Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
268/22.1PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMÉLIA CATARINO
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
FINALIDADES DA PENA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
PENA DE MULTA
Nº do Documento: RP20230111268/22.1PDPRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No caso vertente, a pena de multa não se mostra adequada nem suficiente para atingir as finalidades da punição, pois são prementes as necessidades de prevenção especial (porquanto o arguido já sofreu condenações anteriores, por crime de desobediência, o que demonstra que não se deixa intimidar com a aplicação das sanções penais), e também as de prevenção geral, face à necessidade de assegurar o respeito pela autoridade do Estado e pelas ordens legitimamente emanadas das autoridades, não relevando a confissão do arguido para afastar a ilicitude do facto, que se considera acima da média tendo em conta o número de quilómetros percorrido com a viatura (quase 2 mil em pouco mais de um mês), sem seguro de responsabilidade civil e colocando em perigo a vida dos demais condutores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 268/22.1PDPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local de Pequena Criminalidade, juiz 2
Relatora: Amélia Catarino

SUMÁRIO
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Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No Processo Sumário (artº 381º, do CPP) Processo nº 268/22.1PDPRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local de Pequena Criminalidade, juiz 2, foi proferida sentença, com data de 06.07.2022, depositada na mesma data, com a seguinte:

“IV- Decisão.
Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar o arguido AA, pela prática, em 06.07.2022, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão que, nos termos do disposto no artº 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, se suspende na sua execução pelo período de 1 (um) ano;”

Inconformado o Ministério Público veio interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1.º O presente recurso tem como objeto a douta sentença proferida nos presentes autos, sob a referência 438551728, junta a fls. 74 a 75, por via da qual foi o arguido AA condenado na pena de 3(três) meses, suspensa na sua execução pelo período de 1(um) ano.
2.º Versa o presente recurso sobre matéria de Direito, entendendo-se que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.
3.º Peca por excesso a condenação do arguido naquela pena, pois que, na operação de escolha da pena, ínsito ao artigo 70.º do Código Penal, o Tribunal a quo excedeu a culpa do agente e as necessidades ínsitas à punição.
4.º Sendo certo que o arguido tem já antecedentes criminais e, em concreto, por um crime da mesma natureza, nessa condenação ao mesmo foi previamente aplicada uma pena de 40(quarenta) dias de multa, fixando-se no primeiro terço da moldura abstrata do ilícito a que foi condenado.
5.º As penas (principais ou acessórias) visam, por um lado, a satisfação das necessidades de prevenção geral positiva ou de reintegração [a reafirmação da confiança comunitária na vigência das normas jurídicas violadas que tutelam a proteção de bens jurídicos] e de prevenção especial positiva ou de socialização [a ressocialização e reintegração do agente na sociedade] e, ao nível do limite da culpa, visam a satisfação da prevenção geral negativa ou de intimidação [dissuasão de cometimento de crimes pela sociedade] e de prevenção especial negativa ou de inocuização [dissuasão de cometimento de crimes por parte do agente delinquente].
6.º Sopesando a matéria de facto julgada provada, os bens jurídicos tutelados com a incriminação, a gravidade do ilícito e a moldura penal abstratamente aplicável entende-se que o Tribunal a quo deveria, ainda assim, ter optado pela aplicação ao arguido, de uma pena de multa em detrimento de uma pena privativa da liberdade, ainda que esta houvesse sido suspensa na sua execução.
7.º A assim ser, mais se entende que tal pena de multa deveria ser fixada no último terço da moldura e, como tal, condenar-se o arguido em pena de multa a fixar entre 100(cem) e 120(cento e vinte) dias, à razão diária de 6,00Eur (seis euros).
8.º Impondo-se, assim, e em consequência, a revogação, nesta parte, da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene o arguido nesses termos.
9.º Com efeito, uma pena de prisão, ainda que substituída por suspensão na sua execução, nunca deixa de ser uma prisão e um eventual incumprimento redunda necessariamente num encarceramento do arguido, devendo, pois, ser a última e derradeira imposição do Tribunal sempre que o ilícito previr, em alternativa, a punição com multa penal.
10.º Em face do que, julgando V. Exas. procedente o presente recurso e, assim, revogando a douta sentença recorrida na parte apontada e substituindo-a por outra que condene o arguido AA numa pena de multa a fixar entre 100(cem) e 120(cento e vinte) dias, à razão diária de 6,00Eur (seis euros), farão, como sempre, a tão acostumada JUSTIÇA.”

Admitido o recurso, o arguido não veio apresentar resposta.

Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, atenta a manifesta falta de razão do recorrente.

Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Fundamentação
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objecto apreciar:
- Se a pena de prisão aplicada ao arguido é excessiva e se deve ser-lhe apicada uma pena de multa em detrimento de uma pena privativa da liberdade.

II.1. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, que se transcrevem:
“1. No âmbito de ação de fiscalização levada a cabo pela Polícia de Segurança Pública do Porto no dia 15.06.2022, pelas 115h04m, na Rua ..., no Porto, foi o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-NA, marca Seat, modelo ..., apreendido ao arguido AA, que o conduzia, porquanto não era tal veículo objeto de seguro de responsabilidade civil obrigatória, tendo sido, de imediato, lavrado o competente auto de apreensão no âmbito do processo contraordenacional n.º ... pela Polícia de Segurança Pública.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo automóvel marcava no seu conta-quilómetros o valor de 220.6755km.
3. Não obstante a apreensão efetuada, devidamente dada a conhecer ao arguido, foi o mesmo constituído fiel depositário daquela viatura, sendo imediatamente advertido da obrigação de entregar a viatura quando tal lhe fosse exigido e, ainda, de que não a poderia utilizar ou alienar por doação, venda ou por qualquer outra forma, enquanto se encontrasse tal viatura apreendida e à sua guarda, mais se lhe dando a conhecer de que deveria diligenciar pelo levantamento da apreensão efetuada.
4. Mais foi dito ao arguido, nessas circunstâncias de tempo e lugar que, se praticasse algum dos factos indicados em 3., designadamente, se utilizasse aquela viatura, incorria o mesmo na prática de um ilícito criminal, concretamente, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal, facto do qual o arguido foi devidamente esclarecido e ficou ciente.
5. Sucede que, nesse mesmo dia 06.07.2022, pelas 10h40m, o arguido exercia a condução daquele veículo com a matrícula ..-..-NA, o que fazia na Rua ..., no Porto, encontrando-se, naquele momento, ainda existente a aludida apreensão porquanto o arguido não havia diligenciado pelo seu levantamento.
6. Tal viatura tinha marcado no seu conta-quilómetros, à data da interceção do arguido, o valor de 222.530kms, tendo o mesmo conduzido com aquela viatura o total de 1.855Km.
7. O arguido sabia que ao conduzir, como conduziu, na via pública, aquela viatura, encontrando-se a mesma apreendida, o fazia contra e em desrespeito de ordem e imposição que expressamente lhe foi dirigida aquando da apreensão do veículo, naquele dia 15.06.2022, do qual foi devidamente notificado e declarou ter ficado ciente, assim como sabia que tal determinação de apreensão e proibição de condução foram proferidas por autoridade policial, com competência para o efeito, e de que lhe fora efetuada expressa cominação de que, se utilizasse a indicada viatura, incorria em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência.
8. Não obstante, conhecedor de todas as essas circunstâncias, o arguido agiu nos termos supra descritos, porque quis, tendo plena capacidade para se determinar de modo distinto.
9. Agiu, assim, de forma livre, deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e por lei penal punida, querendo, ainda assim, praticar os factos, como veio a praticar.”
10. Por sentença proferida em 07.07.2021, no âmbito do processo n.º 674/19.9GBVNG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 4, transitada em 22.09.2021, pela prática, em 30.07.2019, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00Eur, já declarada extinta em 25.10.2021;
11. Por acórdão proferido em 19.04.2022, no âmbito do processo n.º949/20.4GBVNG, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, transitada na mesma data, pela prática, em 18.11.2021, como autor material de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, na pena de 4 anos e 3meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5anos, sob regime de prova – assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, subordinada ao dever de o arguido se submeter a tratamento (se necessário internamento) à sua condição de toxicodependente até que lhe seja dada alta médica – e, em concurso real e efetivo, como autor imediato e sob a forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00Eur e de um crime de desobediência, na pena de 40 dias de multa, à mesma taxa diária, e, em cúmulo, na pena de multa única de 175 dias, à taxa diária de 5,00Eur.
12. O arguido tem o 9º ano de escolaridade, é solteiro, vive com a sua mão, trabalha na construção civil auferindo 630,00 euros por mês, entregando à sua mãe a quantia de 150,00 euros por mês.”

II.2. Do Recurso.
Nas suas alegações recursivas o recorrente entende que a pena concretamente aplicada ao arguido é excessiva excedendo a culpa do arguido, violando o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que lhe aplique uma pena de multa entre os 100 e os 120 dias de multa, à taxa diária de €6,50.
Vejamos.
O arguido foi condenado pela prática, em 06.07.2022, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, nos termos do disposto no artº 50º, nº 1 e 5 do Código Penal.
Como é sabido, os recursos, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, são sempre “remédios jurídicos”. E também em matéria de pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que a Relação intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação ou aplicação das normas e princípios legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância, pois o recurso não visa, não pretende, e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal a quo enquanto componente individual do acto de julgar.
É sabido que a aplicação de penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 1 e nº 2, do C. Penal), sendo que a protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos.
No caso em apreço, o crime de desobediência é punido em alternativa com pena de multa e pena de prisão (artigo 348º, do CP).
Prevendo o crime a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa importa atender ao disposto no art.70.º do CP, o qual erigiu como critério de orientação geral para a escolha da pena, que o tribunal dê preferência à pena de multa sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E, de acordo com o art.40.º, n.º1 do Código Penal, as finalidades da punição reportam-se à proteção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade.
A proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral (positiva ou de integração), servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
Por seu turno, a reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com vista a evitar que no futuro, ele cometa novos crimes.
“A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral». A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido art. 40º, do C. Penal.
As exigências de prevenção geral e especial são os factores determinantes na escolha da pena, embora, neste contexto, prevaleça a ponderação da prevenção especial de socialização, primeiro, porque o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas.
A prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Ou seja, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”. (Prof. Fernanda Palma, “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, Jornadas sobre a revisão do Código Penal (1998), AAFDL, pp.25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal” (2000), Almedina (32/33).
In casu, a senhora juiz do tribunal a quo optou pela pena de prisão, facto contra o qual o recorrente se insurge, por entender que a aplicação de uma pena de multa ainda acautelava as finalidades da punição.
Todavia, entendemos, de acordo com a decisão recorrida, que é manifesto que a pena de multa não se mostra adequada nem suficiente para atingir as finalidades da punição.
Efetivamente, o arguido já havia sido condenado pela prática deste mesmo crime, por acórdão datado proferido em 19.04.2022, relativo a factos ocorridos em 18.11.2021, ou seja, os factos destes autos foram praticados apenas 2 meses depois desta ultima condenação, factos esses integradores também do crime de desobediência.
Na verdade, de acordo com a matéria de facto provada “no âmbito de ação de fiscalização levada a cabo pela Polícia de Segurança Pública do Porto no dia 15.06.2022, pelas 115h04m, na Rua ..., no Porto, foi o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-NA, marca Seat, modelo ..., apreendido ao arguido AA, que o conduzia, porquanto não era tal veículo objeto de seguro de responsabilidade civil obrigatória, (…), sendo que “Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo automóvel marcava no seu conta-quilómetros o valor de 220.6755km.” e, “Não obstante a apreensão efetuada, devidamente dada a conhecer ao arguido, foi o mesmo constituído fiel depositário daquela viatura, sendo imediatamente advertido da obrigação de entregar a viatura quando tal lhe fosse exigido e, ainda, de que não a poderia utilizar ou alienar por doação, venda ou por qualquer outra forma, enquanto se encontrasse tal viatura apreendida e à sua guarda, mais se lhe dando a conhecer de que deveria diligenciar pelo levantamento da apreensão efetuada.” “Mais foi dito ao arguido, nessas circunstâncias de tempo e lugar que, se praticasse algum dos factos indicados em 3., designadamente, se utilizasse aquela viatura, incorria o mesmo na prática de um ilícito criminal, concretamente, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal, facto do qual o arguido foi devidamente esclarecido e ficou ciente.”
Apesar disso, “nesse mesmo dia 06.07.2022, pelas 10h40m, o arguido exercia a condução daquele veículo com a matrícula ..-..-NA, o que fazia na Rua ..., no Porto, encontrando-se, naquele momento, ainda existente a aludida apreensão porquanto o arguido não havia diligenciado pelo seu levantamento.” Sendo que a “viatura tinha marcado no seu conta-quilómetros, à data da interceção do arguido, o valor de 222.530kms, tendo o mesmo conduzido com aquela viatura o total de 1.855Km.”
Ora, o arguido estava bem ciente de que se utilizasse aquela viatura, incorria na prática de um crime de desobediência. E, apesar disso, conduziu aquele veiculo por, num total de 1.855 KM, revelador do completo desrespeito pela ordem emanada da autoridade, ordem que já antes havia desrespeitado, sendo intenso o dolo com que actuou elevadas as exigências de prevenção geral.
Note-se que o arguido actuou de forma deliberada, manifestando desprezo pela ordem que lhe foi legitimamente dirigida pelos agentes da PSP em serviço de fiscalização de trânsito e pelas regras estradais vigentes e pela segurança dos restantes condutores.
A confissão dos factos pelo arguido, não releva para afastar a ilicitude do facto que se considera acima da média tendo em conta, como referido, o grande número de quilómetros percorrido com a viatura (quase 2 mil quilómetros em pouco mais de um mês), sem seguro de responsabilidade civil, colocando em risco e em perigo a vida dos demais condutores e desobedecendo à ordem legitima da autoridade policial. São prementes as necessidades de prevenção especial, as quais não se satisfazem com a opção pela pena de multa até porque o arguido já sofreu condenações anteriores, demonstrativo de que este não se deixa intimidar com a aplicação das sanções penais.
Tendo em atenção, ainda, ao nível da prevenção geral, também são prementes as exigências, face à necessidade de assegurar o respeito pela autoridade do Estado e pelas ordens legitimamente emanadas pelas autoridades, devendo a reação penal ser de molde a restabelecer a confiança da comunidade no respeito pela norma.
Face ao exposto, entendemos ser de manter a decisão recorrida, por ser manifesto que a pena de multa não se mostra adequada e nem suficiente para atingir as finalidades da punição, improcedendo o recurso.

III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 1ª secção criminal em julgar negar provimento ao recurso, e em manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em 4 (quatro) UC.

Porto, 11 de janeiro de 2023
Amélia Catarino
Maria Joana Grácio
Paulo Costa

(Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94º, n.º 2, do CPP