Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
464/09.7TBMDL-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: CUSTAS PROCESSUAIS
CONTA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO SEU PAGAMENTO
Nº do Documento: RP20160111464/09.7TBMDL-C.P1
Data do Acordão: 01/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 615, FLS.331-338)
Área Temática: .
Sumário: I - A transacção sobre custas não abrange a dispensa do pagamento da taxa de justiça devida por cada interveniente processual.
II - A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida ocorre nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do RCP, quando a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada a conceder, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº464/09.7TBMLD-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

A B…, E.P.E., actualmente C…, S.A., intentou, em 15-9-2009, no Tribunal Judicial da Mealhada, pendendo hoje os autos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Aveiro – Inst. Central – 1º Secção Cível – J3, acção declarativa, na forma ordinária, contra D…, E…, E.P., e F…, S.A..
Pede a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 881.910,52, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
Pretende ser ressarcida pelos danos decorrentes de um acidente ferroviário – descarrilamento de um comboio - ocorrido no dia 20-12-2006, na linha férrea do Norte, entre a … e ….
Proferido despacho saneador, no qual se conheceu da excepção de prescrição suscitada pela interveniente G…, S.A., e fixada a base instrutória, foi designada a data do julgamento, dia em que as partes puseram fim à acção mediante transacção, constando da sua cláusula 6ª: “As custas são da responsabilidade da Autora e Ré F…, SA, prescindindo todos, Autora e Réus, de custas de parte”.
Aquela transacção foi homologada por sentença de 4-10-2013, tendo-se decidido quanto a custas: “Custas nos termos acordados (artigo 537º, nº2, do Código de Processo Civil)”. E fixando-se à acção o valor de € 881.910,51.
Em 20-4-2015 foi aberta conclusão em que se informou, entre o mais:
“…
Aplicável para elaboração da conta o regime do RCP actual, nos termos do nº9 do artigo 14º e nº7 do artigo 6º do RCP, o remanescente será incluído na conta do responsável e ainda cobrado aos restantes (vencedores) e que se traduz em 91 UC.s, ou seja, 9.282,00€ devidos por todos os intervenientes (com as deduções do valores já pagos e dos benefícios electrónicos ascende a 6.931.50€).
Considerando a ressalva contida no nº7 do art.6º do RCP, apresento os autos a V. Ex.ª para decisão sobre a cobrança do valor remanescente de taxa de justiça nestes autos”.
Seguindo-se o despacho: “Proceda-se à inclusão do remanescente”.
Notificados da conta de liquidação do remanescente - € 6.823,80 - vieram os RR. D… e E…, EPE, reclamar da mesma, alegando que as custas em dívida, e atento o teor da cláusula 6ª da transacção, apenas podem ser cobradas à A. e à R. F…; requerendo, de qualquer modo, a dispensa do seu pagamento nos termos do disposto no art.6º, nº7, do RCP.
A A. também apresentou reclamação da liquidação do remanescente respectivo - € 5.905.95.
Entretanto, e após nova informação, com vista ao MP, é proferido o seguinte despacho:
“O Tribunal não dispensou o pagamento do remanescente, conforme consta expressamente do despacho proferido a 20/4/2015, pelo que a secção, correctamente, incluiu o montante em apreço na conta que veio subsequentemente a elaborar.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação/pedido de dispensa apresentado pelas partes”.
Inconformados, a A. e os RR. E…, EPE, e D… interpuseram recurso.
Conclui a A.:
- Está em causa no presente recurso a possibilidade de dispensa do remanescente da taxa que a recorrente solicitou em sede de reclamação da conta;
- O despacho recorrido, que se pronunciou sobre esse pedido, apenas consignou que como não existiu dispensa anterior desse pagamento na elaboração da conta, se indeferia o referido pedido;
- Ora, o tribunal não fez avaliação dos motivos invocados pela recorrente para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- Sendo certo que a causa envolvia manifesta complexidade, estando em questão o apuramento de responsabilidade civil por descarrilamento de comboio na linha do norte, em que intervêm como RR. o maquinista da E…, a E… como titular do comboio e a F… como proprietária do vagão descarrilado, reclamando a A. a indemnização de € 881.910,52, por danos sofridos na infraestrutura ferroviária de que é titular;
- Verificando-se que antes de iniciado o julgamento as partes lograram a obtenção de acordo, tendo transigido sobre o objecto do processo, o que é demonstrativo de uma postura processual de cedência, entendimento e colaboração com o tribunal que justifica dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – art.6º, nº7, do RCP;
- A decisão recorrida, ao indeferir o pedido de dispensa do pagamento desse remanescente, fez incorrecto enquadramento da questão e violou o art.6º, nº7, do RCP.
Por sua vez concluem os RR. “E…” e D…:
- Na transacção que pôs termo ao processo ficou acordado (no seu nº6) que “As custas são da responsabilidade da Autora e da Ré F…, SA, prescindindo todos, Autora e Réus, de custas de parte”;
- Na sentença, da mesma data, que homologou a transacção, é expressamente referido: “Custas nos termos acordados (artigo 537º, nº2, do Código de Processo Civil)”;
- A única interpretação possível e útil do ponto 6 da transacção é que as eventuais e hipotéticas custas futuras que viessem a ser exigidas pelo Tribunal seriam da única responsabilidade da Autora e da Ré F…, o que desresponsabiliza os RR./vencedores, ora recorrentes, do pagamento ao Tribunal de qualquer valor adicional que viesse a ser exigido a título de custas;
- Proferida a sentença em 4-10-2013 em matéria de custas, não pode o M.mo Juiz a quo posteriormente alterar a sua decisão nessa matéria no despacho ora recorrido, face a disposto no art.613º, nº1, do CPC, o que acarreta a nulidade do mesmo;
- Logo, o remanescente das custas, a ser exigível, (o que se afigura não dever ser possível face à simplicidade da actividade do Tribunal que a transacção proporcionou e ao disposto no nº7 do art.6º do RCP, norma essa que o Juiz a quo também não respeitou) só pode ser cobrada à Autora e à Ré F…;
- Por outras palavras, a existir/ a ser mantido o apuramento de um valor remanescente, correspondente ao virtualmente devido pelos “vencedores”, ora recorrentes, esse valor teria sempre de ser distribuído e cobrado directamente pelo Tribunal à Autora e à R. F…;
- Estas questões, referidas nos números anteriores, foram expressamente invocadas pelos ora recorrentes na sua reclamação em 7-5-2015, nos termos do art.31º do RCP;
- O tribunal a quo no seu despacho ora recorrido não as apreciou;
- Não o fazendo, padece também o despacho recorrido de nulidade, por omissão de pronúncia, prevista no art.615º, nº1, al. d), do CPC;
- Face ao exposto, a decisão em apreço, que confirma a exigibilidade do pagamento, pelos ora recorrentes, de € 6.823,80, apurado pela secção a título de remanescente de custas, constante do despacho de 17-6-2015, é nula.
Nas contra-alegações o MP conclui pela confirmação da decisão recorrida.
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Questão a decidir:
- dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça devida.
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A matéria a considerar já resulta, no essencial, do relatório.
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Invocam os recorrentes E…, EPE, e D… que a decisão recorrida padece de nulidade, por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas a fls 88 e supra referidas.
A sentença é nula quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – art.615º, nº1, al.d) do CPC.
E, efectivamente, a decisão recorrida não se pronunciou sobre aquelas questões. O que importará, por isso, fazer agora - art.665º, nº1, do CPC.
Ora, entendem os recorrentes – E…, EPE, e D… - que, atenta a decisão proferida quanto a custas, o eventual remanescente relativo a taxa de justiça apenas pode ser exigido à A. e à R. F…, S.A..
Mas não lhes assiste razão.
Assim, e sinteticamente – até porque esta questão acabará por ficar prejudicada com o que se dirá infra acerca do pagamento do remanescente da taxa de justiça - a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente – art.529º, nº2, do CPC. Por isso, havendo lugar a pagamento de remanescente, nos termos do disposto no art.6º, nº7, do RCP, o mesmo pode ser exigido da parte vencedora, nos termos do art.14º, nº9, daquele Regulamento. Uma vez pago, pode depois reclamá-lo da parte vencida a título de custas de parte – art.25º do RCP.
Resulta, assim, de quanto fica dito que a exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça em nada contende com acordado quanto a custas pelas partes, depois homologado em sentença: a condenação em custas, constante da sentença homologatória, apenas significa que a parte vencedora, pagando a taxa de justiça que lhe competia pelo respectivo impulso processual, pode exigir depois o seu reembolso da parte vencida a título de custas de parte.
Pelo que, sendo certo que as partes podem acordar quanto ao pagamento das custas, que abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – art.529º, nº1, do CPC – como fizeram e foi homologado por sentença - donde decorre a sua vinculação ao cumprimento do acordado – tal acordo não envolve a obrigação de pagamento de taxa de justiça devida por parte de cada interveniente processual, obrigação aquela que decorre apenas da lei, não sendo por isso objecto de transacção – não está na disponibilidade das partes. E tendo as partes, como no caso em apreço aconteceu, prescindido de custas de parte, terão de retirar disso as respectivas consequências, pois foi o acordado – cfr, a propósito, e entre outros, os ac.s da Relação de Guimarães de 27-3-2014, e desta Relação do Porto de 30-9-2014, in www.dgsi.pt.
Em suma, a decisão recorrida não contradiz a sentença homologatória da transacção que pôs fim ao litígio, pois a mesma não abrangia, nem podia abranger, a dispensa do pagamento da taxa de justiça devida – e a sentença limitou-se a homologar o acordado.
Resta, assim, a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, questão colocada por todos os recorrentes.
Dispõe-se no art.6º, nº7, do RCP: “Nas causas de valor superior a € 275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A justificação deste preceito legal decorre do Preâmbulo do Regulamento das Custas Processuais – DL nº34/2008 de 26/2, republicado através da Lei nº7/2012 de 13/2 – nos termos do qual:
“Esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais. (…) A taxa de justiça é, agora, com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.
De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.
Traduz, assim, aquele normativo um princípio basilar, que norteia o actual sistema de custas processuais, nos termos do qual deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar pelos intervenientes no processo e o serviço prestado. O que também não significa “uma rigorosa equivalência entre o valor do serviço prestado e o montante da quantia a pagar, relevando que ela tenha a sua causa e justificação na prestação de um dado serviço” – ac. da RL de 6-5-2008, in CJ, XXXIII, 3º, 71.
Importa, por isso, e sobretudo, saber se os autos apresentam alguma especificidade, designadamente, atenta a complexidade da causa e a conduta processual das partes, que torne desproporcionada a exigência do remanescente de taxa de justiça em questão.
Ora, pelos elementos constantes dos autos, afigura-se-nos tratar-se de uma causa - já iniciada em 2009 - apesar de tudo, sem complexidade de maior. Que já foi objecto de uma decisão que incidiu sobre a prescrição do direito da A. relativamente à interveniente G…, S.A.. Acabando as partes por, no início da audiência de julgamento, pôr fim ao litígio mediante transacção.
Ora, esta postura, para além de ser reveladora de cedência e vontade de entendimento entre as partes, teve manifestos e relevantes reflexos no andamento do processo, na medida em que se evitou o julgamento, de facto e de direito, da causa, com tudo o que isso implica em termos de economia processual. Dispensando, assim, o tribunal da prestação daquele serviço, ou seja do julgamento, a sua verdadeira função – a função jurisdicional.
Releva, ainda, ter a A. já pago, a título de taxa de justiça, a quantia de € 4.684,25, aproximadamente metade do total liquidado – € 10.669,20.
Pelo que se nos afigura verificarem-se os requisitos previstos no art.6º, nº7, do RCP para atribuição aos recorrentes da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
O recurso merece, atento quanto fica dito, provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, e julgando procedentes as apelações, em conceder aos recorrentes a dispensa, prevista no art.6º, nº7, do RCP do pagamento do remanescente da taxa de justiça, revogando-se assim a decisão recorrida.
Sem custas.

Porto, 11-01-2016
Abílio Costa
José Eusébio Almeida
Tem voto de conformidade do Ex.mo Desembargador Augusto de Carvalho, que não assina por não estar presente – artº 150º, nº 1 do C.P.C..