Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
388/11.8TJPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONDOMÍNIO
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESTAÇÕES DURADOURAS
Nº do Documento: RP20150914388/11.8tjprt-A.P1
Data do Acordão: 09/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O excecionante tem o ónus de alegar os factos integradores da exceção perentória que deduz.
II - As prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
III - Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto, especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal.
IV - Dentro das prestações duradouras distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
V - As despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações do condomínio, podem ter caráter pontual, determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra.
VI - Omitindo os excecionantes a alegação de factos que permitam concluir que os montantes exigidos nestes autos constituem prestações periódicas, o tribunal a quo estava em condições de julgar improcedente a exceção de prescrição fundada na previsão da alínea g), do artigo 310º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 388/11.8TJPRT-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 388/11.8TJPRT-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. O excecionante tem o ónus de alegar os factos integradores da exceção perentória que deduz.
2. As prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
3. Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto, especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal.
4. Dentro das prestações duradouras distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
5. As despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações do condomínio, podem ter caráter pontual, determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra.
6. Omitindo os excecionantes a alegação de factos que permitam concluir que os montantes exigidos nestes autos constituem prestações periódicas, o tribunal a quo estava em condições de julgar improcedente a exceção de prescrição fundada na previsão da alínea g), do artigo 310º do Código Civil.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 2011, nos Juízos Cíveis do Porto, Condomínio …, sito na …, nºs …., …., … e …, nºs .., .., .., .., .., .., .. e .., instaurou ação declarativa com processo experimental contra B… e C… pedindo a condenação dos demandados ao pagamento da quantia de € 5.170,90, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
Para fundamentar a sua pretensão o condomínio autor alegou, em síntese, que administra um imóvel constituído em propriedade horizontal no qual os réus são donos da fração autónoma “DA3”, correspondente a um escritório, sito na parte do edifício denominada “D…”, a que corresponde, no título constitutivo da propriedade horizontal, a permilagem de 1,34; em assembleia ordinária de condóminos ocorrida a 23 de Janeiro de 2001 e continuada em 08 de Fevereiro, 05 de Março e 17 de Abril do mesmo ano, foi deliberada a realização de obras de conservação e manutenção da “D…”, no valor total de € 256.880,89 e em execução dessa deliberação, foi solicitado aos condóminos o pagamento do custo total de € 256.880,89, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas; daquelas obras, o montante de € 238.322,63 corresponde à conservação geral do prédio, sendo o seu custo da responsabilidade da totalidade dos condóminos que integram a D…, sendo o restante, no valor de € 18.558,26 respeitante ao custo dos elevadores, respondendo por tais custos apenas as frações que deles beneficiam; por força da permilagem que corresponde à fração dos réus, os demandados estão obrigados ao pagamento da quantia de € 4.718,56, a título de obras de conservação e de € 452,39, a título de despesas com os elevadores, num total de € 5.170,90, quantia que os réus foram já interpelados por diversas vezes para pagar.
Os réus contestaram e nesse articulado, além do mais, suscitam a exceção perentória de prescrição em virtude de ser pedida a condenação ao pagamento dos custos referentes a obras de conservação e manutenção que constituem prestações periodicamente renováveis, efetuadas, ao que tudo indica, em 2001, tendo os réus sido apenas citados em 2012.
O autor respondeu à exceção de prescrição negando que as obrigações judicialmente exigidas nestes autos sejam prestações periodicamente renováveis, vindo os réus invocar a ilegalidade de tal articulado, pugnando por que se considere não escrito.
Após notificação de um documento que instruiu a petição inicial, os réus ofereceram articulado que denominaram de superveniente, no qual, além do mais, voltaram a arguir a exceção de prescrição, com o fundamento já invocado na contestação.
A 10 de Julho de 2012 fixou-se o valor da causa no montante de € 5.170,90 e proferiu-se despacho saneador[1], apreciando-se, além do mais, a exceção perentória de prescrição nos seguintes termos:
“Defendem-se os RR., além do mais, excepcionando a prescrição do direito que por via da presente acção o A. pretende fazer valer, posto que, respeitando a quantia cujo pagamento o mesmo deles reclama ao custo de “obras de conservação e manutenção” do prédio em que se insere a fracção do RR., ou seja, a “prestações periodicamente renováveis”, reportadas já ao ano de 2001, mostra-se há muito decorrido o prazo de cinco anos a que alude o artº 310º, alínea g), do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 298º do Cód. Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei declare isentos de prescrição”. Pela actuação de tal instituto tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo (cfr. o nº 1 do artº 304º do Cód. Civil). E a razão de ser do mesmo reside na negligência que o titular do direito revela ao não o exercer durante certo prazo, fazendo presumir que renuncia ao direitos propriamente dito ou, pelo menos, o faz desmerecedor da tutela jurídica (a propósito, vid. Prof. Mota Pinto, in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XVIII, 370 e 371).
Nos termos do artº 310º, no prazo de cinco anos prescrevem as prestações periodicamente renováveis, especificamente identificadas nas alíneas a) a f) e ainda, nos termos da alínea g), quaisquer outras que o sejam. A fixação deste prazo prescricional mais curto, por contraposição ao prazo ordinário, longo, de vinte anos, visa evitar, pois, que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor. O que não couber neste prazo de cinco anos (posto que para aqui não releva a consideração de qualquer prezo de prescrição presuntiva) cai no prazo ordinário e geral de vinte anos.
Ora, ainda que as prestações de condomínio caibam claramente na designação de prestações periodicamente renováveis, enquanto encargos que aos condóminos cumpre satisfazer periodicamente, não parece que assim se possa qualificar a prestação reclamada pelo A. nestes autos. À margem o facto de as prestações pagas pelos condóminos servirem genericamente para fazer face aos encargos normais da gestão do condomínio (conservação e fruição das partes comuns e serviços de interesse comum) e a quantia que o A. ora reclama dos RR. respeitar ao “custo de obras de conservação e manutenção da D…”, não menos certo é que, conforme resulta contextualizado na acta nº 28 das várias sessões da assembleia de condóminos que as aprovaram e para que remete o A., tais obras, bem assim como, consequentemente, os atinentes custos, surgem no quadro de uma intervenção de fundo a dado passo decidida levar a cabo no interior e no exterior do edifício, ditada naquele específico momento pelo facto de nunca até então o mesmo ter sido objecto de qualquer tipo de manutenção (tendo inclusive sofrido os maus tratos provenientes da época em que servia de acesso às discotecas) e pela necessidade de atalhar para evitar a respectiva desvalorização. Por certo daqui se retira que a prestação ora reclamada dos RR., referente à respectiva quota parte no custo dessas ditas obras, não cai na previsão do artº 309º do mesmo diploma legal, que fixa em vinte anos o prazo ordinário da prescrição.
Improcede, pois, a invocada excepção de prescrição, posto que reportando-se a génese da obrigação assacada aos RR. a 2001, muito falta ainda para se completar o aludido prazo de vinte anos.”
Inconformados com esta decisão, a 13 de Setembro de 2012, B… e C… interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“a)A decisão de que neste acto se recorre enferma de erro de interpretação da matéria de direito;
b) Também, ao sustentar a sua decisão em factos não alegados pelas partes e em provas impugnadas (documento particular) sem a sujeitar ao devido escrutínio, só possível de ser feito em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o Tribunal a quo postergou um dos mais elementares direitos que o ordenamento jurídico português prescreve, ou seja o direito ao contraditório.
c) Fazendo assim, no que ao caso em litígio concerne, salvo melhor opinião, uma errónea aplicação do direito, subvertendo os princípios consagrados na aplicação na Lei, no Direito e sobretudo, na JUSTIÇA.
d) Daqui, os RR recorrerem da INTERPRETAÇÃO que o Tribunal a quo faz aquando da prolação no despacho saneador, quando decidiu pela improcedência da excepção peremptória da prescrição, oportunamente alegada pelos ora apelantes;
e) Para tanto entendeu que o pagamento das despesas reclamadas na acção pelo Autor dos R.R. não constituem “ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO E FRUIÇÃO, a que se reporta o artigo 1424º do Código Civil, cuja sistemática é inserida no REGIME DA PROPRIEDADE HORIZONTAL, com disciplina nos artigos 1 414º e ss, do mesmo diploma.
f) Ora, o Autor é o Condomínio do Edifício Dallas, constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 16/09/83, lavrada no livro de escrituras diversas nº 20/F, a fls. 5 do 6º Cartório Notarial do Porto
g) Os RR e ora Apelantes são proprietários da fracção autónoma designada por DA3, correspondente a um escritório sito na parte do edifício denominado D… e, a que corresponde a permilagem 1,34
h) Em reuniões de condóminos do referido edifício ocorridas a 23/01/2001; 8/02/2001; 5/03/2001 e 17/04/2001, foi deliberado e consignado em acta a realização de obras no elevador no valor de 3 720 597$00; obra de electricidade no valor 3 226 597$00; Obra no exterior, (incluindo impermeabilização e revestimento do prédio a granito) no valor de 33 138 729$00; Obra no interior na zona comum no valor de 10 153 728$00 (cfr documentos 3; 4, 5 e 6 junto pelo Autor com a sua P.I.)
i) Em execução daquelas obras foi solicitado aos RR enquanto condóminos o pagamento do custo total de € 256 880,63, em 10 prestações iguais e sucessivas (cfr. artigo 9º da P.I.)
j) Daquelas obras, o montante de € 238 322,63 corresponde a conservação geral do prédio, sendo o seu custo da responsabilidade da totalidade dos condóminos que integram a D…, sendo o restante, no valor de € 18 558,26, respeitante ao custo dos elevadores pelo que são responsáveis pelo pagamento apenas as fracções que dele beneficiam (54,97% do total) – cfr. artº 10º da P.I.
k) Alegando o não pagamento da parcela que lhes cabia e resultante da obrigação para contribuir para a conservação e fruição das partes comuns (cfr artigo 6º da P.I.) o Autor moveu contra os RR e ora Apelantes a acção declarativa de condenação a que se reporta o presente recurso de apelação.
l) Ora, as deliberações lavradas na acta que se reportam os documentos nos 3,4,5 e 6 juntos pelo Autor com a P.I., ocorreram em 2001, ou seja cerca de onze anos antes de ser intentada a presente acção.
m) A dívida tornou-se exigível entre Agosto de 2001 e os dez meses que se seguiram, conforme decorre do documento 6 junto com a P.I. e que corresponde à 4 Sessão da Acta 28, facto também referido pelo Autor a artigo 9º da P.I.
n) Os RR e ora Apelantes contestaram a acção, defendendo-se, entre outros argumentos, alegando a ocorrência da EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA da PRESCRIÇÃO, por decurso de prazo, nos termos da alínea g), do artigo 310º; 1424º ambos do Código Civil; 486º e, nº 1 e 3 do artigo 493º, do C.P.C.
o) Tanto mais que entre a data em que a dívida se tornou exigível e a data em que foi intentada a presente acção volveram mais do que dez anos.
p) Além disso, na medida que não foram convocados para participarem nas referidas assembleias de condóminos nem lhes foi dado conhecimento do que nelas foi deliberado, impugnaram o conteúdo dos documentos que compunham a acta em causa (fr. Auto fe fls. 82, 154, 155 e 156).
q) Acontece que, o Tribunal a quo, fundamentou a sua decisão em factos não alegados e no teor de documentos particulares impugnados, concluindo que as obras aprovadas e lavradas em acta não se subsumem no conceito de “Encargos de Conservação e Fruição” , com regime artigo 1424º do Código Civil estatui.
r) Pois, com o devido respeito, é desse entendimento e da forma como o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão (com base em documentos particulares impugnados e em factos não alegados pelo o Autor) em sede de despacho saneador, de que se discorda e do qual se recorre,
s) Porquanto, não é o facto das obras resultarem de intervenções mais ou menos profundas, como as rotula o Tribunal a quo que deixam de constituir encargos de conservação e fruição previstos no artigo 1424º do Código Civil.
t) Salvo melhor opinião, teleologicamente, as despesas previstas no artigo 1424ºdo C.Civil, englobam, quer as que resultam do desgaste normal ou anormal do uso das coisas, como as provocadas por causas imprevistas ou decorrentes do passar do tempo.
u) Destas distinguem-se aquelas despesas que visam custear um acrescento ao que já existe e, é a esse plus a que se reportam as obras previstas no artigo 1 425º do Código Civil, o que não é o caso.
v) Cite-se Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. III, nota 2 ao artigo 1 424º do Código Civil, sob a epígrafe (Encargos de Conservação e Fruição): -“Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso ascendam. Tanto pode tratar-se de pequenas despesas de manutenção ordinária, como despesas impostas por qualquer evento que tenha provocado danos extensos nas coisas a reparar (a avaria grave nos ascensores ou na instalação eléctrica; destruições causadas por tempestades, tremores de terra, acontecimentos bélicos, etc.)”.
w) Pelo que as obras em causa, mais ou menos profundas, visaram continuar a permitir a CONSERVAÇÃO E FRUIÇÃO DO EDIFÍCIO nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1 424º do Código Civil
x) Mais, estas despesas por constituírem “prestações periodicamente renováveis “, conforme vem sendo defendido pela doutrina e pela jurisprudência, nos termos da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, o direito de exigir o seu pagamento prescreve ao fim de cinco anos.
Y) Cite-se: Acórdão nº 3 948/04.0TBAVR.C1, relator Desembargador: Artur Dias; Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2000 (relator Dezembargador Saleiro Abreu ) e Acórdão da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2000 (Relator Desembargador Armindo Costa (todos em w.w.w. dgsi.pt/jprt.
z) Também; como sustenta Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal – 3ª edição – Outubro de 2006; Ediforum, Lisboa, pag 267: - “As prestações dos condóminos que respeitam à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, constantes do orçamento anual, embora sendo variável, renovam-se ano a ano, pelo que estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no artº 310º, al. g) do C.C.”
aa) Concluindo-se, com o devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou correctamente a lei, ao sustentar aquando da prolação do DESPACHO SANEADOR PELA IMPROCEDÊNCIA da prescrição do direito, reivindica pelo Autor, a cobrar judicialmente dos RR e ora apelantes a quantia referida na P.I.
bb) Mais, a proceder o entendimento que as despesas reclamadas pelo Autor aos RR não decorrem de “Encargos de conservação e fruição”, previsto no artigo 1424º do C.C.; com o que definitivamente não se concorda, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no conteúdo dos documentos juntos pelo autor e que compõem a ACTA 28,
cc) Ora, tais documentos têm natureza particular e foram devidamente impugnados, pelo que a natureza das obras aí aprovadas deveria ser apurada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, incorrendo assim na nulidade prevista no artigo 201, nº 1, in fine do C.P.C..
dd) Posto isto, o custo das obras feitas cujo Autor reclama o pagamento, constituem despesas decorrentes de encargos de conservação e fruição, com regime no artigo 1424ºdo C.Civil.
ee) Tais despesas constituem prestações periodicamente renováveis, com regime na alínea g) do artigo 310º, do C.Civil, ou seja o direito de se poder exigir judicialmente o seu pagamento prescreve ao fim de cinco anos.
ff) Desde a data em que a dívida se tornou exigível por parte do Autor aos Recorrentes volveram mais do que dez anos.
gg) Ora, não poderá se deixar de concluir que a dívida se encontra prescrita.
hh) Tal prescrição foi devidamente alegada pelos Recorrentes nos termos do artigo 303º do Código Civil e, 487º do C.P.Civil
ii) A prescrição constitui uma excepção peremptória , que nos termos do nº 3, do artigo 493º do C.P.Civil extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
jj) Assim sendo, por sobejamente provada a PRESCRIÇÃO do direito do Autor de exigir judicialmente dos RR e ora Recorrentes o pagamento do montante em questão devem os mesmos serem absolvidos do pedido.”
O recorrido respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, estando em causa o conhecimento de matéria exclusivamente de direito, e sendo a mesma relativamente consensual, dispensaram-se os vistos legais.
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nºs 2 e 3 e 685ºA, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos[2]), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
As questões a decidir resumem-se a saber se o crédito acionado respeita a obrigações periódicas e ainda se os autos continham todos os elementos para concluir pela improcedência da exceção de prescrição.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto relevantes para o conhecimento do presente recurso, atenta a fase intercalar em que foi proferida a decisão recorrida e as posições das partes nos seus articulados são os que resultam do relatório que antecede e que, por razões de economia processual, não se reproduzem neste ponto.
4. Fundamentos de direito
4.1 O crédito acionado respeita a obrigações periódicas?
Os recorrentes, alegando que a pretensão do recorrido se destina a custear obras de conservação e fruição, invocam o disposto nos artigos 1424º e 310º, alínea g), do Código Civil e alguma jurisprudência[3] e doutrina[4] para sustentar que o direito de crédito acionado nestes autos está prescrito.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 310º, alínea g), do Código Civil prescrevem em cinco anos, quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, sendo que nas alíneas anteriores o legislador submeteu ao mesmo prazo quinquenal as anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias (alínea a)), as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos de uma só vez (alínea b)), os foros (alínea c)), os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos e os dividendos das sociedades (alínea d)), as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (alínea e)) e as pensões alimentícias vencidas (alínea f)).
Na doutrina[5], as prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objecto[6], especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas a duração contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação no tempo, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações[7].
Dentro das prestações duradouras, distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo[8], que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
Aponta-se como justificação para o prazo especial de prescrição das obrigações periódicas, sob um prisma passivo, o evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas em atraso ou, sob um prisma ativo, o evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar[9].
Nos termos do disposto no artigo 1424º, nº 1, do Código Civil, “[s]alvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.”
“Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação” (artigo 1424º, nº 2, do Código Civil).
“As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem” (artigo 1424º, nº 3, do Código Civil).
“Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por elas possam ser servidas” (artigo 1424º, nº 4, do Código Civil).
De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 4º, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, “[é] obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios.”
“Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % da sua quota parte nas restantes despesas do condomínio” (artigo 4º, nº 2, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro).
Finalmente, prescreve o nº 1, do artigo 5º, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro que “[a] ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo.”
A prescrição, quando invocada (vejam-se os artigos 303º do Código Civil e 579º do atual Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 496º do mesmo diploma legal, na redação que vigorava quando foi proferida a decisão recorrida), constitui uma causa de paralisação quase total da garantia civil da obrigação, nomeadamente no que respeita o cumprimento coercivo da obrigação e, processualmente, a sua invocação, integra defesa por exceção perentória (vejam-se os artigos 571º, nº 2, 576º, nº 3, ambos do atual Código de Processo Civil, correspondentes aos artigos 487º, nº 2 e 493º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil, na versão que vigorava anteriormente, nomadamente, na data em que foi proferida a decisão recorrida).
Nos termos do artigo 264º, nº 1, do Código de Processo Civil[10], na redação que vigorava quando foram oferecidos os articulados nestes autos, “[à]s partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.”
Ora, no caso em apreço, os recorrentes estribaram a prescrição que invocaram em parte das alegações fácticas do recorrido no sentido de que os montantes peticionados se destinavam a custear despesas com obras de conservação e manutenção da D…, o montante mais significativo para despesas de conservação geral do prédio e um montante menor para o custo dos elevadores.
Os recorrentes omitiram a alegação de factos que permitam concluir que os montantes exigidos nestes autos constituem prestações periódicas, como sucede com as designadas contribuições ou quotizações para o condomínio (veja-se o já citado artigo 4º, nº 2, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro). Repare-se que a doutrina que os recorrentes citaram em abono da sua pretensão recursória, ao contrário do que parecem entender, exige que se trate de despesas que constem do orçamento anual e que se renovem anualmente, ainda que o seu montante seja variável. Também o acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Novembro de 2006, relatado pelo então Sr. Juiz Desembargador Artur Dias, no processo nº 3948/04.0TBAVR.C1, acessível no site da DGSI, incidiu sobre quotizações anuais para o condomínio, realidade bem distinta daquela que foi trazida a estes autos pelos autores e sobre a qual os recorrentes exclusivamente se firmaram.
Ora, as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima[11], não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter caráter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra.
Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de fatores, como sejam, por exemplo, as condições climatéricas, a qualidade de construção, os cuidados dos utentes, a periodicidade das intervenções etc… Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respetivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento.
De facto, neste último caso, ou seja quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização e enunciadas no parágrafo que antecede.
Por isso, porque os recorrentes omitiram a alegação de factos que permitam qualificar a pretensão acionada como respeitando a uma prestação fracionada, o tribunal a quo estava em condições de decidir pela improcedência da pretensão, como decidiu e independentemente da produção de prova, nomeadamente no que tange a factualidade probanda com os documentos particulares que foram impugnados pelos recorrentes.
Na verdade, se, como justamente saliente o Sr. Professor Teixeira de Sousa no seu blog do IPPC[12], a procedência de uma exceção perentória não pode ser decidida sem que antes se provem os factos constitutivos do direito relativamente à qual opera essa exceção[13], já o mesmo não sucede quando se trate de julgar improcedente uma exceção, como é o caso dos autos.
Assim, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os do tribunal a quo, deve a decisão recorrida ser confirmada, improcedendo o recurso de apelação interposto por B… e C… e respondendo estes pelas custas do presente recurso, ex vi artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B… e C… e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida a 10 de Julho de 2012.
Custas a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 14 de Setembro de 2015
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Notificado às partes por via electrónica em expediente elaborado a 12 de Julho de 2012.
[2] Tratando-se de recurso interposto de decisão proferida antes de 01 de Setembro de 2013, é aplicável ao presente recurso o Código de Processo Civil na sua anterior redação, na versão introduzida pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[3] Referem-se aos acórdãos da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2000, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Saleiro Abreu, no processo nº 0031241, de 19 de Dezembro de 2000, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Armindo Costa, no processo nº 0021460 e ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Artur Dias, no processo nº 3948/04.0TBAVR.C1, todos acessíveis no site da DGSI, sendo que relativamente aos acórdãos desta Relação estão apenas acessíveis os sumários daqueles acórdãos e o sumário do acórdão de 19 de Dezembro de 2000 apenas se pronuncia sobre a inaplicabilidade à prescrição das quotizações para o condomínio da suspensão da prescrição prevista na alínea c), do artigo 318º do Código Civil.
[4] Manual da Propriedade Horizontal, 3ª edição – Outubro 2006, Ediforum, Abílio Neto, página 267, anotação 9.
[5] Segue-se o ensinamento do Sr. Professor Rui de Alarcão in Direito das Obrigações, Coimbra 1983, texto elaborado com base nas suas lições pelos Srs. Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, páginas 47 a 51.
[6] Neste sentido, na jurisprudência, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 08A3952, acessível no site da DGSI.
[7] Na jurisprudência, operando a distinção entre obrigações periódicas e fracionadas vejam-se os seguintes acórdãos do Tribunal da relação de Lisboa: de 16 de Setembro de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador João Aveiro Pereira, no processo nº 4693/2008-1 e de 12 de Julho de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Brighton, no processo nº 815/11.4TJLSB.L1-1, ambos acessíveis no site da DGSI.
[8] Também conhecidas por vezes como prestações periódicas. Porém, ensina o autor que antes citámos (ver página 49) que, em rigor, nem todas as prestações com trato sucessivo são periódicas, devendo assim distinguir-se dentro das prestações reiteradas ou com trato sucessivo as prestações periódicas das não periódicas. Como exemplo de prestações periódicas a obrigação de pagamento de renda e como não periódica a obrigação de fazer reparações numa dada máquina, sempre que o seu bom funcionamento o exija, situação aliás muito similar à que é objeto dos autos, como melhor se verá no desenvolvimento do acórdão.
[9] Neste sentido, vendo as coisas pela perspetiva passiva vejam-se: Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3090, Ano 89, 1956-1957, página 328, nota 2; Boletim do Ministério da Justiça, nº 106, Maio 1961, estudo do Sr. Professor Vaz Serra intitulado “Prescrição Extintiva e Caducidade”, página 107. Enfocando a fundamentação do regime da prescrição quinquenal pelo prisma ativo vejam-se: Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, Coimbra 1974, Manuel A. Domingues de Andrade, página 452; Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, página 280, anotação 1. Referindo as duas vertentes veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 755, § 4. Na jurisprudência, citando a segunda vertente, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados da DGSI: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Maio de 2002, proferido no processo nº 02B1143 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dionísio Correia; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2014, proferido no processo nº 189/12.6TBHRT-A.L1 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Silva Gonçalves.
[10] A que corresponde, actualmente, o artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil.
[11] Veja-se o artigo 9º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo decreto-lei nº 38 382, de 07 de Agosto de 1951 que prescreve: “As edificações existentes deverão ser reparadas e beneficiadas pelo menos uma vez em cada período de oito anos, com o fim de remediar as deficiências provenientes do seu uso normal e de as manter em boas condições de utilização, sob todos os aspectos de que trata o presente regulamento.”
[12] Veja-se o “post” de 22 de Abril de 2015, intitulado “Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!...” em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2015, proferido no processo nº 1847/08.5TVLSB.L1.S1.
[13] Pela nossa parte, temos fortes reservas em seguir o entendimento do Sr. Professor Teixeira de Sousa quando esteja em causa o conhecimento da caducidade do exercício de um direito potestativo, como seja, por exemplo, o de investigação de paternidade, não se nos afigurando existir qualquer entrave, antes pelo contrário, a que seja conhecida e julgada procedente antes da determinação dos factos constitutivos do direito intempestivamente exercido.