Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
329/11.2TTPRT.3.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: PENSÃO REMIDA
REVISÃO DA INCAPACIDADE
AGRAVAMENTO DA INCAPACIDADE
DIFERENÇA DEVIDA
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
IPATH
Nº do Documento: RP20200427329/11.2TTPRT.3.P1
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO E RECURSO SUBORDINADO PROCEDENTES; REVOGADA A DECISÃO NA PARTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- Extinguindo a entrega do capital da remição o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada, estando assim extinto o direito àquela pensão em consequência da remição, mas tendo sido aumentado o valor global da pensão em virtude da revisão da incapacidade, o que será devido ao sinistrado terá de corresponder à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resultou da revisão.
II- A atribuição do fator de bonificação de 1,5, previsto no n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI é cumulável com uma IPATH (incidindo o referido fator sobre o coeficiente de desvalorização de IPP para o exercício de outra profissão).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 329/11.2TTPRT.3.P1
Sinistrado: B…
Seguradora: C…, Companhia de Seguros, S.A.
_______
Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
____________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… apresentou em 18 de janeiro de 2018 requerimento de revisão da incapacidade de 10% que lhe foi fixada nos autos, sustentando que ocorreu um agravamento da sua situação de incapacidade.

1.1 Determinada a realização de exame médico singular o Perito Médico considerou que a IPP anteriormente atribuída se mostra adequada ao estado atual do Sinistrado, mantendo a IPP de 10% que fora atribuída.

1.2 Devidamente notificadas as partes, o Sinistrado, por não se conformar com o resultado do exame singular, apresentou, no prazo legal contido no nº 4 do artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), requerimento para realização de exame de revisão por Junta Médica.

1.3 Realizado o exame por Junta Médica da especialidade de ortopedia, os Peritos concluíram, por maioria, que o Sinistrado padece de uma IPP de 10%, com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua atividade habitual – motorista.

1.4 Com data de 18 de novembro de 2019 o Tribunal a quo proferiu decisão na qual considerou que “o Sinistrado viu agravado o seu estado clínico, padecendo de uma IPP de 10% com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua atividade habitual – motorista fixada, a partir de 18 de janeiro de 2018, data da entrada do pedido de revisão (fls. 272).”
Mais fez constar dessa decisão, citando, o seguinte:
“Pelo exposto, julgo procedente o presente incidente de revisão.
A este propósito estabelece o nº 2 do artº 48º da LAT que “a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho”, sendo os seus montantes determinados de acordo com as alíneas a) e b) do nº 3 do citado preceito.
Assim, quando do acidente resultar uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o trabalhador tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % a 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Considerando que o sinistrado auferia uma retribuição anual de € 13.584,56 tem direito a receber, por força da IPP de 10 % com IPATH de que é portador, a pensão anual de € 7.063,97 (€ 13.584,56 x 70%) – (€ 13.584,56 x 50%) x 10% = 271,69 + 6792,28, com início a 18 de janeiro de 2018.
Face ao disposto na al d), do nº 1 do artº 47º e do artº 67º da LAT/2009, tem ainda os sinistrados direito a receber um subsídio por situação de elevada incapacidade, quando fiquem afetados de incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%, sendo que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, como é o caso dos autos, confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre os 70% e os 100% de doze vezes o valor de 1.1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, de acordo com o nº 3 do citado preceito.
Assim sendo, o subsídio, no caso dos autos, ascende a € 4.039,6 (€ 419,22 x 1.1 x 12 meses) – (419,22 x 1.1 x12 x 70%) x 10%) = 166,01+3873,59, e que é pago de uma só vez, no mesmo momento.
Em consequência, decido em consequência da IPP de 10% com IPATH, fixar a pensão anual e vitalícia a receber pelo Sinistrado em € 7.063,97.
Em consequência da IPATH de que padece, terá a receber o Sinistrado, de uma só vez, subsídio por situação de elevada incapacidade, no montante de € 4.039,6.
Custas pela seguradora responsável, com taxa de justiça mínima.
Notifique.
Valor do incidente para efeito de custas: € 11.103,57.”

2. Não se conformando com o decidido, a Seguradora interpôs o presente recurso, que conclui no sentido da sua procedência, com a consequente alteração da decisão recorrida.
Formula as conclusões seguintes (transcrição):
“1) Quando, no exercício do direito de revisão integrado na reparação casuística de um concreto acidente de trabalho, comprovadamente se constate ter havido lugar a situação e agravamento de incapacidade, impende sobre o que se mostre ser concreto Juiz-decisor o dever de aumentar a pensão na medida desse agravamento, de conformidade com o disposto no artigo 145º, nº6 e sob assento no previsto no artigo 70º, nº1 da Lei 98/2009;
2) E, a verificar-se tal agravamento de incapacidade com a consequente e correspondente aumento da pensão, haverá sempre que deduzir a primeira pensão fixada daquela que for a pensão devida na medida desse agravamento, sob pena de uma reparação metodologicamente majorada e sem contemplação legal;
3) Essa metodologia de dedução na medida da diferença entre a pensão inicial “versus” pensão agravada far-se-á sempre, ainda que aquelas hajam sido convertidas em capital de remição.
4) No enquadramento do decidido no caso sub judice, o Mmo Juiz a quo condenou a Recorrente ao pagamento, a favor do sinistrado-Recorrido, duma pensão que resulta do merecimento dum agravamento de incapacidade mas fixou-a em valor sem dedução das antecedentes pensões que vigoraram nesse caso sub judice;
5) Com isso e por via disso o Mmo Juiz a quo enviesou a bissetriz entre o postulado de justo direito à reparação dum lado, e a devida e adequada medida da reparação, do outro lado, atropelando a aplicação casuística dos mecanismos previstos nos artigos 23º, b), 47º, nº 1, c), 48º, nº 3, b) e c), 56º, nº 1, 70º, nº 1 e 2, todos daquela Lei nº 98/2009;
6) Além de que o Mmo Juiz a quo desrespeitou as limitações axiológico-normativas previstas nos artigos 152º, nº 1, ex vi 607º, nº 3, do C.P.C. e naquele artigo 145º, nº 6 do C.P.T.;
7) Impondo-se, consequentemente, a revogação daquele douto despacho de fls... que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido a pensão anual de €7.073,97, por traduzir quantum indevido, porque inflacionado, na medida em que não operou a dedução das antecedentes pensões de que, nas concretas vicissitudes do caso sub judice, beneficiou o Recorrido, exigindo-se aquele ex lege obrigatória operação de dedução.”

2.1 Contra-alegou o Sinistrado, apresentando ainda recurso subordinado, em que argui a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Formulou as conclusões que se transcrevem de seguida:
“1 – A decisão recorrida julgou com acerto quando não procedeu a dedução de quaisquer indemnizações anteriormente atribuídas ao sinistrado;
2 - O sinistrado, ora recorrente, requereu, em 18 de Janeiro de 2018, a revisão da sua incapacidade com base no agravamento das lesões sofridas em acidente de trabalho ocorrido a 30-08-2010;
3 - Realizado o exame por Junta Médica da especialidade de ortopedia, os Senhores Peritos concluíram, por maioria, que o Sinistrado padece de uma IPP de 10% com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua atividade habitual (IPATH) – motorista;
4 - A decisão omite a aplicação do fator de bonificação de 1,5% a aplicar no caso vertente;
5 – Uma vez que a IPP para outro tipo de trabalhos deve ser majorada pelo fator de bonificação de 1,5 conforme o disposto no artigo 5.º, alínea a) das “Instruções Gerais” constante na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, por não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho;
6 - Tem sido jurisprudência pacífica que é de aplicar o factor 1,5 ao sinistrado afetado de uma IPATH, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer nomeadamente do Tribunal da Relação do Porto, sobretudo após a publicação do Acórdão do STJ nº10/2014, que veio uniformizar a jurisprudência;
7 - Refere a fundamentação do citado Acórdão, “o segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente”, mais referindo que “os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho”;
8 - Temos deste modo que sendo de aplicar o factor de bonificação à I.P.P. restante, a mesma passa a ser de 15%;
9 - Assim, haverá que calcular a pensão anual e vitalícia nos seguintes termos: (€13.584,56 x 70%) - (€13.584,56 x 50%) x 15% = 407,54 + 6792,28 = € 7.199,82;
10 - Omitindo a decisão tal fator de bonificação, a mesma encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que a MM.ª Juíza deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, cfr. art. 615.º, n.º 1 al. d) do CPC e ponto n.º 5, al. a), das Instruções da TNI.
TERMOS EM QUE, concedendo-se provimento ao recurso, dever-se-á substituir a decisão recorrida que, considerando a majoração do fator de bonificação, se declare que o sinistrado é portador de IPP de 15% e se atribua uma pensão anual e vitalícia no montante de € 7.199,82, calculada nos termos do art. 48.º da Lei 98/2009, de 4-09 (LAT).
Tudo o que confiadamente se espera resulte da serena e esclarecida reflexão de V.ªs Ex.ªs como é de JUSTIÇA!”

2.1.1 A seguradora não respondeu ao recurso subordinado.

2.2 Com data de 28 de janeiro de 2020, o Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Da invocada nulidade: salvo o devido respeito por contrária opinião, a decisão não é nula por omissão de pronúncia, uma vez que a IPP à qual se pretende a aplicação do fator de bonificação se manteve nos exatos termos em que havia sido fixada por decisão de 7 de janeiro de 2016.
A alteração ora determinada tem apenas a ver com a IPATH à qual não se aplica aquele fator.
Veio a Seguradora C… – Companhia de Seguros, SA oferecer apólice de seguro de caução de fls. 413, com vista a ser fixado efeito suspensivo ao recurso.
Notificado o Sinistrado nada opôs.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 988º nº 2 do Código de Processo Civil, julgo idóneo o modo pelo qual a Seguradora presta caução e face valor da mesma, julgo-a validamente prestada.
Por estarem em tempo terem legitimidade os recorrentes e a decisão ser passível de recurso, admito os mesmos que são de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, sustenta a procedência de ambos os recursos.
*
Cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso principal: saber se à pensão fixada por decorrência do agravamento da incapacidade deve ser deduzida a pensão antes fixada e objeto de remição (recurso principal); (2) recurso subordinado: saber se é de aplicar o fator 1,5 em caso de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

III - Fundamentação
A) Os elementos de facto a considerar resultam do relatório que anteriormente se elaborou.

B) Discussão
1. Recurso principal / Seguradora
A única questão sujeita à apreciação deste Tribunal da Relação no recurso principal, em face das conclusões apresentadas pela Recorrente, prende-se com saber se a decisão recorrida não aplicou adequadamente o direito pelo facto de não ter deduzido à pensão fixada por decorrência de agravamento da incapacidade a pensão anteriormente fixada e já objeto de remição.
Pronunciando-se o Recorrido pela adequação do julgado, desde já adiantamos que não lhe assiste razão, sendo que, pelo contrário, diversamente do decidido, tal como aliás o sustenta a Recorrente, no que é acompanhada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, a decisão recorrida não aplicou adequadamente o direito quanto à questão que nos é colocada.
Na verdade, dentro do quadro normativo aplicável, de resto constante da decisão recorrida, como tem sido reconhecido na jurisprudência, não afetando o pedido de revisão da pensão a circunstância de ter ocorrido remição da pensão previamente à apresentação do pedido de revisão[1], impõe-se porém ter presente que a entrega do capital da remição extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada, pelo que, estando assim extinto o direito àquela pensão em consequência da remição, mas tendo sido aumentado o valor global da pensão em virtude da revisão da incapacidade, encurtando razões, socorrendo-nos do afirmado no acórdão desta Relação e Secção de 16 de Janeiro de 2017[2], relatado pelo também aqui relator, o que será devido então ao sinistrado “terá de corresponder à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resultou da revisão”.[3]
Procede em face do exposto, o recurso, sem prejuízo termos de atender ao que resultar da apreciação do recurso subordinado, apreciação que faremos de seguida, bem como, após, quanto à fixação do exato valor da pensão devida, se os presentes autos contém os elementos necessários para tais efeitos.

2. Recurso subordinado / Sinistrado
A questão sujeita à apreciação deste Tribunal no recurso subordinado, em face das conclusões apresentadas pelo Recorrente, prende-se com saber se a decisão recorrida incorre no vício de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter aplicado o fator de bonificação 1.5, por decorrência de ter sido considerado que o Sinistrado está afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual – artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, e ponto n.º 5, al. a), das Instruções da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
Não ocorrendo pronúncia pela Recorrida, mas tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu acompanhado o Recorrente, por entender que ao mesmo assiste razão, divergido da pronúncia do Tribunal a quo aquando da admissão do recurso, desde já adiantamos que ocorre efetivamente a invocada nulidade.
O vício invocado, de omissão de pronúncia – alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC: “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”–, como é consabido, tem a ver diretamente com o âmbito e limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[4].
No caso que se aprecia, estamos perante um dever de conhecimento oficioso, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis, matéria subtraída à disponibilidade das partes – artigo 12.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT), ou seja, não está dependente sequer de invocação das partes, razão pela qual, não resultando da decisão recorrida qualquer referência ao invocado fator de bonificação, incluindo para justificar a razão por que não seria de aplicar no caso, estamos de facto perante um caso de omissão de pronúncia, tanto mais que, como o entendemos, esse deveria ter sido aplicado.
Para justificarmos a nossa posição, por o entendermos por bastante, socorremo-nos mais uma vez de jurisprudência desta Secção, assim no caso o Acórdão de 13 de fevereiro de 2017[5], nos termos que seguidamente se transcrevem:
“(...) importa também apreciar da questão, que é de natureza meramente jurídica e de conhecimento oficioso, de saber se a atribuição e tal fator é ou não cumulável com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH). (...)
A questão da possibilidade de cumulação da IPATH com a atribuição do fator de bonificação de 1,5 não é nova, sendo a jurisprudência do STJ uniforme e reiterada no sentido de que nada impede tal cumulação, acórdãos esses de que citamos, a título exemplificativo, os de 19.03.2009, Processo 08S3920, de 29.03.2012, proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt e que passaremos a transcrever:
3.2.1. Assim, no primeiro dos mencionados Acórdãos (19.03.2009), refere-se que:
“2. Importa, então, ajuizar se, ocorrendo incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, na determinação do valor final da incapacidade é aplicável uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
No domínio de aplicação da sobredita TNI, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, da 4.ª Secção (Secção Social), cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, da 4.ª Secção, que concluiu no sentido de que «[t]endo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este «incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do [seu] artigo 17.º» (…)
Para que se verifique a falada bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que a sinistrada desempenhava as funções de trabalhadora rural e que, em consequência das lesões sofridas no acidente, apresentava «[r]igidez do ombro direito e sequelas de lesão do nervo circunflexo», sendo-lhe atribuída a «IPP de 31,8%, com incapacidade para a profissão habitual», pelo que, atentas as funções exercidas pela sinistrada, verifica-se perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do seu posto trabalho.
Assim sendo, e porque a sinistrada nasceu em 7 de Abril de 1952, tendo, à data do acidente e da alta, mais de 50 anos, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o questionado factor 1,5 de bonificação.

Tal como pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não se justifica «que se faça uma interpretação diferente quando estamos ou não estamos perante uma situação de IPATH. Na verdade, mal se compreende que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, pelo menos, teoricamente, em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja, e é o caso, quando o trabalhador já ultrapassou uma determinada idade (mais de 50 anos), devendo tal esforço ser também […] compensado com a aplicação do factor de bonificação aqui em causa.»».
3.2.2. No segundo dos Acórdãos citados (29.03.2012), diz-se que:
«(…) Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como pretende a seguradora recorrente, porquanto uma coisa é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação. No caso, resulta da factualidade apurada que o sinistrado foi vítima de um acidente quando, como supervisor de construção, procedia à verificação /orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e este partiu, tendo caído de cabeça no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram uma IPP de 53% (0,53), com IPATH.
Ora, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”. [sublinhado nosso]
3.2.3. E, no mesmo sentido, no terceiro dos Acórdãos mencionados (05.03.2013) refere-se o seguinte:
«“Não se sufragando a solução eleita no Acórdão sub judicio – como se adianta desde já – os conhecidos argumentos da recorrida, respeitáveis embora, não são seguramente razão bastante, susceptível de induzir-nos à reponderação/alteração do entendimento, há muito firmado e mantido, de modo reiterado e pacífico, neste Supremo Tribunal e Secção.
Com efeito – como ainda recentemente se proclamou no Acórdão de 24.10.2012, tirado na Revista n.º 380/10.4TTOAZ.P1.S1, em que interviemos e que, por óbvias razões, acompanhamos de muito perto –, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do art. 17.º da LAT/Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, podendo cumular-se os benefícios nela estabelecidos.
Valendo aqui igualmente a fundamentação expendida (e oportunamente usada também no Acórdão desta Secção tirado na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 29.3.2012, a que se alude no Aresto acima citado), transcrevemos dele o excerto seguinte:
(…)
Considerando apenas como relevante a verificação de um dos dois requisitos postulados – …sem embargo de, à data em que é reconhecida a diminuição decorrente da IPATH, o sinistrado já ter mais de 50 anos – diremos, como também se concluiu e aqui se não discute, que, atenta a natureza da actividade profissional por si desenvolvida e as lesões permanentes de que ficou afectado, a hipótese da reconversão profissional do sinistrado, relativamente ao seu posto de trabalho, não seria realmente equacionável, resultando aliás como corolário inevitável da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
A equânime compreensão da realidade subjacente a ambas as situações não consente outra leitura da falada Instrução da TNI, ou seja, não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos – usando as palavras certas do citado Acórdão de 24.10.2012 – haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo por isso o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Procedem, assim, as conclusões da motivação recursória, pelo que, sendo devida a bonificação do valor final da incapacidade, multiplicada, por isso, pelo factor 1,5, o ajuizado em contrário não pode subsistir, havendo que revogar o respectivo segmento decisório do Acórdão sob censura.». [realce a negrito nosso]
3.2.4. Por fim, mas não menos importante, o STJ, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.», referindo-se, a dado passo da sua fundamentação, que:
“(…) aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
(…)
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
(…)”
3.3. Do transcrito decorre, pois, que não existe incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e do fator de bonificação, sendo aquela uma das situações típicas em que, precisamente, deverá ser atribuído tal fator. Mais decorre que a irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Com efeito, o requisito relativo à irreconvertibilidade no posto de trabalho reporta-se ao “posto de trabalho” do sinistrado, ou seja, ao conjunto de funções que integram a atividade profissional que o mesmo desempenhava, pelo que, se foi ao sinistrado atribuída uma IPATH, tal significa, necessariamente, que o mesmo está, de forma permanente e absoluta, incapacitado para desempenhar a sua atividade profissional habitual; e se assim é, não se vê como possa o mesmo ser reconvertível nessa mesma atividade/posto de trabalho.
Deste modo, e em conclusão, a existência de IPATH não é incompatível com a atribuição do fator 1,5, pelo que, ainda que com fundamento diferente do considerado pela junta médica, é de manter a atribuição de tal fator. (...)”

Como referimos antes, acompanhamos o citado entendimento.
Daí que, voltando ao caso, não se questionando que a IPP do Sinistrado / aqui recorrente seja de 10%, da consideração de que ocorre agora, ex novo pois em relação ao seu estado anterior, uma situação de IPATH, daí resultará, em face do entendimento que antes se expôs e que sufragamos, que deve então ser bonificada a IPP com o fator de bonificação 1,5, do que resulta ser a IPP a considerar neste caso, para efeitos de cálculo do valor da pensão, a de 15% (10% x 1,5).
Por decorrência, aplicando então o critério legal, assim o que se dispõe na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT)[6], considerando que o Sinistrado auferia uma retribuição anual de € 13.584,56, o valor anual da nova pensão, por força da IPP de 15 % com IPATH de que é portador, será o de €7199,82[7] – tal como indicado pelo Recorrente –, atualizável nos termos legais.
No entanto, como decidido anteriormente aquando da apreciação do recurso principal, o que será devido ao Sinistrado apenas corresponderá à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resultou da revisão”.
Porque assim é, importando fazer os necessários cálculos, constata-se porém que os autos não contém, nesta sede recursiva, o que seria imprescindível, os necessários elementos para tais efeitos. De facto, apesar de a Recorrente indicar valores, nada resulta a esse respeito da decisão recorrida, como não resulta dos elementos com que se encontra instruído o presente recurso.
Deste modo, importa determinar que nesta parte o Tribunal a quo, aplicando os critérios determinados neste acórdão, proceda ao cálculo da pensão que é devida ao Sinistrado, deduzindo ao valor a que chegámos anteriormente, o da pensão ou pensões anteriores, ainda que tenham sido objeto de remição.
No que se refere a custas, não sendo de determinar no recurso subordinado – em face da sua procedência, sem que a Recorrida tenha deduzido oposição, no que se refere ao recurso principal, são essas a cargo do Recorrido, sem prejuízo de benefício ou isenção de que porventura goze.
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IV – DECISÃO
Nos termos expostos, decidem os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência de ambos os recursos, principal e subordinado, mantendo-a no mais, em revogar a decisão recorrida, sendo essa substituía por este acórdão, determinando-se, quanto ao valor da pensão anual que é devida ao Sinistrado, com início em 18 de janeiro de 2018, estando ainda sujeito às legais atualizações, que esse valor deve ser determinado pelo Tribunal a quo, através de uma operação de dedução, ao valor anual de €7199,82, que corresponde à pensão a atribuir por força da IPP de 15 % com IPATH, do valor da pensão ou pensões anteriormente fixadas objeto de remição.
Não sendo devidas no recurso subordinado, a responsabilidade sobre custas, quanto ao recurso principal, impende sobre o Recorrido, sem prejuízo de benefício ou isenção de que porventura goze.

Porto, 27 de abril de 2020
(acórdão assinado digitalmente pelo relator e 1.ª adjunta, constando manifestação de concordância da 2.ª adjunta em documento autónomo, por impossibilidade técnica de a mesma assinar digitalmente)
_________________
[1] Muito embora no domínio da Lei n.º 1942 a jurisprudência se tenha dividido sobre esses casos (veja-se Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., Lisboa, 1983, págs. 118-119), quer na vigência da Lei n.º 2127, quer na vigência da Lei n.º 100/97, o legislador consagrou expressamente, nos respectivos diplomas regulamentares, a solução de que a remição não prejudica o direito do sinistrado às prestações em espécie, nem o direito a requerer a revisão da sua pensão (artigos 67.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, e 58.º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril) – veja-se também o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 161/2009, in www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos.
[2] Apelação 1681/12.8TTPRT.1.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido, para além de outros, apenas desta Secção, também disponíveis in www.dgsi.pt:
- O recente Ac. RP de 9 de Janeiro de 2020, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção dos aqui Relator e 1.ª Adjunta, em que se refere que “(...) antes de se proceder às actualizações que sejam devidas é necessário encontrar o seu valor, para tanto calculando-se a pensão correspondente à nova incapacidade agravada e depois deduzindo-se-lhe o valor da pensão primitiva que foi objecto de remição. A pensão remanescente não é mais do que a diferença entre esses valores”;
- O Ac. RP de 11 de Abril de 2019, Relator Rui Penha; com intervenção do aqui relator como adjunto.
[4] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[5] In www.dgsi.pt, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, com intervenção como adjunto do aqui relator.
[6] Em que se dispõe: “Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: (...) b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;”
[7] Por aplicação dos seguintes cálculos:
- €13.584,56 x 70% = €9509,19
- €13.584,56 x 50% = €6.792,28
- €9509,19 - €6.792,28 = €2716,91
- €2716,91 x 15% = €407,54
- €6.792,28 + €407,54 = 7199,82