Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/17.4PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CONCURSO REAL
Nº do Documento: RP20171026102/17.4PTPRT.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 731, FLS.206-218)
Área Temática: .
Sumário: Comete dois crimes de desobediência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em concurso real, o arguido que se recusou a fazer o teste de álcool sem motivo, e advertido de que não devia conduzir pelo período de 12 horas salvo se viesse a revelar em exame que tinha uma TAS inferior a 0,50 g/l, vem a conduzir o mesmo veículo antes de decorrido o período de 12 horas e com uma TAS de 1,90 g/l.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 102/17.4PTPRT.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1 Por sentença de 18/04/2017, após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 102/17.4PTPRT, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade, J1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi a arguida B…:
1) absolvida da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs 292°, n° 1, e 69°, n° 1, al. a), do Código Penal, de que vinha acusada;
2) condenada, pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos art.ºs 152°, n° 3, do Código da Estrada e 348°, n° 1, al. a), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
3) condenada pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos art.ºs 154°, nº 2, do Código da Estrada e 348°, n° 2, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
4) em cúmulo jurídico das penas parcelares anteriormente referidas, nos termos do disposto no art.º 77°, nºs 1 e 2 do Código Penal, foi a mesma arguida condenada na pena única de 14 (catorze) meses de prisão que, nos termos do disposto nos art.ºs 50° e 52°, n° 1, al. b), do Código Penal, foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses, subordinando-se tal suspensão ao cumprimento do Programa "Responsabilidade e Segurança", dinamizado pela DGRSP e composto pelas seguintes ações:
a) frequência do curso "Prevenção e Segurança Rodoviária", dinamizado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, suportando a arguida os respetivos custos, em data e hora a indicar à arguida pela DGRSP;
b) frequência do curso "Condução de Veículo em Estado de Embriaguez - Estratégias de Prevenção de Reincidência", dinamizado pela DGRSP, em data e local a indicar à arguida por esta entidade;
c) realização, durante o período da suspensão, de entrevistas com o técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida, devendo ser trabalhada a interiorização do desvalor da sua conduta e o treino das competências pessoais e sociais em défice, nomeadamente a do pensamento consequencial;
d) realização de consulta de alcoologia com médico e em serviço que serão indicados à arguida pela DGRSP, obtido o consentimento prévio daquela;
e) apresentar-se na DGRSP quando para tal for convocada e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário;
5) nos termos do disposto no art.º 69°, n° 1, al. c), do Código Penal, foi ainda a arguida condenada na proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 12 (doze) meses, ficando obrigada a entregar a carta de condução, no prazo de dez dias a contar do trânsito da sentença, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial (artigos 69.°, nºs 2 e 3, do Código Penal e 500º, nº 2, do Código de Processo Penal), sob a cominação de, não o fazendo em tal prazo, cometer o crime de desobediência, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência com o n° 2/2013.
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1. Os factos dados como provados integram os elementos objetivos e subjetivos de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de desobediência e um crime de desobediência qualificada, uma vez que a arguida conduziu um veículo automóvel na via pública, sendo da primeira vez recusou-se a submeter à análise toxicológica de quantificação de álcool no sangue, e na segunda, depois de já ter sido devidamente notificada que não poderia conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer no crime de desobediência qualificada, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,00g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,900g/l. Tudo conforme decorre dos factos dados como provados.
2. Não ocorrendo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, teremos de concluir que a arguida cometeu os três crimes pelos quais foi acusada.
3. Analisando os factos dados como provados e os elementos de prova considerados pelo Tribunal temos duas resoluções criminosas, tanto mais que, após a interceção e a detenção ocorrida pelos factos de 25 de março de 2017, pelas 05h27m, foi a arguida advertida pelo Agente da P.S.P. que não poderia conduzir no espaço temporal de 12 horas, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, tendo ainda sido informada que tal impedimento podia finalizar antes dessa hora se, até lá, fosse efetuada contraprova ou novo exame que revelasse uma TAS inferior a 0,50 g/l.
4. Mais, após ter sido intercetada e detida pela P.S.P. uma primeira vez conforme descrito, a arguida manifestou indiferença para com o Direito e apesar da advertência que lhe havia sido dirigida, o que denota uma maior culpa, conduziu novamente sob a influência de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida no nosso Código Penal.
5. O que gera a responsabilidade penal da arguida não é a ingestão de bebidas alcoólicas, mas ao facto de ter conduzido, por duas vezes, veículo com motor na via pública em diferentes circunstâncias de tempo e lugar, sendo que numa se recusou a efetuar o teste de alcoolémia, no dia 25 de março de 2017, pelas 05h27m, na Rua …, no Porto, e outra no mesmo dia pelas 07h30m, na Avenida …, no Porto, acusando um a taxa de álcool no sangue de 2,00 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1.900 g/l., pelo que não se mostra violado o princípio plasmado no artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual, nesta parte, deve a sentença ser alterada.
6. Conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto, proferido em 9 de setembro de 2015, disponível em www.dgsi.pt: “Julgamos verificada a prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez porquanto propugnamos que a génese de tal crime é - não a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso (se assim o entendêssemos, como o artigo 154.º, n.º 1, do Código da Estrada, fixa em 12 horas o efeito desta ingestão, sendo o arguido encontrado a conduzir por diversas vezes durante tal período e sujeito a testes de alcoolemia positivos, seria autuado e submetido a julgamento mais do que uma vez com base na mesma fonte geradora de responsabilidade criminal) – mas sim a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso agregada à condução automóvel por parte do agente. Por tal, ainda que se demonstre que a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso é ainda a mesma e não foi reforçada no entretanto com novos consumos, atenta a génese da comissão do crime tal segunda condução, no período de 12 horas após a primeira verificada, é considerada no âmbito da problemática do concurso de crimes e de crime continuado ou do crime único, a qual se encontra regulada no artigo 30.º do Código Penal. No n.º 1 do artigo 30.º, referem-se as situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente. Na primeira parte, consagra-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos pela conduta do agente (concurso heterogéneo) e na segunda parte, declara-se que o número de crimes também se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso homogéneo), sendo que em ambos os casos o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só ação, como em vários factos ou várias ações. Mas, em qualquer dos casos, estamos perante concurso de crimes uma vez que este ocorre desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer através de vários factos. Por seu turno consagra o n.º 2 do referido artigo 30.º que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.” Ora, havendo uma única resolução, há um único delito e tendo havido mais do que uma resolução, a regra será o concurso de crimes, constituindo a continuação uma exceção a aceitar quando a culpa se mostre consideravelmente diminuída mercê de factos exógenos que facilitem a recaída ou recaídas. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é um crime cometido no exercício da condução e para o seu preenchimento, conforme supra exposto, basta, pelo lado objetivo, a condução na via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Assim, consuma-se o crime quando, já sob a influência do álcool, o agente inicia o ato da condução ou se coloca nessa situação de excesso durante tal acto da condução. Como resulta da matéria de facto provada, o arguido foi fiscalizado por duas vezes, a primeira pelas 23h41m, tendo sido restituído à liberdade, após a realização de exame de pesquisa de álcool no sangue, que revelou ser portador de uma taxa de 3,03 g/l e notificação de que ficava impedido de conduzir pelo período de doze horas, sob pena de incorrer no crime de desobediência qualificada; e a segunda pelas 00h47m, quando circulava naquele mesmo veículo, revelando, então, após a realização do competente exame, uma taxa de 2,72 g/l de álcool no sangue. A consumação da primeira resolução cessou quando o arguido foi fiscalizado, pela primeira vez, e libertado o arguido formulou um novo desígnio para voltar a conduzir, diferente do primeiro e temporalmente dele separado. Uma vez que temos duas resoluções criminosas, ambas consumadas em atos independentes, e não se vislumbrando que a prática do primeiro ato haja favorecido a decisão ulterior (seria continuada), há dois crimes praticados, independentemente de o arguido ter ou não ingerido álcool entre as suas duas resoluções». O recorrente contrapõe à fundamentação do tribunal a quo a alegação de que à sua conduta global presidiu uma só resolução criminosa, traduzida na pretensão de conduzir ébrio no dia em causa, não existindo, na sua ótica, concurso de crimes. Mais invoca o disposto no n.º 1 do artigo 154.º do Código da Estrada para afirmar que após uma primeira interceção o condutor automóvel alcoolizado apenas pode ser sancionado pela prática do crime de desobediência. Ora, antes de mais importa salientar que o recorrente não impugnou a matéria de facto provada na qual se descrevem dois momentos temporais distintos, apesar de sucessivos, que relatam igualmente duas autónomas atuações do arguido[2]. Assim, num primeiro momento o arguido conduzia na via pública um veículo automóvel quando se encontrava afetado de uma TAS de 3,03 g/l e na segunda ocasião, cerca de uma hora depois, conduzia na via pública um veículo automóvel quando se encontrava afetado de uma TAS de 2,79 g/l. Sucede que a existência de um só desígnio criminoso não está refletida na matéria de facto provada, pois que não consta dos factos provados que o arguido se tenha decidido de uma só vez a conduzir, sob o efeito do álcool, o veículo na via pública, de modo a poder concluir-se que às suas sucessivas atuações apenas essa resolução tenha presidido. Na verdade é o inverso que resulta dos factos apurados, ou seja, extrai-se dessa factualidade que o arguido decidiu e executou, na primeira situação, a condução em determinada estrada após a ingestão de bebidas alcoólicas e sob o seu efeito. Entretanto detido e alertado para a alcoolémia que apresentava, o arguido tomou nova decisão, que executou, de conduzir o veículo quando ainda estava sob os efeitos do álcool que ingerira. Portanto, a matéria de facto provada, repita-se não impugnada, infirma a presença de uma só resolução criminosa a aglutinar toda a atuação do arguido ao conduzir em estado de embriaguez. Depois, a conduta do arguido ao conduzir nesse estado de embriaguez não tem por base uma única e mesma «fonte geradora de responsabilidade criminal»[3] que possa abranger a condução durante todo o período de tempo considerado necessário pela lei para a eliminação dos efeitos do álcool no organismo humano. Sucede antes que a tipicidade do crime de condução em estado de embriaguez exige que o agente pratique a condução de veículo automóvel na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas e sob o efeito das mesmas, conforme se explanou na sentença recorrida. Ademais, a atuação contrária à ordem ínsita na norma do artigo 154.º, n.º 1, do Código da Estrada basta, por si só, para o preenchimento do crime de desobediência, que prescinde da verificação de efetiva embriaguez durante a condução automóvel, além do que, sendo diverso o bem jurídico protegido por cada um dos tipos de crimes, a punição daquele ilícito não abrange a condução em estado de embriaguez. Por conseguinte, reitera-se a fundamentação jurídica vertida na sentença recorrida e conclui-se que a atuação do arguido foi objeto de correta e adequada subsunção jurídica. Nesta perspetiva carece de fundamento, em absoluto, a invocada violação do preceituado no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, não existindo qualquer atropelo do princípio ne bis in idem.”
7. Na matéria de facto provada consta que a arguida depois de já ter sido detida e notificada pessoalmente de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada, decidiu, após a ingestão de bebidas alcoólicas e sob o seu efeito, conduzir o veículo automóvel de matrícula .. - .. - MH, na Avenida …, no Porto pelas 07h30 do mesmo dia 25 de março de 2017, com uma taxa de álcool no sangue de 2,00 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,900 g/l.
8. Por todo o exposto, deve a sentença proferida ser alterada na parte que absolveu a arguida da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, devendo a arguida ser condenada também por tal crime.”
1.3. O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 85.
1.4. Apesar de notificada, a arguida não respondeu ao recurso.
1.5. Pelo Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, foi proferido parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, “e, consequentemente, ser a arguida condenada pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, praticado pelas 7,30 horas do mesmo dia 25 de março de 2017, por que vinha acusada, procedendo-se à determinação da espécie e da medida da pena principal e da medida da pena acessória, a aplicar pelo cometimento de tal crime, e bem assim da pena única resultante do cúmulo jurídico das três penas parcelares.” Alegando como fundamento, em síntese conclusiva, o seguinte:
“a) comparados os bens jurídicos protegidos pelas normas legais que punem a condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 291º, nº 1, CP) e o crime de desobediência qualificada (artigos 348°, n° 2, CP, e 154°, n° 1, CE), e considerando o complexo de factos, dados como provados, em que se analisa a atuação criminosa da arguida, parece-nos forçosa a conclusão de que, num caso como o presente, as citadas normas penais não se encontram, entre si, numa relação de especialidade ou dependência, nem de consunção;
b) assim - estando, em concreto, arredada a hipótese de violação do princípio consagrado no artigo 29°, n° 5, da CRP, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, a que se alude na fundamentação da sentença recorrida - em nosso entender e salvo o devido respeito por diferente opinião, há que punir os três crimes por que vinha acusada a arguida, no âmbito do concurso real de infrações, como propugna o magistrado recorrente: os crimes de desobediência e de desobediência qualificada, já considerados na sentença recorrida, e, ainda, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez consumado pelas 7,30 horas do mesmo dia 25 de março de 2017, na Avenidas …, de que o arguido foi absolvido, em 1ª instância.”
1.6. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público e os poderes de cognição deste tribunal, tendo em conta ademais que o recurso visa apenas matéria de direito, importa apreciar e decidir a seguinte questão:
Saber se, após ter sido pessoalmente notificada de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada, tendo ademais sido informada de que tal impedimento podia finalizar antes dessa hora se, até lá, fosse efetuada contraprova ou novo exame que revelasse uma TAS inferior a 0,50 g/l., e não obstante o conhecimento do teor dessa notificação, a arguida voltou a conduzir aquele veículo no aludido período em que estava impedida de o fazer, e tendo sido novamente submetida ao teste de presença de álcool no sangue, acusando uma TAS positiva de 1,62 g/l, além de um crime de desobediência qualificada, cometeu ou não, em concurso efetivo com este, um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 292º e 69º, nº 1, al. a), do CP.
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos a considerar
2.1.1. Na sentença condenatória proferida nos autos foi considerada provada a seguinte factualidade:
“A arguida, no dia 25 de março de 2016, pelas 5h27m, conduzia na Rua …, Porto, o veículo automóvel ligeiro, com a matrícula .. - .. - MH e, submetida ao teste de presença de álcool no sangue no aparelho qualitativo a ar expirado, acusou uma TAS (taxa de álcool no sangue), de 1.99g/l, motivo pelo que foi conduzida na viatura policial à Divisão de Trânsito da PSP.;
Sucede, porém, que na esquadra da Divisão de Trânsito da PSP, a autoridade policial determinou que a arguida se submetesse ao teste quantitativo de deteção de álcool no sangue através do método de ar expirado, ao que a mesma se recusou, mantendo essa atitude de recusa mesmo depois de informada de que incorreria na prática de um crime.
A arguida recusou-se a efetuar quaisquer outros testes de deteção de álcool, sem que tenha apresentado qualquer razão médica ou física que a impossibilitasse a realizá-los.
A arguida sabia que:
- estava legalmente obrigada e que como tal não podia recusar a submeter-se ao teste de deteção de álcool no sangue.
- o agente policial se encontrava no exercício das suas funções, em fiscalização do trânsito, e que por essa razão a ordem em submeter-se ao teste de deteção de álcool era legítima e emanada por pessoa com poderes para tal.
Não obstante esse conhecimento, sem que existisse qualquer razão médica ou física que a impossibilitasse de realizar o teste, a arguida não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez de modo livre e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
Na ocasião, antes de ser libertada, foi a arguida pessoalmente notificada de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada, tendo ainda sido informada de que tal impedimento podia finalizar antes dessa hora se, até lá, fosse efetuada contraprova ou novo exame que revelasse uma TAS inferior a 0,50 g/l.
Sucede, todavia, que a arguida não obstante ter conhecimento do teor dessa notificação, voltou a conduzir aquele veículo no aludido período em que estava impedida de o fazer, vindo a ser surpreendida pela autoridade policial na Avenida dos Aliados, pelas 07h30 do mesmo dia 25 de março de 2017, altura em que foi novamente submetida ao teste de presença de álcool no sangue no aparelho qualitativo ao ar expirado, acusando uma TAS positiva de 1,62 g/l motivo pelo que foi conduzida na viatura policial à Divisão de Trânsito da PSP.
Já na esquadra da Divisão de Trânsito da PSP a arguida foi submetida ao teste de presença de álcool no sangue no aparelho “Drager”, modelo “Alcotest” – 710 MK III”, tendo-se apurado que o fazia com uma taxa de álcool no sangue de 2,00 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor de 1,900 g/l.
Sabia a arguida que uma vez mais estava a conduzir um veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue superior ao limite máximo legal, o qual também conhecia, tendo agido querendo conduzir o veículo em tal situação.
Ao conduzir um veículo automóvel naquele circunstancialismo e sendo conhecedora do teor e alcance da aludida notificação e advertência, a arguida sabia ainda que estava a desobedecer a uma imposição emanada de autoridade competente que proibia a condução enquanto o impedimento permanecesse, o que era o caso, sendo que a cessação só poderia ser demonstrada através de realização de contraprova ou novo exame antes do fim do período de impedimento que revelassem uma TAS inferior a 0,5 g/l, o que também sabia não ter acontecido.
Atuou da forma descrita, fazendo-o em todos os casos de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
A arguida havia ingerido durante a noite em causa “mojitos”, gin e “shots”.
A arguida tem os seguintes antecedentes criminais:
Foi condenada pela prática em 20 de janeiro de 2011, por sentença que transitou em julgado em 21 de fevereiro de 2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses e 15 dias;
Foi condenada pela prática em 10 de setembro de 2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença que transitou em julgado em 11 de abril de 2011, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses e 15 dias;
Foi condenada pela prática em 08 de março de 2012, de um crime de desobediência, por sentença que transitou em julgado em 27 de maio de 2014, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
Foi condenada pela prática em 06 de setembro de 2014 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença que transitou em julgado em 17 de outubro de 2014, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, e na pena de 7 meses de proibição de conduzir, penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento;
Foi condenada pela prática em 14 de janeiro de 2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença que transitou em julgado em 15 de fevereiro de 2012, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir por 5 meses, estando estas penas também já declaradas extintas.
A arguida é casada, mas encontra-se separada de facto.
Reside com a mãe e trabalha como empregada de mesa e bar, auferindo o salário ilíquido de €650,00 por mês, tendo um contrato de trabalho por 6 meses, renovável, que se iniciou em março passado.
A arguida divide as despesas com a sua mãe, sendo que a renda de casa ascende ao valor de €357,00 por mês.”
2.1.2. Na fundamentação relativa à qualificação jurídica dos factos, e especialmente no tocante à absolvição da arguida do crime de condução de veículo em estado de embriaguez de que vinha acusada, entendeu o Tribunal a quo (transcrição parcial considerada relevante):
“(...)“… cremos, no entanto, que esta segunda atuação da arguida se esgota na prática do crime de desobediência qualificada, não praticando simultaneamente o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sob pena de, caso assim não se entenda, se estar a punir duas vezes o mesmo comportamento da arguida.”
Invocando para tal os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, de 11 de novembro de 2009 e de 03 de junho de 2016, embora ressalvando que tais decisões não incidiram sobre casos “exatamente idênticos, mas versando casos muito semelhantes”.
2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Como já referimos supra, a questão a resolver consiste fundamentalmente em saber se, após ter sido pessoalmente notificada de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada, tendo ademais sido informada de que tal impedimento podia finalizar antes dessa hora se, até lá, fosse efetuada contraprova ou novo exame que revelasse uma TAS inferior a 0,50 g/l., e não obstante o conhecimento do teor dessa notificação, a arguida haja voltado a conduzir aquele veículo no aludido período em que estava impedida de o fazer, e tendo sido novamente submetida ao teste de presença de álcool no sangue, acusando uma TAS positiva de 1,90 g/l, além de um crime de desobediência qualificada, cometeu ou não, em concurso efetivo com este, um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do CP.[1]
Comecemos por fazer uma breve análise dos tipos-de-ilícito em causa.
O primeiro encontra-se previsto no art.º 348º do Código Penal, que diz o seguinte:
“1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples...”
Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que “a pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.”
O chamamento ao caso dos autos da aplicação do disposto no art.º 348º, nº 1, al. a), e nº 2, do CP resulta da factualidade dada como provada supra e da circunstância de o art.º 154º, nº 1, do Código da Estrada estabelecer que “Quem apresentar resultado positivo no exame previsto no n.º 1 do artigo anterior[2] ou recusar ou não puder submeter-se a tal exame, fica impedido de conduzir pelo período de doze horas, a menos que comprove, antes de decorrido esse período,
que não está influenciado pelo álcool, através de exame por si requerido.” Acrescentando-se no seu nº 2 que “Quem conduzir com inobservância do impedimento referido no número anterior é punido por crime de desobediência qualificada.”
Ora, o bem jurídico protegido pelo crime de desobediência é a autonomia intencional do Estado, e “de uma forma particular a não colocação de entraves à atividade administrativa por parte dos destinatários dos seus atos”[3].
Dando-se a consumação do crime de desobediência com a realização da ação ou uma omissão que contrariem a ordem legitimamente emitida[4].
Por outro lado, no tocante ao grau de lesão do bem jurídico protegido, trata-se de um crime de dano, não de um crime de perigo abstrato, e já que a sua consumação representa uma lesão efetiva do bem jurídico protegido, isto é uma efetiva violação da autonomia intencional do Estado, assim como uma intromissão na esfera de atuação administrativa deste, porquanto a conduta desobediente adotada coloca, “de uma forma particular”, “entraves à atividade administrativa” do Estado[5].
Por seu turno, o crime de condução em estado de embriaguez está previsto no art.º 292º, nº 1, do Código Penal, ao dizer que “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Trata-se de um crime de perigo abstrato, porquanto na condução de veículo em estado de embriaguez a consumação típica de tal ilícito criminal dá-se com o facto de a mera conduta ou atividade desenvolvida pelo agente colocar em perigo o bem jurídico ou bens jurídicos protegidos, que são a vida, a integridade física e o património de terceiros[6]. E não fazendo esse perigo parte do tipo, mas constituindo apenas o motivo da proibição, diz-se então que o mesmo é abstrato e não concreto. Ou seja, a razão por que se pune criminalmente a conduta descrita no art.º 292º do CP é o facto de ela colocar em perigo os bens jurídicos constitucional e jurídico-penalmente protegidos, acima referidos.
Como é bom de ver, são distintos os bens jurídicos protegidos pelo tipo-de-ilícito desobediência qualificada e pelo de condução de veículo em estado de embriaguez.
O art.º 30º, nº 1, do CP diz que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido.
Sendo o advérbio “efetivamente” interpretado como pretendo referir-se ao concurso efetivo de crimes, isto é, a uma verdadeira pluralidade de infrações penais, por oposição ao mero concurso aparente, que mais não é do que um mero concurso de normas e constitui, por isso, verdadeiramente, um problema de interpretação de normas jurídicas, isto é, de determinação de quais delas, com exclusão das outras, são aplicáveis ao caso concreto ou a um historicamente determinado caso-problema, porquanto só elas se mostram adequadas ou lógica e teleologicamente ajustadas à respetiva solução. É o que acontece nas relações de especialidade ou de subsidiariedade entre normas, ou ainda nos casos de consunção. Na primeira, e na relação dialética da sua aplicação ao caso concreto, há uma norma especial que afasta uma outra de caráter geral, que com aquela se coloca numa relação lógica de subordinação, aplicando-se então o princípio lex specialis derogat legi generali, acontecendo uma tal subordinação precisamente por a norma especial conter um elemento ou vários elementos adicionais, sejam eles relativos à culpa ou à ilicitude, que o caso concreto também revela, e que a outra norma já não contemplaria para a solução jurídica por si apresentada. É o que sucede, por exemplo, entre as normas incriminadoras do homicídio simples e do homicídio qualificado, dos art.ºs 131º e 132º do CP[7]. Na segunda hipótese, isto é, de relação de subsidiariedade entre tipos-de-ilícito penais, a mesma ocorre quando a aplicação das normas de um tipo-de-ilícito só se torna possível quando não existam outras, abstratamente aplicáveis, que cominem pena mais grave. Sendo isso
o que acontece, por exemplo, entre o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º, nº 1, do CP e o de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art.º 291º, nº 1, al. a), no qual o bem jurídico protegido é o mesmo que o protegido no primeiro crime, mas o perigo para esse bem jurídico, em vez de meramente abstrato, assume um caráter concreto, fazendo por isso parte do tipo, sendo também por isso maior o grau de ofensividade, adveniente da violação da norma, o qual resulta expresso na moldura penal também nele prevista. Sendo que, no exemplo dado, é a própria previsão típica do art.º 292º que contempla expressamente a sua subsidiariedade[8], ao dizer que só se dá a sua aplicabilidade, nos casos em que pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Sendo certo que mesmo que a lei o não dissesse expressamente, sempre a subsidiariedade entre aqueles dois tipos-de-ilícito se registaria por via implícita, atenta a descrição típica, a natureza das condutas em causa e a diferente gravidade da respetiva punição, e ademais em função de uma ser motivada pela existência de um perigo abstrato e a outra de um perigo concreto para o bem ou bens jurídicos ameaçados, sendo certo ainda que ambas as condutas são puníveis com a pena acessória prevista no art.º 69º, nº 1, al. a), do CP.[9]
Chegados a este ponto, é bom de ver que o caso dos autos, isto é, no chamamento, em abstrato, à regulação normativa que o caso-problema nos põe, o tipo-de-ilícito de desobediência qualificada e o tipo-de-ilícito de condução de veículo em estado de embriaguez, nenhuma relação têm entre si de especialidade ou de subsidiariedade, nos termos supra referidos. As condutas típicas, como melhor veremos adiante, não coincidem na respetiva descrição, quer objetiva quer subjetiva, e são muito diferentes os bens jurídicos nelas protegidos.
Mas há um terceiro critério ou fundamento para a solução do problema de normas concorrentes, para além dos da especialidade e subsidiariedade, acima referidos, o qual prescinde inclusivamente da identidade dos bens jurídicos tutelados. Queremos referir-nos à consunção.
Dá-se a consunção quando o conteúdo de um ilícito típico inclui, em regra, o conteúdo de um outro, de tal modo que a condenação apenas pelo primeiro ilícito, por ser mais grave, exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento materialmente considerado, visto na sua globalidade. Sendo que nestes casos se tomam em consideração os factos nas suas conexões típicas, entre si, e “se assume que o legislador teria levado implicitamente em conta esta circunstância, ao editar as molduras penais respetivas.”[10]
Ou seja, e voltando agora ao caso dos autos, se pudéssemos descortinar a vontade da lei, num sentido que nos levasse a concluir que a previsão típica do crime de desobediência qualificada, até pela moldura penal nele prevista que poderia ser aparentemente mais grave, visou abranger a punição da conduta típica de condução de veículo em estado de embriaguez, em que se traduziu a desobediência verificada, então seríamos levados a afirmar a existência de uma relação de consunção entre ambas as normas incriminadoras, levando a que se considerasse afastada na sua aplicação a norma prevista no art.º 292º, nº 1, em favor da contida no art.º 348º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código Penal.
Ou seja, o que importa apurar, face à situação da vida, concreta e historicamente determinada nos autos, a reclamar-se, em abstrato, como suscetível de lhe serem aplicados os dois tipos de ilícito supra referidos, e apurado que seja o sentido jurídico-normativo, axiológico e teleológico dos mesmos, é se um deles, e neste caso o relativo ao crime de desobediência qualificada, se assume como “absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo”, enquanto o outro (no caso o crime de condução de veículo em estado de embriaguez) surgiria “como dominado, subsidiário ou dependente; a um ponto tal que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes constantes do art.º 77º seria desproporcionada, politico-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses inconstitucional.”[11]
Ou seja, mais do que uma relação lógico-formal entre normas penais, em abstrato aplicáveis, ou do caráter diferenciado dos respetivos bens jurídicos por elas tutelados, o que importa apurar é se o “pedaço de vida”, com a concreta expressão que teve nos factos dados como provados, no conjunto dos factos, integra ou não uma pluralidade de sentidos, que de um ponto de vista axiológico-normativo imponha uma necessidade de tutela autónoma dos bens jurídico-penais concretamente violados, através da aplicação do conjunto normativo correspondente a uma pluralidade de crimes ou não.
Como vimos supra, e embora a concreta conexão dos crimes verificada resulte da circunstância de, com uma única ação, ter a arguida preenchido a previsão típica de dois ilícitos penais (concurso ideal heterogéneo), a verdade é que se trata de tipos-de-ilícito penais diversos, que tutelam também diferentes bens jurídico-penais. Sendo certo que uma tal diferença não pode ser considerada à partida determinante, só por si, com vista ao afastamento da possibilidade de verificação de um concurso aparente, porquanto casos há em que a diversidade dos bens jurídicos tutelados não obsta à existência de uma relação de consunção entre os diferentes tipos-de-ilícito e a uma consequente punição única, como sucede, por exemplo, no caso de furto por escalamento, entre o tipo de furto qualificado, p.e p. pelo art.º 204º, nº 2, al. e), 202º al. e), e o de violação do domicílio, p. e p. pelo art.º 190º do CP[12], em que a conduta é punível apenas, de forma abrangente, com base no crime de furto qualificado.
Por outro lado, não se pode afirmar que exista um único sentido de desvalor jurídico-penal na factualidade concretamente dada como provada nos presentes autos, globalmente considerada, e sobretudo em termos tais que se pudesse concluir que a sua punição por via das consequências jurídico-penais previstas no crime de desobediência qualificada, se mostraria adequada, suficiente e proporcionada à proteção dos bens jurídicos com ela violados, e ao mesmo tempo que tornaria inadequado e injusto punir tal factualidade, também com as sansões penais previstas para crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Em favor de uma tal tese poderia ser útil invocar, é certo, não só o facto de a pena principal aplicável prevista para o tipo-de-ilícito que se assumiria como dominante ser mais grave – prisão até dois anos ou multa até 240 dias – do que o outro – pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias -, mas também porque a estruturação do tipo dominante se basearia, ela própria, não só num comportamento de desobediência que alcançaria a sua consumação típica numa execução vinculada, mas sobretudo porque esta estaria óbvia e expressamente baseada (também baseada) numa presunção, embora ilidível, de condução sob o efeito do álcool, a qual, assim vistas as coisas, e numa análise puramente lógico-formal, tornaria redundante e verdadeiramente violadora do princípio ne bis in idem substantivo, uma segunda punição que se baseasse, precisamente, na deteção efetivamente demonstrada de uma condução sob o efeito do álcool, que aquela punição presuntivamente já pressupunha, embora, in casu, especialmente agravada pelo facto de a taxa de álcool no sangue ser mais elevada, e a fazer com que a conduta registada fosse subsumível à categoria de crime e não à de mera contraordenação, esta com a qual aquela presunção, subjacente à punição pela desobediência qualificada, se bastaria.
Mas uma tal argumentação, além de reversível, em termos também lógico-formais, materialmente negligencia a avaliação da intrínseca gravidade da condução de veículo em estado de embriaguez, em si mesma, autonomamente considerada, e mais ainda quando ocorrida de forma reincidente, na sequência da consumação típica de uma outra anteriormente registada, e apesar dela, e de ademais, de permeio, lhe ter sido dirigida uma advertência solene, com cominação do crime de desobediência qualificada, se o agente voltasse a conduzir, precisamente com o fim de reforçar a motivação contra - fáctica e jurídica que já resultaria, logicamente, sem ela, da própria proibição de conduzir veículos em estado de embriaguez, resultante da norma típica incriminadora. Revelando-se, por isso, de uma acrescida gravidade, quer ao nível da culpa, quer ao nível da ilicitude do facto, a conduta do agente que, encontrado a conduzir veículo em estado de embriaguez, e apesar de advertido de que não poderia conduzir nas 12 horas seguintes qualquer veículo, sob pena, simplesmente por esse facto – a não ser que em exame por si requerido demonstrasse que não conduzia sob o efeito do álcool – de incorrer num crime de desobediência qualificada, vem novamente a ser encontrado a conduzir, mas ainda por cima acusando uma taxa de álcool no sangue que, além de reveladora de um estado de influência do álcool é, mais do que isso, e mais grave do que isso, constitutiva de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em idêntica qualificação jurídico-penal à que havia sido verificada algumas horas antes. Sendo irrelevante para a análise operada se na primeira vez o arguido incorreu ou não na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou se no de desobediência, por ter recusado submeter-se ao teste quantitativo de deteção de álcool no sangue.
Não vendo nós assim como possa ser possível afirmar, em tal caso, que a punição pelo segundo crime de condução de veículo perdeu autonomia em relação ao de desobediência qualificada. Além da diferente natureza dos bens jurídicos em causa, a clamar por um especial cuidado na análise da satisfação das necessidades da sua proteção penal, por via de uma punição unitária ou de inclusão material, resultante de um entendimento de adequação e suficiência da punição por via de apenas um dos tipos-de-ilícito, in casu, apenas pelo crime de desobediência qualificada, também há a registar que a maior gravidade da consequência jurídico-penal prevista para o crime de desobediência qualificada, que lhe daria a qualidade ou a natureza de crime predominante, no entendimento que fosse defendido para um mero concurso aparente, não é clara relativamente à que se encontra prevista para o crime preterido. Pois, pese embora a pena aplicável ao crime de desobediência qualificada seja de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, e a do crime de condução de veículo em estado de embriaguez seja a de prisão até um ano ou multa até 120 dias, a verdade é que a esta última pena está ainda associada a aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos – art.º 69º, nº 1, al. a), do CP. Pena esta que ganha uma especial dimensão e expressividade no caso dos autos, dada a circunstância de a conduta perigosa, à qual ela se encontra especialmente dirigida, na sua função de tutela penal e de satisfação das necessidades de prevenção especial, se mostrou reiterada, revelando assim uma específica perigosidade que não vemos que possa ser enfrentada através da mera aplicação do tipo-de-ilícito previsto no art.º 348º do CP. Aliás, no entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a emergência de uma tal perigosidade, a clamar com uma especial veemência a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ademais pelo facto do comportamento levado a cabo pela arguida, todo ele, ter sido fortemente marcado, do princípio ao fim, pela condução em estado de embriaguez, levaria simplesmente à postergação da possibilidade de aplicação de uma tal sanção.
Por outro lado, uma conceção unitária de “facto global” que postergasse a aplicação autónoma da norma prevista no art.º 292º, nº 1, do CP aos factos provados, redundaria numa injustiça prática, levaria a tratar como igual algo que materialmente não o é, por não atender à diferença, porque dela obviamente prescindiria, entre aqueles casos em que a desobediência tivesse decorrido por via de uma conduta, que embora violadora da obediência devida, não fosse subsumível ao tipo-de-ilícito previsto no art.º 292º, nº 1, apesar de o agente conduzir em estado de embriaguez, daquela outra que o não fosse, por o respetivo agente, embora conduzindo o veículo no período compreendido nas 12 horas a que alude o art.º 154º do CE, o fizesse contudo sem que fosse portador de qualquer taxa de álcool no sangue, mas ao mesmo tempo não lograsse fazer a prova de tal facto, ao abrigo do art.º 154º do CE, ou sem que a sua conduta desobediente, à luz do art.º 348º, implicasse qualquer perigo para a segurança rodoviária, assim como para os bens pessoais e patrimoniais de terceiros.
Consideramos, portanto, que a factualidade dada como provada nos autos, de um ponto de vista teleológico, jurídico-material, necessário á tutela eficaz dos bens jurídicos concretamente violados, implica um tratamento jurídico-penal autónomo, que não unitário e, desse modo se dando a verificação constitutiva de dois crimes, em concurso efetivo, nos termos do art.º 30º, nº 1, do CP, um de desobediência qualificada, previsto e punido pelo art.º 348º, nº 1, al. a), e nº 2, do CP e outro de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do CP. Sendo que as razões de índole material, supra referidas, que levam à necessidade de tutela penal por referência ao preenchimento necessário daqueles dois tipos de ilícito, levam também a concluir que não existe, nem uma relação de consunção entre os dois tipos de crime referidos, nem implicam também qualquer violação do princípio ne bis in idem substancial.
Assim sendo, importa agora determinar a pena aplicável ao crime de condução em estado de embriaguez, fixadas que foram já as penas em relação aos restantes crimes em concurso.
Tal crime é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias e ainda com a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos – art.ºs 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do CP.
A determinação da medida concreta de uma e outra pena obedece, no essencial, aos mesmos critérios aplicáveis à determinação da pena principal, designadamente os previstos no art.º 71º do Código Penal. Ou seja, não só em função da culpa do agente, relevando esta como limite máximo da punição, mas também das finalidades de prevenção geral, as quais se mostram atingidas sempre que o efeito da ameaça penal, por referência ao momento da aplicação da pena, permita alcançar a “tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida”[13] (aspeto positivo), mais do que uma intimidação dos potenciais delinquentes (aspeto negativo). Sendo que no que diz respeito à prevenção especial, esta valerá fundamentalmente na sua dimensão positiva, pelo efeito de socialização que a pena permitirá produzir em relação ao agente, mais do que a intimidação que lhe possa causar – dimensão negativa[14]. Impondo o nº 2 do art.º 71º do CP que na determinação concreta da pena, o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as que aí resultam especificadas nas al. a) a f). Sendo certo que, no caso da pena acessória de proibição de conduzir, relevarão essencialmente razões de prevenção especial, assentes na específica perigosidade revelada pelo condutor no caso concreto e pelo modo como desrespeitou ou repetidamente desconsiderou a norma penal.
Ora, a moldura penal traduz a gravidade mínima e a gravidade máxima de que um determinado ilícito se pode revestir, tendo em conta os critérios legalmente estabelecidos para determinar uma tal gravidade. Ínsita a uma tal possibilidade de variação da pena está a justiça da decisão do caso concreto, não só em si mesmo considerado, mas também em comparação com os casos que possam ser mais ou menos graves que ele, de molde a que a pena fixada corresponda a essa avaliação de uma forma considerada minimamente adequada e proporcionada. Daí a atividade judicial da sua determinação ser juridicamente vinculada, no sentido de que deverá basear-se, não em critérios intuitivos ou de pura discricionariedade, de uma certa “arte” de julgar, ma sim em critérios que permitam perceber e sindicar a valoração e quantificação da pena encontrada, de molde a poder concluir-se, pelo menos, que a pena encontrada se encontra próxima da que foi achada para casos similares, assim como acima, e proporcionalmente acima, ou abaixo, dos mais ou menos graves, subsumíveis ao mesmo tipo-de-ilícito. A isso impõem os princípios da necessidade e da proporcionalidade da pena, desde logo consagrados no art.º 18º da CRP, bem como o princípio da igualde na aplicação da lei penal.
Da factualidade dada como provada nos autos resulta que a arguida conduzia um veículo motorizado, mais precisamente um veículo automóvel, com uma taxa de álcool no sangue de 2,00 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, ao valor de 1,900 g/l.
Ora, é sabido que o risco de acidente aumenta exponencialmente com o aumento da taxa de álcool no sangue. Segundo estudo encomendado pela Comissão Europeia (Study on the prevention of drinkdriving by the use of alcohol interlock devices), o risco de acidente com uma TAS de 1,80 g/l aumenta em mais de 50 vezes o risco de acidente.
Ou seja, a arguida conduzia o veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue que implicava um aumento exponencial de risco de acidente superior a 50 vezes e muito superior, portanto, àquele que a norma do tipo-de-ilícito prevê para que a conduta seja punida como crime, isto é 1,20 g/l. Tal circunstância, agrava necessariamente a ilicitude da conduta adotada pela arguida.
Acresce a tal facto que a moldura penal contempla ainda a punição das condutas a título de negligência, ou seja, condutas que em termos, quer do grau da ilicitude quer da culpa, se situam necessariamente num âmbito de menor gravidade do que a conduta dolosa, como é o caso da dos autos. Conduta dolosa essa que assume uma intensidade elevada, porquanto cerca de duas horas antes, pelas 5h27m havia sido encontrada a conduzir o mesmo veículo automóvel e, depois de ter sido submetida ao teste de presença de álcool no sangue no aparelho qualitativo a ar expirado, e de ter acusado uma TAS (taxa de álcool no sangue), de 1.99g/l, recusou-se depois disso a submeter-se ao teste quantitativo de deteção de álcool no sangue através do método de ar expirado, mantendo essa atitude de recusa mesmo depois de informada de que incorreria na prática de um crime.
E tendo sido pessoalmente notificada de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada, tendo ainda sido informada de que tal impedimento podia finalizar antes dessa hora se, até lá, fosse efetuada contraprova ou novo exame que revelasse uma TAS inferior a 0,50 g/l, mesmo assim acabou por voltar a conduzir, revelando uma forte determinação na realização da conduta ilícita agora em causa. Sendo por esse facto a sua culpa também muito elevada.
Por outro lado, ao nível da perigosidade, pelo menos em abstrato, a norma abrange tanto a condução de veículo pesado de mercadorias como de veículo ligeiro de passageiros, um motociclo ou uma pequena motorizada, ou ainda um veículo sem motor. Cada um com diferente potencial ofensivo e de perigosidade para os bens jurídicos de caráter pessoal e patrimonial, que necessariamente devem ser tidos em conta. Sendo que no caso dos autos a arguida conduzia um veículo automóvel ligeiro.
Ou seja, na abordagem da moldura penal deve ser deixado espaço, no que toca à aproximação do seu limite mínimo para o caso de condutas meramente negligentes, com uma taxa de álcool no sangue próxima de um mínimo de 1,2 g/l, e condução de veículos com ou sem motor com um potencial de menor perigosidade.
Por outro lado, a arguida é detentora de vários antecedentes criminais pela prática de crimes análogos aos dos autos.
Revela, face aos factos dados como provados, estar familiar e profissionalmente integrada, circunstância a considerar sobretudo no âmbito da determinação das necessidades de prevenção especial. Porém, concomitantemente a eles, a culpa e a ilicitude concretamente reveladas nos factos, bem como a conduta posterior e anterior a estes, impõem especiais preocupações no que toca à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial, e sobretudo para o juízo de prognose no que toca à sua ressocialização, e à função que nesta a pena a aplicar pode e deve concretamente assumir.
Daí também que, face aos antecedentes criminais da arguida, e à gravidade dos factos agora em causa nos autos, não se nos ofereça como possível a opção pela pena de multa, prevista em alternativa à pena de prisão, uma vez que a mesma não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art.º 70º do CP.
Tudo ponderado, realçando-se ademais as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscita, entende-se como adequada à salvaguarda das necessidades da punição, e sem prejuízo da culpa concretamente registada, a aplicação à arguida de uma pena de 10 meses de prisão.
No que toca à proibição de conduzir veículos motorizados, embora os critérios de determinação da pena sejam, no essencial, os mesmos que são aplicáveis à determinação da pena principal, designadamente os previstos no art.º 71º do C. Penal, a verdade é que na sua determinação deve ser tido especialmente em conta a perigosidade do agente, de molde a preveni-la no futuro e desse modo dar também satisfação, não só às necessidades de prevenção especial, mas também geral.
Ora, da factualidade dada como provada nos autos resulta que a arguida tem vários antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza da dos autos. Sendo por isso difícil produzir um juízo positivo no que toca às necessidades de prevenção especial, porquanto, pese embora se encontre a trabalhar e pareça estar familiarmente integrada, a verdade é que a perspetiva que se possa ter da sua perigosidade, em termos de reincidência, é bastante negativa.
Assim sendo, considera-se suficiente e adequada à salvaguarda das necessidades da punição a fixação da proibição de conduzir veículos com motor por um período de 12 meses.
Dito isto, importa agora encontrar a pena única do concurso dos crimes por que foi condenada a arguida nos presentes autos:
- pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos art.ºs 152°, n° 3, do Código da Estrada e 348°, n° 1, al. a), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
- pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos art.ºs 154°, nº 2, do Código da Estrada e 348°, n° 2, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
- pela prática, em 25.03.2017, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão;
- pela prática do primeiro crime supra referido, ainda na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses;
- e pela prática do último crime acima referido, também na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses.
Nos termos do art.º 77º, nº 1, do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Sendo que nos termos do nº 2 do mesmo artigo a pena aplicável, nos casos de concurso de crimes, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No caso dos autos temos, portanto, uma moldura de cúmulo jurídico que vai de um mínimo de 1 ano de prisão a um máximo de 2 anos e 7 meses de prisão.
Considerando que os factos no seu conjunto, bem como a personalidade da arguida neles revelada, e também revelada nos seus antecedentes criminais, por crimes de idêntica natureza, revelam uma gravidade e sobretudo uma perigosidade que se podem considerar elevadas, entendemos como adequada à satisfação das necessidades de prevenção que o caso reclama a fixação da pena única em 1 ano e 4 meses de prisão, e a pena de única de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 6 meses.
Sendo que, relativamente à pena de prisão aplicada, tal como o fez o Tribunal a quo, deverá ser determinada a suspensão da sua execução, nos termos do disposto nos art.ºs 50° e 52°, n° 1, al. b), do Código Penal, pelo período de 1 ano e 4 meses, subordinando-se tal suspensão ao cumprimento do Programa "Responsabilidade e Segurança", dinamizado pela DGRSP, nos termos também decididos pelo mesmo Tribunal.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, na parte em que na mesma foi absolvida a arguida B… da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs 292°, n° 1, e 69°, n° 1, al. a), do Código Penal, de que vinha acusada e, consequentemente, para além da condenação da arguida, já determinada:
a) na pena de 9 (nove) meses de prisão, pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos art.ºs 152°, n° 3, do Código da Estrada e 348°, n° 1, al. a), do Código Penal;
b) na pena de 12 (doze) meses de prisão, pela prática, em 25.03.2017, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos art.ºs 154°, nº 2, do Código da Estrada e 348°, n° 2, do Código Penal;
c) e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69º, nº 1, al. a), pelo período de 12 meses;
Vai ainda a arguida condenada:
d) na pena de 10 meses de prisão, pela prática, a 25/01/2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs 292º, nº 1, do CP;
e) bem como na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69º, nº 1, al. a), pelo período de 12 meses;
f) Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, vai a arguida condenada, nos termos do disposto no art.º 77°, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
g) Bem como na pena acessória única de 1 ano e 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, ficando a arguida obrigada a entregar a carta de condução, no prazo de dez dias a contar do trânsito deste acórdão, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial (artigos 69.°, nºs 2 e 3, do Código Penal e 500º, nº 2, do Código de Processo Penal), sob a cominação de, não o fazendo em tal prazo, cometer o crime de desobediência, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência com o n° 2/2013.;
h) Determina-se ainda a suspensão da execução da pena única de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, subordinando-se tal suspensão ao cumprimento do Programa "Responsabilidade e Segurança", dinamizado pela DGRSP e composto pelas seguintes ações:
1. frequência do curso "Prevenção e Segurança Rodoviária", dinamizado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, suportando a arguida os respetivos custos, em data e hora a indicar à arguida pela DGRSP;
2. frequência do curso "Condução de Veículo em Estado de Embriaguez - Estratégias de Prevenção de Reincidência", dinamizado pela DGRSP, em data e local a indicar à arguida por esta entidade;
3. realização, durante o período da suspensão, de entrevistas com o técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida, devendo ser trabalhada a interiorização do desvalor da sua conduta e o treino das competências pessoais e sociais em défice, nomeadamente a do pensamento consequencial;
4. realização de consulta de alcoologia com médico e em serviço que serão indicados à arguida pela DGRSP, obtido o consentimento prévio daquela;
5. apresentar-se na DGRSP quando para tal for convocada e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário.
Sem custas.
*
Porto, 27 de outubro de 2017
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Sendo certo que no sentido da existência de um concurso efetivo de crimes se pronunciaram, entre outros, os acórdãos deste Tribunal da Relação, de 20/04/2016, Pº 794/15.9PFPRT.P1, de 28/09/2016, P.º 95/2016.5PFPRT.P1 e de 19/04/2017, Pº 507/16.8PTPRT.P1, e em sentido contrário os acórdãos, também deste Tribunal da Relação, de 11/11/2009, Pº 516/09.3PTPRT.P1, e de 03/06/2016, Pº 810/15.4PFPRT.P1, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jtrp..
[2] Ou seja, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
[3] Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 350.
[4] Ibidem, p. 352
[5] Neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, Idem, p. 350
[6] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da Republica Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 827.
[7] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 994.
[8] Cf. Jorge Figueiredo Dias, Idem, p. 997 e ss. e Paulo Pinto de Albuquerque, Idem, p. 828
[9] Jorge de Figueiredo Dias, Ibidem, p. 999 e ss.
[10] Ibidem, p. 1001.
[11] Ibidem, p. 1015.
[12] Ibidem, p. 1001
[13] Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 228
[14] Prof. Anabela Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa da liberdade, 1995, p. 317 e segs..