Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7815/15.3T9PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
SUSPENSÃO DA PENA
PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP201804307815/15.3T9PRT.P2
Data do Acordão: 04/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º18/2018, FLS.27-35)
Área Temática: .
Sumário: I – A exigência de pagamento da prestação tributária como condição de suspensão da pena à margem da avaliação do quadro económico do responsável tributário, nada tem de desmedida, mostrando-.se inteiramente justificada pelo interesse preponderantemente publico que acautela e pela necessidade de eficácia do sistema penal tributário.
II – Pelo crime de fraude fiscal o prejuízo patrimonial causado à AT traduziu-se num efectivo enriquecimento do devedor tributário e o dever de restituição é exigível de toda e qualquer pessoa sancionada pelo cometimento de uma infracção criminal tributária.
III – Não ofende os princípios constitucionais da culpa, da adequação, da proporcionalidade e da igualdade e o princípio da necessidade das sanções penais, não sofrendo de inconstitucionalidade o artº 14º RGIT que obriga que a suspensão da execução da pena de prisão fique sujeita à condição do pagamento da indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7815/15.3T9PRT.P2
1ª secção

Relatora: Eduarda Lobo
Adjunto: Des. Castela Rio

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 1 da Comarca do Porto, com o nº 7815/15.3T9PRT, na sequência da audiência a que alude o artº 472º do C.P.P., foi proferido acórdão, depositado em 22.11.2017, que condenou o arguido B… na pena única de 3 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e subordinada à entrega às Finanças, no decurso do prazo de suspensão, da quantia de €261.415,45, bem como à entrega da quantia de €4.260,00 a “C…, Unipessoal, Lda.”, pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. nos artºs. 6º e 103º nºs 1 al. a) e 2 do RGIT e um crime de abuso de confiança agravado p. e p. no artº. 205º nº 1 e 4 al. b) do Cód. Penal.

Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Entende o arguido, ora recorrente, que a condição da suspensão da pena de prisão subordinada à entrega às Finanças, no decurso do prazo da suspensão, da quantia de €261.415,45 assenta num erro ou, pelo menos, numa especulação pouco razoável.
2. Como resulta do Acórdão da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação proferido no âmbito dos presentes autos “O dever imposto ao arguido com a suspensão da execução da pena de prisão, embora destinado a reparar o mal do crime, que se acentua sobremaneira neste ilícito – abuso de confiança – tem que se pautar pelo princípio da razoabilidade e não pode representar uma obrigação inexigível (artº 51º nºs 1 alínea a) e 2 do CP). Os deveres condicionados da suspensão da execução da pena de prisão devem ser norteados pela normal possibilidade de serem cumpridos, designadamente pelas concretas possibilidades económicas financeiras provadas no processo. Isto leva-nos a concluir que a obrigação (dever) de indemnizar, decorrente da sanção penal, tem por fundamento não apenas o valor do prejuízo causado mas também as finalidades da pena (reparação do mal do crime), não resultando a obrigação de indemnizar como um efeito automático da condenação”.
3. As condições do arguido mantêm-se as mesmas, pelo que não se compreende o que levou o Tribunal a quo a equacionar como possível a hipótese do arguido vir a ter capacidade financeira para proceder ao pagamento da quantia de €261.415,45 no prazo de três anos e sete meses, quando já antes, pelo Tribunal da Relação do Porto, foi considerado que o arguido não tinha capacidade financeira para proceder ao pagamento da quantia de € 56.315,82 no prazo de dois anos e nove meses.
4. Conforme decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2016 disponível em www.dgsi.pt “(...) III – No que tange aos crimes tributários (a todos referidos no RGIT), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando o juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14º nº 1 do RGIT e o artigo 51º nº 2 do Código Penal; IV – Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade”.
5. Segundo o artº 51º nº 2 do Código Penal só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que esta obrigação possa ser cumprida.
6. Não há qualquer razoabilidade ao afirmar pretender-se que um homem que aufere um rendimento cujo valor mensal médio ascende a €420,00, que foi declarado insolvente, que necessita do apoio dos progenitores para fazer face às despesas tida e que tem um filho menor, consiga no espaço de três anos e sete meses, melhorar tanto que possa ser razoável efetuar a entrega às Finanças da quantia de €261.415,45.
7. Da formulação de um juízo de prognose resulta a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter meios financeiros que o permitam a imposição de um tal dever representaria uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir e contrariaria o disposto no art. 51º nº 2 do Código Penal.
8. Angariar €261.415,45 em 43 meses traduzirá a obrigatoriedade de uma poupança mensal de €6.079,43, sendo que a situação económica do arguido não aponta para que tal alguma vez venha a ser possível.
9. Ora, dado que o arguido aufere um rendimento cujo valor mensal médio ascende a €420,00, forçoso será dizer que é uma condição impossível de cumprir.
10. É que sendo certo que não se pode negar que as motivações essencialmente económicas que estão por detrás da prática destas infrações, aliadas ao tipo de agentes que as praticam e à natureza das próprias sanções e do sacrifício que visam impor não pode significar um violar dos interesses de defesa de direitos fundamentais, sob pena de o Estado se revelar totalmente desrespeitador do princípio da proporcionalidade, violando assim o disposto no artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e máxime artº 25º nº 1 do mesmo diploma legal.
11. Posição contrária consubstanciaria uma distinção restritiva dos direitos liberdades e garantias, entre quem tem capacidade económica, que pode ver a sua pena suspensa, e quem não tem, que é obrigado a cumprir pena de prisão efetiva.
12. Nestes termos, a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento da quantia de €261.415,45.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que deve ser mantido o decidido.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão sob recurso considerou provados os seguintes factos: transcrição
1) No âmbito do Processo Comum Singular nº 25/14.9IDSTB, do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Setúbal, provou-se, em suma, que:
» A sociedade D…, Ld.ª, portadora do NIPC ………, foi constituída por registo datado de 17-05-2002 pelos arguidos B… e E…, os quais exerceram, efetivamente, a gerência da empresa até que a mesma foi declarada insolvente em 12-04-2011.
» O objeto comercial da empresa consistia no comércio a retalho de artigos de ourivesaria, pratas, joalharia, relojoaria, artigos de decoração, comércio de marroquinaria, sapataria, pronto-a-vestir de vestuário de senhora, homem e criança, lingerie e acessórios de praia e comércio de restauração e bebidas, estando inserida na CAE n.º ……, à qual corresponde a designação «comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia», estando sujeita a I.V.A. e a I.R.C..
» Durante o ano de 2010, a atividade da empresa consistiu na venda a retalho de peças de ourivesaria (artigos em ouro, prata, relógios e joalharia), a qual era realizada por duas vias:
a) Em três lojas situadas, respetivamente, na Rua …, …, na Rua …, …, Barreiro e na rua …, n.º…, Loja …, …; e
b) Através de uma rede informal de vendedores/comissionistas de venda direta de ouro e outros artigos de ourivesaria.
» O controlo desta rede de vendedores/comissionista era diretamente efetuado pela arguida E… que entregava inicialmente as peças em ouro e outros artigos de ourivesaria aos vendedores/comissionistas, juntamente com uma guia de consignação manuscrita e, por sua vez, estes passavam-lhe um cheque-caução por cada entrega de ouro que recebiam.
» Após, era emitida uma guia de devolução (relativamente às peças não vendidas) ou era emitido o recibo verde relativo à comissão pelas peças vendidas.
» Ora, e se para efeitos fiscais todas as vendas realizadas em loja eram devidamente registadas e faturadas, o mesmo já não acontecia com as vendas efetuadas pelos vendedores/comissionistas, cuja faturação não era realizada e os valores obtidos não eram integralmente contabilizados para aqueles efeitos.
» Realizada ação inspetiva à sociedade D…, Ld.ª, apurou-se que, pese embora, durante o ano de 2010, a sociedade arguida D…, Ld.ª, tivesse declarado em sede de IRC um prejuízo fiscal no valor de €2.398.895,19, obteve rendimentos, resultantes das vendas, designadamente através dos seus vendedores/comissionistas, no valor de €2.464.974,74, vendas essas que não foram alvo de faturação, pelo que não foram declaradas em sede de IRC.
» Acresce que, e em consonância, não faturando as referidas vendas e encontrando-se as mesmas sujeitas e não isentas de IVA, foram os correspondentes valores omitidos nas declarações periódicas dos períodos de 2010-03T, 2010-06T, 2010-09T e 2010-12T, porque não liquidados e, assim, não entregues aos cofres do Estado, apropriando-se os arguidos indevidamente desses valores.
» Do montante global de €3.974.256,34 apurado, e subtraídos os valores correspondentes a fluxos inter-contas, salários dos arguidos e levantamentos de cheques (€416.325, €21.508 e €65.000, respetivamente), fica assente que a atividade da empresa ascendeu, em 2010, a € 3.471.423,34, dos quais foram faturados, registados e declarados pela empresa apenas €1.006.448,60, verificando-se a omissão de vendas no valor de €2.464.974,74.
» Os arguidos sabiam que, ao não emitirem as faturas que titulavam as transações efetuadas, designadamente através dos seus vendedores/comissionistas, omitiam, contabilisticamente, montantes auferidos e sujeitos a I.R.C., que consubstanciaram na prática a obtenção para si de uma vantagem patrimonial ilegítima, a qual lesou o Estado em montante que assumiu o valor de €17.511,08, não se coibindo de agir.
» Os arguidos agiram ainda com o propósito concretizado de, procedendo como descrito supra, obterem e apoderarem-se de proveitos financeiros, ao longo dos quatro períodos fiscais de I.V.A., que sabiam ser ilegítimos, porque deixaram de ser cobrados pela Fazenda Nacional nos seguintes montantes: 2010-03T: €123.248,74; 2010-06T: €123.248,74; 2010-09T: €129.411,17; 2010-12T: €129.411,14.
» Agiram de modo deliberado, livre e consciente de que, com as suas condutas, lesavam o Estado, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
» Por decisão transitada em julgado em 24-09-2013, proferida no âmbito do processo de insolvência n.º 336/11.5TBTMR-B, da Comarca de Santarém – Inst. Central – Sec. Comércio – J1, em que foi declarada a insolvência da firma arguida em 12-04-2011, foi tal insolvência qualificada de culposa, identificando como pessoas afetadas com essa qualificação os seus sócios-gerentes, B… e E…, tendo, por isso, estes sido inibidos para o exercício de comércio durante o período de 5 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; além disso, determinou-se ainda a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por B… e E… e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; por fim, condenaram-se B… e E… na indemnização aos credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre os afetados, fixando-se o valor das indemnizações devidas em igual montante ao dos créditos reconhecidos na sentença de graduação de créditos proferida e que não forem pagos pelo produto da massa insolvente nesses autos de insolvência.
2) No âmbito deste Processo Comum Coletivo nº 7815/15.3T9PRT, provou-se, em suma, que:
» O arguido e E… são casados entre si desde 31 de Agosto de 1996.
» À data dos factos em causa nos autos, o arguido e a E… eram sócios e gerentes da sociedade comercial denominada “D…, Lda.”, com sede na rua …, lote .., …, Setúbal, nessa altura com estabelecimento na rua …, n° .., …, Tomar.
» A sociedade “D…, Lda.”, além do mais, dedicava-se ao comércio a retalho de artigos de ourivesaria, pratas, joalharia e artigos de decoração.
» Por sua vez, a sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, é uma sociedade comercial que se dedica ao design, modelagem, fabrico e venda de joias e outros artefactos de adorno pessoal, em ouro, prata e platina, com especialização em produtos em ouro com pedras preciosas e semipreciosas (joalharia).
» Em Setembro de 2009, a E… contactou a sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, numa feira designada por “F…”, com vista a estabelecerem relações comerciais, mostrando-se interessada na aquisição de joias fabricadas por aquela sociedade, para revenda nos estabelecimentos comerciais que explorava.
» Após vários contactos, em Fevereiro de 2010, a E… mostrou interesse na aquisição de várias peças de ourivesaria e acordou com a sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, a entrega de joias a título de amostras, com vista a exibi-las a alguns clientes e para apurar junto da sua rede de vendedores se aquelas peças teriam colocação.
» Mais acordou com a sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, que, caso lograsse encontrar interessados na aquisição, entraria em contacto com aquela a fim de concretizar a venda das joias.
» Por outro lado, caso não lograsse encontrar compradores para as joias, deveria devolvê-las à “C…, Unipessoal, Lda.”, sendo certo que não ficaria com as joias na sua posse por mais de 60 dias.
» Foi assim que, no dia 17 de Fevereiro de 2010, na sede da sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, sita na Estrada …, n° …., Gondomar, esta entregou à E… vários artigos em ouro (brincos, pulseiras, anéis, colares, medalhas, cruzes), devidamente identificados, no valor total de €75.312,81.
» Nessa altura, foi elaborada uma nota de consignação de tais artigos, comprometendo-se a E… a devolvê-los decorridos 60 dias, caso para eles não lograsse angariar comprador.
» Pelo menos nessa altura, o arguido e a sua esposa, E…, arquitetaram um plano para se locupletarem à custa do património da sociedade “C…, Unipessoal, Lda.”, designadamente para fazerem suas, pelo menos, parte das joias acima identificadas.
» Decorridos 60 dias desde a data da entrega dos objetos acima referidos, nem o arguido nem a E… devolveram as peças ou o dinheiro da sua venda, para o facto não dando qualquer justificação.
» Após várias insistências da “C…, Unipessoal, Lda.”, sem sucesso, em Setembro de 2010, a ofendida chamou a E… ao seu escritório e insistiu que devolvesse as joias ou pagasse o seu valor.
» Nessa altura, a E… desculpou-se, declarando que nesse momento não lhe era possível a devolução, uma vez que estavam colocadas nas suas vendedoras, espalhadas pelo país, mas comprometeu-se a restituir as joias até ao dia 08 de Novembro de 2010.
» Todavia, a E… apenas devolveu 6 peças (um colar em ouro, no valor de €2.400,00; um colar em ouro, no valor de €3.565,00; um colar em ouro, no valor de €3.090,00; um colar em ouro, no valor de €3.533,00; anel em ouro, no valor de €860,00; e uns brincos em ouro, no valor de €2.252,00).
» E, apesar de interpelada pela “C…, Unipessoal, Lda.”, para que devolvesse as restantes 25 peças, no valor de €56.315,82, a E…, agindo em execução do plano acordado com o marido, não o fez, situação que ainda hoje se mantém.
» E nem poderia efetivar a restituição, pois, conforme acordado com o arguido, seu marido, este procedeu à entrega de várias dessas peças de ourivesaria em casas de penhor, intitulando-se seu proprietário e recebendo a quantia pela qual foram avaliadas.
» Com efeito, o arguido, ao entregar as joias, assinou termos de penhor, onde declarava: “(...) os objetos em referência neste contrato são da minha inteira pertença e sem encargos, pelo que, por minha honra, me responsabilizo”.
» O arguido habitualmente desempenhava funções de natureza administrativa na sociedade “D…, Lda.”, normalmente não lidando com os fornecedores da sociedade.
» A sociedade “D…, Lda.” foi declarada em estado de insolvência a 14 de Abril de 2011.
» A sociedade “D…, Lda.”, possuía uma rede de vendedoras que não eram suas funcionárias, com os seus próprios contactos, que se deslocavam a casa dos clientes, ou que os recebiam em suas casas, de forma a apresentarem as peças para procederem à venda e recebendo.
» O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, de comum acordo e em conjugação de esforços com a sua esposa E…, com o propósito concretizado de fazer suas aquelas joias, de que se apoderou, sabendo que não lhe pertenciam, que estava obrigado a entregá-las ao seu dono, e que agia contra a vontade e sem autorização daquele.
» O arguido atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e penalmente punidas.
3) Para além das condenações acima referidas, nada mais consta do CRC do arguido.
4) Decorre do relatório social do arguido que:
O processo de socialização de B… decorreu no concelho do Barreiro, de onde é natural, integrado no agregado nuclear composto pelos progenitores e o irmão mais novo, G…. Tratar-se-ia, segundo relatado, de uma família de classe operária de estatuto sócio económico médio - baixo, trabalhando ambos os progenitores como empregados fabris na H…, tendo disposto de condições materiais referidas como adequadas às necessidades.
A informação transmitida aponta para a vivência num contexto familiar globalmente estruturado, onde ambos os progenitores participariam na educação dos filhos e casa, exercício parental referido como tendo sido investido e alicerçado em valores de trabalho, regras e normas, não se tendo identificado registo/relato de problemas familiares significativos.
Em termos escolares, salienta-se referência de um percurso investido e regular, vindo o arguido a concluir o 12º ano aos 19 anos de idade, com uma única retenção no 7º ano, descrevendo-se como aluno com aproveitamento médio, assíduo e ajustado ao contexto.
A transição para o mercado de trabalho decorreu no exército, na sequência do cumprimento do serviço militar, exercendo entre os 20 e os 25 anos de idade funções laborais, como escriturário da secção de pessoal do Exército Português, em … - ….
Posteriormente ingressaria para o Automóvel Clube de Portugal (ACP - …), contexto onde refere ter trabalhado até cerca dos 29 anos de idade, desempenhando funções nomeadamente no atendimento ao público.
Em termos pessoais/familiares, salienta-se relato da vivência de relação conjugal com E…, entre os 26 e os 41 anos de idade, vindo o arguido no contexto do matrimónio a sair de casa dos pais, para constituir agregado próprio com a esposa, na zona de …, vindo a ter um filho comum, I…, presentemente com 14 anos de idade. De acordo com o descrito, viriam durante vários anos a beneficiar de uma situação económica diferenciada, optando neste contexto por mudar para vivenda arrendada na zona de ….
No contexto da aprendizagem e contactos estabelecidos no sector da ourivesaria pela esposa E…, optariam em 2001 por abrir empresa própria no sector: "D…, Lda.", destinada à compra e venda de metais preciosos e jóias, negócio referido por ambos como tendo tido uma evolução positiva entre 2001 e 2007, dispondo a empresa, no período de maior sucesso, de um rendimento referido como favorável (200/300 mil euros/ano de faturação), de vários empregados e de uma rede de cerca de 30 comerciais.
Segundo relatado, no decurso dos anos 2007 a 2008, devido à crise no sector, verificar-se-ia um decréscimo do volume de negócio, agravado por "desfalques" por parte de alguns "fornecedores", optando estes, neste contexto, por vender algum do património e tentar diversificar a atividade, investindo na abertura de novas lojas, na zona do … e Barreiro, e ainda em outras áreas de negócio, nomeadamente um restaurante em Sesimbra. O investimento realizado não viria, segundo descrito, a ter o resultado esperado, assistindo-se a um agravamento da situação económica da empresa nos anos subsequentes, agravado por crescente incapacidade de fazer face a dívidas/créditos bancários e assegurar pagamentos.
Mediante articulação com as forças de autoridade, não se identificariam quaisquer outros registos ou antecedentes policiais associados ao arguido.
Os factos em apreço no âmbito do presente processo de cúmulo jurídico inscrevem-se no âmbito do exercício profissional de B…, como sócio gerente da sociedade comercial "D…, Lda.".
O arguido manteria à data (2009-2010) residência em agregado próprio, com a esposa E… e o filho comum I…, em habitação na zona de …, trabalhando ambos no comércio de artigos de joalharia para a empresa "D…". Segundo relatado, além dos gastos/volume de negócio variáveis com a empresa, teriam como despesas pessoais fixas €650/mensais, a título de crédito da habitação.
Segundo relatado, desde o ano de 2009, a situação económica passaria a ser deficitária, enfrentando a empresa nos anos subsequentes crescente incapacidade em gerir encargos e dívidas, referindo o casal ter optado, neste contexto, por restringir a atividade e vender ouro proveniente de anteriores investimentos e da herança (da arguida). A situação socioeconómica do agregado voltaria a agravar-se por motivo da insolvência pessoal dos arguidos, em Novembro de 2011, motivando uma situação de acrescida instabilidade socioeconómica, vivência que aparenta ter contribuído para o deteriorar da dinâmica familiar, assistindo-se em 2012 a separação do casal.
No contexto da separação, o arguido viria a integrar a casa de família, na …, onde mantém residência com os pais até à presente data, dispondo de um quarto próprio, permanecendo o filho comum integrado no agregado materno.
Segundo relatado, após um período de inatividade/ausência de rendimentos entre 2012 e 2013, em que refere ter dependido do apoio dos pais (reformados), B… regressaria ao mercado de trabalho no final do ano de 2014, trabalhando desde essa data até ao presente para a empresa J…, como consultor imobiliário da região de Setúbal, em regime de comissão, em horário flexível.
B… alega auferir um rendimento médio anual de cerca de 5.000 euros, como empregado da J…, declarando a atividade anualmente através do "ato isolado". Mediante análise da documentação apresentada, em conformidade com o declarado, observamos recibo emitido a 15/01/16, no valor de €4,981,50, e recibo emitido a 17/01/17, no valor de 5.104,50, referentes a atividade profissional desenvolvida nos anos 2015 e 2016, em nome de "K…, Unipessoal, LDA".
Refere ter como despesas mensais fixas: €150 devidos a pensão de alimentos ao filho comum, €140 a título de prestação judicial determinada no âmbito do Processo nº 7815/15.3T9PRT, a que acrescem ainda despesas variáveis referentes a alimentação e gasolina.
A presente situação económica é referida como limitada, salientando este continuar a depender do apoio dos progenitores para fazer face às despesas existentes. Segundo referido, os pais, antigos empregados fabris da Quimigal, estão reformados, auferindo cerca de €2.000/mensais de pensão, estando a habitação paga.
O arguido viria a negar ter qualquer outra fonte de rendimentos ou património de relevo, salientando que os bens que possuía foram "arrestados" e o dinheiro gasto. Questionado acerca da forma como, segundo o próprio, adquiriu recentemente uma viatura marca BMW, referiu tê-lo feito com o apoio dos pais, sendo que estes o dispõem a ajudar.
B… refere manter uma rotina centrada no exercício profissional, vida familiar e afetiva, mantendo, segundo relatado, desde há dois anos, novo relacionamento amoroso com L…, pessoa que também lhe presta apoio na atual situação.
O arguido tem vindo a manter uma atitude colaborante junto desta equipa da DGRSP, tendo expressado a sua concordância face a algumas das obrigações propostas no plano de reinserção social elaborado no âmbito do processo 25/14.9IDSTB, nomeadamente no que respeita à necessidade de manter acompanhamento junto deste serviço e de frequentar uma formação externa, tendo em vista a sensibilização face a deveres e direitos fiscais e desenvolvimento de conhecimentos e competências na área fiscal/tributária.
Viria, todavia, a alegar não ter forma de conseguir cumprir a obrigação judicial de proceder à entrega às "Finanças" da quantia de €261.415,45, reconhecendo não ter ainda pago qualquer montante deste valor, mas estar disposto a fazê-lo, dentro das suas possibilidades.
Salientaria ainda pretender continuar a cumprir o pagamento da prestação de €140 mensais, estipulada no âmbito do processo 7815/15.3T9PRT, obrigação que considera exequível.
Segundo nos foi dado a conhecer, aparenta enfrentar o presente processo de cúmulo jurídico com alguma expectativa e sentido de preocupação, referindo ter esperança de no contexto do mesmo poder chegar a algum acordo com o Tribunal no sentido da alteração da obrigação supracitada, sendo que pretende evitar poder ser alvo de uma pena de prisão.
B… aparenta continuar a não se rever na acusação na base dos processos em apreço, tendendo, ao nível do discurso, a projetar responsabilidades a terceiros ou em circunstâncias conjunturais, reiterando todavia pretender continuar, dentro das suas possibilidades, a fazer os possíveis para honrar os seus compromissos e para colaborar com a justiça.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: transcrição
O tribunal fundou a sua convicção no teor dos acórdãos de 1ª e 2ª Instância proferidos nestes autos (cfr. 666-691 e 823-869), no teor da certidão de fls. 916-1188, no certificado do registo criminal de fls. 1199-1201 e no teor do relatório social de fls. 1215-1221, o qual se encontra em conformidade, no que diz respeito às atuais condições de vida do arguido, com as declarações prestadas por este em audiência.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso resulta que o recorrente delimita o respetivo objeto à questão de saber se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguida condicionada ao pagamento às Finanças da quantia de €261.415,45 viola o princípio da proporcionalidade por constituir uma condição impossível de cumprir, atenta a situação económico-financeira do recorrente.
Antes de mais importa realçar que o pagamento dos benefícios indevidamente obtidos com a prática do crime, fixado como condição para a suspensão da pena de prisão, já havia constituído objeto da condenação aplicada no Proc. nº 25/14.9IDSTB (incluída no cúmulo jurídico efetuado no acórdão recorrido), sem que o ora arguido se tivesse insurgido contra a sua fixação, pelo que a mesma transitara em julgado.
O princípio da razoabilidade a que se refere o recorrente foi atendido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto quando se pronunciou sobre a condição de suspensão imposta no Proc. nº 7815/15.3T9PRT, tendo reduzido o montante da condição de pagamento ao lesado, por se tratar de um crime de abuso de confiança agravado p. e p. no artº 205º nº 1 e 4 al. b) do Cód. Penal, e em que, por esse motivo, se atendeu ao critério decorrente do artº 51º nº 2 do Cód. Penal.
No caso em apreço, tendo sido englobada no concurso de crimes um crime de fraude fiscal p. e p. no artº 103º nº 1 al. a) e 2 do RGIT, tendo o tribunal optado pela imposição ao arguido de uma pena de substituição – suspensão da pena de prisão – em obediência ao disposto no artº 14º do RGIT, não podia deixar de condicionar a suspensão à obrigatoriedade de pagamento dos benefícios indevidamente obtidos com a prática do crime.
Antecipando a conclusão, dir-se-á desde já, que falece de todo razão ao recorrente.
Em termos genéricos, nas mais diversas ocasiões em que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se quanto a uma eventual (des)conformidade constitucional, o mesmo sustentou não beliscar o art. 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o disposto pelo art. 51.º n.º 1 al. a) do Código Penal, na parte em que permite ao juiz subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, ao ressarcimento do prejuízo infligido ao ofendido[3].
Esclareceu, designadamente, que a imposição deste dever não infringe o princípio da igualdade, dado que a previsão legal é geral e abstrata, abrangendo todos os indivíduos que pratiquem factos semelhantes, sem fazer distinção entre os agentes, e as diferentes situações financeiras dos arguidos condenados com a suspensão da execução da pena, condicionada ao pagamento de certa indemnização, não são de molde a cavar discriminações entre eles em função da situação económica, dado que o incumprimento da obrigação só é passível de conduzir à revogação da suspensão, se o mesmo for grosseiro e reiterado, a ser decidido após o exercício do princípio do contraditório (arts. 56.º, n.º 1, do Código Penal e 492.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Concomitantemente, assinalou que o que está vedado pelo Direito Internacional Convencional a que Portugal se vinculou, acolhido nos arts. 11.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado pela Lei n.º 29/78, de 12.06 e 1.º do Protocolo n.º 4 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovado para ratificação, pela Lei 65/78, de 13.10, é a privação da liberdade pela razão única do não cumprimento de uma obrigação contratual[4].
Especificamente no tocante às infrações tributárias, não procede a alegação de que o art. 14.º n.º 1 do RGIT, consagrou um “protecionismo desproporcionado ao Fisco”, enquanto credor lesado, tendo em atenção que se está perante entidade vocacionada à realização do fim público e à prossecução de interesses de índole financeira, onde avulta o da justa repartição do rendimento. Aliás, é a natureza fundamental dos interesses em causa, constitucionalmente reconhecidos, que legitima a adoção pela lei desta discriminação positiva do Estado, corporizada na vinculação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da prestação faltosa, acréscimos legais e benefícios obtidos.
Não é por demais realçar que o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade, enquanto limite objetivo da discricionariedade legislativa, não impede que a lei possa criar distinções de tratamento, conquanto objetiva, material e razoavelmente alicerçadas.
Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça[5] já se pronunciou no sentido de que nesta decorrência, pode afirmar-se que o ius puniendi de que o Estado é detentor na luta contra os devedores de impostos, quando aos credores particulares do Estado lhes é denegada tutela idêntica, enquanto figura incumpridora ou em mora nas suas obrigações, não assume qualquer tratamento chocante, forma diferenciada ou desproporcionada, em colisão com os princípios da menor compressão possível dos direitos fundamentais e da igualdade dos cidadãos, respetivamente plasmados nos arts. 18.º, n.º 2 e 13.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa. A despeito do que à primeira vista possa parecer e pese embora aquele seja um normativo restringente de direitos, por comparação aos direitos dos autores de outros ilícitos penais, não só essa restrição está constitucionalmente prevista - n.º 2 do art. 18.º e sem prejuízo do princípio da universalidade, contemplado pelo art. 12.º, n.º 1 -, como é reclamada pela premência dos interesses e direitos, com assento constitucional, que o Estado deve promover.
Neste contexto, a exigência do pagamento da prestação tributária como condição da suspensão da execução da pena de prisão, à margem da avaliação do quadro económico do responsável tributário, nada tem de desmedida, mostrando-se inteiramente justificada pelo interesse preponderantemente público que acautela e pela necessidade de eficácia do sistema penal tributário.
Ora, sendo o art. 14.º n.º 1, uma incriminação de natureza especial, afasta neste particular - “sujeição a deveres” -, o plasmado no ordenamento penal geral, i. e, a norma substantiva traduzida pelo art. 51.º n.º 1. E, porque assim é, em sede de ilícitos fiscais esta aplicação automática da sujeição da pena de prisão cuja execução é suspensa, ao pagamento do valor global em dívida, ainda que fora do condicionalismo gizado pelo mencionado art. 51.º n.ºs 1 al. a) e 2, não contende com os princípios da necessidade das sanções penais, igualdade e proporcionalidade, pelo que não é inconstitucional o dispositivo do art. 14.º, n.º 1, quando interpretado desse modo.
Retira-se do princípio da proibição do arbítrio que a desigualdade jurídica de tratamento só viola o princípio da igualdade quando atinge o nível do arbitrário. Não se descortina ofensa do princípio da igualdade (tributária), pois a opção legalmente vigente não atinge o limite do arbitrário: anota-se que o prejuízo patrimonial causado à administração tributária traduziu-se em efetivo enriquecimento do recorrente e o dever de restituição é exigível de toda e qualquer pessoa sancionada pelo cometimento de infração criminal tributária.
Ao invés do que defende o recorrente, a lei não obriga a que, de antemão, se faça um juízo definitivo sobre a capacidade do arguido em solver a condição: ainda que não tenha os meios aquando da prolação da decisão, nada garante que no período temporal de duração da suspensão da execução da pena de prisão, o mesmo não adquira bens ou rendimentos suficientes para o efeito.
Acresce que o tribunal só poderá revogar a suspensão da execução, por incumprimento da condição fixada, se este for culposo, se não forem viáveis as soluções alternativas enumeradas pelo art. 14º nº 2 als. a) e b) do RGIT e 55º do Cód. Penal e se forem infringidos, de forma grosseira ou repetida, os deveres impostos, tal como sublinha o art. 56.º, n.º 1, al. a), desse diploma legal, aplicável ex vi art. 3.º, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Em suma, salvaguardado que está que os efeitos inerentes ao incumprimento das condições da suspensão não são automáticos, antes dependem da verificação culposa do mesmo, apurada em nova intervenção judicial, não fica constitucionalmente comprometida, na perspetiva do princípio da culpa, a legitimidade do preceito restritivo do art. 14.º n.º 1.
E é por causa desta salvaguarda, que a obrigatoriedade da imposição independentemente da verificação da razoabilidade da exigência do pagamento total não envolve ofensa do princípio da culpa, que enforma o sistema processual penal, como exigência incontornável do respeito pela dignidade da pessoa humana, nem tão-pouco gera inconstitucionalidade, por afronta dos arts. 1.º e 27.º, da Constituição da República Portuguesa[6].
Paralelamente, a circunstância deste condicionamento ser obrigatório não atinge o limite do excesso, interditado pelo art. 18.º n.º 2, situando-se ainda no âmbito da ampla margem de liberdade das diretrizes de política legislativa criminal, tendo em vista os valores e princípios fundamentais, com relevo constitucional, em matéria tributária, que se procuram salvaguardar com tal imposição[7].
Sobre a questão da (des)conformidade à CRP daquele regime de condicionamento obrigatório da suspensão da execução da pena de prisão “… ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos…”, designadamente aos princípios da igualdade, adequação, proporcionalidade e comummente denominada proibição da “prisão por dívidas” decorrentes dos artºs 13º nº 1, 18º nº 2 e 27º da CRP e apesar das reservas de constitucionalidade suscitadas pelo artº 14º nº 1 do RGIT (vg. votos de vencido de Maria Fernanda Palma nos ATC 376/2003 e 29/2007), O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de não serem inconstitucionais “as normas contidas no artº 11º nº 7 do RJIFNA, aprovado pelo Decreto Lei nº 20-A/90 (na redação do Decreto Lei nº 394/93 de 24 de Novembro) e no artº 14º do RGIT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro) e no artº 14º do RGIT aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho” por não colidirem com os princípios constitucionais da culpa, da adequação e da proporcionalidade [ATC 256/2003 de 21/5 com orientação reafirmada nos ATC 29/2007 in DR II 40 de 26.2.2007 e 327/2008 porque: Desde logo, “as razões que, relativamente à generalidade dos crimes, estão na base do regime constante do artº 51º, nº 2 do CP, não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários” já que “no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida” [ATC 256/2003], quer porque a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em dívida não é em si uma condição subjacente à suspensão da pena, para formulação pelo Tribunal do juízo sobre a verificação dos pressupostos da suspensão, quer porque “mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais, tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida” [ATC 256/2003]; e, quiçá decisivamente, o não cumprimento da obrigação não determina a revogação automática da suspensão da execução da pena, pois a revogação depende sempre da demonstração do facto de ser culposa a não satisfação da condição pecuniária – artº 56º nº 1 al. a) do CP.
Como se refere no Ac. do STJ de 18.10.2006[8] «O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, e a tributação do património pessoal ou real deve concorrer para a igualdade entre os cidadãos (arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 3, da CRP), pelo que é da maior evidência, quer no plano teórico quer no plano prático, que o lançamento dos impostos, mostrando-se a coberto da tutela da lei ordinária, sustentada pela lei fundamental, reclama para sua cobrança um regime punitivo deferido ao Estado, sem o qual aquela superior e pública finalidade se mostraria seriamente comprometida, integrando-se, como se integra, o delito de fuga aos impostos naquilo que se apelida de “delinquência patrimonial de astúcia”. Por isso o jus puniendi de que o Estado se mostra detentor na luta contra os devedores de impostos e contribuições à Segurança Social, quando aos credores particulares do Estado lhes é denegada igual tutela, enquanto figura incumpridora e em mora nas suas obrigações, não reveste qualquer tratamento chocante, forma diferenciada ou desproporcionada, em colisão com os princípios com dignidade constitucional sedeados ao nível da igualdade dos cidadãos e da menor compressão dos direitos fundamentais - arts. 13.°, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP. Trata-se de assegurar tratamento diferenciado e desigual, justificado e de todos aceite, numa área e a uma entidade vocacionada à realização de fins públicos, de prossecução de incontornáveis interesses de índole financeira, nacionais e comunitários, de subsistência coletiva, de justa repartição dos rendimentos, objetivos ocupantes na pirâmide de interesses de posição de topo, superiorizando-se aos privados”.
Também no Ac. do STJ de 18.12.2008[9], se reafirmou o mesmo juízo de conformidade com os princípios constitucionais: «Não contende com os princípios da necessidade das sanções penais, da igualdade e da proporcionalidade, não sendo inconstitucional, o art. 14º do RGIT, que obriga a que a suspensão da execução da pena fique sujeita à condição do pagamento da indemnização, pois, como se afirmou no ac. de 21-12-2006 – Proc. n.º 2946/06 - 5.ª –, “a exigência do pagamento da prestação tributária como condição da suspensão da execução da pena de prisão, à margem da avaliação do quadro económico do responsável tributário, nada tem de desmedida, mostrando-se inteiramente justificada pelo interesse preponderantemente público que acautela e pela necessidade de eficácia do sistema penal tributário”. A alteração de paradigma quanto ao tempo de suspensão da execução da pena, operada pela reforma do CP levada a efeito pela Lei 59/2007, de 04-09, ao impor que o tempo de suspensão seja igual ao da medida concreta da pena de prisão, desde que superior a um ano, coloca a questão da sua aplicabilidade às infrações fiscais, sabido que, nos termos do art. 3.º do RGIT, as normas do CP são subsidiariamente aplicáveis IX- Procurando a lei com os ilícitos fiscais proteger as receitas tributárias enquanto componente ativa do património tributário do Estado, compreende-se que o regime da suspensão da execução da pena nestes casos se afaste do novo regime geral do CP, continuando o juiz, independentemente da duração da pena, a ter a faculdade de fixar, para a suspensão, um prazo que na realidade permita ao condenado proceder ao pagamento das prestações tributárias em falta. De todo o modo, configura-se uma questão de aplicação da lei penal no tempo. Assim, se, em abstrato, a nova norma do art. 50.º do CP é, em princípio, mais favorável ao agente, por ter retirado ao julgador a possibilidade de alargar o período de suspensão para limites superiores ao da pena aplicada, de harmonia com o seu juízo de prognose, tal regime, mostra-se, em concreto, desfavorável ao recorrente, porque, ao restringir o período de duração da suspensão, vai obrigá-lo a um esforço financeiro bem maior para conseguir pagar, num período mais curto, o elevado montante da prestação tributária em dívida e legais acréscimos, para poder beneficiar da suspensão da execução da pena que foi fixada».
De realçar ainda que, conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 24 de Outubro Publicado no D.R. Série I, n.º 206, de 24-10-2012 «Feita a escolha (entre a pena de prisão efetiva ou a pena de substituição), a adopção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é a impor a subordinação ao pagamento. (…)» (sublinhado nosso).
Portanto, decidida a aplicação da pena de prisão suspensa. não permite a lei que se pondere a fixação ou não da aludida condição, ou tampouco que se opere qualquer ajustamento do montante a pagar em função das condições socioeconómicas do arguido ou ainda que, como infundadamente peticiona o recorrente, a suspensão da execução da pena de prisão não fique subordinada a qualquer condição.
Por todo o exposto, não vemos razões válidas para alterar a obrigação imposta como condição para a suspensão de execução da pena, pelo que soçobra a pretensão do recorrente.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando consequentemente o douto acórdão recorrido.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 30 de abril de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.ºs. 440/87, de 04.11.87, Proc. n.º 188/86 (in, BMJ 371.º, p. 178); 596/99, de 02.11.99, Proc. 162/97 (in DR II Série, n.º 44, de 22.02.00); 305/01, Proc. n.º 412/00 - 1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º Volume, p. 715) e 357/04, de 19.05.04, Proc. n.º 504/02 - 2.ª Secção.
[4] Num caso de crime de emissão de cheque sem provisão, ver o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 663/98, Proc. n.º 235/98 - 3.ª Secção, datado de 25.11.98 (in, DR II Série, de 15-01-99).
[5] Vejam-se os Acórdãos de 22.01.03, Proc. n.º 972/02, de 13.10.04, Proc. n.º 2370/04, de 06.01.05, Proc. n.º 4204/05, de 31.05.06, Proc. n.º 1294/06 e de 21.12.2006, Proc. nº 06P2946, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] V., neste sentido, Ac. do STJ de 03.11.05, proferido no Proc. n.º 2646/05, pelo Cons. Rodrigues da Costa.
[7] Cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 15 e 23 a 26; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, Coimbra Editora, 2001, p. 43/44; Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, p. 197.
[8] Proferido no Proc. nº 06P2935, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro e disponível em www.dgsi.pt.
[9] Proferido no Proc. nº 07P020, pelo Cons. Arménio Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.