Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12097/20.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
PER
NEGOCIAÇÃO
Nº do Documento: RP2021112212097/20.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 17º-D nº 1 do CIRE estabelece a obrigatoriedade de comunicação do início das negociações a todos os credores, sem distinguir se em causa estão créditos pecuniários ou não pecuniários. Tal como o nº 2 do mesmo reconhece o direito a qualquer credor – sem limitação quanto à natureza ou espécie do crédito – de reclamar o seu crédito.
II - Estando em causa um crédito não pecuniário, estava possibilitado à recorrente/credora para efeitos de participação no processo, o recurso à conversão de créditos prevista no artigo 96º para a insolvência - aplicável ex vi 17ºA nº 3 ao PER – avançando com um valor estimável em euros desse mesmo crédito à data do despacho previsto no nº 4 do artigo 17º C [por analogia com a data da declaração da insolvência para o processo de insolvência indicado no artigo 96º nº 1 al. a)], momento que define (após notificação ao devedor) a obrigação de comunicação aos credores já referida.
III - A execução para prestação de facto instaurada pela exequente com base em sentença transitada em julgado anteriormente à instauração do PER deve ser julgada extinta com a homologação do plano de recuperação nos termos do artigo 17º-E nº 1 in fine do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 12097/20.2T8PRT.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Execução do Porto
Apelante/ “B…, Lda.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
1- “B…, Lda.” instaurou em 14/07/2020 ação executiva contra “C…, S.A.”, para prestação de facto na sequência de condenação por sentença datada de 30/09/2019 e transitada em julgado invocada no requerimento executivo.
Indicando o prazo de 8 dias para a realização das obras em que a executada foi condenada, ou seja, a:
“a) limpar os painéis da fachada do edifício eliminando a mancha e os elementos de oxidação conforme fls. 73 e 74 do apenso.
b) substituir os vidros exteriores que se encontrem deteriorados com sujidade conforme fls. 72 do apenso, no número e dimensão que consta de fls. 56 verso.
(…)”
Mais tendo requerido
“4- Ao abrigo do disposto no artigo 868º/1 ex vi 874º, ambos do C.P.C., (…) indemnização moratória com a não realização da prestação no período de tempo de incumprimento pela Executada.
5- Deixando-se ao prudente arbítrio de V. Exa., a fixação da mesma, entendendo que o montante nunca poderá ser inferior a €100,00/dia.”
2- A executada foi citada e deduziu em 28/09/2020 embargos.
a) Nestes alegou entre o mais:
- ser também credora da embargada/exequente -crédito de custas, para cobrança do qual instaurou execução contra a aqui exequente.
Execução que a ora exequente embargou, peticionando a sua suspensão por alegado direito de compensação com o crédito em causa nestes autos;
- sendo estes autos posteriores ao da execução por si intentada, requereu a suspensão destes autos.
Mais alegou encontrar-se em PER que corre seus termos sob nº 134/20.5T8STS, no Juiz 4 do Juízo de Comércio de Santo Tirso.
Concluiu pela sua absolvição do pedido (executivo).
Bem como requereu a suspensão da instância executiva nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC.
Requereu ainda a embargante a junção aos autos de notificação deste PER datada de 15/01/2020 nos termos do artigo 17ºC nº 5 do CIRE. Notificação esta do “despacho a que se refere o nº 4 do art.º 17º-C do CIRE (…) e de que foi nomeado o Administrador Judicial Provisório (…)”.
b) Admitidos liminarmente os embargos, contestou a exequente, pugnando pela sua improcedência e pela condenação da embargante como litigante de má-fé.
c) Em janeiro de 2021 é informado aos autos que no âmbito do PER de que foi alvo a devedora aqui exequente foi “proferida Sentença de homologação do acordo de pagamento a 08/11/2020 (…)”, tendo a sentença transitado em julgado a 02/12/2020.
Da decisão assim proferida no PER constando a final:
“Face ao exposto, homologo por sentença o plano de recuperação, junto a 29-06-2020, com retificação de 01-07-2020, da devedora aqui requerente, “C…, S.A.”, com sede na Rua …, n.º …, loja ., …, Santo Tirso.
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A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artº 17.º-F do CIRE.”
d) Na sequência do assim informado foi proferida em 15/01/2021 a seguinte decisão devidamente transitada no apenso de embargos:
“Nos presentes autos de embargos em que é embargante “C…, SA” e embargada B…, Ldª, uma vez que foi aprovado plano de revitalização da embargante, declaro extinta a instância nos termos do disposto no artº 17º-E, nº1, do CIRE parte final.
Custas pela embargante.”
3- Por requerimento de 20/01/2021 a exequente declara nestes autos de execução e nos termos do artigo 870º do CPC, optar pela “Prestação de Facto por outrem, uma vez que os embargos foram extintos e, não têm efeito suspensivo, nem a Executada procedeu até agora à realização da prestação, que é fungível e a Executada não contestou o prazo que a Exequente entendeu necessário.”
E assim requereu ao tribunal “Face à posição assumida (…) se digne ordenar a nomeação de perito que avalie o custo da prestação. Desde já se propõe que quanto à substituição dos vidros seja atendido ao orçamento que se encontra junto aos autos de Sentença condenatória, uma vez que o seu valor foi dado como provado, sendo que deverá quanto ao mesmo estar sujeito às atualizações orçamentais atuais. Pelo que faltará apenas a avaliação dos custos da limpeza dos painéis.
Mais se Requer a V. Exa. se digne fixar a indemnização pelo não cumprimento da obrigação nos termos peticionados no Requerimento Executivo e bem assim na Contestação à Oposição à Execução, face ao prazo que a Executada tinha para realizar a prestação de facto.”
4- Apreciando o requerido, decidiu o tribunal a quo:
“Considerando que os embargos foram extintos à luz do disposto no artº 17º-E, do CIRE, o mesmo destino se impõe quanto à extinção da presente execução.
Assim, nos sobreditos termos, declaro extinta a execução- artº 17º-E, do CIRE
Custas pelo executado”.
*
Do assim decidido apelou a exequente, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
1 - O Tribunal a quo violou o art. 849º do C.P.C, pois só nessas situações é que pode haver lugar à extinção da execução e, no caso concreto, nenhuma delas se verificou;
2 - O Tribunal a quo extinguiu a ação executiva para prestação de um facto à luz do disposto no art. 17º-E, nº1 do CIRE;
3 - Uma execução para prestação de um facto não configura uma “cobrança de dívida”, nem tem “idêntica finalidade”, pelo que, fica excluída do âmbito de aplicação do art. 17º-E, nº1 do CIRE;
4 - O afastamento dos credores por parte daquele que agora é revitalizado só poderá ser feito em relação aos que podiam reclamar o seu crédito no processo de revitalização; aos demais deverá sempre ser-lhes oferecida tal possibilidade, sob pena de lhes ser negado um direito que, naturalmente, sempre lhes assistiria.”. Ora, não podendo o Recorrente reclamar o seu crédito – se é que se pode chamar crédito - no PER, porque aquele não constitui quantia pecuniária, um crédito em dinheiro, nunca lhe poderia ser retirado tal direito.
5 – Deste modo, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação daquele normativo e privou o Recorrente de um direito que lhe assiste.
6 – O Tribunal a quo deveria seguir os trâmites normais da execução para prestação de facto e, se e porque não cumprida pelo Executado, a prestação do facto ser feita por outrem, por ser facto fungível, avaliando-se o seu custo, tendo depois que seguir os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa (conforme o art. 871º do C.P.C) e, só aí, nesse desfecho, ser feita a sua extinção, pois assim, sempre isso permitiria ao Exequente ir reclamar no PER.
7- Por que o Recorrente não se conforma com o teor da decisão proferida, vem expressamente dela recorrer apoiando-se nas supras alegações e conclusões.
Termos em que:
Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida, que declarou extinta a execução e, em consequência, a mesma prosseguir, seguindo-se os ulteriores termos até final, fazendo-se assim, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

Contra-alegou a recorrida, oferecendo alegações e a final formulando as seguintes
Conclusões:
“a) A recorrente apresentou requerimento de execução para prestação de facto tendo peticionado que fosse a recorrida condenada a: limpar os painéis de fachada do edifício, eliminando a mancha e os elementos de oxidação, substituir os vidros exteriores que se encontrem deteriorados com sujidade e, ainda em indemnização moratória não inferior a € 100,00 (cem euros) por dia sem que a prestação de facto seja cumprida.
b) A 2 de Dezembro de 2020, transitou em julgado a decisão de homologação do acordo de pagamento celebrado no âmbito do PER em que se encontra a recorrida e que corre termos sob o n.º 134/20.5T8STS, no Juiz 4 do Juízo de Comércio de Santo Tirso.
c) Posteriormente, em face da douta decisão de extinção da instância de embargos apresentados pela aqui recorrida, veio a aqui recorrente apresentar requerimento aos autos nos termos do qual veio optar pela prestação de facto por outrem.
d) Para tal, requereu que o Tribunal a quo se dignasse a ordenar a nomeação de perito que avaliasse o custo da prestação, propondo que, quanto à substituição dos vidros, fosse atendido o orçamento que se encontrava junto aos autos de sentença condenatória.
e) Peticionou ainda a recorrente que o Tribunal a quo se dignasse a fixar a indemnização pelo não cumprimento da obrigação nos termos peticionados pela recorrente.
f) Se inicialmente a recorrente peticionou a prestação de um facto pela recorrida, veio posteriormente a peticionar que a prestação fosse avaliada e prestada por outrem.
g) Ou seja, na realidade os autos de execução converteram-se numa execução para pagamento de quantia pela recorrida.
h) Razão pela qual não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo uma vez que, a expressão “ações para cobrança de dívidas” engloba qualquer ação judicial, declarativa ou executiva, destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que seja suscetível de afetar o seu património.
i) Sendo que não poderá colher o argumento da falta de reclamação de créditos no âmbito do PER pela recorrente uma vez que o plano homologado se aplica quer aos credores reclamantes, quer aos não reclamantes.
Nestes termos e nos melhores de direito devem as alegações de recurso apresentadas pela recorrente serem julgadas improcedentes e, em consequência ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar se existe fundamento para a prossecução da execução.
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III- Fundamentação
As vicissitudes relevantes a considerar são as acima já enunciadas.
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Conhecendo.
O processo especial de revitalização introduzido no CIRE através da Lei 16/2012 de 20/04 (que procedeu à 6ª alteração do CIRE)[1] e regulado nos artigos 17º-A a 17º-I do mesmo visou “permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.” (artigo 17º-A n.º 1).
Subjacente à criação deste processo especial, a que o legislador conferiu natureza urgente, esteve a intenção de criar apoios e incentivos à reestruturação e revitalização do tecido empresarial, como se depreende da leitura da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012 (publicada in DRE 1ªS de 03/02/2012) que invoca ainda o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado entre a República Portuguesa e o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal.
Empresas que e não obstante se encontrarem, para além do mais, em situação de morosidade no cumprimento das respetivas obrigações contratuais e incumprimentos efetivos, serão suscetíveis de recuperação através de um conjunto de medidas tendentes a otimizar a sua gestão, a reconfigurar adequadamente o seu modelo de negócio e, finalmente, a proceder à sua reestruturação financeira mediante instrumentos de financiamento de médio e longo prazo, bem como através de formas eficazes de apoio ao fundo de maneio.
Ou seja através do processo especial assim criado visou-se a proteção não só do empresário que se encontra em situação económica difícil, mas também daqueles que com as empresas se relacionam, sejam trabalhadores ou credores, nomeadamente.
Devedor e credores, sujeitos ativos indispensáveis ao recurso a este procedimento - cuja conduta no contexto das negociações ficou enquadrada pelos princípios orientadores elencados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, publicada in DRE de 25/10/2011, 1ªS para os quais expressamente remete o artigo 17º-D n.º 10 do CIRE – conforme desde logo decorre da necessidade de o início do processo exigir “a manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.” [vide nº 1 do artigo 17º-C].
Pressuposto da sua viabilidade é, conforme referido, que a empresa seja suscetível de recuperação.
Uma vez iniciado o processo – com a referida declaração – e nomeado [vide artigo 17º-C n.º 4 do CIRE] “administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações”, a empresa notificada de tal nomeação (vide 17º-D n.º 1) comunica “de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.”
Conforme decorre deste mesmo artigo 17º-D do CIRE:
“(…)
2 - Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
3 - A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
4 - Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.
5 - Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.
(…)
10 - Durante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro[2].
11 - A empresa, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquela ser uma pessoa coletiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas, correndo autonomamente ao presente processo a ação intentada para apurar as aludidas responsabilidades.”
Destes normativos decorre a obrigatoriedade para a empresa de comunicar a todos os credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no nº 1, do início das negociações com vista à sua revitalização para querendo nelas participarem.
E violando tais deveres são a empresa e seus administradores responsáveis solidariamente pelos prejuízos causados aos credores.
À data da instauração da presente execução – em 14/07/2020 há muito estava iniciado o PER [embora o trânsito da decisão que definiu o crédito seja anterior] e fora proferido o despacho de nomeação do AJP - note-se que do edital oferecido com os embargos resulta que a notificação de nomeação do AJP está datada de 15/01/2020.
A exequente não alega a falta de notificação por parte da exequente quanto à pendência do PER.
Se a empresa não observou este dever em relação à aqui exequente, poderá responder (tal como os seus administradores) por tal falta.
Se observou e foi a exequente quem não diligenciou pela participação nas negociações como a lei lhe facultava – já que não há dúvidas que então era credora da ora recorrida por força da sentença proferida – então só a ela será imputável a eventual inação.
Facto é que independentemente da participação da ora recorrente em tais negociações, está a mesma vinculada à homologação do plano de recuperação que foi aprovado já que o seu crédito foi constituído em data anterior à decisão do nº 4 do artigo 17º C (que recebe o requerimento do PER e nomeia o AJP).
É o que decorre do disposto no artigo 17º-F do CIRE.
Neste, após os seus n.ºs 4 e 5 se reportarem à situação da conclusão das negociações com aprovação unânime do plano de recuperação em que intervenham todos os credores (n.º4) ou aprovação sem tais requisitos (n.º5), dispõem os seus n.ºs 7, 10 e 12:
“ 7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º
(…)
10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
(…)
12 - É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º”.
De referir ainda o disposto no artigo 17ºA nº 3 do qual resulta que ao PER são aplicáveis os normativos reguladores do processo de insolvência que não sejam incompatíveis com a sua natureza e subsidiariamente as regras do CPC em tudo o que não contrarie as normas do CIRE (vide 17º do CIRE).

Feito este enquadramento geral, importa focarmo-nos agora nos efeitos processuais da decisão a que alude o nº 4 do artigo 17º C (que recebe o requerimento do PER e nomeia o AJP) e subsequentemente da decisão que homologa o plano de recuperação.
O nível de proteção do empresário requerente de PER surge desde logo e num primeiro plano precisamente ao nível das consequências processuais subsequentes à nomeação do administrador judicial provisório indicadas pelo legislador no artigo 17º E do CIRE[3], nomeadamente suspensão de quaisquer ações para cobrança de dívidas pendentes, bem como a proibição de instauração de novas ações como consequência da instauração do PER e enquanto perdurarem as negociações [em consonância aliás com os princípios 4º e 5º da Resolução de Conselho de Ministros invocada pelo recorrente e supra reproduzidos].
Mais, e assim facultando ao devedor a possibilidade de cumprir o plano aprovado, determinou o legislador a extinção dessas mesmas ações quando o plano aprovado seja homologado por sentença, sem prejuízo de ter permitido que nesse plano seja prevista a prossecução de alguma ação que então e só neste caso poderá prosseguir.
Caso contrário a prossecução de tais ações poderia afetar a atividade empresarial delineada ao abrigo do plano aprovado.
Não estando alegado que em relação à execução em causa nos autos esteja prevista qualquer prossecução que como exceção à recorrente incumbia alegar e sendo certo que independentemente da exequente ter intervindo ou não no PER está vinculada pela decisão da homologação do plano nos termos do já supra citado artigo 17º F nº 10, está o destino da execução limitado pelos efeitos processuais que a homologação do plano para a mesma implicam.
Invoca a recorrente que a prestação de facto está excluída do âmbito de aplicação do artigo 17º E nº 1 do CIRE.
O que fundamenta com o facto de o afastamento dos credores [in casu da ação executiva] só poder ser feito em relação aos que podem reclamar o seu crédito no processo de revitalização. Sendo que o seu “crédito” por não constituir quantia pecuniária nunca poderia ser como tal reclamado e assim não lhe pode ser retirado o direito à prossecução da execução para que, no não cumprimento do executado, seja avaliado o custo da prestação para a sua execução por outrem, seguindo após os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa e só então sendo extinta a execução para que possa reclamar o seu crédito no PER.
Não se nos afigura que estes argumentos procedam.
Importa ter presente que o crédito do exequente estava já definido por sentença judicial devidamente transitada.
Estando em causa uma prestação de facto – execução de uma obra – implicaria o seu cumprimento da parte da executada uma organização de meios com os inerentes custos à mesma associados e como tal com inerentes consequências ao nível do património da executada/devedora.
Por outro lado, enquanto crédito nada obstava a que a recorrente o reclamasse no PER.
Note-se que o artigo 17º-D nº 1 estabelece a obrigatoriedade de comunicação do início das negociações a todos os credores, sem distinguir se em causa estão créditos pecuniários ou não pecuniários. Tal como o nº 2 do mesmo reconhece o direito a qualquer credor – sem limitação quanto à natureza ou espécie do crédito – de reclamar o seu crédito.
E estando em causa um crédito não pecuniário, estava possibilitado à recorrente/credora para efeitos de participação no processo, o recurso à conversão de créditos prevista no artigo 96º para a insolvência - aplicável ex vi 17ºA nº 3 ao PER – avançando com um valor estimável em euros desse mesmo crédito à data do despacho previsto no nº 4 do artigo 17º C [por analogia com a data da declaração da insolvência para o processo de insolvência indicado no artigo 96º nº 1 al. a)], momento que define (após notificação ao devedor) a obrigação de comunicação aos credores já referida[4].
Ainda que assim se não entendesse, porquanto a executada não cumpriu voluntariamente a obrigação a que estava obrigada por decisão judicial e com fundamento em tal, veio a exequente requerer a prestação de facto por outrem à custa da devedora. Pelo que sempre o resultado seria o mesmo.
Em concreto e alegando a extinção dos embargos deduzidos pela executada, bem como o não cumprimento da obrigação e a não impugnação por parte daquela do prazo por si indicado para a execução dos trabalhos, veio a exequente ao abrigo do disposto no artigo 870º requerer a execução da prestação por terceiro, bem como a fixação da indemnização pelo não cumprimento da obrigação.
Nos termos da citada disposição legal, optando o exequente pela prestação do facto por outrem é nomeado perito que avalie o custo da prestação e, concluída esta, “procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa”[5].
A pretensão formulada conduziria pois, após avaliação, à penhora de bens da devedora, ou seja à execução patrimonial que a prevista suspensão e posterior extinção visam obstar.
Sendo também este fundamento da extinção da execução por força do disposto no artigo 17ºE nº 1.
Em suma a execução para prestação de facto instaurada pela exequente com base em sentença transitada em julgado anteriormente à instauração do PER deve ser julgada extinta com a homologação do plano de recuperação nos termos do artigo 17º-E nº 1 in fine do CIRE.
O decidido não merece por tal censura, pelo que se mantém.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 2021-11-22.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
______________
[1] Alterado nomeadamente pelo DL 79/2017 de 30/06, através do qual o legislador introduziu alterações com vista à credibilização deste processo especial enquanto instrumento de recuperação das empresas tal como consta no respetivo preâmbulo deste DL. Diploma legal a que faremos referência quando em contrário nada se diga.
[2] De entre os princípios orientadores, de adesão voluntária, mencionados em tal Resolução – cujo objetivo é “potenciar o processo negocial iniciado tendo em vista a recuperação de uma empresa, contribuindo para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso.” destacam-se:
- “Segundo princípio - Durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa -fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos”;
-“Quarto princípio - Os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente (mas limitado) para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros. Este período de tempo, designado por período de suspensão, é uma concessão dos credores envolvidos, e não um direito do devedor”;
- Quinto princípio. — Durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo -se a abster -se de intentar novas ações judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes”.
[3] “1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
[4] Cfr. neste sentido Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in “PER-O Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, p. 53-54 citado in “Créditos Pré e Pós PER” de David Sequeira Dinis e Constança Sacoto in Revista de Direito da Insolvência, nº 1, ano 2017, p. 63-64, nota 10.
[5] Realce nosso.