Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3700/13.1TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP201502233700/13.1TBGDM.P1
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O Processo Especial de Revitalização não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer atividade autónoma e por conta própria.
II - Os honorários que, num processo especial de revitalização, devem fixar-se ao Administrador Judicial Provisório (AJP) não podem deixar de ter em conta o trabalho efetivamente desenvolvido e processualmente verificado, atendendo-se, além do mais, ao número de credores listados e ao resultado das negociações, ou, o mesmo é dizer, ao modo como terminou o processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – O Processo Especial de Revitalização não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer atividade autónoma e por conta própria. 2 - Os honorários que, num processo especial de revitalização, devem fixar-se ao Administrador Judicial Provisório (AJP) não podem deixar de ter em conta o trabalho efetivamente desenvolvido e processualmente verificado, atendendo-se, além do mais, ao número de credores listados e ao resultado das negociações, ou, o mesmo é dizer, ao modo como terminou o processo.

Processo 3700/13.1TBGDM.P1

Recorrente – B…

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – O processo na 1.ª instância:
B… veio apresentar Processo Especial de Revitalização, nos termos dos artigos 17-A e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), requerendo que fosse proferido o despacho a que alude a alínea a) do n.º 3, do citado artigo 17-C, nomeando-se como Administradora Judicial Provisória (AJP), a Senhora Dra. C…, que detém vasta experiência em diversos processos de insolvência, estando também especialmente habilitada a praticar atos de gestão.

Para tanto, a requerente alegou (ora em síntese):
- É uma pessoa singular, divorciada, mas apesar do divórcio e da celebração de um contrato de promessa de partilha, a apresentante e o seu ex-marido não promoveram a partilha do dissolvido casal, detendo ainda em regime de compropriedade os bens que identifica, e que estão onerados com hipotecas.
- Foram intentadas contra a apresentante processos executivos que igualmente identifica.
- A apresentante e´ professora desde 1989, tendo um vencimento mensal de 2.227,93 Euros.
- A situação em que se encontra esta´ intimamente ligada com a situação de dificuldade económica da empresa “D…, Lda.”, da qual o ex-marido da apresentante foi gerente.
- As responsabilidades assumidas pela apresentante, quer como devedora principal, quer como avalista dos financiamentos daquela sociedade, e não obstante todos os seus esforços, catapultaram a apresentante para uma situação económica e financeira difícil, mas a apresentante é suscetível de recuperação.
- A apresentante não dispõe de capital necessário para efetuar o pagamento aos seus credores, tendo contudo um ativo patrimonial superior às dívidas contraídas.
- A Apresentante, bem como o seu credor E… expressamente manifestaram a sua vontade de encetarem negociações conducentes à revitalização da apresentante, através da apresentação de um plano de recuperação.
- A apresentante propõe para administradora judicial provisória a Exma. Senhora Dra. C….

Foi proferido, a fls. 48, o despacho a nomear a Exma. Administradora Judicial Provisória e os autos prosseguiram os seu termos, tendo sido apresentada (fls. 93) a Lista provisória de Credores. A fls. 108 foi proferido despacho a dar conta de se mostrar ultrapassado o prazo previsto no artigo 17-D, n.º 5 do CIRE e a AJP foi notificada para juntar o plano de recuperação, sob pena de o processo ser encerrado. A fls. 121 foi junta nova Lista Provisória de Credores, retificando a anterior. Esta lista veio a ser indeferida pelo despacho de fls. 134, que igualmente declarou encerrado o processo especial de revitalização, fixando as custas a cargo da devedora. A fls. 146, a AJP veio requerer a fixação de honorários, pretendendo o recebimento de 2.000,00€, acrescidos de IVA, a título de honorários e 500,00€, a título de provisão para despesas.

O Ministério Público pronunciou-se defendendo, no que ora importa: (...) entendemos ser de aplicar a` determinação da remuneração devida pelo AJP a previsão contida no art. 32 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, com as necessárias adaptações, por ser a que mais se aproxima a` presente situação. Ora, prevê o art. 32, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa que “A remuneração do administrador judicial provisório e´ fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente (...)”. Assim, tendo em conta o trabalho desenvolvido pela AJP, não obstante o plano não ter sido homologado por ter sido ultrapassado o prazo previsto no artigo 17-D, n.º 5 do CIRE, que entendemos não ser a si imputável, o tempo pelo qual o PER esteve pendente, o número de credores intervenientes (6) e a normalidade das remunerações mínimas devidas nos processos de insolvência, promovo que se fixe de remuneração devida a` AJP o montante de 2.000,00 euros (dois mil euros), o qual será´ adiantado pelo CGT, entrando, após, em regra de custas. Ora o mesmo se diga quanto às despesas, face igualmente à evidente omissão da lei quanto a essa matéria. Ou seja, entendemos ser de aplicar ao pagamento das despesas devidas pelo AJP a previsão contida nos art. 26, n.º 6, do EAI, bem como o disposto no art. 3.º, n.º 1, da Portaria 51/2005, de 20/01, concluindo-se dessa forma que, uma vez que o valor das despesas apresentadas pela Sra. AJP não excede o montante da provisão de €500,00 (quinhentos euros), como preceituado no art. 26, n.º 6, do EAI, dispensando-se a Sra. AJP. da apresentação das despesas efectuadas, conforme o disposto no art. 3.º, n.º 1, da Portaria 51/2005, de 20/01, promove-se o requerido pagamento a titulo de provisão para despesas”.

Na sequência, foi proferido o despacho de fls. 151, do seguinte teor (com sublinhados nossos): “Uma vez que a portaria a que alude o 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26/02 nunca foi publicada e que a Portaria n.º 51/2005, de 20/Janeiro foi criada expressamente para a Lei n.º 32/2004, de 22/Julho, nada prevendo quanto à remuneração dos administradores provisórios, concluímos que não é aplicável à determinação da remuneração dos AJP a portaria mencionada, como, aliás, já decidimos no processo n.º 2156/13.3TBGDM. Assim, a remuneração será devida nos termos do art. 32.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa que “A remuneração do administrador judicial provisório e´ fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente (...)”.
Desta feita, tendo em conta o trabalho desenvolvido pela AJP, o tempo pelo qual o PER esteve pendente, o número de credores intervenientes (5) e a normalidade das remunerações mínimas devidas nos processos de insolvência, deve a remuneração devida à AJP ser fixada no montante correspondente a 2.000,00 euros, o qual será suportado pela requerente do PER. Quanto às despesas devidas, tendo em consideração o disposto no art. 22.º da Lei n.º 22/2013, de 26/Fevereiro, é efetivamente devido a` AJP o seu reembolso. Porém, não é de aplicar o disposto no art. 29.º, n.º 8 da Lei 22/2013, de 26/Fevereiro, como o refere o MP, porque previsto para os administradores da insolvência e não para os administradores judiciais provisório, nem o disposto no art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 51/2005, de 20/Janeiro, na medida em que, conforme já acima expusemos, a portaria em questão não e´ de aplicável aos administradores judiciais provisórios. Assim, a fim de ser determinado o valor a reembolsar à AJP pelas despesas suportadas devera´ a mesma comprová-las nos autos, para o que se concede o prazo de 10 dias”.

Em face do despacho anterior, a requerente veio alegar a omissão do contraditório e a nulidade desta decorrente, motivando o despacho de fls. 161: “Nenhum omissão foi cometida, em nosso entendimento, porquanto, o direito a` remuneração e reembolso das despesas suportadas resulta de norma expressa, não sendo discutível. De todo o modo, de^ conhecimento à requerente do requerimento apresentado pela AJP e da promoção que sobre ele versou exarada nos autos pelo MP para, querendo, se pronunciar.

Já no uso do contraditório que lhe foi deferido, a requerente pronunciou-se a fls. 167, defendendo que os honorários fossem fixados em função “do parco trabalho apresentado pela AJP” e também que fosse decidido “não haver lugar ao pagamento de qualquer despesa”[1].

Foi então (fls. 207/208) o despacho que vem a ser objeto da presente apelação. Nele se escreveu: “Pese embora os argumentos aduzidos pela requerente, na pessoa do seu ilustre mandatário, decido manter o despacho proferido quanto ao valor devido pela AJP a título de honorários e quanto e quanto à necessidade de comprovação das despesas suportadas. Regularmente notificada para os termos do despacho proferido a fls. 151 a 152, a AJP, no prazo concedido para o efeito, não veio comprovar as despesas suportadas no desenvolvimento da sua atividade. Assim, e tendo presentes os fundamentos já referidos no despacho identificado quanto ao reembolso das despesas, atenta a sua falta de demonstração, decido não ser devida a` AJP qualquer quantia a título de reembolso de despesas eventualmente suportadas”.

1.2 – Do recurso:
Inconformada com a decisão, a requerente B… veio apelar e pretende que “substituindo-se o despacho recorrido por outro que fixe à AJP remuneração proporcional ao trabalho desenvolvido e consequências da respectiva conduta omissiva, em montante nunca superior a 1/2 S.M.N”. Formula as seguintes Conclusões:
a) - A questão que a ora recorrente pretende submeter a` sempre sábia e douta apreciação de vossas excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto e´ a de saber se o montante judicialmente fixado a título de retribuição à AJP é excessivo (ou não) em função do exercício do respectivo cargo in casu.
b) – Com a supra citada decisão ora em crise, na parte em que fixa a retribuição, não concorda a ora recorrente, pelo que da mesma interpôs a fls. ..., e nesta mesma data e ocasião, o recurso sub judice, o qual objectivamente delimita no que ao conhecimento daquela concreta questão concerne – vide art. 635 do CPC, ex vi art. 170 do CIRE.
c) – Através da apresentação das presentes alegações de recurso convicto está o recorrente que o tribunal recorrido nunca poderia ter fixado à AJP uma remuneração no valor de €2.000,00 (dois mil euros) – a qual considera manifestamente desproporcionada, por excessiva, em função da atividade pela mesma desenvolvida nos autos, o que pretende ver reconhecido em sede recursória;
d) – Ao caso em apreço é aplicável o denominado Estatuto do Administrador Judicial que encontra consagração legal na Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro;
e) – Atenta a factualidade e tramitação processual que a recorrente supra cuidou de historicamente escalpelizar, temos por assente que a AJP no processo especial em apreço, e no exercício das respectivas funções, se limitou, ao longo de cerca de 6 (seis) meses, por ação, a apresentar: - aos 5 de novembro de 2013, lista provisória de credores; - aos 13 de janeiro de 2014, requerimento de prorrogação de prazo para a conclusão das negociações; - aos 7 de março de 2014, nova lista provisória de credores, retificada, o que sucedeu após haver sido notificada do teor do douto despacho que ordenou a junção do plano de recuperação.
f) - Ao que acresce que, por omissão do exercício das respectivas funções para as quais foi judicialmente nomeada, não deu a AJP cumprimento ao teor do douto despacho exarado a fls. ... que, por se mostrar “:.. ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do art. 17.º-D do CIRE” ordenou, no que in casu interessa, a respectiva notificação “...para, no prazo de 5 dias, juntarem aos autos o plano de recuperação, sob pena de o não fazendo o processo ser encerrado (art. 17.º-G, n.º 1 do CIRE”, tendo sido tal inércia que deu origem a` prolação da douta sentença que, por não haver sido junto qualquer plano de recuperação, declarou encerrado o processo especial sub judice.
g) – Na fixação de qualquer remuneração devida à AJP haverá que ponderar que a respetiva atividade se resumiu à apresentação de duas listas provisórias de credores e dois requerimentos, sendo um deles de prorrogação do prazo e outro de fixação da remuneração e despesas.
h) - É manifestamente excessivo e desproporcionado que fruto de tal atividade (e inação que deu origem ao encerramento do processo), seja a` AJP fixada remuneração no valor de €2.000,00.
i) - Entendendo a propósito a recorrente que a título de remuneração devida à AJP nunca poderá ser fixado um valor superior a 1/2 salário mínimo nacional – o que requer.
j) – De tal modo, a decisão em crise violou e/ou interpretou erradamente, entre outros, o disposto nos citados preceitos legais, mormente no estatuto dos administradores judiciais.

O Ministério Público respondeu ao recurso. Defendendo que “dado provimento ao recurso e ser atribuída à administradora judicial provisória remuneração fixada em valor que se situe entre 500€ (quinhentos euros) e 750€ (setecentos e cinquenta euros), concluiu:
1- «A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo (...)» - cfr. artigo 32, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
2 - Tendo em conta o universo de atribuições que incumbe, em abstracto, aos administradores judiciais provisórios, há que ter em conta, no que à fixação da remuneração do administrador judicial provisório concerne, é o trabalho efetivamente desenvolvido.
3 - Trabalho esse que e´ claramente marcado pelo número e pela natureza dos créditos, os quais, por sua vez, determinam a questão da feitura da lista provisória de credores, do decurso das negociações e contagem dos votos e do resultado do processo.
4 - Ora, há que ter em conta que o resultado do processo foi o respectivo encerramento, sem que tenha sido apresentado qualquer plano de recuperação da devedora.
5 - Deve considerar-se ainda que o lapso de tempo que durou o processo foi aproximadamente de seis meses e que os créditos ascendiam apenas ao número de cinco.
6 - Por fim, não pode deixar-se de levar em linha de conta que o trabalho, processualmente demonstrado – até porque esta não referiu quaisquer outros atos por si praticados -, da administradora judicial provisória nomeada se resumiu, em função disso, à elaboração e apresentação de duas listas provisórias de credores e um requerimento de prorrogação de prazo para conclusão das negociações.
7 - Tudo em termos de permitir concluir que efetivamente a atribuição da remuneração à administradora judicial provisória de 2.000 € (dois mil euros) se afigura excessiva.
8 - Afigura-se-nos, assim, tendo em conta os critérios acima elencados, que o valor da remuneração a ser justamente atribuída à administradora judicial provisória deverá fixar-se em valor que se situe entre 500 € (quinhentos euros) e 750 € (setecentos e cinquenta euros).
9 - Assiste, pelo exposto, razão a` recorrente.

O recurso foi recebido nos termos legais e, na Relação (ponderando a simplicidade da única questão a resolver) foram dispensados os Vistos[2]. Cumpre conhecer o mérito da presente apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Definido pelas conclusões da apelante, o objeto do presente recurso consiste (apenas) em saber se os honorários judicialmente atribuídos à AJP (Administradora Judicial Provisória) se mostram corretamente fixados ou se devem se de outro – e inferior – montante.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto:
Do relato antecedente, que transcreve os despachos relevantes e as razões da recorrente, bem como a resposta do Ministério Público, já resulta a matéria de facto pertinente à apreciação do mérito do recurso. Sem embargo, mas para cabal esclarecimento e compreensão, acrescentamos expressamente:
2.1.1 – Os presentes autos tiveram início em 18 de setembro de 2013, com a apresentação da requerente ao PER (Processo Especial de Revitalização), através da petição de fls. 4 e ss., onde, além do mais (20) enumera e identifica os seus credores.
2.1.2 – No despacho liminar, proferido a 2.10.2013, foi nomeada Administradora Judicial Provisória (AJP) a Sra. Dra. C…, sugerida pela devedora.
2.1.3 – O processo foi declarado encerrado por sentença de 31 de março de 2014.
2.1.4 – Durante o período compreendido entre o início do processo e o seu encerramento, a AJP elaborou e apresentou, a 5 de novembro de 2013, a lista provisória de credores; a 13 de janeiro de 2014, apresentou requerimento de prorrogação do prazo para a conclusão das negociações; elaborou e apresentou, a 7 de março de 2014, nova lista provisória de credores.
2.1.5 – O PER terminou sem ter sido apresentado qualquer plano de recuperação e sem que a AJP haja concluído que a apresentante se encontra em situação de insolvência.

2.2 – Aplicação do Direito:
O chamado Processo Especial de Revitalização (PER) foi introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei 16/2012, de 20 de abril e, como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de dezembro de 2011, “pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual”, uma vez que (e continuamos a citar) “A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” dos agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”.

É um processo que “representa uma grande mudança de filosofia em relação à conceção original do CIRE”, quando “a crise financeira internacional demonstrou o gravíssimo erro que foi a aprovação desse diploma, responsável pelo encerramento de inúmeras empresas do nosso país” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “A responsabilidade pela abertura indevida do processo especial de revitalização”, in. II Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2014, págs. 143/151, a pág. 143)[3].

Por outro lado, trata-se de “um procedimento híbrido, no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última, a recuperação do devedor, se trata de um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos chave: no seu início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo ou para extrair as devidas consequências da não aprovação do mesmo” (Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pág. 17).[4]

Tem-se entendido, pelo menos na generalidade das decisões judiciais (que o afirmam ou necessariamente o pressupõem) que o aludido processo especial de revitalização se aplica a qualquer devedor, “titular ou não de uma empresa” (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, Almedina, 2014, pág. 280)[5], ou seja, que tal processo especial também se aplica às pessoas singulares, mesmo que não sejam comerciantes[6].

Tal conclusão parece-nos, no entanto, manifestamente desconforme ao nome e à razão deste processo especial de revitalização[7], mas a mesma, eventualmente em razão de alguma ambiguidade do nosso legislador, tem vindo a aceitar-se[8], ainda que longe de ser aceite de modo acrítico e unânime[9].

No caso presente, apresentou-se à revitalização a pessoa singular, ora recorrente, sendo certo que – não obstantes as notas precedentes – o âmbito subjetivo deste processo especial não é objeto da presente apelação. É-o, isso sim, o montante fixado para a remuneração da AJP, e a essa questão devemos dirigir-nos.

Sem embargo, e porque nada obsta a que tomemos posição, sempre diremos que acompanhamos o entendimento que conduz à inaplicabilidade deste processo especial às pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou, dito de outro modo, que não exerçam, elas mesmos e por si, uma atividade económica[10].

Prosseguindo. O AJP, em traços gerais, é nomeado no início do processo especial de revitalização (como decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 17-C do CIRE, que logo esclarece que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no artigos 32 a 34 do CIRE[11]) e compete-lhe, além do mais[12], participar, orientar e fiscalizar o decurso dos trabalhos e a regularidade das negociações (tal como definir as regras dessas negociações, na falta de acordo entre devedor e credores) – artigo 17-D, n.º 9 e n.º 8). Concluídas as negociações com a aprovação de um plano de recuperação, o AJP deve atestar a documentação comprovativa da aprovação (artigo 17-F, n.º 1); se não for alcançado o acordo, ou se tiver sido ultrapassado o prazo previsto no artigo 17-D, n.º 5, o processo especial de revitalização é encerrado e o AJP deve comunicar tal facto ao processo (artigo 17-G, n.º 1).

O trabalho desenvolvido pelo AJP é remunerado, como esclarece o artigo 32 do CIRE (transcrito em nota), aplicável, com as necessárias adaptações ao AJP nomeado em sede de processo de revitalização. A remuneração é fixada “na própria decisão de nomeação ou posteriormente” – diz o preceito legal - e constitui “um encargo compreendido nas custas do processo”[13], a ser suportado pelo “Cofre Geral dos Tribunais” (referência que deve ser entendida como feita, atualmente, para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP)[14].
A remuneração do AJP prevista no artigo 32 do CIRE interliga-se com a previsão do artigo 27 da Lei 22/2013 (Estatuto do Administrador Judicial), que determina que a fixação da remuneração do AJP (em processo de insolvência) deve respeitar os critérios enunciados no artigo 25.º, n.º 2[15], “bem como ter em conta a extensão das tarefas que lhe são confiadas”, e não pode ignorar – como, aliás, refere a decisão recorrida – que a portaria prevista no n.º 1 do artigo 23 daquele deste diploma (onde, pela primeira vez se prevê o processo de revitalização) não chegou a ser publicada.

A Portaria n.º 51/2005 foi criada no âmbito de vigência do anterior EAI (Estatuto do Administrador da Insolvência), a Lei 32/2004, de 22 de julho e, quanto à componente fixa do administrador da insolvência, fixou-a em 2.000 Euros, embora logo ressalvasse que, nos casos de exercício de funções por período inferior a seis meses, o Administrador da Insolvência só teria direito a receber a primeira prestação, ou seja – atendendo ao disposto no artigo 26, n.º 2 da Lei 32/2004 – 1.000Euros.

Ora, nada se prevendo atualmente para o AIJ em sede de processo de revitalização, sempre se deverá considerar que a remuneração mínima (ou fixa) prevista na Portaria 51/2005, se aplicável ao caso presente, seria apenas a 1.ª prestação (metade) de 2.000 Euros, e não este valor, como parece considerar – ainda que expressamente o não diga – a decisão recorrida.

Mas a remuneração do AJP no processo especial de revitalização terá de atender, isso sim, à aplicação, com as necessárias adaptações, ao disposto no artigo 32 do CIRE e, por isso, ao artigo 27 e 25, n.º 2 da Lei 22/2013. É claro que a previsão deste diploma está pensada claramente para as empresas, tal como o artigo 32 do CIRE e – segundo os autores que citámos – o próprio processo especial de revitalização. Mas, à míngua de outros critérios, considerando que o valor fixo da Portaria 51/2005, mesmo que não diretamente aplicável, sempre seria, num caso como o presente, 1.000 Euros e não 2.000 Euros, o que mais importa é apurar “a extensão das tarefas confiadas” (artigo 27 da lei 22/2013), sem esquecer o número de credores e a sua natureza e, bem assim, o resultado das negociações levadas a cabo (artigo 25, n.º 2 da lei 22/2013, com as necessárias adaptações).

Num acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ainda relativamente recente (26.09.2013 – Processo n.º 3775/120TBGMR.G1, dgsi) revoga-se parcialmente uma decisão da 1.ª instância que fixara a remuneração do AJP em 1.800 Euros, fixando-a em 4.000 Euros. No caso ali em apreço – e muito diversamente do que sucedeu no processo que ora apreciamos – o administrador apresentou a lista provisória dos créditos reclamados, abrangendo 59 créditos; levou a efeito as pertinentes negociações e foi aprovado um plano de recuperação, oportunamente homologado. Considerou-se que o administrador “esteve adstrito às funções para que foi nomeado por quase cinco meses”, que o “seu desempenho foi zeloso e competente”, que “o volume de negócios da devedora será, a fazer fé no plano de recuperação e no montante das dívidas, apreciável” e que o administrador “teve necessidade de interagir com um número elevado de credores (59)”. Assim, a decisão citada é clara em considerar globalmente o trabalho desenvolvido pelo AJP, uma vez que, sem partir de qualquer valor mínimo, pondera o concreto trabalho desenvolvido, atendendo ao número de credores, ao tempo de exercício, e ao resultado obtido, concretamente a aprovação de um plano de recuperação.

É esse critério de ponderação que entendemos ser aplicável. E, aplicando-o ao caso presente, é manifesta a razão da apelante e o do Ministério Público (ainda que este, apenas em sede de recurso), quando concluem que a remuneração fixada no despacho sob censura (e só essa está em causa, que não as invocadas mas não documentadas despesas) se revela claramente excessiva. Excessiva, porquanto, como os factos inequivocamente revelam, a AJP apresentou uma primeira lista de credores e nada mais: o tempo passou e o processo foi extinto (justamente por ter excedido o prazo legal) sem haver sido atingido qualquer plano de recuperação, no fundo, sem se conhecer sequer qualquer resultado das negociações que - apenas por presunção – admitimos hajam ocorrido. Acresce que – como resulta da lista provisória de credores que foi junta aos autos -, a totalidade dos créditos ascendia a cerca de 257.000 Euros, mas só dois credores, o credor hipotecário e a Fazenda Nacional, de um universo de (apenas) 6 detinham um montante de cerca de 238.000 Euros.

Em suma, e sem necessidade de outras considerações, entendemos que um valor próximo de uma r.m.m.g (vulgo, salário mínimo nacional) se revela adequado ao efetivo trabalho desenvolvido e revelado nos autos. Em conformidade, fixamos a remuneração da AJP, em conformidade revogando o decidido, na quantia de 500,00€ (quinhentos euros).

Nas custas do recurso ponderamos que a) a fixação da remuneração do AJP deve sempre ocorrer, independentemente de haver ou não pretensão formulada nesse sentido, sendo uma tramitação normal do PER e não incidente: daí que entendamos não ter havido decaimento da AJP (que também não tomou posição no recurso); b) que as custas do processo de revitalização são sempre devidas pela apresentante (devedor), “quer o juiz homologue o acordo dos credores, quer decida recusar a sua homologação” (Salvador da Costa, in. “Questões sobre custas nos processos de insolvência”, in I Colóquio de Direito da Insolvência de... cit., págs. 273/288, a pág. 281) e c) como decorre, entendendo que não há vencimento, deve prevalecer no recurso a regra prevista na parte final do n.º 1 do artigo 527 do Código de Processo Civil. Em conformidade, as custas do recurso são devidas pela recorrente, que dele tirou proveito, mas sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (dispensa de taxa de justiça e demais encargos – fls. 265), revogando a anterior modalidade (pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos – fls. 252).

3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação e, em conformidade, revogando a decisão recorrida na parte em que fixou a remuneração da Administradora Judicial Provisória substituí-la pela presente, que fixa a referida remuneração na quantia de 500,00€ (quinhentos euros).

Custas do recurso a cargo da recorrente.

Porto, 23.02.2015
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] Com os fundamentos que ora se resumem: “(...) na fixação dos pretendidos valores não se pode olvidar que ao administrador judicial provisório cabe o acompanhamento e fiscalização do processo de negociações tendente à aprovação do plano de recuperação, assim como a autorização prévia dos atos de especial relevo que o devedor pretenda praticar e outros atos de natureza tendencialmente procedimental (...) na fixação de qualquer valor a pagar in casu à AJP deve o Tribunal ponderar a respectiva conduta omissiva e respectivas consequências não só para a pessoa daquela, mas de igual modo para terceiros; sendo que, compulsados os autos, resulta de forma clara e inequívoca a atividade funcional da AJP se limitou pura e simplesmente à mera elaboração de uma lista provisória de credores, e pouco mais... (...) não podendo ainda a Requerente, por último, deixar de referir que, devida e pessoalmente notificada a AJP para comprovar as reclamadas despesas, e transcorrido o prazo processual para o efeito concedido, a mesma ter optado por nada comprovar – o que, segura e necessariamente conduzirá´ à` não fixação de qualquer valor a tal título”.
[2] Despacho de fls. 287.
[3] Prosseguindo o mesmo autor, ainda na citada pág. 143: “Não foi por isso de estranhar que o Memorando de Entendimento assinado com a troika determinasse nos seus pontos 2.17 e ss. a obrigação de o Governo alterar o CIRE em ordem a estabelecer um novo enquadramento legal para a reestruturação das dívidas de empresas e particulares, em conformidade com as boas práticas internacionais. O Governo aprovou por isso as Resoluções do Conselho de Ministros 43/2011, de 25 de outubro, que estabelece os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores e 11/2012, de 3 de fevereiro, que institui o programa Revitalizar. Em consequência, a Lei 16/2012, de 20 de abril, sem alterar significativamente a estrutura e filosofia do CIRE veio nele introduzir nos seus arts. 17.º-A e ss. um processo específico destinado à recuperação de devedores: o processo especial de revitalização” (itálicos do autor).
[4] Prosseguindo a mesma autora, no loc. cit.: “Visa, como referido, a obtenção de um acordo com todos ou a maioria dos credores, proporcionando, caso se frustre, uma verdadeira via rápida para a declaração de insolvência, já que esta pode vir a ser, e sem possibilidade de defesa por parte da devedora (que não posterior à própria declaração) decretada sem qualquer outro tipo de apreciação por parte do tribunal, naquilo que é, simultaneamente, uma das suas maiores virtudes e fragilidades (...)”.
[5] Nesse mesmo sentido, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, 2.ª edição, Almedina, 2012, pág. 15: “Atendendo à forma como a lei foi redigida, e não obstante o processo especial de revitalização inserido no CIRE, ter sido anunciado como um meio de recuperação das empresas, o objetivo de fundo do memorando no que respeita à matéria em causa, era “facilitar o resgate efetivo das empresas viáveis e apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis...”, pretendendo, de raiz, abranger as empresas e as pessoas singulares. Talvez por esse motivo, os novos arts. 17º-A a 17º-I, que regulam o processo especial de revitalização, em momento algum referem que a sua aplicação está limitada às pessoas coletivas ou entidades equiparáveis, antes anunciando, expressamente, que o processo de revitalização pode ser utilizado “por todo o devedor”. Assim, não deixa de ser aplicável às pessoas singulares, quando estas estejam na situação descrita e sejam financeiramente responsáveis – Cfr. n.º 2 do artigo 17.º-A”
[6] Como refere Catarina Serra (“Processo especial de Revitalização – Contributos para uma “rectificação” – in. Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Abr./Set. 2012, Lisboa, págs. 715/741, a pág. 716, nota 2), “O regime do PER aplica-se a qualquer devedor, pessoa singular, pessoa coletiva, património autónomo, titular de empresa ou não, dado o silêncio da lei quanto a quaisquer requisitos (cf. Art. 1.º, n.º 2 e art. 17.º-A, n.º 1)”
[7] Neste sentido, importa citar Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, págs. 142/143, nota 8: “De todo o modo, o apelo à recuperabilidade como vetor matricial do processo de revitalização introduz a questão da delimitação do respetivo âmbito de aplicação. Perante o teor literal do preceito, dir-se-ia que ele abrange qualquer devedor, independentemente das respetivas natureza e qualidade. Cremos, todavia, existir um bom par de razões para um entendimento distinto. Com efeito, a ideia de recuperabilidade do devedor tem constantemente sido ligada pela lei à existência de uma empresa no seu património e, neste sentido, à sua qualidade de empresário. Foi assim, sem dúvida, na vigência do CPEREF, como o foi enquanto prevaleceu o regime do Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de julho. Foi ainda assim com o procedimento especial de conciliação, previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de outubro, e é-o agora com o denominado SIREVE – Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial -, cuja disciplina consta do Dec.-Lei n.º178/2012, de 3 de agosto. E é-o também com o CIRE, como facilmente se induz da própria denominação do Código e também se comprova pelo seu art.º 1.º, quer na respetiva versão originária, quer na resultante da alteração operada pela Lei 16/2012. Por outro lado, a principal motivação da criação do processo de revitalização, inserida na revisão do Código, foi, como confessado na exposição de motivos que fundamentou a apresentação pelo Governo à Assembleia da república da Proposta de Lei n.º 39/XII, a promoção da recuperação, “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, acrescentando-se, aliás, mais adiante que “a presente situação económica obriga, com efeito, a gizar solução que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”. Manifestamente, pois, a realidade que preenche o pensamento legislativo é o tecido empresarial, no seu conjunto, e de uma forma muito lata, facilitada, de resto, pelo conceito geral de empresa que, para efeitos do Código – na globalidade deste! -, e agora também do SIREVE (cfr. art.º 2.º, n.º 2 do Dec.-lei n.º 178/2012), se acolhe no art.º 5.º. Acode, também, uma outra razão que não se deve ter por despicienda. É que, embora já num enquadramento insolvencial, a lei contempla um procedimento especialmente vocacionado para devedores que não sejam titulares de empresas, previsto e regulado nos artigos 251.º e seguintes, por força do qual não de vê particular utilidade em cumular a possibilidade de recurso, por eles, ao processo de revitalização, com o consequente e, cremos, ineficiente consumo de recursos que este processo implica – judiciais e atinentes à administração provisória, de nomeação e envolvimento obrigatórios. Temos, pois, por adequada a conclusão de que o processo de revitalização se dirige somente a devedores empresários, justificando-se a consequente restrição ao sentido literal do texto. Neste sentido, a mais dos pressupostos objetivos do processo de revitalização que se materializam na situação económica difícil ou de insolvência iminente do devedor e da sua recuperabilidade, acresce o pressuposto subjetivo traduzido na exigência de que se trate de um devedor em cujo património se integre uma empresa – devedor empresário”(itálicos dos autores).
[8] Como escreve Nuno Gundar (consultado a 3.02.15, in. www.revistainvest.pt /pt o-aumento-dos-processos-PER-de-pessoas-singulares-por Nuno-Gundar-da-Cruz/A920...), “Parafraseando Goethe: “a lei é poderosa, mas mais poderosa é a necessidade”. Antes da citação, refere: “Quando, no ano de 2012, foi criado o Processo Especial de Revitalização, pensou-se estar perante um mecanismo que visava a recuperação de empresas, e não de pessoas singulares. Aliás, o PER foi apresentado pelo Governo português como uma das respostas estratégicas à necessidade de se criar uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial (...) Sucede, contudo, que, como muitas vezes acontece, o Direito não foi capaz de acompanhar as necessidades do nosso tempo: os tribunais portugueses começaram a aceitar o uso do PER por pessoas singulares. Inclusivamente por pessoas singulares que não são sequer donos de qualquer empresa. Esta inovação, por assim dizer, veio responder a uma necessidade clara que não estava preenchida pelo Direito português. Com efeito, até ao aparecimento do PER, qualquer pessoa singular que se encontrasse em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente acabava, na maioria dos casos, por ser declarada insolvente. Sofrendo todos os efeitos negativos associados à declaração de insolvência (...)”.
[9] Além dos autores referidos em anterior nota (n.º 8), também Nuno Salvador Casanova e David Sequeira Dinis (PER – O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, págs. 12/13), depois de dizerem que “revitalizar” é tornar o devedor “novamente saudável”, acrescentam: “(...) uma vez que o PER se destina a revitalizar o devedor, e não a liquidar o seu património, apenas podem ser objeto de um PER as pessoas coletivas e patrimónios autónomos que, mesmo não tendo uma finalidade lucrativa, exerçam uma atividade económica (...) As pessoas singulares com capacidade plena podem exercer uma atividade económica pelo que – mesmo não sendo comerciantes – são igualmente susceptíveis de recuperação”.
[10] O argumento que radica no programa de assistência financeira (o chamado acordo com a troika) parece-nos claramente insuficiente e mesmo suscetível de ser interpretado em sentido diverso daquele que alguns lhe dão: afinal, tendo tal programa de assistência pretendido, além do mais, “apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis” (o que quer que isso realmente seja e juridicamente represente), o certo é que o diploma que veio a ser aprovado (e que constitui a lei que nos rege, ao invés do citado acordo internacional), quer na sua exposição de motivos, quer nos diversos artigos que veio a alterar no CIRE, aponta claramente para a revitalização e recuperação do tecido empresarial e omite, significativamente, qualquer propósito de igualmente pretender reabilitar os devedores singulares (não comerciantes, empresários ou que (não) desenvolvem uma qualquer atividade económica). Não pode esquecer-se, por outro lado – e além do que referimos na nota n.º 8, e acompanhamos - qual o sentido da expressão revitalizar, que o legislador escolheu (por certo, pensadamente) e também que, por último, as pessoas singulares já antes beneficiavam (e agora continuam a beneficiar) do regime decorrente do chamado “Plano de pagamentos aos credores”, previsto nos artigos 249 e ss. do CIRE e que, como resulta do preâmbulo deste diploma (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março) permite “às pessoas singulares, não empresários ou titulares de pequenas empresas, a apresentação, com a petição inicial do processo de insolvência ou em alternativa à contestação, um plano de pagamentos aos credores (...)”. Importa acrescentar que o “Plano de pagamentos aos credores” determina a suspensão da declaração de insolvência e que a insolvência que venha a ser decretada, após a homologação do plano, tem um alcance mais limitado do que a “normal” (se assim podemos dizer), não estando sequer sujeita a registo e publicidade (artigo 259, n.º 5 do CIRE), o que constitui um “benefício significativo para o devedor” e é “uma consequência dos efeitos limitados desta decisão” (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Almedina, 2013, pág. 704).
[11] Artigo 32.º (Escolha e remuneração do administrador judicial provisório): 1 - A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos. 2 - O administrador judicial provisório manter-se-á em funções até que seja proferida a sentença, sem prejuízo da possibilidade da sua substituição ou remoção em momento anterior, ou da sua recondução como administrador da insolvência. 3 - A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.
Artigo 33.º (Competências do administrador judicial provisório): 1 - O administrador judicial provisório a quem forem atribuídos poderes exclusivos de administração do património do devedor deve providenciar pela manutenção e preservação desse património, e pela continuidade da exploração da empresa, salvo se considerar que a suspensão da atividade é mais vantajosa para os interesses dos credores e tal medida for autorizada pelo juiz. 2 - O juiz fixa os deveres e as competências do administrador judicial provisório encarregado apenas de assistir o devedor na administração do seu património, devendo: a) Especificar os atos que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório; ou b) Indicar serem eles genericamente todos os que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa. 3 - Em qualquer das hipóteses previstas nos números anteriores, o administrador judicial provisório tem o direito de acesso à sede e às instalações empresariais do devedor e de proceder a quaisquer inspeções e a exames, designadamente dos elementos da sua contabilidade, e o devedor fica obrigado a fornecer-lhe todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções, aplicando-se, com as devidas adaptações, o artigo 83.º
Artigo 34.º (Remissão): O disposto nos artigos 37.º, 38.º, 58.º e 59.º e no n.º 6 do artigo 81.º aplica-se, respectivamente e com as necessárias adaptações, à publicidade e ao registo da nomeação do administrador judicial provisório e dos poderes que lhe forem atribuídos, à fiscalização do exercício do cargo e responsabilidade em que possa incorrer e ainda à eficácia dos atos jurídicos celebrados sem a sua intervenção, quando exigível.
[12] Sobre as funções do AJP no processo especial de revitalização, mais detalhadamente, Jorge Calvete, “O papel do Administrador Judicial Provisório no Processo Especial de Revitalização”, in. I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2014, págs. 59/67.
[13] “(...) o que significa que, na eventualidade de a ação ser improcedente, é o requerente quem paga” (Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação... cit., pág. 251).
[14] Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência... cit., pág. 117.
[15] “(...) deve o juiz atender ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento”. Precisamente o que já referia o artigos 22, n.º 2 da lei 32/2004: “... volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento”.