Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23826/16.9T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
Nº do Documento: RP2018020623826/16.9T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 808, FLS 156-162)
Área Temática: .
Sumário: I - Não pode ser reconhecida nulidade por contradição entre factos alegados, mas não contemplados, e a decisão, por não ser subsumível à al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, e sempre que é fundada em erro de julgamento, seja de facto ou de direito, atento o carácter taxatixo das causas ali enunciadas.
II - Padece de nulidade, por falta de fundamentação, o despacho que não contenha a especificação dos factos provados que estiveram na base da decisão de indeferimento da intervenção de terceiros.
III - Verificada tal nulidade, deve ser suprida pelo Tribunal da Relação, mediante a especificação dos factos provados, segundo a regra da substituição do tribunal recorrido.
IV - O incidente de intervenção principal provocada pressupõe a existência de uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário.
V - Não preenche nenhuma dessas situações, susceptíveis de permitir a intervenção principal provocada passiva, o chamamento, em acção instaurada pelo dono da obra contra o empreiteiro, com fundamento no incumprimento de um contrato de empreitada entre ambos celebrado, de outro empreiteiro não demandado na acção, com base em contrato diferente daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 23826/16.9T8PRT-A.P1
Do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 6.

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

Na acção com processo comum intentada por B... e mulher C... contra D..., Lda., nela melhor identificados, esta requereu, na contestação, a intervenção principal provocada de E..., Lda., alegando ter celebrado com esta sociedade, em nome dos autores, um contrato de empreitada para execução das obras de demolição, construção/alvenarias, pichelaria, electricidade, caixilharias, persianas e pinturas na fracção destes, pelo que é ela a única responsável pela reparação dos defeitos denunciados. Subsidiariamente, requereu a intervenção acessória da mesma sociedade, invocando um direito de regresso, decorrente do “prejuízo que lhe cause a eventual perda da presente acção”.

Os autores nada disseram sobre estas pretensões.

Por despacho de 11/9/2017, foram indeferidas ambas as intervenções requeridas, nos seguintes termos:
“Na sua contestação a ré nega ter celebrado com os autores o contrato invocado na petição inicial, afirmando ter com eles outorgado um outro, e afirma que o contrato a que os autores se referem no seu articulado foi por eles celebrado com a sociedade “E..., Ldª”.
Afirma que, a ser procedente a acção, terá direito de regresso contra esta sociedade.
Defende que a sociedade “E..., Ldª”, é também sujeito passivo da relação material controvertida, e afirma ser atendível o seu interesse em fazer intervir nesta acção a mesma sociedade, litisconsorte, para efectivação do seu direito de regresso.
Invoca a aplicabilidade das normas consagradas no nº 3 do artigo 316º e no nº 1 do artigo 317º, ambos do Código de Processo Civil.
Subsidiariamente, para o caso de se entender não haver lugar à intervenção principal, pretende a intervenção acessória da mesma sociedade “E..., Ldª”.
Notificados para se pronunciarem quanto à intervenção, os autores nada disseram.
*
O réu pode chamar terceiro a intervir de forma principal na acção (e afastado, por manifestamente inaplicável, o caso previsto no nº 1 do artigo 316º do Código de Processo Civil) quando (nº 3 do artigo 316º do Código de Processo Civil):
a) mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
A relação material controvertida (e esquecendo as implicações relativas à reconvenção, que no caso não suscitam problema) deve ser analisada tal como o autor a configura – nº 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil.
E os autores na sua petição manifestamente não afirmam que a sociedade “E..., Ldª”, é parte na relação jurídica material que invocam.
Logo, manifestamente a sociedade “E..., Ldª”, não é sujeito passivo da relação jurídica material controvertida, tal como a configuram os autores [o que afasta a aplicabilidade da alínea a) do 3 do artigo 316º do Código de Processo Civil], e, escusado seria dizê-lo, nem na versão da ré a mesma sociedade pode ser considerada contitular do direito invocado pelo autor [o que por sua vez exclui a aplicabilidade da alínea b) do 3 do artigo 316º do Código de Processo Civil].
Acresce que em nenhuma das versões da relação jurídica material controvertida (a dos autores ou a da ré) a sociedade “E..., Ldª”, é apresentada como devedora solidária com a ré – o que obviamente afasta a aplicabilidade do nº 1 do artigo 317º do Código de Processo Civil.
Portanto, carece de manifesto fundamento o pedido de intervenção principal.

O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa – nº 1 do artigo 321º do Código de Processo Civil.
O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das questões a decidir na causa principal – nº 2 do artigo 322º do Código de Processo Civil.
A procedência do pedido formulado na acção, tendo a ré invocado como defesa, além do mais, não ter contratado com os autores nos termos em que estes o afirmam, é incompatível com a existência de direito de regresso da ré sobre a sociedade “E..., Ldª”.
Ou seja.
Na decisão final a proferir serão apreciados, além do mais, os contornos da contratação entre autores e ré.
A procedência da versão da ré previsivelmente deitará a acção por terra.
Com a procedência da versão dos autores (leia-se, concluindo-se que quem assumiu a execução das obras foi a ré) naturalmente concluir-se-á pela inviabilidade da acção de regresso.
Em qualquer das hipóteses, neste momento da lide não se vê como viável o direito de regresso da ré sobre a sociedade “E..., Ldª”.
A intervenção acessória deve também ser indeferida.
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Pelo exposto,
a) indefiro a intervenção principal provocada da sociedade “E..., Ldª”;
b) indefiro a intervenção acessória provocada da sociedade “E..., Ldª”.
Custas dos incidentes pela ré – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.”

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1ª A decisão recorrida conheceu e decidiu o incidente de intervenção principal provocada do chamado “E..., Lda.”, assim processado autonomamente, pelo que, trata-se de uma decisão de rejeição final, que é recorrível por ter posto termo a tal incidente.
2ª A decisão recorrida é nula por omissão total da especificação de factos que a fundamentem, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. b), do CPC.
3ª Acresce, que, ao contrário do proferido na decisão recorrida, a Ré alegou factos que, a demonstrarem-se, são susceptíveis de tornarem o chamado em litisconsorte voluntário, sujeito passivo da relação material controvertida, nomeadamente, quando alegou ter contratado o sobredito chamado como empreiteiro da obra, em nome e representação dos AA..
4ª A Ré ainda alegou, por mera cautela e alternativamente a tal versão, que, a atender-se à versão dos AA., aquele chamado seria, então, seu subempreiteiro, qualidade que, ademais, os AA. reconheceram na sua réplica, motivo porque nem sequer se opuseram à sua intervenção tal como requerida, o que, deve concluir-se, torna aquele chamado pelo menos condevedor com a Ré, qualidade que, ademais, também se afere por referência a esta.
5ª Há, pois, contradição entre a fundamentação da decisão (não ter a Ré, na sua versão, alegado ser o chamado, pelo menos, condevedor solidário), com os factos que a suportariam (condicional, porquanto se verifica omissão total de factos que fundamentem a decisão recorrida, factos esses que, presume-se, não poderiam deixar de ser os constantes da versão da Ré, mormente, o alegado, v.g., nos artºs 33º, 46º, 53º, 55º, 56º, 58º, 74º, 75º, 76º, da contestação), o que torna nula a decisão recorrida, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. c), do CPC.
6ª A decisão recorrida violou, pois, o disposto nos artigos 1213º e 264º do CC e nos artigos 31º, nº 3, al. a); 317º e 615º, nº 1, als. b) e c), do CPC.
Termos em que, deve o presente recurso ser recebido e considerado procedente e, por via disso, deve proferir-se douto Acórdão que revogue a decisão recorrida e que admita a intervenção principal provocada no processo do chamado já nele identificado, só assim se fazendo a usual e esperada Justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este Tribunal, foram os mesmos devolvidos à 1.ª instância para apreciação das nulidades arguidas nas alegações de recurso, visto que não tinham sido no despacho que o admitiu, como devia, nos termos dos art.º 617.º, n.ºs 1 e 5, do CPC.

O Ex.mo Juiz pronunciou-se, então, pela inexistência de tais nulidades.

Regressados os autos a este Tribunal, foram mantidos o modo de subida e o efeito que haviam sido atribuídos ao recurso.

Tudo visto, porque nada obsta, agora, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
1. Se o despacho padece das nulidades imputadas – por falta da fundamentação de facto e por contradição entre a fundamentação e a decisão;
2. E se deve ser admitida a requerida intervenção principal.

II. Fundamentação

1. De facto

No despacho recorrido, não foram dados como provados quaisquer factos, pelo que se relega para momento posterior, após conhecimento da correspondente nulidade arguida, a sua descrição, se for caso disso.

2. De direito

2.1. Das nulidades do despacho

O art.º 615.º, n.º 1, do CPC dispõe que a sentença (e o despacho, por força do disposto no n.º 3 do art.º 613.º do mesmo Código) é nula, entre outras situações para aqui irrelevantes, quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [al. b)] ou quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão” [1.ª parte da al. c)].
Esta causa de nulidade reside na oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela assenta e verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Reporta-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão[1]. Ou seja, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”[2].
Porém, como esclarecem, logo de seguida, os autores referidos na nota anterior, “Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.
No presente caso, não se vislumbra qualquer contradição real entre os fundamentos e a decisão, nem a mesma é sustentada, em bom rigor, pela recorrente, na medida em que a baseia em factos não considerados na decisão e que, no seu modo de ver, configurariam um contrato de subempreitada.
Porém, essa omissão de factos não pode configurar qualquer incompatibilidade entre a fundamentação e a decisão, pela simples razão de que não constam do despacho, tanto assim que também arguiu a nulidade de falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Acresce que, com o devido respeito por entendimento diverso, também se nos afigura que a invocada contradição jamais poderia integrar a norma invocada e constituir causa de nulidade, pois nela fala-se em “oposição” entre os “fundamentos” e a “decisão”, não sendo susceptível de interpretação extensiva ou analógica, visto que o citado art.º 615.º contém uma enumeração taxativa das nulidades da sentença.
Como se isso não bastasse, a recorrente fundamenta, ainda, o alegado vício em erro de julgamento, tanto assim que invoca contradição entre a não consideração dos factos alegados, quanto ao contrato de subempreitada e eventual direito de regresso, e a decisão, a qual só poderia respeitar à intervenção acessória.
Ora, esta fundamentação, só por si, impossibilitaria o reconhecimento de qualquer nulidade.
Para além de não estar em causa a intervenção acessória, visto que a decisão é, nessa parte, irrecorrível (cfr. art.º 322.º, n.º 2, do CPC) e, no recurso, vir apenas questionada a intervenção principal provocada, tem vindo a entender-se, desde há muito, que as nulidades da decisão, cujas causas estão taxativamente enunciadas no citado art.º 615.º não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito[3].
Improcede, deste modo, a arguição da nulidade com fundamento na alegada contradição.

A apelante arguiu, ainda, a nulidade do despacho impugnado com fundamento em total falta da especificação de factos que fundamentem a decisão, invocando o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º, acima citado e transcrito, nessa parte.

Como é sabido, o dever de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente tem consagração constitucional no n.º 1 do art.º 205.º da CRP, ao dispor que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O art.º 154.º do CPC também dispõe no n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
A fórmula utilizada nesta norma é redutora, pois o dever de fundamentação existe relativamente a todas as decisões que não sejam despachos de mero expediente (cfr. art.º 152.º, n.º 4 do CPC), por imperativo constitucional, mesmo que aparentemente não estejam abrangidas por aquele preceito.
O dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta no pressuposto de que a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, e na necessidade de as partes serem não só esclarecidas mas convencidas do seu acerto[4], uma vez que o seu valor extrínseco flui da sua motivação, cuja função pedagógico-social se não pode subestimar, para além de, admitindo recurso, necessitarem de saber a razão ou razões do decaimento das suas pretensões para as poderem impugnar.
No que respeita à fundamentação da sentença, o art.º 607.º, n.º 3, do mesmo Código manda ao juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
A violação do dever de fundamentação gera a nulidade nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, já citado e transcrito na parte relevante.
É certo e sabido que, não obstante o aludido dever de fundamentação, a doutrina e a jurisprudência dominantes têm vindo a entender que só a falta absoluta de motivação, que não a meramente deficiente ou medíocre, conduz àquela nulidade.
Quanto à fundamentação de facto, única que importa considerar, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão.[5]
Trata-se de um vício estrutural da sentença (ou do despacho), cuja causa, em rigor, seria caso de anulabilidade e não de verdadeira nulidade, devendo entender-se esta no sentido lato de invalidade, a qual apenas ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, em desrespeito pelo disposto no art.º 607.º, n.º 3, do CPC[6].
No caso em análise, verifica-se a absoluta falta de fundamentação de facto que esteve na base da decisão.
Com efeito, o despacho impugnado não contém qualquer facto provado que fundamente a decisão de indeferimento dos incidentes requeridos.
Ainda que seja controvertida a relação material invocada na acção, sempre haveria que se dar como provados factos que fundamentassem a decisão proferida sobre os incidentes. É certo que alguma matéria consta do despacho em jeito de relato inicial, mas tal não constitui fundamentação, nem supre a falta de especificação de factos que justifiquem a decisão proferida.
Era necessário que o S. Juiz concretizasse os factos que considerou provados e colocou na base da decisão que proferiu.
Não o tendo feito, omitindo, por completo, a especificação dos factos provados, cometeu a indicada nulidade.
Verificada esta nulidade, importa, agora, supri-la, especificando os factos que se consideram provados, segundo a regra da substituição do tribunal recorrido, estabelecida nos n.ºs 1 e 2 do 665.º do CPC, o que se irá fazer de seguida, tendo em vista a resolução da outra questão, suscitada no recurso, sobre a admissibilidade, ou não, da intervenção principal provocada.

2.2. Dos factos provados

Assim, consideram-se provados os seguintes factos:
1. B... e C... demandaram D..., Lda., alegando a celebração, entre si, de um contrato de empreitada, com vista à remodelação total da fracção de que os primeiros são donos e que identificam, bem como a existência de defeitos na sua execução, cuja reparação pretendem, acrescida de indemnização por danos não patrimoniais.
2. A ré contestou negando a celebração de tal contrato e invocando outro, misto de prestação de serviços e mandato sem representação, ao abrigo do qual contratou, em nome dos autores, com a sociedade “E..., Lda.”, a execução das obras aludidas na petição inicial, que terão os alegados defeitos.
3. E invocou o direito de regresso contra aquela sociedade, no caso de vir a ser condenada no pedido formulado na primeira parte da alínea a) do petitório, ou seja, relativamente às obras necessárias à eliminação dos defeitos e custos de reparação.

2.3. Da intervenção principal provocada

O art.º 316.º CPC preceitua:
1- Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Por sua vez, o art.º 317.º do mesmo Código estabelece:
1 – Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
2 – No caso previsto no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo réu logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre o autor do chamamento e o chamado, circunscrita à questão do direito de regresso.”
O litisconsórcio está disciplinado em sede de legitimidade das partes e pressupõe a pluralidade de sujeitos processuais na mesma relação jurídica material controvertida, encontrando-se o voluntário previsto no art.º 32.º e o necessário no art.º 33.º, ambos do CPC, sendo o legal e o convencional no n.º 1 e o natural no n.º 3.
Os autores fundamentam a acção na responsabilidade civil obrigacional, decorrente da celebração de um contrato de empreitada entre eles, enquanto donos da obra, e a ré, como empreiteira.
Tal como foi configurada a relação material controvertida pelos autores, que serve de causa de pedir à acção, do lado passivo, não existe pluralidade de sujeitos, mas apenas um que é a ré.
Segundo a causa de pedir, a sociedade E..., Lda.. não é titular de uma relação jurídica própria ou paralela à da ré, nem pode assumir o estatuto de parte principal na lide.
Por isso, fica, desde logo, afastada a figura litisconsorcial voluntária e, por maioria de razão, a de litisconsórcio necessário.
Aliás, este nem sequer a apelante se atreve a invocá-lo, já que apenas fundamenta a sua pretensão de admissibilidade do chamamento na alínea a) do n.º 3 do art.º 316.º do CPC.[7]
Aqui, prevê-se a possibilidade de o réu chamar um terceiro, desde que mostre que tem “interesse atendível” no chamamento para a ele se associar. Tal ocorrerá quando o réu é um devedor subsidiário e visa, com o chamamento, a intervenção do devedor principal ou de um seu condevedor. O “interesse atendível” será assegurar a formação de caso julgado em face do terceiro (cfr. art.º 320.º do CPC)[8].
Continua a exigir-se a verificação de uma situação de litisconsórcio voluntário.
Ora, este não o existe, como se disse, segundo a causa de pedir da acção, nem mesmo segundo a relação material tal como é configurada na defesa.
Considerando um contrato de empreitada celebrado entre os autores e E..., Lda., é óbvio que esta sociedade continua a ser um único sujeito passivo dessa relação, pelo que jamais poderia ser caso de litisconsórcio voluntário, não sendo a ré titular de nenhum “interesse atendível”.
E, considerando o outro contrato que invocou - “contrato misto de prestação de serviços e mandato sem representação” - celebrado entre os autores, embora representados pela ré, e a sociedade E..., Lda., continua a não existir pluralidade de sujeitos do lado passivo.
Embora mal configurado tal contrato, com o devido respeito, afigura-se-nos que, tal como decorre da noção de mandato dada pelo art.º 1157.º do Código Civil e do disposto no art.º 1180.º do mesmo Código, no mandato sem representação, o mandatário actua em nome próprio, mas no interesse e por conta de outrem – o mandante -, por força de um acordo entre ambos.
Deste modo, “o mandato sem representação pode ser definido como o contrato pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta, mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse acto; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um acto jurídico que ao segundo respeita[9].
Desta forma, o mandato sem representação pressupõe: o interesse de certa pessoa na realização de determinado negócio sem intervenção pessoal própria ou por intermédio de representante; a interposição de outra pessoa para esse efeito por incumbência não aparente do titular daquele interesse; a celebração do negócio pela pessoa interposta com exclusão de qualquer referência ao verdadeiro interessado na produção dos efeitos conseguidos por essa pessoa; a transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário na execução do mandato”[10].
Seja como for, parece-nos claro que, do lado passivo, surge sempre um único sujeito da relação material controvertida, quer na versão apresentada pelos autores, quer na versão da ré.
Por isso, jamais poderá ser admitido o chamamento ao abrigo do invocado art.º 316.º, n.º 3, al. a).
A apelante invocou também o art.º 317.º do CPC, acima transcrito.
Como consta da sua epígrafe, este normativo trata da “efectivação do direito de regresso”. E do n.º 1 depreende-se que esse direito só pode surgir entre devedores solidários. “Trata-se aqui, não da condenação do chamado perante o autor-credor, mas da sua condenação perante o réu primitivo, devedor solidário que, pagando ao credor, fica com direito de regresso contra o chamado”[11].
Como é bom de ver e bem se referiu no despacho recorrido, “em nenhuma das versões da relação jurídica material controvertida (a dos autores ou a da ré) a sociedade “E..., Lda.” é apresentada como devedora solidária com a ré”.
Daí que seja, desde logo, afastada a aplicabilidade do n.º 1 do citado art.º 317.º.
Aliás, o que parece pretender a apelante é a sua substituição pela dita sociedade.
Mas isso sempre lhe estaria vedado, visto que o chamamento que requereu não se destina a substituir a parte primitiva.

É, pois, inadmissível a intervenção principal provocada, requerida pela ré, como bem se decidiu no despacho impugnado.

Não se equaciona a convolação do incidente requerido para o incidente de intervenção acessória[12], ao abrigo do disposto nos art.ºs 5.º, n.º 3, 6.º e 547.º, todos do CPC, visto que a admissibilidade desta foi apreciada e indeferida no despacho impugnado, com o que se conformou a apelante, já que não a incluiu no âmbito do recurso, sendo tal decisão, de resto, irrecorrível, nessa parte (art.º 322.º, n.º 2, do CPC).

Sumariando:
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III. Decisão

Por tudo o exposto, suprida a nulidade por falta de fundamentação de facto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se o despacho recorrido.
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Custas pela apelante.
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Porto, 6 de Fevereiro de 2018
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_________
[1] Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, pág. 689, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, reimpressão, edição de 1981, pág.141.
[2] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 736.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 137, Antunes Varela e outros, em Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 686; acórdãos do STJ, de 13/2/1997 e de 21/5/1998, na CJ, ano V, tomo I, pág. 104 e ano VI, tomo II, pág. 95, da RC de 18/1/2005 e da RL de 16/1/2007, proferidos nos processos n.ºs 2545/2004 e 8942/2006-1, disponíveis em www.dgsi.pt, a propósito do antecessor daquele artigo, de igual teor.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário, vol. 2.º, pág. 172 e CPC anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 284.
[5] Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, págs. 687 e 688).
[6] Cfr. José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 2.ª edição, pág. 703 e doutrina e jurisprudência aí citadas, embora referindo-se ao art.º 659.º, n.º 2, do CPC de 1961, nesta parte de igual teor e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, mesma obra, volume 2.º, 3.ª edição, págs. 635 e 736, face ao actual.
[7] Escreveu, na conclusão 6.ª, “31.º, n.º 3, al. a)” por lapso manifesto.
[8] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º. 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 616 e 617, onde estão mencionadas várias situações desse chamamento.
[9] Pessoa Jorge, “O Mandato sem Representação”, página 411 e acórdão desta Relação de 5/6/2012, proferido no processo n.º 4452/10.2TBVFR.P1, em que foram adjuntos o aqui relator e 1.º adjunto.
[10] Cfr. acórdão do STJ de 12/1/2012, no processo n.º 987/06.0TBFAF.G1.S1, em www.dgsi.pt e os nossos acórdãos de Como já tivemos ocasião de escrever no nosso acórdão de 29 de Abril de 2014, processo n.º 5866/11.6TBMTS.P2 e de 17 de Dezembro de 2014, processo n.º 5397/08.1TBMTS.P1, donde foi extraída esta transcrição.
[11] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 620.
[12] Como parece ter considerado a jurisprudência dominante tal como é dito no acórdão da RL de 20/10/2016, processo n.º 5000/15.3T8LSB-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, e acórdãos nele citados.