Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1210/16.4T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: JUSTA CAUSA
NOTA DE CULPA
VINCULAÇÃO TEMÁTICA
INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA REINTEGRAÇÃO
GRADUAÇÃO
Nº do Documento: RP201703021210/16.4T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 253, FLS. 47-61)
Área Temática: .
Sumário: I - Atento o disposto nos arts. 357º, nº 4, e 387º, nº 3, do CT/2009, o princípio da vinculação temática aos factos contidos na nota de culpa, à natureza ad substantiam da mesma e ao disposto nos arts. 32º, nº 10, e 53º da CRP, não poderá, em julgamento, conhecer-se da existência de justa causa de despedimento se a nota de culpa não contém, nos termos do art. 353º, nº 1, do CT/2009, a factualidade, devidamente circunstanciada, que é imputada ao trabalhador, não sendo, por consequência, aplicável o disposto nos arts. 387º, nº 4, do CT/2009 e 98º-M, nº 2, do CPT.
II - A indemnização em substituição da reintegração deve ser graduada de acordo os critérios estabelecidos no art. 391º, nº 1, do CT/2009, apontando o da retribuição na razão inversa da sua grandeza e, o relativo à gravidade da ilicitude do despedimento, ao ordenamento estabelecido no art. 381º do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1210/16.4T8MAI-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 948)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, aos 01.03.2016 apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com invocação de justa causa, de que foi alvo (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10), contra C…, Ldª ocorrido aos 19.02.2016[1].
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento com invocação de justa causa (art. 98º-J do CPT), e juntou o procedimento disciplinar, reafirmando os factos constantes da decisão final deste e pugnando pela legalidade e fundamentação do despedimento do autor.
Termina pedindo que o tribunal conclua pela regularidade e licitude do despedimento com justa causa por iniciativa do empregador, considerando-se o mesmo motivado.

O trabalhador contestou invocando, no que releva ao recurso, que a Ré: invoca, no articulado motivador, um conjunto de factos inexistentes na decisão disciplinar, o que lhe é vedado pelo artigo 387.º/3 do CT/2009; alega de forma diferente os factos constantes do processo disciplinar que são os únicos atendíveis, pelo que fica sem alegação processualmente admissível; a acusação disciplinar é deficiente, vaga e genérica, composta por factos conclusivos, não contendo um único facto concreto suscetível de contraditório e de constituir infração disciplinar, pelo que são nulas.
Deduziu também pedido reconvencional.
Concluiu pedindo que o despedimento seja declarado ilícito, “com as consequências legais do pagamento das remunerações desde o despedimento e da indemnização de antiguidade, até decisão final”. Mais reclamou, no petitório, “uma compensação por danos não patrimoniais” [segundo diz em sede de fundamentação do pedido, por “a acusação disciplinar” de que foi vítima ser “injuriosa e caluniosa, altamente ofensiva da sua honra e brio profissionais e da sua personalidade”, o que lhe provocou os danos que invoca e aí referindo requere uma compensação não inferior a €5.000,00]. Reclamou ainda “juros legais desde a data do vencimento das correspondentes quantias”.

A Ré respondeu à contestação, não se pronunciando, todavia, sobre a fundamentação acima referida.

Por despacho de fls. 119 foi fixado o valor da ação, em €8.852,76.

Após despacho de aperfeiçoamento da contestação, cumprimento do mesmo pelo A. e resposta da Ré, que não relevam à matéria em discussão no recurso, foi, aos 19.10.2016, proferido despacho saneador/sentença que conheceu parcialmente do mérito, nos seguintes termos:
“Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
I – Declara-se ilícito o despedimento de B… promovido e perpetrado pela entidade empregadora “C…, Lda.”.
II – Condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador:
1 – A indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, a título de indemnização em substituição da reintegração, que nesta data se computa em € 3.200,00, relegando-se a liquidação do restante para o respetivo incidente, nos termos dos artigos 609.º e 358.º do Código de Processo Civil;
2 – As retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde 19.02.2016, até ao trânsito em julgado da presente decisão, devendo-se deduzir o subsídio de desemprego que o trabalhador eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, cuja liquidação se relega para o respetivo incidente, nos termos dos artigos 609.º/2 e 358.º do Código de Processo Civil.
A responsabilidade por custas será determinada a final.
Registe e notifique.”.
Mais se determinou o prosseguimento dos autos “apenas para apreciação dos demais pedidos deduzidos na reconvenção, para o que importa produzir prova sobre os factos relacionados com as comissões, o prémio anual, o crédito de formação e os danos não patrimoniais sofridos.”

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado, a final da sua alegação, a seguinte conclusão:
“Única: A indemnização do artº 391º do CT, in casu deveria ser agravada, no mínimo de 40 dias por ano ou fração de antiguidade, pois que o despedimento não assentou em nenhum facto concreto, tudo não tendo passado de um expediente ilegítimo para pôr fora o trabalhador.
NESTES TERMOS,
- DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DE SE AGRAVAR A INDEMNIZAÇÃO DO ARTº 391º DO CT PARA 40 DIAS POR ANO OU FRAÇÃO DE ANTIGUIDADE.”.

Também inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
“A - O presente recurso vem interposto do despacho saneador/sentença que decidiu julgar a acção, desde já, parcialmente procedente e declarar, em consequência, a ilicitude do despedimento do Autor promovido pela Ré.
B – Entende a Recorrente que os autos não continham, nesta fase os elementos necessários à prolação de uma decisão quanto à questão central da ilicitude do despedimento (decisão de mérito).
C - Desde logo, os factos alegados nos autos motivadores do despedimento implicavam a necessidade de produção de prova para a apreciação da questão da ilicitude do despedimento, por diversos motivos:
a) por a nota de culpa dirigida ao Autor concretizar suficientemente, de forma circunstanciada, os factos que foram imputados ao trabalhador, e que constituem justa causa de despedimento;
b) por o Autor não ter visto coarctado qualquer direito de defesa;
c) e, ainda, por não ser exigível à Ré, uma maior especificação dos factos atendendo à situação concreta em que se inscreveu a actuação do trabalhador.
D - A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida que declarou a ilicitude do despedimento, pois entende que a nota de culpa reúne os requisitos consagrados no artigo 353º, nº 1 do Código do Trabalho.
E - Na nota de culpa que remeteu ao trabalhador, a Recorrente relatou o núcleo essencial dos factos concretos, circunstanciadamente enunciados, susceptíveis de constituir justa causa de despedimento.
F - Refere-se na dita nota de culpa os factos e circunstâncias seguintes:
» em 06 de Janeiro de 2016, teve o legal representante da arguente conhecimento de que o referido Arguido trocava e vendia informação negocial da empresa com um seu concorrente, a sociedade “D…”
» um dos colaboradores que vasculhava documentação nas pastas das empresa, para a empresa, constatou que uma daquelas continha cotações de venda de produtos relacionados com a sociedade Arguente e, que tal informação estava a ser disponibilizada à concorrência.
» o funcionário intermediou negócios da Arguente com a concorrência.
» no período de suspensão, o funcionário acompanhou o representante da sociedade “D…” e, que junto dos clientes da “C…”, apresentou-se a vender o produto concorrencial daquele.
» terá perdido em frustração de negócios aportados para a sociedade, montantes superiores aos €13.500,00,00 (treze mil e quinhentos), nomeadamente nos produtos que, para colocação nos clientes, foram sujeitos aos seguintes descontos:
a. E…, Lda. – desconto de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros);
b. “F…” – desconto de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);
c. “G…” – desconto de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros)
G - A Recorrente fez constar da nota de culpa que dirigiu ao Autor o núcleo essencial dos factos imputados ao trabalhador, com a concretização mínima necessária para o exercício de defesa do trabalhador, na sua plenitude, e que constituem justa causa do despedimento.
H - Entende a Recorrente que bastaria um facto apenas, da mencionada nota de culpa, para justificar o despedimento com justa causa, quando se refere, por exemplo: - no período de suspensão, o funcionário acompanhou o representante da sociedade “D…” e, que junto dos clientes da “C…”, apresentou-se a vender o produto concorrencial daquele. - Quanto a este facto é feita a concretização das circunstâncias de tempo – no período de suspensão -, e das circunstâncias de modo e lugar – o trabalhador acompanhou o representante da sociedade concorrente H… junto de clientes da C… -, com o objectivo de vender o produto concorrencial.
I - Tal concretização é suficiente, na óptica da Recorrente, para que se considere verificada uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, que lhe permitia o cabal e pleno exercício de defesa.
J - Acresce que, o exercício do direito de defesa do trabalhador não foi minimamente violado, pois como se referiu supra, a nota de culpa deduzida que lhe foi entregue contém o núcleo essencial dos factos que lhe são imputados.
L- Acresce ainda que, não é exigível perante as concretas circunstâncias do caso, que a ora Recorrente tivesse feito maior especificação dos fundamentos da rescisão.
M - Para especificar os concretos negócios intermediados entre a Ré e a Autora, e a concreta informação negocial que o Autor trocou e vendeu às empresas da concorrência, a Ré encetou diligências junto destas empresas concorrentes, não tendo contudo, em tempo útil, obtido informação que lhe permitisse de forma mais detalhada fazer constar da nota de culpa.
N - Pelo que mal andou a decisão recorrida em declarar a ilicitude do despedimento, por entender não ter havido comunicação ao trabalhador dos factos que permitam a concretização do direito de defesa desta.
O - O Tribunal a quo tomou uma decisão com base num critério formal, sem ter tratado de apurar as concretas circunstâncias em que foi comunicada pelo réu à trabalhadora a cessação do contrato de serviço doméstico e, bem assim, se os actos praticados pelo Autor constituíam ou não justa causa de despedimento, pelo que não cumpriu o disposto no nº4 do artº 387º do Código do Trabalho.
P - Em todo o caso, não se verifica sequer um vício formal, pois na nota de culpa remeteu ao trabalhador, a Recorrente relatou o núcleo essencial dos factos concretos, circunstanciadamente enunciados, imputados ao trabalhador e que constituem justa causa de despedimento.
Q - A nota de culpa cumpriu o disposto no artigo 353º do Código de Trabalho, não sendo exigível perante as concretas circunstâncias que a Ré tivesse feito maior especificação e concretização da factualidade imputada ao trabalhador.
R - Foram violados os artigos 128º, 351º, 353º, 357º e 387º, nº4 do Código do Trabalho.
Termos estes em que deve o presente recurso ser admitido, e a sentença que declarou a ilicitude do despedimento ser revogada, (…)”

A Ré contra alegou no recurso interposto pelo A., tendo formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
“1. Um despedimento ilícito por deficiente fundamentação, não pode, em concreto ser objecto do mesmo juízo de censurabilidade, que o despedimento por motivos falsos, com cariz persecutório ou ainda, sem quaisquer motivações
2. O limite superior da indemnização de 45 dias de antiguidade está reservado para as situações de culpabilidade grave na actuação da entidade empregadora, como sejam a do despedimento por motivos étnicos ou religiosos, sendo os 15 dias de indemnização para as situações de despedimentos ilícitos por insuficiência na sua fundamentação.
3. O tribunal a quo decidiu, sem apreciar os factos que motivaram o despedimento, que por “irregularidade formal”, o despedimento é ilícito, decisão esta de que o R. interpôs recurso.
4. Na situação concreta o juízo de censurabilidade, tendo em conta o preceituado no artigo 381º do CT, não permite atribuir ao trabalhador uma indemnização de 40 dia por anos de antiguidade ou fracção como pretende o Recorrente.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs deve o presente recurso ser julgado improcedente.”.

Não consta dos autos que o A. tenha contra-alegado no recurso interposto pela Ré.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC72013.
***
II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

“Factos provados
Os factos provados com interesse para a decisão da causa são os seguintes:
1) Por carta datada de 06 de janeiro de 2016, entregue em mão, a empregadora comunicou ao trabalhador a sua “… suspensão preventiva anterior à elaboração da nota de culpa com vista ao despedimento com justa causa, a qual produzirá efeitos imediatos e não implicará perda de retribuição”.
2) A empregadora enviou ao trabalhador carta registada com aviso de receção, datada de 01 de fevereiro de 2016 e por este rececionada, com o seguinte teor:
“…
Assunto: Procedimento Disciplinar – comunicação da instauração de processo disciplinar e entrega de Nota de Culpa.
(…)
Conforme o disposto no Art. 353.º n.º 1 do Código do Trabalho, notificamos V. Exa. Da Nota de Culpa anexa, informando que é intenção da entidade patronal proceder ao seu despedimento invocando justa causa.
Querendo poderá V. Exa. responder no prazo de dez dias úteis à nota de culpa, nos termos do disposto no Art. 355.º do C.T.
…”.
3) É do seguinte teor a referida nota de culpa:
“Por deliberação da gerência, decidiu a C…, Lda., com sede na Rua …, n.º … Trás, Concelho da Maia, instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento, contra o trabalhador B…, adiante designado por arguido, residente na Rua …, n.º …, r/chão, … e, tendo por fundamento os seguintes factos:
1º - O arguido é funcionário da C…, Lda. desde 05 de novembro de 2012;
2º - O arguido recebeu formação da sociedade, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros);
3º - Além dos normais deveres do trabalhador, nomeadamente:
a. Respeitar e tratar com educação o empregador, os companheiros de trabalho e as demais pessoas com quem estabeleça relações profissionais;
b. Comparecer ao serviço com assiduidade e diligência;
c. Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d. Cumprir as ordens do empregador em tudo o que respeita à execução do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias;
e. Velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
f. Promover e executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
Estava aquele especialmente obrigado ao especial dever de:
g. Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.
Sucede que:
4º - Durante todo o percurso profissional da sociedade e mesmo ainda durante o período de formação, o arguido, violou de forma reiterada os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e ainda de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
5º - Nomeadamente violando o especial dever de guardar lealdade ao empregador, não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referente à sua organização, métodos de produção ou negócios.
6º - Sucede que em 06 de janeiro de 2016, teve o legal representante da arguente conhecimento de que o referido arguido trocava e vendia informação negocial da empresa com um seu concorrente, a sociedade “D…”.
7º - E teve conhecimento desse facto quando um dos seus colaboradores, que vasculhava documentação nas pastas da empresa, para a empresa, constatou que uma daquelas continha cotações de venda de produtos relacionados com a sociedade arguente e que tal informação estava a ser disponibilizada à concorrência.
8º - Ainda que o funcionário intermediou negócios da argente com a concorrência.
9º - Mais ainda, teve conhecimento a arguente, que no período de suspensão acompanhou o funcionário o representante da sociedade “D…” e que junto dos clientes da “C…” apresentou-se a vender o produto concorrencial daquele.
10º - Pelo exposto, além do valor da formação que a arguente dá como perdido, no valor de €10.000,00, estima esta que terá perdido em frustração de negócios aportados para a sociedade, montante superiores aos € 13.500,00, nomeadamente nos produtos que para colocação nos clientes foram sujeitos aso seguintes descontos: a. “E…, Lda.” – desconto de € 5.500,00;
b. “F…” – desconto € 4.500,00;
c. “G…” – desconto € 3.500,00.
11º - A que acresce todo o bom nome e reputação da arguente, que assim se viu relevada para uma desprestigiada empresa comercial, em indemnização de valor substancialmente superior a € 25.000,00.”.
4) O trabalhador apresentou resposta à nota de culpa, sustentando que a utilização de emails era proibida e rejeitando a acusação que lhe foi feita.
5) Por carta regista com aviso de receção datada de 18.02.2016, a empregadora comunicou ao trabalhador a decisão proferida no procedimento disciplinar, na qual lhe aplicou a sanção de despedimento com a invocação de justa causa.
6) O trabalhador foi admitido ao serviço da ré, por contrato de trabalho sem termo celebrado, em 07 de novembro de 2012.
7) À data do despedimento, o trabalhador auferia uma retribuição mensal base de €800,00.”
*
Transcreve-se o teor da resposta à nota de culpa, que consta do documento que constitui fls. 81 dos autos:
“1º
O arguido foi notificado de uma nota de culpa composta por 2 folhas, além da carta do instrutor, que a capeava, e com 11 artigos.
O processo disciplina ré composto por (…).
Fez-se este índice porque o processo não estava numerado nem ordenado por uma ordem cronológica. Isto posto:
A utilização de emails pessoais é proibida e indicia a prática irregular que o arguido apontou à empregadora no fax de 3.2.2016 junto aos autos.
O arguido rejeita a acusação que lhe foi feita.
Pela resposta da empregadora ao seu fax vê que a decisão do seu despedimento já está tomada, pelo que aguarda serenamente o desfecho para discutir a questão em sede judicial.
Tudo o que pudesse dizer seria gastar tinta.”
***
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas [por uma questão de precedência lógica, o recurso da Ré deverá ser apreciado em primeiro lugar]:
A. No recurso da Ré:
- Se a nota de culpa concretiza suficientemente a factualidade imputada ao A. e, por consequência, se os autos não continham os elementos necessários à decisão da questão relativa à (i)licitude do despedimento, devendo prosseguir para julgamento;
- Incumprimento do disposto no nº 4 do art. 387º do CT/2009.
B. No recurso do A.: Valor da indemnização de antiguidade.

A. Do recurso da Ré

1. Se a nota de culpa concretiza suficientemente a factualidade imputada ao A. e, por consequência, se os autos não continham os elementos necessários à decisão da questão relativa à (i)licitude do despedimento, devendo prosseguir para julgamento

Na sentença recorrida entendeu-se que a nota de culpa não se encontra devidamente circunstanciada, assim determinando a impossibilidade de atendibilidade da justa causa invocada, do que discorda a Recorrente considerando que aquela contém fundamentação suficientemente concretizada, não coartando o direito de defesa do A. e não sendo exigível maior especificação.

1.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Atento o invocado pelo trabalhador na sua contestação, o principal fundamento de invalidade que aponta ao procedimento disciplinar que lhe foi movido pela entidade empregadora é o de falta de descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados na nota de culpa deduzida. A apreciação desse fundamento não depende da produção de qualquer prova adicional, bastando analisar o teor da nota de culpa que ambas as partes admitem ter sido deduzida.
Vejamos, então.
Estabelece o artigo 353.º/1 do Código do Trabalho que «no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados».
Por seu turno, resulta do disposto no artigo 357.º/4 do mesmo diploma legal que, na decisão de despedimento, «… não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade».
Finalmente, e nos termos do artigo 387.º/3, «na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador».
Da análise destes três preceitos legais resulta, pois, que os factos a atender para apurar a existência de justa causa de despedimento têm de reunir três requisitos: a) constarem da nota de culpa (ou referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade); b) constarem da decisão punitiva; c) serem provados pela entidade empregadora na ação de impugnação de despedimento.
A nota de culpa, na medida em que delimita os factos que podem ser considerados na decisão final e os factos que, depois, podem ser invocados para fundamentar o despedimento, assume um papel essencial em todo o processo de despedimento do trabalhador, daí que a lei exija que a mesma contenha uma “… descrição circunstanciada dos factos …” que são imputados ao trabalhador.
Tal como vem sendo entendido pela nossa doutrina e jurisprudência, tal exigência legal radica nas garantias de defesa – inerentes a qualquer processo sancionatório – implicando, necessariamente, o direito de audiência e o direito ao exercício do contraditório por parte do trabalhador: daí que os comportamentos imputados ao trabalhador, suscetíveis de integrar infração disciplinar devam ser descritos com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao trabalhador o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa [cfr. João Leal Amado, Contrato de Trabalho – à luz do Novo Código do Trabalho, 2009, pág. 382].
Assim, se o relato dos factos é incompleto, omitindo-se elementos circunstanciais relevantes, de tal modo que não possibilita ao trabalhador ter uma perceção adequada do que lhe é imputado, impedindo-o de convenientemente contrariar a acusação, resulta ofendida a garantia de defesa, cominando a lei, para tais casos, a sanção da nulidade do processo. O mesmo já não sucederá, porém, quando a nota de culpa, apesar de revelar insuficiências quanto ao circunstancialismo da infracção, se apresenta em termos de o visado poder compreender os factos nela individualizados.
Ou seja, não se pode pretender que a nota de culpa contenha um detalhe levado ao extremo, que necessariamente dê azo à invalidação de todo e qualquer processo disciplinar. A aferição do grau suficiente de concretização tem de ter em consideração critérios de razoabilidade e tem de ter sempre em vista a função da nota de culpa – dar a conhecer ao trabalhador a conduta que lhe é imputada e permitir-lhe uma defesa o mais ampla possível, sendo que, no entanto, um mínimo de concretização espácio-temporal dos factos tem sempre de ser feito na nota de culpa, pois como refere António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 13ª edição, 2008, pág. 586], «a lei exige a «descrição circunstanciada dos factos» que um enunciado obscuro ou lacunoso jamais poderá preencher»».
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2010 [www.dgsi.pt], «quando a lei fala em “descrição circunstanciada dos factos imputados” ao trabalhador, quer dizer que a nota de culpa não se pode limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador. É certo que a nota de culpa não é propriamente uma acusação penal, mas a mesma deve conter factos concretos (nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço) para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar corretamente a sua defesa».
Aplicando o que acaba de dizer-se ao caso concreto aqui em análise, afigura-se-nos necessário concluir que a nota de culpa deduzida não cumpre com todos os requisitos mínimos de concretização exigidos pelo artigo 353.º/1 do Código do Trabalho.
Com efeito, nessa nota de culpa, a entidade empregadora começa por tecer considerações genéricas, enunciando os deveres dos trabalhadores que se encontram fixados na lei laboral, para depois afirmar que o trabalhador violou de forma reiterada os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e, principalmente, de guardar lealdade ao empregador, não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referente à sua organização, métodos de produção ou negócios.
Até aqui estamos perante puros conceitos de direito.
Seguidamente, a empregadora imputa ao trabalhador os seguintes comportamentos:
- o trabalhador “trocava e vendia informação negocial da empresa com um seu concorrente, a sociedade “D…”;
- o trabalhador disponibilizava informação sobre cotações de venda de produtos relacionados com a sociedade à concorrência;
- o trabalhador “intermediou negócios da arguente com a concorrência”; - durante o período de suspensão, o trabalhador acompanhou o representante da sociedade “D…” e junto dos clientes da empregadora apresentou-se a vender o produto concorrencial daquele.
Salvo o devido respeito por diverso entendimento, estamos aqui, manifestamente, perante imputações genéricas, vagas, superficiais e imprecisas, que não contém uma descrição minimamente pormenorizada dos factos que se pretendem imputar.
Com efeito, perante o que consta da nota de culpa fica-se sem saber que informação negocial foi trocada e vendida pelo trabalhador, com quem foi feita essa troca ou a quem foi feita essa venda, quando tal ocorreu e de que modo. De igual maneira, desconhecem-se que cotações de que produtos relacionados com a empregadora foram disponibilizados à concorrência, que concorrência era esta, quando tal sucedeu e em que circunstâncias. Igualmente em relação aos negócios que o trabalhador intermediou com a concorrência, questiona-se: que negócios? quando? com quem? como?. Finalmente, também não se mostram minimente discriminadas as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que trabalhador, no período da suspensão, se apresentou a vender produto da “D…”. Aliás, também em relação aos prejuízos invocados, nada consta da nota de culpa que nos permita compreender em que consistiram os mesmos.
Ou seja, não há na nota de culpa a mínima concretização dos factos imputados em termos de espaço, tempo e modo de conduta, pelo que o trabalhador nunca poderia defender-se das imputações genéricas, vagas e indeterminadas que lhe foram endereçadas.
Note-se que se o que consta da nota de culpa é transposto para a decisão final do procedimento disciplinar – limitando-se esta, em acrescento, a tecer considerações quanto aos argumentos aduzidos pelo trabalhador na resposta à nota de culpa – já no articulado de motivação do despedimento a entidade empregadora introduz alguns factos novos consubstanciadores da infração que imputa ao trabalhador, como por exemplo: a troca e venda de informação negocial da empresa era com a sociedade “D…”; o trabalhador negociou equipamentos e pediu preços, levando para a concorrência informação confidencial; o trabalhador havia pedido explicações da montagem de um equipamento a um colega e tal montagem fazia parte da troca ilícita de concorrência da informação sigilosa.
Ora, se é certo que, não obstante o estatuído no n.º do artigo 387.º do Código do Trabalho, se nos afigure que o tribunal não está impedido de conhecer de factos instrumentais ou circunstanciais não descritos na nota de culpa ou de factos que mais não sejam do que desenvolvimento ou meras circunstâncias que rodearam a prática da infracção, desde que alegados pela partes, parece-nos que no caso presente o constante do articulado de motivação, para além de continuar a padecer de insuficiência de concretização, face à vaguidade da nota de culpa, nunca poderá ser considerado como mero complemento ou contextualização do que ali constava. Por outro lado, em sede de articulado a entidade empregadora chega mesma a alegar circunstâncias que nem sequer constavam da nota de culpa, como a circunstância de o trabalhador usar instrumentos de trabalho da sociedade, no seu horário de trabalho, para proveito próprio e de trabalhar para uma sociedade da qual detinha participação, violando assim claramente o disposto no citado artigo 387.º/3.
E nem se diga que as omissões notadas, na nota de culpa e mesmo no articulado de motivação, podem ser supridas oficiosamente pelo Tribunal mediante a adição de factos concretos que venham a resultar da análise de documentos ou da inquirição das testemunhas em audiência de julgamento. Com efeito, e como já supra se notou, «a observância do princípio da acusação conduz à vinculação temática, não podendo a nota de culpa conter imputações genéricas e não circunstanciadas, que impedem a defesa do trabalhador e o controle do Tribunal. Assim, sendo a nota de culpa omissa quanto à circunstanciação dos factos imputados, não pode a ação de impugnação suprir aquelas lacunas …» [AC TRP de 03.04.2013, www.dgsi.pt].
Deste modo, e de tudo quanto vem de ser dito, resulta com clareza que a nota de culpa não contém de modo algum uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, que possa, por um lado, permitir a este a apresentação da sua defesa e, por outro, fundamentar uma decisão de despedimento e o seu posterior controlo pelo tribunal.
Não tendo a nota de culpa deduzida no procedimento disciplinar aqui impugnado cumprido o disposto no artigo 353.º/1 do Código do Trabalho, face ao disposto no artigo 382.º/1 e 2, alínea a), in fine do mesmo diploma legal, há que concluir que o despedimento levado a cabo é ilícito, pelo que deve como tal ser desde já declarado.”.

1.2. Estamos, no essencial, de acordo com as considerações jurídicas e com o enquadramento feito na sentença recorrida, pelo que pouco ou nada mais haverá que acrescentar, sendo que as imputações deduzidas contra o A. são efetivamente vagas, genéricas e imprecisas, não se mostrando devidamente circunstanciadas como o impõe o direito de defesa do trabalhador e, em consonância com o mesmo, o disposto no art. 353º, nº 1, do CT/2009.
Com efeito:
Dos nºs 6 e 7 da nota de culpa, consta que: “6º - Sucede que em 06 de janeiro de 2016, teve o legal representante da arguente conhecimento de que o referido arguido trocava e vendia informação negocial da empresa com um seu concorrente, a sociedade “D…. 7º - E teve conhecimento desse facto quando um dos seus colaboradores, que vasculhava documentação nas pastas da empresa, para a empresa, constatou que uma daquelas continha cotações de venda de produtos relacionados com a sociedade arguente e que tal informação estava a ser disponibilizada à concorrência.”.
Mesmo admitindo que ambos os pontos estão relacionados e que a “troca e venda” de “informação negocial” era efetuada com a sociedade “D…” e que tinha por objeto “cotações de venda de produtos”, tal mostra-se insuficiente perante as exigências mínimas de concretização dos factos imputados ao trabalhador com vista ao seu despedimento. Não se refere quando tal aconteceu, que produtos eram objeto da “troca e venda” de “cotações”, que “cotações” seriam objeto dessa alegada “troca e venda”, em que se consubstanciava essa “troca e venda” (que informações era recebidas em troca das fornecidas? Eram pelo A. recebidos pagamentos por essa “venda”?), como e onde se processava “essa troca e venda”. Diga-se que a referência a que a Ré teve disso conhecimento em 06.01.2016 não se confunde, nem consubstancia concretização temporal do imputado ao A. Uma coisa é a data em que os factos terão sido cometidos pelo A., outra distinta é a data em que o empregador deles terá tido conhecimento. E aquela não se encontra minimamente concretizada.
No que se reporta se reporta ao nº 8 da nota de culpa consta que “8º - Ainda que o funcionário intermediou negócios da argente com a concorrência.”, é manifestamente conclusivo e genérico, nada dizendo de concreto. Que negócios intermediou? Quem era a concorrência? Quando, onde e/ou por que forma tal sucedeu?
Do ponto 9º da nota de culpa consta que: “9º - Mais ainda, teve conhecimento a arguente, que no período de suspensão acompanhou o funcionário o representante da sociedade “D…” e que junto dos clientes da “C…” apresentou-se a vender o produto concorrencial daquele.”, o que é igualmente vago, genérico e não minimamente circunstanciado. Não é concretizado quando tal ocorreu, não bastando a alusão a que se verificou no período da suspensão, tanto mais face à restante falta de concretização. A que clientes da Ré se reporta a imputação? Que produtos concorrências (e por que eram concorrenciais) foram vendidos?
Os termos em que se encontra imputada a alegada justa causa é, pois, conclusiva, vaga, imprecisa, sem a descrição minimamente circunstanciada da factualidade suscetível de a integrar, não dando cumprimento ao disposto no art. 353º, nº 1, do CT/2009, o que implica e determina a preterição do direito de defesa do A..
De realçar também, tal como já referido na decisão recorrida, que atento o princípio da vinculação temática, não podem, seja na decisão de despedimento, seja no articulado motivador do despedimento, ser invocados factos não contidos na nota de culpa, pelo que não pode a Recorrente suprir as deficiências daquela no articulado motivador, nem muito menos invocar factualidade que nada tem a ver com a imputação efetuada na nota de culpa.
De referir ainda e tal como se diz na sentença recorrida que os prejuízos alegadamente sofridos pela Ré são invocados, na nota de culpa, de forma vaga, genérica e conclusiva, não permitindo alcançar a razão de ser dos mesmos.
Resta dizer que é irrelevante a alegação da Recorrente de que não terá conseguido, em tempo útil, obter informação mais detalhada quanto às imputações feitas ao A. na nota de culpa, pois que tal não constitui causa que a desonere da obrigação de cumprimento do disposto no art. 353º, nº 1, do CT.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

2. Do incumprimento do disposto no nº 4 do art. 387º do CT/2009.

Diz a Recorrente que, nos termos do art. 387º, nº 4, do CT/2009, sempre deverá ser conhecida a existência da justa causa para o despedimento.

2.1. Desde já se dirá que não perfilhamos tal entendimento, pois que, como se passará a explicar e a nosso ver, os arts. 387º, nº 4, do CT/2009, e. 98º-M, nº 2, do CPT não são aplicáveis às situações de ilicitude do despedimento por virtude do disposto no art. 382º, nº 2, al. a), do CT/2009 [esta a situação em apreço nos autos], como passaremos a explicar.

2.1.1. Para melhor compreensão, impõe-se que previamente façamos uma breve incursão sobre o procedimento disciplinar[2].
O procedimento disciplinar comporta essencialmente quatro fases[3]: a da acusação; da defesa; da instrução; e da decisão.
A da acusação é, nos termos do art. 353º, nº 1, consubstanciada pela comunicação, por escrito, ao trabalhador quer de que é intenção do empregador proceder ao seu despedimento, quer da nota de culpa, a qual deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados.
Segue-se-lhe, na fase da defesa, os direitos do trabalhador à consulta do procedimento disciplinar, a apresentação de resposta à nota de culpa e a possibilidade de requerer a realização de diligências probatórias que tenha por pertinentes – art. 355º, nº 1.
A fase da instrução, comporta a realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador [sem prejuízo de outras que o empregador entenda ser de, por sua iniciativa, realizar], dispondo o art. 356º, nºs 1 e 3 que: “1. O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alega-lo fundamentadamente por escrito. 3. O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total.”.
Por fim, a fase da decisão, culminando o procedimento disciplinar com a decisão de despedimento, a qual deve ser proferida por escrito e fundamentada, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da defesa do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade (art. 357º, nºs 1, 4 e 5). E, em caso de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento (art. 387º, nº 3).
Por sua vez, dispõem os arts. 381º e 382º, nº 1, que o despedimento é ilícito nas situações previstas nesse art. 381º e, bem assim, se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do art. 329 e, ainda, se o procedimento for inválido, contendo o nº 2 do art. 382º o elenco taxativo das situações determinantes da invalidade do procedimento, a saber:
“a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º.”. [sublinhado nosso].
Ou seja, e no que ora importa, o procedimento disciplinar é, por um lado, inválido, determinando a ilicitude do despedimento, se a nota de culpa “não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador

2.1.2. Como decorre também do que ficou referido a propósito da primeira questão apreciada, a necessidade da imputação, devida e concretamente circunstanciada, das acusações formuladas contra o trabalhador na nota de culpa é um imperativo não só legal, mas também constitucional, vertido no nº 2 do art. 32º e no art. 53º da CRP, decorrendo do primeiro dos mencionados preceitos que, também em procedimento disciplinar [que tem natureza sancionatória], deverão ser assegurados ao arguido os direitos de audiência de defesa e, do segundo, que é garantida a estabilidade no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa. E só com uma nota de culpa que contenha a concreta e devida circunstanciação dos factos imputados, são tais desideratos constitucionais alcançados.
E é, por isso e em consonância, que a decisão de despedimento só pode basear-se em factos constantes da nota de culpa, os quais são também os únicos que poderão ser invocados na ação judicial para justificar o despedimento.
A nota de culpa consubstancia, pois, elemento chave do procedimento disciplinar e do inerente exercício dos direitos de defesa e do contraditório por parte do trabalhador, balizando, mormente na impugnação judicial, a possibilidade de conhecimento da factualidade suscetível de consubstanciar a justa causa, tendo aliás natureza ad substantiam e não podendo, por consequência, ser atendida factualidade que dela não conste.
Ora, se assim é, como se nos afigura que é, não é possível, em sede de impugnação judicial, vir a ser conhecida da existência, ou não, de justa causa com base em factos não constantes da nota de culpa e, daí que, em caso de nota de culpa não factualmente concretizada, não tenha, nem possa, o Tribunal conhecer da existência, ou não, da justa causa, não sendo por consequência aplicável, em tais situações, o disposto nos arts. 387º, nº 4, do CT e 98º-M, nº 2, do CPT.
Aliás, nesse sentido afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que aponta igualmente a letra do art. 387º, nº 4, que se reporta a “vícios formais” e à pronúncia sobre os “fundamentos invocados para o despedimento.”. A omissão, na nota de culpa, da descrição circunstanciada dos factos que integram a justa causa não é um vício meramente formal; é um vício, ainda que constante de uma peça procedimental, estruturante e intrínseco ao próprio conceito de justa causa; e, por outro lado, a omissão de nota de culpa ou da descrição circunstanciada dos factos determina a própria inexistência de invocação de fundamentos (em termos fáticos, estes os relevantes) para o despedimento.
A obrigação prevista no art. 387º, nº 4, está, pois e a nosso ver, direcionada para as situações em que existam vícios formais do procedimento, mas em que esses vícios não contendam com a oportuna (na nota de culpa) e devida invocação da factualidade imputada ao trabalhador e, por consequência, com a própria existência da justa causa e, por consequência, com a possibilidade do conhecimento da factualidade que a integre.
Assim, e p.ex., existem vícios formais do procedimento que, se existir justa causa para o despedimento, determinarão a irregularidade do procedimento e do despedimento, mas não a invalidade dos mesmos. É o caso do violação do disposto no art. 356º, nºs 1 e 3 do CT/2009 [não realização, infundamentadamente, de diligências de instrução requeridas pelo trabalhador] que, se existir justa causa para o despedimento [condição sine qua non], determinam (apenas) a sua irregularidade com as consequências e nos termos previstos no art. 389º, nº 2, do CT/2009, situação em que, necessariamente, terá que ser apreciada a justa causa[4].
Poderão, também, existir outros vícios formais do procedimento disciplinar em que, embora determinantes da sua invalidade e da ilicitude do despedimento, se poderá entender que será exigível, não obstante o vício, o conhecimento da justa causa, sendo o caso, por exemplo, das situações previstas nas als. b) e c) do nº 2 do art. 382º, situações estas que, consubstanciado vícios formais, não contendem todavia com a devida, indispensável e oportuna invocação da factualidade que integra a justa causa e com a natureza ad substantiam da peça do procedimento disciplinar em que deve ser invocada. Com efeito, não vemos que nas situações em que o despedimento não seja precedido de procedimento disciplinar ou em que não exista nota de culpa ou em que, embora existindo, esta não contenha matéria factual devidamente concretizada, ou ainda em que não exista decisão, por escrito, do despedimento, o tribunal deva conhecer da justa causa que, porventura, seja invocada na ação judicial a despeito da natureza ad substantiam, e intrínseca à própria justa causa, de tais formalidades.
Ou seja, e em conclusão, não se nos afigura que a 1ª instância tivesse que conhecer da alegada, mas não circunstanciada, justa causa de despedimento.

2.2. Por fim, dir-se-á, ainda que, mesmo que, porventura e como hipótese de raciocínio, devesse ser dado cumprimento ao disposto no art. 387º, nº 4, do CT e 98º-M, nº 2, do CPT e, eventualmente, se concluísse (por recurso a factualidade não contida na nota de culpa), no sentido de que existiria justa causa para o despedimento, tal não convolaria o despedimento ilícito em licito, nos termos e pelas razões já apontadas, o qual sempre seria ilícito por violação do art. 353º, nº 1 e atento o disposto nos arts. 357º, nº 4 (princípio da vinculação temática aos factos constantes da nota de culpa), 382º, nº 2, al. a), e 387º, nº 3, do CT/2009 e 98º-J, nº 1, do CPT.

2.3. Assim, e em conclusão, os autos continham os elementos necessários para que fosse proferida a decisão ora impugnada no recurso da Ré, assim improcedendo as conclusões do mesmo.

B. Do recurso do A.

3. A sentença recorrida fixou a indemnização em substituição da reintegração em 30 dias de retribuição base por cada ano ou fração de antiguidade, do que discorda o A./Recorrente por entender, pelas razões que invoca, que a mesma deverá ser fixada, no mínimo, em 40 dias.

3.1. Dispõe o art. 391º do CT que:
Artigo 391.º
Indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador
1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º
2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Por sua vez, determina o art. 381º que:
Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

O citado art. 391º, nº 1, determina que se pondere, na graduação da indemnização, o montante da retribuição e a gravidade do despedimento de acordo com a graduação/ordem prevista no art. 381º.
O critério relativo à retribuição apenas fará sentido na razão inversa da grandeza da retribuição: uma maior retribuição apontará no sentido da graduação da indemnização em menor número de dias e vice-versa.
No que se reporta ao ordenamento previsto no art. 381º, a ordem [decrescente] de gravidade é a prevista na norma, pelo que um despedimento cuja ilicitude é determinada pelo previsto na sua al. a) será mais grave do que um determinado pela situação contemplada na al. b), assim como um despedimento por causa enquadrável nesta alínea será mais grave do que a ilicitude decorrente da prevista na al. c).
Ou seja, e é de salientar, nos termos do critério expressamente consagrado pelo legislador, que remeteu para a ordem do art. 381º [e havendo que presumir que soube exprimir-se corretamente e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9º, nº 3, do Cód. Civil], um despedimento em que, embora existindo procedimento disciplinar, o motivo é julgado improcedente [al. b)] será mais grave do que um despedimento cuja ilicitude é determinada pela inexistência de procedimento disciplinar [al. c)]. E, daí que um despedimento que seja precedido de procedimento disciplinar, mas em que a nota de culpa não se encontre devidamente circunstanciada a determinar a sua ilicitude deva, logicamente, ser menos grave do que aquele em que, de todo em todo, não existe procedimento disciplinar.

3.2. No caso, está este no topo inferior da escala de gravidade na ordem considerada pelo art. 381º [não há que considerar a situação vertida na al. d) do art. 381º, pois que não se trata de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador em gozo de licença parental], o que aponta no sentido de uma indemnização em montante inferior ao máximo estabelecido.
No que se reporta à retribuição, o A. auferia a de €800,00 por mês que, embora sendo modesta, está todavia algo acima da retribuição mínima mensal garantida, a apontar no sentido de indemnização de montante superior ao mínimo legal.
Ora, assim sendo, afigura-se-nos correta e adequada a fixação da indemnização em 30 dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade, que se apresenta na mediania e não havendo circunstâncias, pelo que se disse, que sustentem fundadamente que a indemnização seja estipulada em montante acima.
Diga-se que não procede a argumentação do Recorrente de que a indemnização, em 30 dias por cada ano de antiguidade, é semelhante à compensação que seria devida em caso de despedimento validamente efetuado por razões objetivas, argumentação esta que, atualmente e desde a Lei 23/2012, de 25.06, perdeu atualidade.
Com efeito, a compensação devida por despedimento por causas objetivas e desde a citada Lei 23/2012 [sendo que, no caso, o despedimento do A. é até de data posterior a tal diploma], não é de 30 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade, sendo ela correspondente a apenas a 12 dias de retribuição por cada ano, para além de que é contabilizada apenas até à data do despedimento [e não do trânsito em julgado da sentença] e, em caso de fração, o montante é calculado apenas proporcionalmente (cfr. art. 366º, nºs 1 e 2, al. b) e 372º do CT/2009, na redação dada pela citada Lei) e não pela totalidade que corresponderia ao ano, como o é no despedimento ilícito.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais, improcede o recurso interposto pelo A.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento aos recursos interpostos quer pela Ré, quer pelo Autor, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso interposto pelo A., por este.
Custas do recurso interposto pela Ré, por esta.

Porto, 02.03.2017
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
__________
[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos ao Autor (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, ao trabalhador e à empregadora.
[2] Todas as disposições legais indicadas sem menção de origem reportam-se ao CT/2009, na redação introduzida pela Lei 23/2012.
[3] Sem cuidar, agora e porque desnecessário, das necessárias comunicações legais previstas nos arts. 353, nº 2, 356º, nº 5, e 357º, nº 6, no que se reporta às demais entidades que não o trabalhador.
[4] Cfr. Joana Vasconcelos, in Comentário aos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, Universidade Católica Editora, págs. 113 a 115, em anotação ao art. 98º-M; Sónia Kietzmann Lopes, in “Notas Praticas sobre o Procedimento Disciplinar e a Ilicitude do Despedimento e Irregularidade do Despedimento Disciplinar”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nº 87 (2010), Coimbra Editora, pág. 276; Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Principia, pás. 223 e 512 e seg.