e formular conclusões. Estas são parte daquelas, mas enquanto nas alegações propriamente ditas o recorrente expõe os fundamentos do recurso, as conclusões são o culminar daquelas por uma síntese do enunciado das questões que o alegante pretende que o tribunal ad quem aprecie. Nessa síntese, deve indicar também as normas jurídicas violadas, o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar, perante eventual erro na determinação das normas aplicáveis, deve indicas as que deveriam ter sido aplicadas.
As conclusões são a indicação, de forma sintética, dos fundamentos porque se pede a alteração, revogação ou anulação da decisão e não se confundem com o “pedido”.[2] Cumprem importante missão de levantamento das questões controversas, procurando evitar a impugnação geral, vaga e indefinida, mas, também, a viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
A complexidade das conclusões constitui uma das causas determinantes do convite do relator ao recorrente para que proceda à sua correção e impõe-se precisamente nos casos em que as alegações, embora contendo os fundamentos do recurso, não constituam uma verdadeira sínteses dos mesmos.
A propósito, diz-nos A. Abrantes Geraldes[3]: “As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. (…). Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”.
Não é inédita a apresentação de conclusões do recurso como uma perfeita cópia ou reprodução formal das alegações, apenas com a especificação prévia de “conclusões”, com evidente e absoluta inexistência de síntese. Por isso, também é conhecida jurisprudência que equipara essa repetição à falta de conclusões, não permitindo, por isso, o convite ao aperfeiçoamento.[4] Mais exigente, surge outra jurisprudência para a qual não valem como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas[5], ou ainda a falta de indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, como equivalendo à falta de conclusões, pelo que, em conformidade, se defende nestes arestos que o recurso deve ser rejeitado. No essencial, defende esta jurisprudência que a repetição nas conclusões do que é dito na motivação se traduz em falta de conclusões. Alguma desta jurisprudência está acompanhada por Cardona Ferreira[6] que escreveu: “As conclusões são uma breve síntese do enunciado das questões que o alegante pretende que o Tribunal ad quem aprecie: por exemplo, legitimidade, validade contratual, cumprimento, etc., etc. Se as ‘conclusões” forem, praticamente, uma repetição do que já está no texto das alegações, não são, legalmente, conclusões.
Outra jurisprudência, mais compassiva ou tolerante, sobretudo seguida no Supremo Tribunal de Justiça, tem defendido que a reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art.º 639º, nº 3, do mesmo código.
Retomando o caso concreto, o que se observa é desde logo que as alegações propriamente ditas, com a respetiva motivação, estão redigidas ao longo de quase 14 páginas, enquanto as respetivas conclusões ocupam pouco mais de 4 páginas. Mais se verifica que os temas tratados na motivação da apelação foram também abordados nas subsequentes conclusões, sem exceção, ou seja, a argumentação ali detalhada foi explicitada nas conclusões de forma necessariamente mais concisa. Mais ainda, em ambas as partes das alegações a exposição é clara, percetível, linear. Ainda mais…, a avaliar pela motivação das contra-alegações e pela síntese conclusiva das mesmas, não fica dúvida alguma de que o Requerido compreendeu perfeitamente as questões e a argumentação do recorrente, face às quais produziu uma verdadeira resposta. com exercício do contraditório.
A síntese que o recorrente apresentou pode não ser exemplar, pode não se limitar a um enunciar das questões que o recorrente pretende ver resolvidas, mantendo algum do desenvolvimento expendido na motivação, mas está muito longe de traduzir um vício que as comprometa enquanto tal.
Não é exigível ás partes que sintetizem as alegações da forma que cada um de nós o faria.
Quanto muito, poderíamos discutir se se justificaria a prolação de um despacho de aperfeiçoamento para o recorrente efetuar uma melhor sintetização. Mas a resposta é negativa.
A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. (…) Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras.”[7]
O ónus imposto na parte final do art.º 639º, nº 1, do Código de Processo Civil --- da conclusão sintética --- deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.[8]
Não se justifica, no caso, o convite ao aperfeiçoamento e, a fortiore ratione, a rejeição do recurso por falta de conclusões.
Improcede a questão prévia suscitada pelo recorrido C….
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A questão da apelação
2. Há fundamento para rejeição liminar do procedimento cautelar requerido, por falta dos respetivos pressupostos?
A providência cautelar surge como meio de antecipação e preparação de uma providência ulterior, pelo que é um meio, e não um fim, destinando-se a obter medidas que assegurem os efeitos de um outro procedimento que há de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Tem, portanto, um carácter instrumental.
A providência cautelar justifica-se atento o periculum in mora, ou seja, com ela pretende-se defender o presumível titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva nos autos principais.
O seu carácter é, assim, provisório, na medida em que supre temporariamente, a falta da providência final.[9]
Estes procedimentos visam acautelar o efeito útil da ação a que alude genericamente o artigo 2.º do Código de Processo Civil, impedindo “que durante a pendência de qualquer acção, declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”[10]
O Requerente instaurou procedimento cautelar comum contra o Requerido tendo em vista uma decisão que o impeça de, por si, ou através de outrem, aprovar em assembleia geral da sociedade D…, Lda. qualquer proposta de deliberação de dissolução da sociedade e/ou aumento do seu capital social até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na ação principal.
Na ação principal, o Requerente invoca o incumprimento pelo Requerido da obrigação de transmitir para ele a propriedade de uma quota social de valor equivalente a 57% do capital social da D… que ele detém por a ter adquirido no âmbito de uma relação de mandato sem representação em que este se constituiu mandatário do Requerente e pede, em primeira linha, a declaração da execução específica do contrato de mandato, com a consequente transferência para o autor da propriedade daquela quota, no valor de €2.850,00.
A ação contém ainda um segundo pedido (B), que a sua procedência poderá conduzir à condenação do réu na resolução de um contrato de cessão de uma outra quota, de 34% do capital, com a consequente restituição ao autor, aqui Requerente.
Assim, na procedência daquela ação, o aqui Requerente, que ainda não é sócio da D…, tornar-se-á titular de um capital de 57%, ou mesmo de 91% do capital da sociedade. Mas, para tal, é necessário que o capital social da D… não sofra qualquer alteração até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferido no processo principal.
Ainda para justificar o seu pedido e prevenir a lesão grave do seu direito, alega o Requerente que o Requerido vai promover um aumento de capital social da D…, dos atuais €5.000,00 para €115.000,00, a realizar exclusivamente com novas entradas em dinheiro, com o único propósito de garantir para si uma posição maioritária no capital caso venha a decair na ação principal, uma vez que desse aumento resultará que a quota de €2.850,00 que o Requerente reclama como sua e pede ao tribunal que o reconheça como legítimo titular, representativa de 57% da atual cifra do capital social ficará reduzida à ínfima percentagem de €2,478%.
O Requerido age sem necessidade de se alterar no capital social, fazendo-o apenas para alterar as atuais participações sociais que estão consideradas na base dos pedidos formulados pelo Requerente na ação principal. Não ocorre a situação prevista no art.º 35º do CSC, ou seja, de a sociedade se encontrar numa situação de perda de metade do seu capital social.
Atualmente titular formal de uma quota de €4.500,00, representativa de 91% do capital da D…, o voto do Requerido é crucial para a tomada de deliberação que vise a alteração do contrato da sociedade, bastando o seu único voto para conseguir a alteração do capital social para o valor de €115.000,00 e, assim, reduzir a participação no capital que a sentença da ação principal venha a reconhecer ao autor de 57% para 2,478%, o que vale também relativamente à medida de dissolução da sociedade.
Pois bem…
Dispõe o nº 1 do art.º 380º do Código de Processo Civil que “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
A providência específica da “suspensão de deliberações sociais” visa antecipar determinados efeitos resultantes da sentença da ação (principal) declarativa, da nulidade ou da anulabilidade, prevenindo assim a execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida, mas suscetível de se repercutir negativamente na esfera jurídica do sócio ou da sociedade ou outra pessoa coletiva. Exerce uma função instrumental relativamente às ações de declaração de invalidade de deliberações sociais.
A causa de pedir desta providência deve respeitar a factos cujo apuramento sumário permita a conclusão, com grau de probabilidade necessário, pela verificação dos seus requisitos legais, traduzindo-se o pedido na suspensão dos efeitos da deliberação não executada ou ainda não integralmente executada. Faz sentido o seu uso quando a situação litigiosa tenha origem numa deliberação cuja execução se pretenda evitar, com a alegacão dos prejuízos que daí possam decorrer.
Compreende-se, pois, a determinação legal prevista no nº 3 do art.º 381º do Código de Processo Civil, de que, a partir da citação e enquanto não for julgado em l.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada, ou o que dela falta executar.
Para que a providência seja decretada, hão de verificar-se os pressupostos conaturais das providências, o fumus boni juris, correspondente, no caso, à probabilidade da verificação de um desses vícios geradores de nulidade ou de anulabilidade da deliberação, e o periculum in mora que a lei faz corresponder à verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida.
A legitimidade para a instauração do procedimento cautelar de suspensão da deliberação a lei depende da qualidade de sócio (art.º 380º, nº 1, do Código de Processo Civil) e a legitimidade passiva para a ação ou para a suspensão pertence unicamente à sociedade (art.º 60º, nº 1, do CSC.)[11]
Com toda a evidência, não é este o procedimento cautelar destinado a acautelar o direito que o Requerente invocou. Não só não tinha ele legitimidade ativa para instaurar a ação de invalidade de uma deliberação social ou o referido procedimento cautelar especificado, como a ação principal não visa qualquer desses fins, não está em causa a suspensão de qualquer deliberação social e não foi demandada a sociedade.
A Requerente não usou, e bem, do referido procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
Nenhum outro procedimento cautelar especificado se adequa às caraterísticas do caso concreto - sobretudo, face à necessária ponderação do risco de lesão especialmente prevenido por cada uma das providências específicas previstas na lei - , pelo que a única via possível de ação cautelar é a que o Requerente usou, ou seja, o procedimento cautelar comum ou providência cautelar não especificada, aquele que tem cariz residual. Portanto, aquele que constitui o instrumento apropriado à dedução e apreciação de pretensões de natureza cautelar que não têm guarida em qualquer dos restantes procedimentos.
O Requerente respeitou o princípio da legalidade das formas processuais, observando o que consta do nº 3 do art.º 362º do Código de Processo Civil.
Dispõe ainda o art.º 362º do Código de Processo Civil:
«1- Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2- O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
(…).».
Entendeu-se na decisão recorrida que o Requerente pretende “obter efeitos semelhantes aos de um procedimento de suspensão de deliberações sociais, sem que se verifiquem os respetivos pressupostos, relativamente a uma eventual deliberação social, à margem da necessária ponderação a efetuar por forma a harmonizar os interesses contrapostos, do Requerido, em cuja esfera jurídica se poderá repercutir de forma negativa a execução de uma deliberação social de aumento de capital ou de dissolução da sociedade, e a sociedade, que poderá sofrer uma perturbação e até mesmo um prejuízo com a suspensão da deliberação social, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal, tanto mais que não lhe é dada a possibilidade de exercer o respetivo contraditório, por não ser parte no presente procedimento, o que contraria o já mencionado princípio da legalidade das formas processuais”.
Acrescenta que, “ainda que assim não se entendesse, o eventual direito de propriedade de uma quota com o valor nominal de €2.850,00, atualmente representativa de 57% do capital social da sociedade D…, Lda., a adquirir por força da decisão final a proferir na ação principal, não confere ao Requerente o direito de interferir na sociedade à qual é alheio, através de uma limitação do direito de voto do Requerido, impedindo a sociedade de formar e exteriorizar livremente a sua vontade por meio de deliberação social, por forma a salvaguardar uma posição que o Requerente, neste momento, não tem, na referida sociedade”.
Ainda na perspetiva da sentença, a expetativa de aquisição do direito pelo Requerente não pode justificar a sua interferência na vida da sociedade através da imposição ao Requerido de um comportamento omissivo, impedindo-a de deliberar sobre os assuntos que o conjunto dos sócios entenda relevantes para o exercício da sua atividade, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida. Daí que o eventual direito a adquirir por força da decisão que vier a ser proferida na ação principal só possa ser exercido pelo Requerente no futuro, concluiu a sentença.
Invoca o Requerente a celebração de um contrato de mandato sem representação entre ele, na qualidade de mandante, e o Requerido, na qualidade de mandatário.
Estaremos, assim, perante uma situação de interposição real de pessoas: o interposto atua em nome próprio, mas no interesse e por conta de outrem, por força de um acordo entre ele e um só dos sujeitos. Devem cumprir-se duas finalidades: uma imediata, consistente em ato ou atos a praticar pelo mandatário e, normalmente por terceiros e uma mediata, através da qual o mandatário deve transferir, para o mandante os efeitos daquele ou daqueles atos. Enquanto os não transferir, o mandatário adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra (art.ºs 1157º, 1180º e 1181º, nº 1, do Código Civil).
O Requerido estará, por isso, na posse de 57% do capital social da D… que adquiriu em nome próprio, com a obrigação de o transferir para o Requerente em execução do mandato. Enquanto a transferência do direito não for efetuada, exerce o direito e assume as obrigações de corrente do negócio que efetuou com terceiro. Os direitos e obrigações decorrentes do negócio produzem-se na esfera jurídica do mandatário, que fica com a obrigação de os transferir para a pessoa por conta de quem age, ou seja, o mandante. É o mandatário que adquire os direitos e assume as obrigações dos atos que celebra, porém com a obrigação de os transferir para o mandante, por conta de quem agiu, através de um novo ato (alienação solutionis causa) cuja causa é precisamente a “causa mandati”.
Conforme a alegação do Requerente, o Requerido não cumpriu o mandato na parte em que deveria ter transferido para o primeiro as ações que adquiriu por conta dele. Não podendo nós adiantar o resultado da ação principal, a verdade é que lhe foi dada a configuração de uma ação de execução específica, pela qual se visa obter os efeitos da declaração negocial, ou seja, a transferência para o Requerente da propriedade de uma quota com valor nominal de €2.850,00, representativa de 57% do capital social da D… e respetivo registo oficioso na Conservatória do Registo Predial (pedido principal).
É, sem dúvida, uma ação constitutiva, destinada a autorizar uma mudança na ordem jurídica, mediante o exercício pelo Requerente de um direito potestativo.
O direito emergente de decisão a proferir pode justificar o recurso à providência cautelar comum, como resulta expresso no nº 2 do art.º 362º do Código de Processo Civil.
A este propósito, escreve A. Abrantes Geraldes[12]: “Na previsão normativa[13] foi tido em consideração que o risco de lesão decorrente de determinados comportamentos adoptados ou anunciados pode afectar, por vezes de forma irreversível, o efeito derivado do exercício judicial de direitos potestativos (…). Assim, tal como ocorre relativamente aos direitos já constituídos, se relativamente a tais direitos se mostrar “fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável”, também o seu titular poderá beneficiar da medida cautelar adequada a assegurar o efeito útil derivado do seu exercício jurisdicional.
Em casos como estes, na falta de providência que especificamente tutele a situação de “periculum in mora”, parecerá idónea a intimação do requerido a abster-se de actos que afectem o referido direito potestativo na sua consistência prática ou jurídica”.
Não é o efeito definitivo correspondente ao exercício do direito potestativo que pode ser alcançado imediatamente através do procedimento cautelar, mas tão-só acautelar a sua futura efetividade.
Deste modo, se é verdade que a função instrumental das providências cautelares implica necessariamente a limitação das medidas às situações de carência de tutela jurisdicional de um direito, excluindo simples expetativas jurídicas, não é menos verdade que aquela tutela se estende a posições juridicamente protegidas, como acontece com o exercício das ações constitutivas e o exercício de direitos potestativos, em que se inclui o caso aqui em análise.
É tempo de relembrar que o recorrente apenas pretende que ao recorrido seja imposto o dever de se abster de aprovar qualquer proposta de deliberação de dissolução da sociedade D… e o aumento de capital social em qualquer assembleia geral da sociedade, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na ação principal.
Quer o aumento do capital social de €5.000,00 para €115.000,00 através de novas entradas de dinheiro, quer a dissolução da sociedade por deliberação dos sócios, são, indiscutivelmente, relevantíssimos factos na vida societária.
Se o Requerido está obrigado a transferir para o Requerente uma quota no valor de €2.850,00, representativa de 57% do capital social da D… e se, em vez disso, enquanto gerente, convoca uma assembleia geral e usa da força daquela quota para conseguir a aprovação de um aumento de capital daquela dimensão, que deixa a posição do Requerente reduzida a um valor percetual de 2,478% do capital social, usa claramente de um poder, que já deveria ter transmitido ao mandante, para, com base nele, o colocar numa posição social extremamente fragilizada, minoritária, com violação do contrato de mandato.
Este efeito, alegadamente conduzido pelo Requerido, constitui uma lesão grave e dificilmente reparável do direito do Requerente, pois que, enquanto não houver decisão definitiva na ação principal, permite que uma “nova maioria de capital” se forme à revelia e contra o interesse do Requerente e tome deliberações a ele desfavoráveis na pendência daquela ação, designadamente a dissolução da sociedade ao arrepio da sua vontade, por ainda não ser sócio, quando, na realidade, conforme a sua alegação, tivesse o mandatário cumprido a sua obrigação, estaria a ocupar uma posição confortável como sócio da D…, com uma quota de 57% do capital social.
A ser verdade o que o recorrente alega nas alegações, de que na assembleia geral que teve lugar no dia 5 de dezembro de 2017, foi efetivamente deliberado o aumento do capital social da D… em €110.000,00, elevando-se de €5.000,00 para €115.000,00 (deliberação que é objeto de ação cautelar de suspensão pedida por um dos sócios), já não será possível evitar neste procedimento aquela aprovação. Todavia, ainda é possível prevenir outras deliberações que, também com base na força de voto que a quota que deve ser transmitida ao Requerente confira em deliberação, designadamente para evitar a dissolução da sociedade.
Com a providência cautelar, a sociedade não ficará impedida de exercer a sua atividade, enquanto se acautela um interesse legítimo de alguém que já deveria estar a ocupar a sua posição de sócio, contra alguém que, abusivamente, o está a impedir de o fazer.
Neste circunstancialismo, não deve confundir-se o procedimento específico de suspensão de uma deliberação já tomada, com o procedimento comum que visa proteger um direito de acesso a uma determinada posição social e evitar que, na sua ausência e enquanto não ocupar a sua legítima posição, se tomem decisões (deliberações) em que deveria intervir e que podem frustrar o efeito visado pela ação principal.
Obviamente, estamos a laborar sobre a alegação do Requerente para decidir se a providência deve ser liminarmente admitida. Está pela frente toda uma discussão que deverá observar o contraditório - o Requerido já apresentou a sua oposição - em ordem a uma decisão final conscienciosa. E esta, a proceder a pretensão do Requerente --- na parte em que ainda não haja inutilidade superveniente -, poderá passar pelo afastamento do peso da quota que o Requerido já deveria ter transferido para o Requerente nas deliberações sociais que futuramente forem tomados na D….
Afigura-se-nos que há condições de admissibilidade do procedimento cautelar comum instaurado pelo Requerente e, não o tendo sido, deve agora ser admitido.
A apelação procede.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento normal do procedimento.
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Custas da apelação pelo recorrido.
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Porto, 26 de abril de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante também designada por “D…”.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2012, proc. 2384/10.3YXLSB.L1-7, in www.dgsi.pt.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2013, pág. 117.
[4] Acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015, proc. 158/11.3TBSJP.C1, in www.dgsi.pt, citando outra jurisprudência.
[5] Acórdão da Relação de Guimarães de 20.11.2014, proc. 1016/10.4TBVVD.G1, in www.dgsi.pt.
[6] Guia de Recurso em Processo Civil, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 125.
[7] A. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 119.
[8] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.2012, proc. 1314/07.4TBCTB.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Acórdão da Relação de Lisboa de 31.1.2013, proc. 1357/12.6TYLSB.L1-8, in www.dgsi.pt.
[10] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 23.
[11] A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 4ª edição, IV volume, pág. 90.
[12] Ob. cit., vol. III, pág. 92.
[13] Refere-se ao art.º 381º, nº 2, do anterior Código Civil (atual nº 2 do art.º 362º).